quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Acabo de ler "They Eat Puppies, Don't They?" de Christopher Buckley (lido em inglês)

 


Livro:

They Eat Puppies, Don't They?


Autor:

Christopher Buckley


Christopher Buckley é o rei da sátira americana, tal como Nelson Rodrigues foi o rei da sátira brasileira. Mas, precisamente, o que é a arte da sátira? Em primeiro lugar, não podemos definir a sátira como uma redução ao absurdo, mas sim como algo que vá além disso. Uma boa sátira se traduz em captar a essência de um problema, captá-lo de forma radical, e traduzi-la em forma de piada para que as pessoas se afastem, tal como num exercício cômico ou numa catarse engraçada, do problema em que estão envoltas.


Grande parte da cultura moderna, sobretudo no âmbito do humor, não é ao todo cativante. Se vermos um humorista mais conservador, a sua sátira dos progressistas é extremamente clichê e dá a entender que ele não compreende quem está satirizando. Se formos a um humorista mais progressista, parece-nos que ele nada entende de conservadorismo. A sátira, para ser certeira, requer o rigor de quem toma uma cerveja para saborear e depois decidir qual o gosto dela.


Pensemos nos livros do senhor Christopher Buckley que analisei anteriormente. Sugeri que o leitor ou a leitora use o "modo web" e clique no nome "Christopher Buckley". No livro "Thank You for Smoking", existia um quadro diverso de críticas, o lobby do cigarro era um deles. No livro "Make Russia Great Again", o objeto era o próprio Donald Trump. No livro "Little Green Men", a ideia absurda de transformação radical de um homem que se tornou em uma espécie de "lunático" e perdeu tudo. Todos esses temas, se olhados de longe, não são só sérios. São drasticamente sérios no mais rigoroso e concreto sentido do termo. Porém Christopher Buckley, em seu raciocínio, trouxe eles com a maestria de quem faz a carne mais dura se tornar a mais macias das carnes.


Entender como as ideias se formam e como elas são manipuladas e enviesadas para atuarem em conformidade com grupos, essa é a missão desse livro. É evidente que a sátira alivia e atenua a situação. Eu costumo dizer que a ficção é um "conceito aplicado a uma realidade simulada". E compreendo os personagens como "pessoas-conceito", onde cada um desempenha conceitualmente o seu papel de forma viva. Dentro de uma obra de ficção satírica, isso equivale a um papel razoavelmente exagerado.


Eu digo que esforço do Christopher Buckley é um ato de recuperação da voz diante do absurdo. É olhar para o mundo em ruínas, completamente tombado pela ridicularidade densa e satirizá-lo não por ele ser sério, mas por ser em si mesmo uma sátira. Christopher analisa a partir de múltiplos pontos, dos quais conhece extremamente bem. É por isso que a sua sátira não é unidirecional, mas multidirecional. A sátira buckleyriana é extremamente humana, densamente humana, como se composta por uma série de corações juntados com uma linha e uma agulha.


Em "Little Green Men", por exemplo, não há só uma sátira para teorias da conspiração e controle do governo. Há também um ponto extremo: a marginalização social dos assim chamados excêntricos. Aqueles que não podem ser controlados pela norma social. Aqueles que escapam das categorias que enquadram e oprimem. Aqueles que pelo não enquadramento, caem no martírio social. Christopher Buckley é particularmente excelente em trazer a ideia de "imagem pública" diante de múltiplos cenários e múltiplos grupos sociais. Em "Thank You for Smoking", isso é particularmente excelente também.


Os conflitos que Christopher Buckley apresenta não são unidimensionais. A sátira não é um reductio ad absurdum do universo que trata. Todas as relações humanas são bem trabalhadas em suas novelas satíricas. Há uma dimensionalidade enorme das relações humanas em suas críticas. Creio que é isso que faz Christopher Buckley ser quem ele é. Mesmo que ele não seja um autor muito lido no Brasil, o brasileiro poderá encontrar nele horas de diversão e de expansão de horizonte de consciência. 


Um dos fatores que me fez amar Christopher Buckley é o fato de que ele não é uma espécie de "alinhado". Não é um homem que toma, em suas considerações, posicionamentos fáceis e rápidos, tal como se seguisse uma cartilha ideológica pronta. Não é aquilo que poderíamos chamar de "orgânico de partido" ou "partidário", mas sim um intelectual que observa atenta e criticamente a forma com que as relações humanas se constroem. Em outras palavras, ele é distinto de muitos intelectuais brasileiros que vivem em função de aprovar ou negar automaticamente (e alinhadamente) conforme a posição do grupo em que se está.


Um intelectual como Buckley não pode ser catalogado de forma simples. Ele não vive em função de um panelismo mequetrefe. Ele não ali para justificar um posicionamento de um político não importando qual posicionamento seja. Em outras palavras, é um homem que estuda múltiplos pontos e toma posicionamentos equilibrados, afastando-se de um viés extremamente militante e ideologizado. A obra de Buckley é mais um apagamento de paixões do que um obra voltada ao propagandismo político.


Num mundo em que a panelização, seitização e tribalização tomam conta do mundo, Christopher Buckley ergue-se como um homem que apaixonadamente despaixona o mundo. Isso leva a uma quebra de encantamentos falsos de bezerros de ouro e seus eternos fetiches mentais rodando em ciclos idiotizantes.


Aquele que não reduz a sua vida intelectual em um exercício contínuo de mesquinharia ideológica sempre acaba por ser afastado dos mais diversos grupos. Isso ocorreu com Christopher Buckley e ocorrerá com qualquer intelectual que seja verdadeiramente livre.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Acabo de ler "Make Russia Great Again" do Christopher Buckley (lido em inglês)


Nome:

Make Russia Great Again


Autor:

Christopher Buckley


Nem todo conservador é neoliberal, conservadores hamiltonianos ou federalistas creem em um Estado forte. Nem todo conservador é contra o aborto, os Republicanos Rockefeller eram a favor. Nem todo conservador acredita em guerra contra as drogas e é contra o casamento homoafetivo, o próprio Rick Wilson falou sobre a legalização da maconha e o casamento homoafetivo como algo positivo. Nem todo conservador é contra o Estado de bem-estar social, os Red Tories (conservadores vermelhos) veem como algo positivo. Nem todo conservador é pró-capitalismo, Patrick Deneen e Christopher Lasch podem ser consideras anticapitalistas. Nem todo conservador é a favor de jornadas de trabalho excessivas, conservadores como Kevin Roberts viram nas jornadas laborais excessivas como algo anti-família.


Densas reflexões históricas me fizeram chegar onde estou. Cresci com um pai anarquista e um tio comunista. Li Karl Marx, li Proudon, li Lênin, li Bakunin, li Kroptokin, li Stalin. Até hoje leio pensadores anarquistas, socialistas e comunistas. Se tem algo que aprendi na vida intelectual, é a ler de tudo. Se alguém questiona as minhas ações, lembre-se: o liberal Carlos Rangel elogiou Marx em uma entrevista que fez com Friedrich Hayek e assumiu usar parte do seu método de análise; um dos maiores conservadores de todos os tempos, Christopher Lasch, usava métodos neomarxistas e da Escola Crítica para realizar a sua crítica.


Os últimos tempos têm sido radicais. Muitas ações foram feitas, mas poucas reflexões e análises históricas foram tomadas ao lado dessas ações. Durante o período da covid, Bolsonaro tomou os mesmíssimos erros de Reagan na época da AIDS: deixou-se pautar por teorias da conspiração, obstruiu processos que ajudariam a melhor conter a crise, adquiriu uma agenda pseudo-científica e até mesmo anticientífica.


Grande parte do movimento conservador de hoje é crítico do neoconservadorismo. Os conservadores brasileiros até hoje não absorveram plenamente essa lição. O neoconservadorismo, e em grande parte a sua retórica econômica neoliberal, cometeu diversos equívocos que merecem ser recordados:


1. Retiraram a regulamentação antitrust que, por sua vez, fez com que o mercado se tornado extremamente dominado por oligopólios e monopólios, fazendo com que empresários aumentassem o preço dos seus produtos. Um mercado com leis antitrust seria mais descentralizado e competitivo, o que se traduziria em preços menores;

2. A ideia de vantagens comparativas levou a muitos países fazerem aberturas gigantescas e tirassem a intervenção estatal de amplos setores, o que levou a desindustrialização em massa, tornando países menos soberanos em matéria econômica, levando a um desemprego de amplas massas e tornando-os vulneráveis;

3. As guerras no exterior levaram a uma série de mortes, o neoconservadorismo é uma das ideologias mais sanguinárias da história.


Pensava em tudo isso enquanto lia o livro de Christopher Buckley (Make Russia Great Again). Creio que Christopher Buckley traz uma importante lição nesse livro. E, mais do que isso, creio que a lição é exatamente essa: por mais absurda que as coisas venham se tornado, ainda podemos rir da ridicularidade do mundo.


Vim de uma geração que é fruto de outra geração que negou o que a esquerda se tornou. Graças a isso, grande parte da minha geração cresceu alérgica aos movimentos de massa. Se a esquerda foi do "é proibido proibir" para a sua icônica aversão ao liberalismo cultural em nome de um neopuritanismo, a própria direita transfigurou-se em uma versão neopuritana com os eventos históricos mais recentes.


Anteriormente, a ideia de politicamente incorreto era uma resposta a uma esquerda neopuritana — ou woke, em uma linguagem mais moderna. Hoje em dia, a direita é em si mesma tão woke quanto a esquerda. Não por acaso, certos setores do movimento conservador chamam vários setores da direita de direita woke (só pesquisar "woke right" no Google). Vale lembrar: wokeísmo é estrutura comportamental, não uma ideologia.


Com a ascensão de Trump, vimos um momento de transformação na direita. Não éramos mais um movimento qualquer de gatos pingados e soltos. Tínhamos um "movimento" próprio, filmes próprios, gostos próprios. Construiu-se todo um universo. Só que, com ele, toda uma série de populismo e agregação em massa. Toda reflexão do novo conservadorismo, o conservadorismo-populista surge graças a essa mudança.


Acontece que agregar tantas pessoas sem garantir a elas uma formação intelectual adequada é um pecado que ocorre em ciclos de direita e de esquerda. A formação de eleitores "críticos e conscientes" não é desejável para ninguém, visto que o número de exigências e critérios sobem. Também existe o simples fato de que ninguém quer um movimento consciente, mas um rebanho de votantes fidedignos e manipuláveis. Às vezes tal movimento decorre da simples preguiça de estudar e promover o estudo.


Para se popularizar, a direita adotou as palavras de ordem e exigiu um adesismo sem contestação. Todo mundo que era de esquerda ficou de fora, mas não só isso, vertentes menos conhecidas da direita, como é o caso dos Red Tories, dos liberais republicanos, dos neohamiltonianos, dos conservadores anticapitalistas como Christopher Lasch e Patrick Deneen, além de evidentes conservadores não tão alinhados ao trumpismo e bolsonarismo (Christopher Buckley, Rick Wilson, Stuart Stevens, Luiz Felipe Pondé e João Pereira Coutinho), todos ficaram de fora. A lógica da seitização tornou-se imperiosa, uma espécie de dogma grupalista. Hoje em dia acabamos por virar uma seita reacionária, movida por palavras-chaves.


No passado, o nosso ódio pela esquerda se justificava pelo seguinte argumento: não queremos concordar automaticamente e diluir a nossa personalidade em uma lógica de bandos. Hoje em dia, o que é ser de direita, na ampla maioria dos casos, se não a concordância bovina com grupelhos? Tornamo-nos uma sátira. Pior do que isso, estamos cada vez mais comportamentalmente parecidos com a esquerda que desprezávamos.


A grande promessa, ao entrar na direita, era de que, por fim, teríamos a liberdade intelectual de ler de tudo e discordarmos pontualmente de vários pontos. A aliança era entre duas ou mais singularidades que protegiam a singularidade uma da outra. Hoje em dia, a aliança é um neopuritanismo mau-caráter (direita woke) e um estranho reaganismo econômico que se mescla com discursos populistas de Donald Trump.


Do outro lado, ergue-se uma esquerda que nos odeia muito mais do que já odiou. Qualquer um que não seja de esquerda é quase que automaticamente um fascista. Não existem conservadores ilustrados, tampouco estadistas. Não vemos um novo Hamilton, não vemos um novo Nelson Rodrigues, não vemos um novo Gustavo Corção.  Mais do que isso: somos sempre confundidos com trumpistas e bolsonaristas.


Grande parte do que aparece hoje em dia é:

— Vou te expulsar do meu movimento!

— Eu me tornei conservador para NÃO TER um movimento.


Eis a grande sacada que as novas gerações não entendem: quando nossa versão do conservadorismo surgiu, o que menos queríamos era ter um movimento. Não queríamos ser um "grupo", um "coletivo" ou qualquer "eu plural" que se ergue de forma semelhante. Queríamos ser apenas nós mesmos, em nossas individualidades, falando livremente e sem medo de punições coletivas que se erguiam nos espaços da esquerda tribalizada.


Essa diferença geracional, que agora é gritante em todos os espaços, fez com que várias pessoas largassem o título de "conservadoras" e privadamente se recolhessem em livros e em comunidades internacionais isoladas. Em outras palavras, os conservadores, portadores de uma consciência pessoal, lavaram as mãos para os coletivistas, sejam esses trumpistas ou bolsonaristas.


Erguem-se campanhas cancelacionistas de toda natureza. Agita-se o empresariado para demitir esquerdistas. Agita-se a população para cancelar a Netflix. Agita-se o povo para atacar esquerdistas gratuitamente. Nunca se faz uma campanha de estudos e diálogo. Nunca se faz uma análise comparada de diferentes escolas do pensamento conservador. Perdoem-me o exagero retórico. O fato é: temos que estudar mais, ler mais livros, sermos mais tolerantes e pautarmos nosso debate por artigos e livros. Temos que dar respostas prudentes. Virar uma seita não é e nunca será a solução.


O movimento politicamente incorreto era, antes de qualquer coisa, um estado de espírito contra-cultural de acadêmicos ou de intelectuais que se erguiam contra uma esquerda que vivia de vieses de confirmação e com o levantamento de um sacro cânon de caráter inquestionável em sua sanha inquisitorial e tacanha. Não um novo dogma que seria levantado para uma luta inter-dogmática, onde duas grandes religiões batalhariam pela verdade universal de suas fés. É evidente que tal movimento foi se tornando um movimento de falsificação histórica em prol de uma leitura hagiográfica de nosso próprio movimento. É evidente que ele abriu margem para o mais bestial reacionarismo. Temos que admitir as nossas falhas, aceitar os erros que cometemos pela história e buscar soluções mais bem pensadas para o presente, preparando assim um futuro de paz e esperança.


Quem leu a obra de Nelson Rodrigues veria ele criticando todo moralismo tacanho de uma classe média hipócrita, as esquerdas e os próprios conservadores. Quem leu Christopher Buckley veria ele atacando republicanos e democratas tal como quem pega uma metralhadora giratória e brinca de gira-gira. Ser conservador não é o mesmo que ser um tradicionalista moral.


Os conservadores brasileiros surpreendem-se com palavrões, conservadores americanos inteligentes, tal como Rick Wilson, usam a rodo. Nunca vi uma mistura tão boa quanto a do senhor Wilson: humor, erudição e sinceridade. No Brasil, como acharíamos tamanha referência? Aqui o coletivismo ainda é maior, inclusive por razões culturais. Se nos Estados Unidos houve o "The Lincoln Project", com conservadores erguendo-se contra Trump, no Brasil poucos gatos pingados tiveram a mesma coragem de se oporem ao Bolsonaro.


A desconstrução do conservadorismo em prol de um horizonte mais coletivo e mais facilmente assimilável pelas massas data desde o reaganismo. Neoconservadores fizeram um exercício estupendo em destruir todas as outras tradições conservadoras e reinterpretar todo o conservadorismo em sua imagem e semelhança. Isso empobreceu radicalmente as distinções entre os mais diversos setores. Exemplos disso são Michael Oakeshott e Theodore Darymple, dois agnósticos. Se toda a história conservadora se resume a uma nota de rodapé do cristianismo, por qual razão esses dois são agnósticos? A resposta é simples: segundo a direita religiosa — mais especificamente a vertente neoconservadora —, eles não podem sequer existir. Ou, pura e simplesmente, estão em contradição.


Enquanto eu devorava as partes desse livro, fui percebendo o quanto nos perdemos nos últimos tempos. Muita gente entrou no pensamento conservador por não gostar do que a esquerda se tornou, porém moveu-se pela carência. A carência fez com que concordassem e aderissem qualquer coisa. Nota-se que aderiram qualquer coisa. Críticas rasas ao pensamento de esquerda e pura mentalidade reativa — "se a esquerda é a favor, somos contra" — foram fenômenos típicos dos últimos anos.


O dualismo moral que a esquerda tinha era abismal. Hoje em dia, o "conservador" — ou "pseudoconservador" ou "conversador" — erguer-se-a para proclamar o dogma da santidade de Bolsonaro. Tal como se isso fosse típico de uma linha de pensamento que cresceu a base do pessimismo, ceticismo e pragmatismo. Ao mesmo tempo que levanta, contra Lula ou o Partido Democrata, todas as mais extravagantes acusações.


O problema da maioria dos conservadores sempre foi o fato que a "nossa base" — usando um linguajar mais à esquerda — sempre foi fantasticamente mais estúpida que a base da esquerda. Um amigo meu costumava a dizer: "a esquerda chama os imbecis de 'base' e nós chamamos os nossos de bolsonaristas por ausência de um nome melhor". O fato é: pessoas comuns são mais temerosas quanto possíveis mudanças. Graças a isso, há uma tendência natural que pessoas pouco estudiosas sejam conservadoras. Quanto aos conservadores estudiosos, são por serem céticos quanto mudanças rápidas. Ser eclético e ver múltiplas críticas a diferentes sistemas também leva ao conservadorismo. Creio que o que me tornou conservador foi ter lido — e ainda ler — múltiplas escolas de pensamento.


O que gosto de Christopher Buckley é que eu enxergo nele o mesmo que vi enquanto lia a obra de Nelson Rodrigues. Enquanto eu lia as crônicas de Nelson Rodrigues, encontrei nele um homem que defendia a consciência pessoal acima de tudo. Enquanto eu lia os romances de Nelson Rodrigues, encontrei nele um homem que via o reino sutil das contradições humanas de forma ímpar. Enquanto eu lia as peças teatrais de Nelson Rodrigues, encontrei nele um homem que era capaz de ser um assíduo crítico social. Christopher Buckley consegue captar muito das contradicoes humanas.


Se Carlos Lacerda xingava nosso querido Nelson Rodrigues, Christopher Buckley é odiado por vários desses coletivistas que se apossaram do movimento conservador. A sua crítica ímpar, capaz de perscrutar na alma de vários desses homens, nunca sai ilesa de ofender aqueles que ela penetra. Não por acaso, torna-se um dos "excomungados" pela nova direita trumpista. Se Christopher Buckley fosse mais conhecido no Brasil, certamente receberia a "honra" de ser "excomungado" pelos bolsonaristas. 


O motivo de Christopher Buckley ser odiado é pelo fato de ele não se curvar perante ao grupalismo reinante de nossos tempos. Um grupalismo que demonstra toda a infantilidade e panelismo de nosso tempo, onde toda adesão tribal é considerada como a marca de um distinto orgulho e toda singularidade é vista como "ser de outro grupo" ou, até mesmo, "ser o inimigo". O que é surpreendente: grande parte da crítica de Carlos Rangel ao esquerdismo é o fato deles odiarem singularidades e pessoas subjetivas. O que ocorreu com o bom senso? Ou melhor, o que ocorreu com a defesa da singularidade e da consciência pessoal?


Quando leio esse livro, eu posso sentir isso novamente. É a sensação de algo vivo. Algo que demonstra que ainda é possível ser um verdadeiro pessimista, um verdadeiro cético, um verdadeiro pragmático, um verdadeiro prudente. Tudo isso sem perder o bom humor e a capacidade de se afastar das situações ou de apologéticas duvidosas. É o mesmo conservadorismo moveu Eisenhower e o mesmo conservadorismo que moveu Hamilton. O mesmo conservadorismo que é capaz de tomar decisões razoáveis diante das tempestades da crise.


Quando leio Christopher Buckley, sinto um alívio. Vivemos em um mundo em que até a comunidade de ufologia (estudantes de extraterrestres) consegue ser mais razoável que certos setores políticos nacionais. As impressões de certos setores populacionais começa a se pautar radicalmente por teorias conspiratórias e ideias radicais, além de teorias anti-intelectualistas de toda ordem. Atualmente é difícil pensar em uma reaproximação entre setores mais academicizados e setores menos academicizados da sociedade. Se a política em si se torna um palco de ideias cada vez mais extravagantes, o que nos resta? Creio que apenas contar piadas. Isto, é claro, enquanto ainda podemos.


As pautas andam bizarras. Hoje em dia, discute-se novamente a criminalização da traição e, para os mais exaltados, a proibição de divórcio. Fazem-se bastante perseguições as pessoas trans, que são usadas como cortina de fumaça para impedir que as pessoas vejam os verdadeiros problemas nacionais. O desletramento constante da população, o encarecimento das universidades, a ausência de expansão e manutenção da infraestrutura, o aumento de preço da alimentação, jornadas laborais insalubres, a adaptação das cidades em planejamentos para adaptá-las ao moderno tempo, tudo isso é jogado de lado e entramos em questões essencialistas de gênero.


Vivemos na ascensão das mensagens rápidas, da redução memética (redução ao meme) e na época da política do megafone. Quem gritar mais, de forma mais estereotipada e de forma rápida ganha. Trump, em sua tacanha lógica, pode soltar as milhares ou milhões de groselhas da forma que bem entender. Ele não será expulso do debate pela grosseria, mas será cortejado por uma massa anti-intelectualista que vê em cada intelectual como um distinto vilão tecnocrata. Quando Trump sair, outro populista, enormemente favorecido pelo ambiente demagógico e seitizado, entrará. Assim caminhará o Ocidente, confuso e perdido em sua história.


O conservadorismo não deveria ser isso. Muito pelo contrário, deveria ser um pensamento de quem leu os mais diversos pontos de vista e decidiu realizar uma reforma cautelosa após uma série de análises sistemáticas. Algo lento, parcimonioso e cuidadoso. Em outras palavras, caberia ao conservador ler análises de, no mínimo, dez escolas de pensamento e conduzir a sua reforma. A razão é simples: é muito mais fácil destruir do que criar. Eric Voegelin, a seu tempo, defendeu a expansão do horizonte de consciência, isto é, o conhecimento eruditivo que acumula múltiplas escolas de pensamento, histórias civilizacionais e idiomas. Estudar múltiplas escolas de pensamento é ideal para todo conservador.


A primeira lição que aprendemos como conservadores é: "as ideias têm consequências". A consequência da negação das vacinas e das campanhas anti-vacinas foram milhões de mortes. A consequência da cruzada anti-trans são várias pessoas privadas da sua liberdade e um debate não razoável, anti-científico e anti-acadêmico. Precisamos estudar cautelosamente, ver o que é sociologia e o que é biologia. Compreender a autonomia individual e das instituições. Traçar uma regulamentação adequada, respeitando a autodeterminação. O mesmo deve ser feito com a imigração. Atualmente parece que tudo se move para um radicalismo estéril. 


Sim, eu sou conservador. Como Red Tory, defendo forte apoio a programas sociais e bem-estar estatal. Quero garantir uma rede de proteção social e instituições públicas fortes.


Sim, eu sou conservador. Como Conservatário, acredito na defesa ampla da liberdade individual em questões culturais e comportamentais. Quero assegurar autonomia pessoal e limitar a intromissão do Estado na vida privada.


Sim, eu sou conservador. Como Hamiltoniano, acredito no Estsdo ativo no desenvolvimento econômico, com forte amparo à indústria, à infraestrutura e ao sistema financeiro. Quero promover o crescimento e a soberania econômica por meio do planejamento e intervenção do Estado.


Sim, eu sou conservador. Como Rurbanista, busco o equilíbrio e a integração entre o rural e o urbano. Quero reduzir as desigualdades regionais e valorizar a diversidade cultural e econômica do meu país.


Sim, eu sou conservador. Como distributista, defendo a distribuição ampla dos meios e produção. Seja essa de terras, de negócios e de capital. Tudo isso para o maior número de pessoas possíveis. Visto que creio também no aspecto descentralizado e com base familiar e comunitária, quero combater a concentração de riqueza.


Sim, eu sou conservador. Apoio ao BRICS visto que quero fortalecer a autonomia em relações internacionais e o desenvolvimento econômico soberano.


Ser conservador é defender a reforma. É compreender que tudo pode se perder facilmente. É compreender que o raciocínio é melhor quando analisado através de múltiplos pontos. É estudar a história, vendo cada nó de vitória e derrrota, aprendendo com ela em vez de desmerecê-la. É saber olhar para o que está bem e para o que está mal, reduzindo o mal e maximizando o bem. É estar atento ao fato de que as ideias têm consequências, tendo um cuidado legítimo e racional para com cada ideia que se tem.


Na década de 1640, os católicos irlandeses despossados se tornaram guerrilheiros e bandoleiros. Eles eram descritos como "bandidos" e "fora da lei". O que é o conservador se não aquele que se opõe diante dos reacionários e revolucionários, sendo antagônico as duas principais correntes do agir e do pensar? Somos tories pois estamos em oposição a maioria do mundo, opondo-nos à reação e à revolução. Ser Tory é ser antissistema, não no sentido de quebrá-lo ou rompê-lo, mas pelo simples fato de que a maioria das pessoas querem dar vazão a paixão destrutiva por aquilo que elas consideram errado. O conservador navegará contra a corrente, como um Tory que surge fora da lei do pensamento que se ergue a cada tempo e busca reformar o castelo diante da tempestade reacionária e revolucionária.


Ser Tory, ser conservador é um convite a nadar de forma aberta no mar da complexidade. Não damos um manual de respostas fáceis. Valorizamos uma reforma cautelosa em vez de uma reflexão destrutiva. Valorizamos a prudência sobre a paixão. Valorizamos a liberdade individual sobre a ditadura do coletivo.

domingo, 5 de outubro de 2025

Memória Cadavérica #13 — Underground




Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


Nunca ganhei um único centavo sendo escritor. Sempre fui escritor por hobby. Ou, talvez, por vocação. Quando vejo as pessoas dizendo: "não sei se me pociono ou deixo de me posicionar de tal forma", percebo que segui um caminho mais certo. Também pouco espero de apoio social ou financeiro.


O brasileiro está sempre quebrado, quem é independente precisa trabalhar na hora extra para não receber nenhum tostão.


Não espero fama, não espero viver bem. A única coisa que se acumula são as dores nas minhas costas e o cansaço para com o debate público. Debate público que, além de emburrecer cronicamente, piorou muito.


Tenho muitas opiniões extremamente polêmicas. Guardo comigo uma série de visões que escapam, seja do exuberante patrimonialismo intelectual brasileiro — o qual chamamos de universidades públicas —, seja da direita woke e mainstream que agora cresce que nem piolho.


Eu não espero compreensão. Muito pelo contrário, afasto-me de bandos tal como o diabo se afasta da cruz e o boêmio se afasta da carteira de trabalho.

sábado, 4 de outubro de 2025

Memória Cadavérica #12 — Política das Massas e Seitização

 



Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


Marlon Victor⁩, creio que existe uma falta de "purificação" no nosso debate.


Existem vários modelos intelectuais e múltiplos pontos de vista. Quando você estuda a história a partir de diversos prismas ideológicos, você se depura da própria condição ideológica. Isso torna uma pessoa mais cética.


Note as distintas visões a respeito da União Soviética:

- As críticas anarquistas;

- As críticas socialistas;

- As críticas marxistas em suas mais variadas vertentes;

- As críticas conservadoras;

- As críticas sociais-democratas.


É o quadro amplo, o mosaico de cores, que nos permite analisar as conjunturas complexas da realidade.


Creio que estamos indo em uma direção muito baseada em "cada um no seu quadrado", o que leva as pessoas não verem um quadro plurissistemático dos seus caminhos.


Em vez disso, temos um adesismo absoluto e uma mania de ler só "intelectuais orgânicos" cuja única função não é exercer uma crítica e autocrítica, mas estabelecer uma visão sempre positiva e que estabeleça sempre um ponto de vista favorável.


Seguindo a lógica dos bandos, as pessoas sempre seguiram em uma postura irrefletida. Nunca navegando na complexidade.


A necessidade de vencer politicamente levou a ideia de nunca discordar com o grupo politicamente, sempre buscando uma justificava para todos os pontos. Além disso, a era da produção em massa de mensagens exigiu uma simplificação grosseira do debate público.


Como resultado, temos um combo: apologética em vez de análise intelectual com crítica e autocrítica + simplificação para mais fácil encaixe na massa.


Numa era em que há a troca da civilização pautada na leitura e escrita para a civilização pautada no audiovisual, além da necessidade de chamar atenção, vemos a emergência da política do megafone. Quem grita mais e de forma mais chamativa, é quem ganha mais.


Veja a política moderna:

1. Apologética disfarçada de intelectualidade ímpar;

2. Simplificação para penetrar nas massas;

3. Adesismo de bando;

4. Política de megafones.


Isso tudo gera uma seitização radical da vida política moderna, sendo algo radicalmente emburrecedor.

Acabo de ler "The Reagan Revolution" de Prudence Flowers (lido em Inglês/Parte 11)

 


Livro:

The Reagan Revolution


Autora:

Prudence Flowers


Vemos o desenvolvimento das questões culturais e contraculturais emergindo dentro so debate americano de forma mais radicalizada.


Questões como:

- Aborto;

- Controle de armas;

- Pornografia.


Pautas republicanas tradicionais também são citadas:

- Responsabilidade fiscal;

- Formação de capital;

- Ética do trabalho.


Breves menções ao eleitorado que era usualmente democrata, mas que votou em Reagan. Além da possibilidade de ter uma maioria democrata que impossibilitaria o mandato. Os comentários são breves.

Memória Cadavérica #11 — Desenvolvimento Nacional e Guerra Identitária

 




Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


⁨Clarice, o que me surpreende é a quantidade de imbecis que vêm se apoderado do debate público brasileiro.


Hoje em dia, a ideia de que as pessoas poderiam ser privadamente mais "progressistas" ou mais "conservadoras" é vastamente ignorada pelas massas.


Torna-se a discutir se deveria existir ou não casamento "homoafetivo". Pessoas começam a atacar o poliamor, confundindo poliamor com poligamia. Em outras palavras, a intromissão na esfera privada se torna maior.


Enquanto essa série de intervenções nas vidas alheias surgem, com proibições e aceitações. Penso em como seria melhor se o país fizesse o básico:


1. Saneamento básico de qualidade;

2. Universalização do ensino técnico e superior;

3. Desenvolvimento das ferrovias;

4. Parcerias com transferência de tecnologia;

5. Desenvolvimento da indústria nacional;

6. Ligação efetiva entre pesquisa acadêmica e política pública. 


Em vez disso, monogâmicos militantes — a última moda de (pseudo)pensamento que a idiotice criou — unem-se para proibir o casamento poliamorista. Heterossexuais voltam a tramar o fim do casamento homoafetivo.


Eu não consigo acreditar que estamos vendo um país tão contente em interferir em planos individuais e tão pouco cuidadoso das questões que o tornariam mais desenvolvido.

Memória Cadavérica #10 — Questões de Gênero

 


Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


⁨Clarice, devo confessar que acho grande parte dessa questão de gênero uma abstração tremenda.


O modelo de masculinidade da Atenas Clássica, o modelo de masculinidade romana, o modelo de masculinidade cristã, o modelo de masculinidade islâmica, o modelo de masculinidade atual... tudo isso é altamente variável.


Li bastante teoria queer, confesso que aprendi bastante de Gramsci indiretamente por essa via. Leio com grande prazer o Journal of Bisexuality. Foi dali que fui aprendendo modelos contrahegemônicos de masculinidade. Também tenho lá as minhas múltiplas fontes conservadoras.


Posso lhe dizer que a teoria bissexual, isto é, a forma com que bissexuais encaram a produção epistêmica dentro da academia é extremamente interessante. Podendo até mesmo adquirir a rigorosidade de uma escola de pensamento se bem estruturada e sistematizada.


O que posso dizer é que tem muita gente pegando a anatomia masculina e a anatomia feminina e, a partir disso, concluir que mulheres usam saias e homens usam calças ou que meninos vestem azul e meninas vestem rosa. Isso é uma conclusão estapafúrdia. Ademais, há gente que não sabe sequer diferenciar gênero de sexo. Não sabendo o que é uma questão biológica e o que é uma questão sociológica.


Muito do que chamamos de masculinidade e de feminilidade é uma questão de construções sociais. Isto é, como foram construídas sociologicamente certos comportamentos e vestimentas que consideramos como masculinas ou femininas.


Se tudo fosse tão estático como se supõe, não existiriam tantas variações históricas e temporais no tratante a questão de gênero.


Quando namorava uma mulher que fazia teatro, era mais comum eu usar saia e ela usar calça, por exemplo. Muitas vezes, achavam que ela era lésbica e eu era gay, sobretudo quando cruzávamos o Centro de São Paulo.


Eu não costumo me importar muito com as condições de gênero. Não sei como os outros veem pessoalmente essa questão. Creio que as pessoas criam alardes e regras demais para manter padrões historicamente construídos, mas que diferença faz uma mulher usando terno e um homem usando saia? Num país em que o saneamento básico é precário e que as ferrovias são quase inexistentes, as preocupações deveriam ser de outra ordem.

Memória Cadavérica #9 — Esfinge Catedrática

 



Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


Lembro-me de quando eu era de um grupo de intelectuais dissidentes. Um dos membros, não me lembro o nome, dizia toda vez que eu chegava no bate-papo: "chegou nossa Esfinge Catedrática".


Outras definições era ele ficar dizendo "deixe a nossa Esfinge se posicionar".


Por algum motivo, ele tinha alguma espécie de admiração estranha por mim. Me considerava excêntrico. De qualquer forma, dos mais diversos títulos que recebi, a de "Esfinge Catedrática" é um dos mais enigmáticos.


A explicação vinha com a ideia de que eu lia bastante coisa e chegava a caminhos extremamente heterodoxos e inusitados. No começo, achei estranho, mas não disse nada. Era alguma espécie de carinhos e admirações bizarras que surgem em grupos intelectuais aleatórios.


Em uma brincadeira, usei o nome "Esfinge Catedrática" posteriormente em weblivro.

Memória Cadavérica #8 — Isolacionismo Pessimista

 


Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


Após ver as críticas negativas que se apresentam em quantidade nauseabunda e volumosa, questiono-me a respeito dos (des)caminhos que nosso país toma.


Acusam-me de ser uma nova espécie de Bruno Tolentino, por causa da bissexualidade, da libertinagem e da polêmica. Confesso que sou os três: um bissexual, um libertino e um polemista. Esse tipo de "ofensa comparativa" soa-me como um elogio. Um grande elogio, diga-se de passagem. Bruno Tolentino era cultíssimo. Um dos maiores intelectuais conservadores da nossa história. Tendo sido tristemente esquecido por essa geração de entusiastas que o único modelo de conservadorismo que conhecem é o reaganismo e o trumpismo.


Digo, em minha defesa — ou para mais uma acusação dos meus odiadores —, que quem lê Gustavo Corção, Nelson Rodrigues e Antônio Paim não precisa de figuras extravagantes como Bolsonaro. Estive trazendo mais conteúdo para o debate público do que múltiplos membros da chamada "direita nacional". Embora eu prefira chamá-la de "lobby americano" ou "geringonça tresloucada".


Até o presente momento, creio que eu fui o único que procurou trazer mais sobre a Tradição Red Tory (Conservadorismo Vermelho), sobre o neohamiltonianismo, sobre o distributismo de Chesterton, sobre o rurbanismo de Gilberto Freyre, além de análises mais completas sobre a UDN. Com essa ampla jornada, destaco-me como um dos mais odiados, com desafetos múltiplos na esquerda e na direita. Mesmo que, por algum motivo absolutamente aleatório, minhas últimas três namoradas eram todas comunistas. O que significa que já posso pedir música no Fantástico.


Por influência do meu pai, que era anarquista, e do meu tio, que era comunista, li muitos livros de Marx, Lênin, Bakunin, Proudhon, Kroptokin. Tudo isso já na minha adolescência. Um dos meus vira-latas chama-se Lênin em homenagem ao meu comunista favorito. Enquanto outros rapazes se preocupavam apenas em álcool e mulheres, preocupava-me com o renascimento, com o iluminismo, com as revoluções. Devo dizer que me tornei abstrato. Demasiadamente abstrato. Leio e converso com comunistas e anarquistas até hoje. Deng Xiaoping é pouco lido pelos comunistas brasileiros. Creio que canais como Second Throught e Red Pen demonstra que existem bons comunistas americanos, ambos canais com excelente qualidade.


Em meio a biblioteca, fui descobrindo vários livros. Li Pondé por acaso, depois li Nelson Rodrigues por causa do Pondé. Foram sendo apresentados outros: Theodore Dalrymple foi um que mais li. Natsume Soseki e Haruki Murakami, dois intelectuais fantásticos, foram descobertos por acaso em um passeio na biblioteca — embora não se possa chamá-los de conservadores, são grandes referências para mim. Atualmente leio bastante Christopher Buckley, Rick Wilson e Stuart Stevens foram de grande importância para minha formação mais recente.


Quanto as análises da América Latina, José Luis Romero, Carlos Rangel e Ernesto Sabato foram cruciais para para desenvolver muito do que presentemente penso. Carlos Taibo apresenta uma versão fascinante da história da União Soviética, tudo com uma lente anarquista de excelentíssima qualidade. Gilberto Freyre, excetuando-se as questões raciais, apresenta o rurbanismo que é uma das principais formas de redução das desigualdades regionais que já vi.


Em relação as polêmicas, faço todas elas em forma de ato filosófico. A filosofia é, em primeiro lugar, um ato de confissão. Confessar verdadeiramente e sinceramente o que pensa é elementar antes de qualquer construção filosófica. Sem esse requisito, constrói-se uma prisão mental que encarcera a alma nas paredes de uma linguagem que se constrói tão somente para se proteger das agonias do mundo real.


Escrever é, para mim, altamente terapêutico. Um hábito de higiene mental. Todo conservador deve ser, antes de tudo, um conservador da consciência pessoal. Aqueles que pretendem destruir a sinceridade ontológica jamais poderiam ser verdadeiramente conservadores. Muito pelo contrário, atentam contra o principal fator. Juntam-se ao coro que matou Sócrates e depois Jesus.


De qualquer modo, hoje em dia converso mais conservadores americanos, europeus e canadenses do que com conservadores brasileiros. Pouco me importo para os rumos do movimento, também não espero nada de bom. As gestões me parecem mais uma repetição monótona da fórmula reaganiana em economia (neoliberal), uma cópia discursiva da retórica beligerante de Trump e táticas militantes da direita woke. Muito longe do pessimismo, ceticismo e pragmatismo dos grandes conservadores.


Cresci na época em que o politicamente incorreto era predominante na Internet. Via-se uma direita que amava mais livros do que qualquer outra coisa.  O mais odiável era a redução do ser em prol dos bandos. Hoje em dia, a direita brasileira torna a si mesma numa cópia da direita woke americana. Por causa do grande atraso que há no nosso debate público, o termo "woke right" (direita woke) ainda não chegou. A direita de hoje se torna quase tudo que criticou.


Lembro-me que muitos concordavam com a ideia de que só imbecis andam em bandos. E vejam só como é: hoje a direita é uma cópia nefasta da esquerda das massas.

Nas Garras do Dragão #2 — Sistema Político Chinês


Aviso: optei por fontes em inglês por elas terem um padrão referencial melhor e mais abundante. Se os termos empregados aqui não baterem com a tradução oficial, saiba que foi graças a minha tradução amadora.


— A estrutura do poder chinês é dividida em:


1. Presidente;

2. Congresso Nacional do Povo;

3. Conferência de Consulta Política do Povo Chinês;

4. Suprema Corte do Povo;

5. Suprema Procuradoria do Povo;

6. Comissão Militar Central do Estado;

7. Conselho do Estado;

8. 28 ministros e comissões.


— Sistema Partidário Chinês:


O sistema chinês não é multipartidário e nem unipartidário, mas sim um sistema multipartidário de cooperação com a liderança do Partido Comunista Chinês. Esse sistema apresenta oito partidos além do Partido Comunista Chinês:


1. O Comitê Revolucionário Chinês de Kuomintang;

2. A Liga Democrática da China; 

3. A Associação Nacional de Construção Democrática da China;

4. A Associação da China para Promoção da Democracia;

5. Partido Democrático dos Camponeses e Trabalhadores Chineses;

6. O Partido Zhi Gong da China;

7. A Sociedade Jiusan;

8. Liga de Autogoverno Democrático de Taiwan.


— Função do Congresso Nacional do Povo:


O Congresso Nacional do Povo tem as seguintes funções:

1. Legislativa;

2. Apontamento e retirada de oficiais;

3. Tomada de Decisão;

4. Supervisão.


— Eleição:


A eleição na China funciona mais ou menos assim:


Votante (Eleição Direta) > Representantes das Assembleias Populares de Nível Base (Vota) > Representante das Assembleias Populares de Nível Médio (Vota) > Representante da Assembleia Popular Nacional.


— Estrutura Organizacional do Partido Comunista Chinês:


O Partido Comunista Chinês possui a sua própria organização interna. Há dois anos atras, o número de seus membros era de 96,7 milhões de membros.


Os membros podem ser vistos em três diferentes setores:


1. Serviço Civil;

2. Empresas controladas pelo Estado;

3. Organização social.


Cada membro do Partido Comunista está dentro de um sistema de level:


1. Nível de entrada e treinamento;

2. Senior funcional;

3. Nível de chefe de setor;

4. Diretor geral;

5. Ministro/governador;

6. Polituburo/conselheiro.


O Comitê Central analisa:

1. A performance dos seus membros;

2. Investiga a conduta pessoal;

3. Faz pesquisas de opinião pública;

4. Promove os melhores;

5. Só os melhores entrarão na alta burocracia;

6. Poderão administrar distritos com milhões de pessoas ou gerenciarem empresas multi-milionárias;

7. Todo esse processo demora duas ou três décadas.


Com seu sistema altamente meritocrático, podemos ver a passagem:

5. Congresso Nacional do Partido, com 2296 membros;

4. Comitê Central, com 360 membros;

3. Politburo, com 25 membros;

2. Comitê do Politburo, com 7 membros;

1. Secretário Geral, com 1 membro.

Nas Garras do Dragão #1 — Socialismo de Mercado




Já era hora de analisar diversas fontes e trazer, para o debate público nacional, mais informações sobre a China. Vou visar pegar informações de diferentes fontes, para depois compará-las. 


— Como a China combina Socialismo e Mercado?


Socialismo e princípios de mercado são centrais no que chamamos de socialismo de mercado. Esse sistema permite mecanismos de mercado funcionando dentro de um framework dominado pela propriedade pública e controlada pelo Estado. O objetivo central é o desenvolvimento do socialismo que se beneficia da eficiência do mercado. O Estado mantém o controle dos setores-chave e dos recursos, logo a propriedade pública é central.


O Estado é dono de todas as terras e tem significante porcentagem de investimento nas maiores empresas do país. Empresas privadas operam com os guias estabelecidos pelo Estado e o Partido Comunista.


Essa mudança de modelo ocorreu nos anos de 1970 com a liderança de Deng Xiaoping. Deng alterou o foco estrito do planejamento central para um modelo econômico mais pragmático, usando mecanismos de mercado para aumentar a produtividade.


Basicamente, o governo chinês estabelece metas estratégicas para a economia e intervém quando necessário. A competição de mercado é encorajada para alocar recursos e para promover inovação. Esse sistema econômico híbrido permite uma direção de crescimento econômico ao mesmo tempo que possibilita olhar as desigualdades e instabilidades.


O controle do Estado permite um direcionamento da riqueza para o desenvolvimento social e para promover o Estado de bem-estar. Ele também é uma prova que o socialismo pode se adaptar as condições correntes e fazer uma efetiva implementação. O socialismo de mercado é visto como uma fase preliminar do socialismo, ele permite princípios de mercado ao lado de propriedades públicas. Ele distancia a China de economias capitalistas, ao mesmo tempo que prioriza a maximição de objetivos sociais.

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Memória Cadavérica #7 — Erros Históricos




Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


Nota: texto expandido para efeito de melhor compreensão.


A direita precisa começar a aprender com os próprios erros.


O bolsonarismo tentou trazer o neoconservadorismo, que havia sido atacado por conservadores-populistas e neohamiltonianos nos Estados Unidos. No período em que há o auge do neoconservadorismo no Brasil (Bolsonaro eleito), o neoconservadorismo é massivamente rejeitado pelos próprios ciclos conservadores americanos.


Do mesmo modo, no período da covid, o bolsonarismo trouxe a mesma prática embusteira de Reagan na gestão da AIDS: teorias conspiratórias a rodo e ausência de forte base científica em suas decisões. A mesma procedência duvidosa de uma direita que cresce a margem da academia e se ancora no populismo e no reacionarismo. Os resultados foram milhares de mortes e o afastamento de vários acadêmicos do conservadorismo.


A UDN errou a trazer um liberalismo do século XIX, datadíssimo, nas eleições contra Vargas. Quando perdeu, contestou as eleições. Isso remete ao bolsonarismo trazendo o neoconservadorismo em vez do conservadorismo populista ou neohamiltoniano e ao Aécio e Bolsonaro rejeitando os resultados das urnas. Se a UDN trouxe um liberalismo do século XIX no século XX, Bolsonaro trouxe um conservadorismo do século XX no século XXI.


Existe um nuance: o discurso bolsonarista é populista, estilo trumpista. A prática governamental é neoconservadora e a militância bolsonarista é associada à direita woke. De resto, em relação econômica, ele foge da Nova Doutrina Econômica Conservadora (American Compass), que é um retorno ao conservadorismo hamiltoniano (o chamado neohamiltonianismo).


O bolsonarismo pega os piores elementos da direita do passado e junta com os piores elementos da direita do presente.

Memória Cadavérica #6 — Se Deus não existe...

 

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Se Deus não existe, nada é permitido


Deus, quem ousa dizer o nome dele? Quando um rico dizia o seu nome, queria sair da riqueza. Quando um pobre dizia seu nome, queria sair da pobreza. Deus É o princípio relativizante do real. Ele serve para relativizar as coisas. Toda vez, na história, que clamaram o seu nome: ele serviu para relativizar o que existia. Isto é, ele serviu para que o que existia não apagasse o que poderia existir. Deus é isso: aquele que relativiza o que existe em função do que virá  a existir. É por isso que Deus é um deus da história. É por isso que Deus É: Deus é Deus em função de apagar os imperativos sociais que presentemente existem. É por isso que, se Deus não existe, virá a existir. E se Deus não virá a existir, somos todos escravos.

Memória Cadavérica #5 — Sobre Republicanismo e Conservadorismo

 


Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


Nota: expandi algumas sessões para dar mais clareza.


Os Republicanos Rockefeller eram defensores do estado de bem-estar social e dos direitos iguais. Transfaridos para o momento atual, defenderiam os LGBTs. Mary Dent Crisp era até feminista. Eisenhower fez um excelente governo. Alexander Hamilton também foi um excelente estrategista conservador. Eu me identifico muito mais com essa visão pragmática do conservadorismo, ligada a pessoas como Rick Wilson, Christopher Buckley e Stuart Stevens. Sou favorável ao aborto e a legalização das drogas. Reagan, Trump e Bolsonaro são o câncer do movimento.

Memória Cadavérica #4 — Massas Acéfalas

 



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O problema da direita brasileira sempre foi a ausência de intelectuais responsáveis e sérios em um nível majoritário. Cita-se muito Nelson Rodrigues, mas poucos leram as suas obras teatrais. Já existem outros que se perdem completamente: Gustavo Corção, Leonel Franca, José Guilherme Merquior, Bruno Tolentino, nenhum deles é lido ou citado. Há uma diferença enorme entre o conservadorismo/liberalismo letrado e as massas acéfalas que seguem em sua galerosidade de massa de manobra.

Memória Cadavérica #3 — Emburrecimento Reacionário

 


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Eu estou vendo a história da UDN pela Maria Victoria Benevides (a UDN e o udenismo), posso lhe afirmar que a direita nacional era mais culta em outros períodos, porém sempre cresceu lado a lado com massas reacionários (tal como a direita americana, como demonstrado pelo livro "American Psychosis"). A diferença é que agora só sobrou a massa reacionária. O período de transição entre a direita que se identificava com o PSDB e a direita bolsonarista foi um período de emburrecimento reacionário.

Memória Cadavérica #2 — Direita Brasileira e Mainstream

 


Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


Se a direita brasileira fosse:

Red Tory = em políticas sociais e programas de bem-estar social;

Libertária = em posicionamentos culturais;

Hamiltoniana = em economia;

Rurbanista = seguindo a ideia de Gilberto Freyre para diminuir a desigualdade regional;

Distributista = para melhorar a distribuição de propriedade;

Pró-BRICS = para sustentar um desenvolvimento econômico soberano.

Ela seria INFINITAMENTE MAIS MAINSTREAM.

Memória Cadavérica #1 — Piadas Traquinas sobre Política

 


Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


Boa tarde, ⁨Gomes Cordeiro⁩. O senhor ⁨Leandro é presidente da Juventude Trabalhista. Um dos homens mais bem informados sobre a política nacional.

Ele tentou reformar o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), tal como a galera do Livres tentou reformar o PL (Partido Liberal) e tal como a American Compass tenta reformar o Partido Republicano.

O fato é, o PTB não foi refundado em direção a um trabalhismo mais novo, o Livres não tornou o PL em um partido liberal e apesar dos esforços da American Compass, o Partido Republicano ainda não é hamiltoniano.

(A propósito, lembra mais o Jackson [primeiro presidente democrata e populista] e uma versão confusa do jacksonianismo do que Lincoln e Hamilton).

De qualquer forma, apesar dos ventos indicarem a permanência de estruturas políticas fossilizadas de toda espécie. Além de imbecis sugerirem que a União Brasil é a Nova UDN, mas sem toda a erudição, pessoas cultas e retóricas adornadas, o Brasil parece caminhar para um impasse.

Em 2026, é provável que Lula ganhe, porém em 2030 há um impasse conjuntural. Dizem que a direita aguarda esse momento para eleger Tarcísio (de Freitas).

Entretanto, apesar de todas essas argumentações, a reunião se trata de eleger ⁨Clarice e você, ⁨Gomes Cordeiro. O ⁨Leandro⁩, pelo que se sabe, compreende a extensão da alma do fluminense e do carioca — e não, isso não é uma piada com pinto.

Ele é quase um Nelson Rodrigues, mas a sua dramaturgia é a dramatugia do trabalhismo brasileiro com o gingado carioca.

Espero que essa reunião, além da minha digressão inútil, seja proveitosa para nós quatro.

Nota de Pesquisa (NDP): livros sobre a UDN

 


A Nota de Pesquisa (NDE) são apenas pessoas, conceitos e posições para eu pesquisar depois, porém que creio que sejam úteis também para suscitar o interesse das pessoas que leem o blogspot como auxílio de pesquisa.


- "A UDN e o Udenismo: Ambiguidades do Liberalismo Brasileiro (1945-1965)" da Maria Victoria Benevides;

- "Partidos Políticos e Classes Sociais: A UDN na Guanabara" de Izabel Fontenelle Picaluga;

- "O Demolidor de Presidentes: Carlos Lacerda e a Política Brasileira" de Marina Gusmão de Mendonça;

- "A UDN e o Anti-Populismo no Brasil" de Otávio Soares Dulci;

- "O Pensamento Político do Brigadeiro Eduardo Gomes (1922-1950)" de Marcos Vinícius Furtado de Mendonça;

- "Banda de Música e Seu Maestro: Aliomar Baleeiro e o Golpe de 1964" de Martina Spohr.