domingo, 31 de agosto de 2025

Sociologia Iuris #4: Realismo Jurídico

 


O Realismo Jurídico é uma escola que foca muito no que a lei de fato é. Um dos fatos socialmente mais observáveis por essa escola é o de que muitas vezes o ordenamento jurídico apresenta leis mortas, isto é, leis que se tornaram obsoletas.  As leis mortas, ou leis obsoletas, são aquelas que não são mais aplicadas. E existe uma contraposição da lei escrita contra a lei aplicada.


Se prestarmos atenção, o formalismo jurídico, que é parte da jusfilosofia, diz que as regras devem ser consistentes, com resultados previsíveis. O seu foco é na acuracidade descritiva da lei. O movimento do realismo jurídico diz que há uma má descrição da lei. Ele percebe isso a partir do fato de que é observável a diferença entre a prática efetiva e a lei escrita. Isto é, talvez a lei moderna não seja tão formalista, visto que ela está sendo interpretada de modo diferente por diferentes pessoas.


Os jusrealistas vão fazer seus estudos analisando os seguintes fatores:

1. Como a lei funciona na prática;

2. Nos casos mais extremos, como a prática da lei se distancia das chamadas leis de letras mortas;

3. Como uma jurisdição pode ser mais estrita na aplicação da lei do que outra.


Vamos analisar algumas figuras do jusrealismo (realismo jurídico).


— Oliver Wendell Holmes Jr.:


Ele foi o pai do realismo jurídico (jusrealismo), tendo também sido advogado, jurista, professor universitário, Juiz da Suprema Corte (dos Estados Unidos) e filósofo. Uma dos seus pensamentos mais notáveis é o de que a lei é o que a lei faz. Ele argumentava que muitas vezes as leis escritas não previam adequadamente os resultados nos casos. Muitas vezes, as leis apareciam apenas para justificar as decisões jurídicas.


Ele tem um livro chamado "The Path of Law". Há toda uma argumentação sobre o fato de que o estudo do Direito não se dá pelo estudado das leis e de livros em suas relações lógicas uma com a outra, mas sim no que a lei atualmente faz. A razão disso é que muitas vezes as leis escritas não predizem os resultados dos casos jurídicos.


Muitas vezes as decisões que estão por traz não são de natureza jurídica, mas sim correlacionadas com as decisões morais ou pessoais. Isto é, em muitos casos, estão apenas pegando as leis que consideram próprias para resultar e justificar as decisões que eles tomaram. Algo que poderia ser descrito assim: "eu quero fazer uma decisão, vou adicionar essas regras que podem servir pra justificar o meu posicionamento".


A lei nunca aparece sozinha, a lei é sempre acompanhada de um comportamento que pode ser sociologicamente observável. É por isso que muitas vezes uma lei se torna morta — não há vontade social de aplicá-la.


— Karl Llewellyn:


Esse foi um jurista, filósofo e professor universitário. Ele defendia o foco nos casos. O reconhecimento de que as leis escritas usualmente não explicavam os resultados dos casos. O que resultou no raciocínio de que a lei estava mudando sem que a lei escrita o estivesse. Ele também reconhecia que, na prática, eram os juízes que faziam as leis. Ele tentava medir o buraco entre a lei que estava nos livros e o que a lei era na realidade.


Muitas vezes, a lei podia variar no tempo e no espaço. Dependia também da cidade e do estado no qual se estava. A lei mudava através do tempo e do local, de um caso para outro. É possível observar um padrão comportamental na lei.


— Jusrealismo e Jurisprudência Liberal:


A jurisprudência liberal, mais particularmente, tem algumas alegações. Ela fala que as leis são feitas por representantes eleitos. Ela fala que os juristas revisam as leis. Ela fala sobre a possibilidade do formalismo, do universalismo e do Império da Lei.


O jusrealismo apresentará um questionamento bastante inquietante para a jurisprudência liberal. Em outras palavras, para a ideologia por trás da lei moderna ou para filosofia do que a lei deveria ser. Enquanto os jusfilósofos liberais afirmavam que a lei vinha do Congresso/Parlamento — e isso derivava do consentimento da população que votou em seus representantes eleitos —, os jusrealistas afirmavam que, em última instância, os juízes faziam a lei. Visto que eles podiam mudar a lei pela simples interpretação dela ou simplesmente não aplicar mais a lei que não gostavam. Além disso, os juízes não eram eleitos. Em outras palavras, mesmo que a lei exista, existem muitos jeitos de alterar os resultados que elas implicam.


— Fred Rodell:


Foi um professor de Direito, muitas vezes tido como um "bad boy", visto que tinha críticas árduas ao sistema jurídico americano. Isso se deve ao fato dele ver a classe jurídica inteira do seu país como um negócio fraudulento.


Fred Rodell via a lei escrita como incompreensível. O que mantinha os cidadãos comuns mistificados, dependendo de pessoas que interpretassem a lei. Ele via a expertise jurídica como um mero jogo de palavras. Tanto que escreveu um livro chamado "Woe unto you, Lawyers".


No livro "Woe unto you, Lawyers", ele condena toda a prática jurídica nos Estados Unidos moderno. Chegando a representá-la como uma fumaça e miragem. Dizendo que as leis escritas se tornaram sombra. A lei moderna não era mais clara e compreensível. Era demasiadamente técnica, afastada do povo comum, difícil demais pro cidadão médio. Ou seja, a lei se tornou vaga e imprevisível.


Mais do que isso: a lei inteira se tornou uma máquina de vendas. Só aqueles que conheciam como essa máquina funcionava, sabiam qual botão apertar. Em outras palavras, se você fosse um juiz ou um advogado, você poderia simplesmente fazer uma decisão, selecionar alguns importantes princípios e deduzir o que quisesse a partir deles para gerar o resultado que já era previamente estabelecido.


A expertise jurídica é, a seu ver, apenas um jogo de palavras. Você simplesmente cozinha justificações e faz brincadeiras com a lógica para tentar conseguir o resultado desejado.


— Jusrealismo e Sociologia:


Para entendermos a lei, precisando estudar como ela funciona na prática. Se as leis sozinhas não servem para explicar os resultados, o que serve? Analisar os códigos estabelecidos, os casos individuais, a variação no tempo e no espaço, compreender os fatos sociais e realizar uma pesquisa sociológica!

sábado, 30 de agosto de 2025

Acabo de ler "Filosofia do Direito" de Miguel Reale (parte 4)

 


Miguel Reale levantará, nesse capítulo, vários questionamentos em relação a afirmação do neopositivismo sobre a função da filosofia de apenas receber os resultados das ciências e coordená-los em uma unidade nova.


1. Com que critério se fará a síntese?

2. Será essa síntese possível, ou necessária?

3. Graças a que faculdade sintetizadora?

4. Em que limites e com quais condições?

5. Quem nos dá o critério de valor para cortejar, para excluir e resumir resultados?

6. Qual será a norma para estimativa da unidade?

7. Quem nos assegura que nos resultados da ciência já esteja iminente a unidade que se busca?

8. Será essa unidade possível?


- Problema do Critério: nas perguntas 1, 5 e 6, o questionamento é como escolher e hierarquizar os resultados científicos sem um critério externo à própria ciência;

- Problema da Possibilidade: nas perguntas 2,7 e 8, a questão é se a unidade total do conhecimento científico é possível ou necessária. E quais seriam os resultados científicos que já contêm em si essa unidade;

- Problema da Faculdade: na pergunta 3, o questionamento é qual faculdade humana (razão ou intuição axiológica) seria responsável por produzir a síntese esperada, já que a ciência em si mesma opera por outros métodos;

- Problema dos Limites: presente na pergunta 4, o questionamento leventado é até onde essa síntese pode ir sem se tornar uma especulação de caráter metafísico, que é a mesma coisa que o neopositivismo se opõe.


Isso tudo sugere que há um prisma ou um valor. Mas retomamos isso mais tarde.


Os resultados possíveis dessa busca, para resolver as questões de Miguel Reale, são:

1. Repetir o que a ciência disse;

2. Elaborar um índice da ciência.


Miguel Reale nos apresenta uma ideia: se é possível confrontar soluções parciais para se atingir uma compreensão total, é porque possuímos a capacidade de considerá-las, elas não são abstratas ou abstraídas do processo espiritual, mas sim referidas a força una e íntegra do espírito. A filosofia, desse modo, é mais uma crítica das ciências do que um compilado das ciências. 


O que Miguel Reale tentará realizar nesse capítulo é trazer uma diferenciação da filosofia e da ciência — além da ciência cultural — para restaurar a autonomia da filosofia diante da ciência.


— Ciência:

1. Explica fatos segundo os seus enlances causais;

2. Estende, desenvolve e torna explícitos os elementos implícitos que observa;

3. Determina relações constantes de coexistência e sucessão.


— Ciência Cultural:

1. Não se limita a explicar;

2. Realiza-se graças a compreensão;

3. Subordina fatos a elementos teleológicos;

4. Aprecia elementos as suas conexões de sentido.


— Filosofia:

1. Compreensão total;

2. Referibilidade axiológica;

3. Unidade do sujeito com a unidade da situação do sujeito;

4. Totalidade de conexões de sentido;

5. Cosmovisão fundamental.


Aqui existe a refutação de que a filosofia é serva da ciência através do escopo e do método. A Ciência (natural) tem como função principal explicar fenômenos, o método visa causalidade e relações constantes, o objeto observado por ela são os fatos mensuráveis e observáveis. A Ciência Cultural tem como objeto compreender fenômenos, tem como método a subordinação de elementos teleológicos e conexões de sentido, tendo como objeto as ações humanas, a cultura e a história. A filosofia, por sua vez, tem como função principal a compreensão total e a valoração, tem como método a referibilidade axiológica e a busca da totalidade, tendo como objeto a unidade do sujeito e do mundo (cosmovisão).


Uma falha positivista que Miguel Reale comentará é a mesma falha apontada por Karl Popper: muitas vezes a ciência apresenta soluções provisórias, precárias e, até mesmo, precipitadas. Segundo Karl Popper, o princípio de verificação dos neopositivistas é uma tautologia analítica — mesmo elemento que os neopositivistas criticavam. Isto é, o princípio de verificação não é empiricamente verificável. Ou seja, ele também seria carente de significação e não científico. Karl Popper, por sua vez, apresentará o critério da falseabilidade para corrigir esse problema.


Miguel Reale, por sua vez, apresentará uma crítica de caráter axiológico. Ele viu no neopositivismo uma inconsistência lógica. Visto que se o princípio central do neopositivismo não pode ser validado por seus próprios métodos, então ele mesmo é um pressuposto valorativo. Se a premissa é que só terá validade o que é analítico ou empíricamente verificável, a crítica é que esse princípio não é analítico e nem empiricamente verificável.


Fazendo uma formulação mais precisa entre os dois:


— Karl Popper:

A crítica de Popper é de natureza lógica-metodológica. Ele observa que o critério de verificação é auto-refutante, visto que o próprio critério de vrificação não é analítico e nem empiricamente verificável. O critério de verificação é, portanto, pela própria regra que impõe, carente de significado. A solução que Popper apresenta é o critério da falseabilidade (ou testabilidade). Ou seja, uma teoria é científica se ela for passível de ser falseada por um experimento observacional.


— Miguel Reale:

A crítica de Miguel Reale é axiológica e fenomenológica. Ele declara que problema é que quando os neopositivistas declaram que apenas o analítico e o empírico têm valor, o neopositivismo esconde o seu próprio pressuposto valorativo — o que Miguel Reale está tentando provar é que os neopositivistas inconscientemente carregam uma axeologia. Eles (os neopositivistas) fazem uma escolha de valor sobre o que é importante para o conhecimento, mas negam à filosofia o direito de examinar valores. A solução seria reconhecer que a filosofia tem uma autonomia baseada na experiência espiritual total do sujeito, cuja a fundação seria a compreensão da realidade através de critérios axiológicos, isto é, de valor, que permitem criticar e dar sentido às conquistas parciais da ciência. 

Acabo de ler "Filosofia do Direito" de Miguel Reale (parte 3)

 


Creio que nessa parte, Miguel Reale, como jusfilósofo, traz uma abordagem crítica ao positivismo por ele descartar a jusfilosofia do campo de pensamento filosófico — o que é uma defesa da importância e da existência da filosofia do Direito. Aqui há mais uma tentativa de explicar o que outros pensadores pensam.


A crítica, para justificar a necessidade da existência da jusfilosofia, partirá do fato de que os positivistas tinham várias desconsiderações a respeito de várias partes da filosofia — dentre as quais a própria filosofia do Direito. Alguns exemplos são:

1. As indagações sobre o ser não poderiam ser verdadeiras e nem falsas, mas destituídas de sentido;

2. A metafísica não apresentaria significado algum;

3. Problemas éticos seriam subjetivos e sem garantia de verificabilidade.


O neopositivismo, no Círculo de Viena e na Escola Analítica de Cambridge, pode ser caracterizado por ver a filosofia como uma crítica da linguagem científica. Excluindo-se, do campo do saber filosófico, a metafísica, a axiologia, a moral e o Direito. A filosofia mais propriamente seria uma teoria metodológica-linguística das ciências; uma análise rigorosa da significação dos enunciados das ciências e de sua verificabilidade; purificando-se, também, os chamados pseudoproblemas. A filosofia, em síntese, seria para esclarecer e precisar os meios de expressão do conhecimento científico, depurando-o de equívocos e pseudo-verdades.


Ludwig Wittgenstein, em seu "Tractatus Logico-Philosiphicus", estabelece que:

1. Clarificação lógica dos pensamentos;

2. Filosofia como atividade;

3. Trabalho filosófico como elucidação;

4. Resultado da filosofia como clarificação das proposições.


Existe uma tentativa de divisão radical entre:

- Proposições verificáveis: dotadas de sentido;

- Proposições inverificáveis: destituídas de sentido.

É evidente que tudo é subordinado aos horizontes do conhecimento científico-positivo. Como podemos ver no pensamento de Hans Reichenbach, onde há a ideia de que não há uma verdade moral, visto que a verdade depende de enunciados lógicos, não de deritivas de comportamentos humanos. Logo a moral não é um sistema de conhecimentos ou de certezas, mas uma provisão ou estoque de diretrizes ou imperativas, variáveis no tempo e no espaço.


Louis Althusser, filósofo francês marxista, mencionado brevemente por Miguel Reale, possui conclusões semelhantes à dos neopositivistas, visto que a filosofia se reduzirá às leis do pensamento.



Acabo de ler "Filosofia do Direito" de Miguel Reale (parte 2)

 



Nessa parte do livro, Miguel Reale analisa a filosofia durante o período do positivismo e traça paralelos com a Idade Média.

Augusto Comte (1793-1857), um pensador do século XIX, é o pai do positivismo e tem uma lei de três tempos históricos como uma espécie de pedra angular do seu pensamento:

1. Teológico;
2. Metafísico;
3. Positivo.

Essa teoria influenciou drasticamente a história cultural e política do Brasil.

Augusto Comte tinha formação matemática e seu objetivo era o de dar à filosofia um grau de certeza semelhante aos das ciências físico-matemáticas. Em outras palavras, à luz dos fatos ou das suas relações. Ele tinha uma aversão à metafísica e ao conhecimento a priori.

Herbert Spencer, em seu First Principies (1862), apresentou uma teoria evolucionista derivada do positivismo. Ele chegou a crer que o que separava a filosofia da ciência era uma questão de grau. Enquanto a ciência era particularmente unificada, a filosofia era totalmente unificada. Ou seja, a diferença estava no grau de generalidade. Visto que a filosofia deveria ser uma enciclopédia das ciências ou uma sistematização das concepções Científicas. Assim podemos estabelecer que:

1. Cientista: trabalha em seu setor;
2. Filósofo: dá uma unidade provisória, revendo de tempos em tempos o progresso científico para dar uma nova unidade com base na composição unitária das pesquisas.


Essa forma de organizar o pensamento apresentava dois pontos de vista, um era o estático e o outro era o dinâmico.

— Ponto de Vista Estático:
- Hierarquia das Ciências;
- Unidade do Método;
- Homogeneidade do saber.

— Ponto de Vista Dinâmico:
- Convergência progressiva de todas as ciências no sentido da sociologia, ciência final e universal.

A filosofia, como resultante das ciências na unidade do saber positivo, oferece diretrizes seguras para a reforma e o governo da sociedade.

— Positivismo X Medievalismo:

No período medieval, a filosofia também apresenta um caráter instrumental. Ela é serva da teologia (ancilla Theologiae). Isso se deve a visão teocêntrica da vida e a compreensão do homem segundo verdades reveladas (Bíblia). Nesse sentido, a filosofia não pode contrariar a visão teológica e encontrava na teologia um limite negativo último. 

Enquanto na Idade Média a filosofia era subordinada à teologia. Na visão positivista, a filosofia deveria ser subordinada à ciência, visto que deveria unificar e completar os resultados da ciência e sempre partir de suas conclusões.

Temos aí uma filosofia que é a própria ciência em sua explicação unitária, o filósofo como um especialista em generalidades e a filosofia como expressão da própria ciência, confundindo-se essencialmente com ela.


Sociologia Iuris #3: Jurisprudência Sociológica

 


Como vimos na nota pública anterior, o formalismo faz parte da jusfilosofia liberal e serve para as pessoas saberem os ganhos e perdas das leis, tornando-as previsíveis e consistentes. Agora vamos dar uma olhada nos críticos do formalismo jurídico. Eles tentam inserir pesquisa científica e observações sociológicas na atmosfera jurídica.


No âmbito da jusfilosofia liberal temos a ideia de que o governo das leis não é o governo dos homens, visto que os homens devem se submeter às leis. O que se busca é uma lei logicamente organizada, tal como se elas fossem de natureza mecânica ou como algo mecânica, uma espécie de máquina. Isso é uma tentativa de tornar a lei consistente e previsível.


— Roscoe Pound:


Roscoe Pound, que fez críticas contundentes ao formalismo jurídico, foi um jurista norte-americano e professor de Direito. Ele foi Reitor da Faculdade de Direito da Universidade de Nebraska e depois da Faculdade de Direito de Harvard.


As críticas de Roscoe Pound são:

1. Existe um ênfase profundo na consistência;

2. A lei deveria servir para os interesses sociais;

3. Os interesses sociais mudam tal como a sociedade muda;

4. A lei deveria mudar conforme os interesses sociais.


A lei deveria ser estável, mas essa estabilidade deveria estar na conformância ao anseio social. Pound observará que os juízes estavam fazendo más decisões por se basearam mais nos precedentes do que em ajudar o povo. A lei deveria ser uma busca dos interesses sociais da sociedade como um todo, adaptando-se a esses anseios.


Pound reconhece o valor do formalismo, mas a lei estava mudando vagarosamente, não lhe permitindo se adaptar aos anseios da coletividade. O que ele observou era a regra morta — uma lei não adaptada as necessidades sociais — controlando a sociedade.


— Jurisprudência Sociológica:


O que Roscoe Pound defenderá é uma jurisprudência sociológica, onde teríamos uma utilização de uma pesquisa sociológica para:

1. Identificar os interesses socais;

2. Medir o quanto da lei está em conformidade com esses interesses.


O sistema sociológico serveria para:

1. Pesquisar e descobrir o que a sociedade precisa;

2. Descobrir o quanto da lei efetivamente cumpre essa necessidade.


— Jurisprudência Sociológica em Ação:


- Muller v Oregon (1908)

Uma decisão foi feita com base em uma pesquisa a respeito dos efeitos da lei.


Essa pesquisa tinha a ver com a quantidade de horas que mulheres poderiam trabalhar. O documento tinha mais pesquisa sócio-científica do que arcabouço legal. Apresentava o testemunho de vários doutores, de cientistas sociais e trabalhadores argumentando acerca dos efeitos maléficos de longas jornadas de trabalho na saúde das mulheres. Em outras palavras, através de uma pesquisa científica de caráter social, uma decisão ocorreu para a melhora do quadro das mulheres. 


— Philip Selznick:


Philip Selznick foi um teórico organizacional e professor de sociologia e Direito na Universidade da Califórnia. Ele foi responsável por criticar a aplicação da lei contratual nas relações entre trabalhadores e empregadores. Sua importância está no movimento trabalhista e nas leis trabalhistas.


A ideia que se tinha antes dele, era a de igualdade e liberdade entre o trabalhador e o empregador. Philip Selznick notará que essa ideia não batia muito com a realidade. O modelo contratual, segundo ele, não batia com a realidade sociológica e usualmente os empregados tinham muito mais necessidade do que os seus empregadores. Por causa desse desbalanceamento, os empregadores que ditavam os termos.


Além disso, a observação sociológica demonstrou que as organizações que os trabalhadores eram empregados agiam como um governo para os seus membros. Isso levou ele a pedir a extensão do devido processo legal.


1. Eles agem como uma espécie de lei;

2. Muitas vezes as indústrias conseguem achar e controlar uma cidade inteira para seus empregados;

3. A indústria é efetivamente uma cidade governamental com regras e ordenanças e pode controlar todos os tipos de coisas na vida das pessoas;

4. Eles podem cortar nossos direitos e fazer decisões que afetam as nossas vidas e nos deprivam.


Podemos ver um quadro, sociologicamente falando, em que organizações privadas agem como um governo. O que Philip Selznick exige é que sem devido processo legal, você não pode demitir alguém ou expulsá-lo da companhia ou tirá-la da escola — escolas também são analisadas por Philip Selznick — sem um devido processo legal.


— Conclusões:


A Jurisprudência Sociológica demonstra a relevância das pesquisas das ciências sociais para o desenvolvimento e aplicação da lei. Ela serve para criticar a ênfase drástica que o formalismo tinha enquanto ideal. Ela também demonstra o grau de acuracidade do formalismo jurídico com a realidade. Através da observação sociológica, podemos reformar a lei apropriadamente.


sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Sociologia Iuris #2: História e Jusfilosofia


 

Diferentes sociedades possuem diferentes normas jurídicas e métodos de procedimento. Só que uma mesma sociedade apresenta diferentes períodos históricos, o que impacta também em sua forma de ver a lei e de aplicar a lei.


— Leis pré-modernas:


— Sistema Inquisitorial (período medieval e renascença):

- Magistrado inicia, processa e julga os casos;

- Acusado é culpado até que prove a inocência;

- Acusações podem ser secretas;

- Torturas eram usadas para extrair confissões.


O magistrado, naquele período, tinha poder em todos os processos. O que lhe dava um poder excepcional. Além disso, o acusado muitas vezes não sabia do que estava sendo acusado. A confissão era a rainha das provas, uma espécie de alto padrão naquele período. Além disso, não era incomum torturar alguém de forma extremamente dura ou longa o suficiente até ela confessar qualquer coisa que ela tenha feito ou não.


— Sistema Adversarial:

- Juízes e jurados ouvem argumentos dos dois lados;

- Acusados eram inocentes até que se provasse o contrário;

- Acusações tinham que ser públicas;

- Torturas eram menos frequentes.


Esse sistema é o ancestral do sistema Britânico e Americano moderno. O poder durante todo o processo não era completamente concentrado. Tinha-se a crença de que era melhor deixar uma pessoa culpada ir livre do que acidentalmente punir uma pessoa inocente.


Os dois sistemas (inquisitorial e adversarial) continham punições brutais, execuções frequentes e várias formas de tortura.


— O Iluminismo  (anos 1600, 1700):

- Mudanças culturais significativas;

- Razão e Racionalidade;

- Equidade Social;

- Liberdade individual.


Foi nesse período em que a ciência realmente começou a crescer e a se desenvolver rapidamente. Além disso, vários questionamentos sociais surgiram. As distinções entre nobres e plebeus foi sendo apagada e uma sociedade de caráter mais fluido foi surgindo. Os direitos se tornaram mais iguais entre as diferentes classes e distinções entre elas foi atenuada. A liberdade individual começou a ser valorizada, com pessoas tendo mais liberdade para escolher como gostariam de viver.


A Declaração da Independência, nos Estados Unidos, baseou-se em ideais iluministas. É por isso que havia a crença de que todos os homens eram criados iguais, que o governo deveria reforçar os direitos individuais e protegê-los. Além disso, as pessoas teriam a liberdade de se rebelar caso os seus direitos não estivessem sendo protegidos pelo governo.


— Cesare Beccaria (1764)


Nesse período, Cesare Beccaria, importante jurista italiano propôs as seguintes reformas:


1. Somente legisladores, não juízes, podem criar leis;

2. A lei será aplicada igualmente para todas as classes sociais;

3. A lei escrita deve ser clara e compreensível;

4. Os acusados são inocentes até que se prove o contrário;

5. Acusações devem ser publicas, não secretas;

6. Punição apenas para dissuasão.


Vale lembrar que, nesse período, aristocratas tinham direitos diferentes. Os documentos religiosos e administrativos estavam em latim, língua não falada pela maioria do povo. Os juízes podiam criar novas leis. Punições não raramente ocorriam por vingança e para entretenimento. As reformas propostas por Cesare Beccaria eram extremamente necessárias para corrigir uma série de imperfeições e injustiças daquele período.


— Jusfilosofia Liberal:


1. Universalismo: a lei é aplicada igualmente para todos;

Não importa a condição de nascimento, não importa a classe social, não importa o lugar de onde se veio.


2. Formalismo: casos são determinados por regras;

As pessoas devem conhecer as regras. Assim elas podem prever acuradamente o resultado de cada lei. A lei deve ser previsível, assim uma pessoa razoável será hábil para antecipar os resultados de suas ações, sabendo quando estão violando e quando não estão violando as leis.


3. Devido Processo Legal: proteções contra falsas acusações.

Separação das acusações verdadeiras das acusações falsas.


Tudo isso faz parte da sociedade moderna. Porém, no momento em que foram propostas, eram radicalmente inovadoras. Agora um pequeno raciocínio:


Jusfilosofia: diz como a lei deve operar;

Ciência (Sociologia Jurídica): descreve como a lei de fato opera.


O quanto da lei moderna, em nossa sociedade, está de acordo com a jusfilosofia?

Acabo de ler "Filosofia do Direito" de Miguel Reale (parte 1)

 


Na origem do pensamento ocidental, bem na Grécia (ou na Atenas Clássica), a filosofia surge das experiências historicamente observáveis. O termo filosofia virá a significar amor à sabedoria. Ou uma espécie de amizade.


O filósofo estará em confronto e não concordância com os chamados sábios (sofistas). O filósofo terá um amor para com a verdade que quer conhecer, mas sem nunca a alcançar. Representando uma espécie de verdadeiro cientista, um pesquisador incansável. E sua postura virá de uma perplexidade e inquietação diante do mundo. A filosofia, antes de ser uma resposta cabal, é um estado de inquietação diante do real e da vida.


O homem começa a filosofar quando se vê cercado pelo problema e pelo mistério. Aristóteles dirá, assemelhando-se a Platão, que a filosofia começou com uma atitude de assombro diante da natureza.


A atitude filosófica pode ser dita como uma atitude de captar e renovar os problemas universais. Ela é a busca pela essência, pela razão última. Em outras palavras, das causas primeiras. Não é, de forma alguma, a posse da verdade plena. Pelo contrário, é uma orientação em busca da verdade plena, admitindo-se que nunca a encontrará em plenitude. Sendo mais uma forma de busca incessante da totalidade de sentido.


A filosofia parece partir dos princípios primeiros, o que levará a legitimação de uma série de outros sentidos, levando a um sistema de compreensão total. Podemos ver uma espécie de universalidade, de princípios e razões últimas que são explicativas da realidade. Todavia, entretanto e porém: a busca há de se renovar. Vemos tumultos de respostas, de sistemas e de teorias. A filosofia começa a vir como uma renovação constante de uma atividade perene de inquietação diante da universalidade dos problemas. A filosofia, pode ser até ousadamente definida, como a universalidade da inquietação manifestada por meio dos problemas. 


Essa insatisfação constante dos resultados, essa postura filosófica que não se cala, vai procurar cuidadosamente mais claros fundamentos. A Filosofia do Direito, a jusfilosofia, porta-se tal como a filosofia, mas no âmbito da realidade jurídica. O Direito, tal como realidade universal, é passível por essa mesma razão de ser alvo de uma postura de inquietação filosófica. O jusfilósofo, por sua natureza filosófica, vê dúvidas onda há certezas.


Ele que se questiona os limites lógicos da obrigatoriedade legal. Por ser um crítico da experiência jurídica, ele tenta procurar e determinar quais são as suas condições transcendentais. Aquelas condições mesmas que servem de fundamento à experiência, aquelas condições que a tornam possível. É por isso que ele ousadamente tenta compreender também a realidade histórica-social.



Sociologia Iuris #1: Sociologia Jurídica

 


Após ter terminado as anotações do curso de "Jurisprudence" do "The Law Academy" no Philosophia Iuris, resolvi dar uma pequena pausa nos escritos de jusfilosofia. Encontrei um curso no YouTube sobre Sociologia Jurídica, do Jason Manning que é Ph.D. em sociologia pela Universidade de Virgínia. Essas anotações serão do curso que ele deixou aberto no YouTube.


A Sociologia Jurídica estuda como fatores sociais influenciam na variação da lei.


A lei é ligada ao que consideramos correto e ao que consideramos errado. Toda sociedade humana apresenta normas tratando de comportamentos e essas normas usualmente não podem ser violadas. De modo semelhante, toda sociedade apresenta mecanismos para definir pessoas como desviantes e acusá-las se quebrar as regras.


Na linguagem sociológica, existe o termo "Controle Social". Isso é um termo para se referir a todo processo de definição e resposta ao desvio e ao desviante. Em toda sociedade também existem aqueles que discordam a respeito do que é certo e do que é errado. Na linguagem sociológica, existe o termo "Manejamento de Conflitos" e "Disputa de Resolução".


A lei é, por sua vez, uma espécie de controle social e uma espécie de manejamento de conflitos. Ela também é uma forma de policiar o desvio e oferecer uma forma de manejar as disputas entre dada população.


Mas a lei, como há de se perceber, é extremamente variável. Ela varia entre distintas sociedades e distintos casos.  Ela pode variar entre nações, estados, culturas e subculturas.


Várias perguntas podem ser levantadas, mas levantarei particularmente três:

1. O que é ilegal?

2. Qual é o procedimento legal?

3. Quantas leis são necessárias?


— O que é ilegal?


No mundo muçulmano, por exemplo, existem leis contra a apostasia. Nos Estados Unidos, por outro lado, existe a lei da liberdade religiosa. O álcool é proibido em algumas áreas do moderno mundo muçulmano, mas os Estados Unidos já apresentou uma época em que o álcool foi proibido.


— Qual o procedimento legal?


Em países modernos, podemos ter uma conversa com um juiz. Em tempos mais antigos, já houve um período em que as pessoas desafiavam umas as outras para um combate e então o vencedor era quem estava correto.


— Quantas leis são necessárias?


Isso impacta no policiamento, nas cortes e como os juízes se portam. Há também a quantidade de processos por população.


— Variação através dos casos:

- O quão longe um caso vai?

- Qual o tipo de punição?

- Quem perde e quem ganha?


As questões que podemos observar nesse tipo de análise são: quantos casos progridem, quantos casos nunca entram no sistema, qual o tempo de atenção jurídica, quais recebem mais atenção e quais recebem mais sanções (punições).


— Qual o tipo de sanção (punição)?


Todo tipo de crime ou desvio pode ser correspondido com uma punição. As punições são variáveis em correlação ao tipo de crime que foi feito. Além disso, fatores como desordem mental impactam no tipo de sanção que será dada.



quinta-feira, 28 de agosto de 2025

Philosophia Iuris #20: Jusfilosofia Feminista




A jusfilosofia feminista é aquela que encara criticamente a forma com que a teoria jurídica historicamente contribuiu para a opressão e subordinação da mulher, além de como serviu para a perpetuação da desigualdade de gênero. É evidente que não existe uma única forma de jusfeminismo, logo leve isso em consideração. O foco aqui são as características gerais.

A crítica jusfeminista tem como foco a dita objetividade da lei, mas que historicamente serviu para perpetuação da opressão de grupos desfavorecidos e marginalizados. Logo a ideia de imparcialidade e de objetividade da lei são dois objetos de crítica do jusfeminismo.

Além disso, um dos objetivos do jusfeminismo é como a lei reproduz estruturas patriarcais que desfavorece mulheres. As jusfeministas buscam entender como as leis são designadas, interpretadas e aplicadas de uma maneira a refletir e sustentar as dinâmicas do patriarcado. O objetivo do jusfeminismo é procurar e identificar esses poderes e reformular os princípios e práticas jurídicas para promover a justiça de gênero.

— Rejeição da Objetividade da Lei:

A crítica central, ou uma das críticas centrais, está na suposta neutralidade e objetividade da lei. As feministas afirmam que os sistemas jurídicos, mesmo que clamem neutralidade, são construídos de uma forma a ter o homem como a sua centralidade, seja em experiências, seja em valores. O resultado disso é que as normas jurídicas e os concepções geralmente marginalizam as percepções das mulheres.

As leis que clamam neutralidade usualmente caem em formas específicas que são desvantajosas as mulheres.

— Universalidade:

Muitos princípios jurídicos alegam universalidade, aplicando equidade para todos, mas eles, na verdade, tendem a refletir e privilegiar certos grupos. Geralmente homens bancos heterossexuais de classe média ou classe alta. O que leva a uma exclusão da realidade de grupos como mulheres e outros grupos marginalizados. 

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Philosophia Iuris #19: Max Weber e a Lei


 

Max Weber foi um sociólogo que também era jurista. É por causa disso que a lei tem uma posição central em sua teoria sociológica. Ele também sempre alertou sobre a necessidade de compreender a sociedade através das lentes do seu sistema.


Max Weber também trabalhou com os conceitos de formalidade e substancialidade. Vou começar por eles:


— Racionalidade Formal e Substantiva:


- Racionalidade Formal: é pautada por regras, leis e procedimentos. Tendo ou buscando a eficiência e a previsibilidade. Atua através de um método. Ela é mecânica e instrumental;

- Racionalidade Substantiva: é pautada em valores, ética e ideias. Tendo como meta a justiça, o bem-estar e a equidade. Trabalha procurando o valor final. É de natureza teleológica e orientanda por valores.


— Importância das Regras e Procedimentos:


Max Weber trabalha muito a respeito da importância das regras e procedimentos, visto que elas impactam no processo de decisão. Weber chega a comentar que o processo de racionalização do mundo, além da secularização do mundo, está vinculado ao processo de desenvolvimento capitalista. Ele chega a unificar o capitalismo e a lei moderna, visto que uma das pré-condições para a existência do capitalismo é existência de uma lei racional.


Para Weber, a lei racional traz necessidade, certeza e previsibilidade. Todos esses aspectos são necessários para o desenvolvimento do capitalismo, visto que a lei precisa ser um sistema previsível. Weber coloca lado a lado o desenvolvimento industrial com a formal racionalização da lei, visto que o capitalismo se interessava com uma lei formal e com procedimento legal.


— Obedecendo a lei:


Weber nos fala sobre três motivos para a dominação legal:

1. Dominação Tradicional: a legitimidade do poder é justificada com base na santidade das regras antigas e dos poderes;

2. Carismática: baseada na devoção para a excepcional santidade, heroísmo e exemplaridade de um caráter de um indivíduo;

3. Jurisdição Racional: justifica-se pela crença na legalidade das regras e também pelo direito elevado pela autoridade pautada em regras para seus comandos.

Philosophia Iuris #18: Durkheim e a Lei

 


Emile Durkheim foi um sociólogo que fez várias reflexões envolvendo o funcionamento das estruturas sociais. Podemos chamá-lo de funcionalista, visto que ele olhava para o funcionamento dos organismos sociais. Questões como "o que mantém a sociedade unida?" e "quais são as funções da sociedade" eram de sua preocupação.


— Uma Teoria Sociológica da Lei:


A lei tem uma importante função na manutenção da coesão social. Só que a abordagem de Durkheim sobre lei não é uma mera função de mantedora ou reforçadora. Ele traz uma reflexão comparativa sobre o desenvolvimento social, o aumento de número de pessoas dentro de uma mesma comunidade, a criminalidade, a laicização, a diversidade e consciência coletiva da moralidade.


Dukheim, em primeiro lugar, observa a transformação da sociedade religiosa na sociedade laica. Nessa observação, ele percebe que as leis de caráter religioso — lembre-se do direito canônico da Igreja Católica — foram pouco a pouco se transformando em leis de caráter mais laico. Quando a sociedade era religiosa, a concepção da lei era religiosa. Quando a sociedade se laicizou, a lei também se laicizou. Isso é uma reflexão da passagem do período medieval para o período pós-medieval.


Ele observa, a partir desse ponto, que a justificação para o punimento é uma justificação moral. Só que a moralidade não é em si mesma estática. Então o desenvolvimento da criminalização e da descriminalização estão sempre voltados conexualmente a moralidade que está em voga da sociedade, logo o punimento ou a ausência de punimento podem ser alterados de acordo com as mudanças que ocorrem no dinamismo social. Visto que a punição é a privação de uma liberdade e essa privação de uma liberdade está sempre correlacionada com uma justificação moral e se essa justificação não for socialmente aceita, ela é inválida.


Além disso, ele percebeu que quanto mais complexa era a sociedade, mais distintas visões e observações de toda a espécie surgiam. Enquanto que nas sociedades menos complexas, era observável que elas tinham uma quantidade menos expressiva de visões distintas.


Ele observou que o avanço da civilização existia lado a lado com a multiplicação da diversidade. O que criava um universo de distintas percepções. O que pode ser encarado como uma mais difícil coesão social. Porém se percebe que a sociedade se torna, mais e mais, apta para aceitar diferentes modos de vida. O que também significa que o caráter menos permissivo se perde gradualmente. Diversificação social significa que mais atos passam a ser tolerados. Essa é uma distinção que aparece em sociedades consideradas mais simples, onde a coesão e padronização é maior; e sociedades mais complexas onde há maior diversificação e individualização entre as pessoas. Além disso, como já explicado, quanto mais complexa a sociedade, maior será o grau de individualização, comportando maior número de tendências e pensamentos distintos entre os membros da sociedade.


Sobre o crime, Durkheim deixa claro que todo crime é inerente e integral a sociedade, visto que não há uma sociedade sem crime. Visto que há sempre alguém que ferirá a consciência moral da sociedade em algum momento. O crime é uma violação da consciência moral da sociedade e a punição é dada a quem viola essa consciência moral coletiva. Logo punição e consciência moral coletiva estão interconectados.



Philosophia Iuris #17: Karl Marx e a Lei


 

Aviso: aqui será uma explicação breve sobre uma teoria da lei em Marx, visto que caberá mais aos sucessores do seu pensamento definirem uma teoria legal marxista.


— Karl Marx:


Marx escreveu muito sobre teoria econômica, ele também focou no desenvolvimento de uma teoria política e de uma teoria histórica. Graças a isso, ele não chegou a desenvolver uma teoria sistemática a respeito da lei. Temos que compreender que o esforço de Marx, e também de Engels, está mais correlacionado com uma tentativa de compreender as relações econômicas dentro da sociedade. Para Marx e Engels, as condições materiais da sociedade adquirem uma importância maior no direcionamento do seu pensamento. Para Marx, a lei entraria dentro da superestrutura junto com outros fenômenos culturais e políticos.


Cabe lembrar que Marx tinha uma linha de raciocínio histórica. Ele acreditava que a evolução social poderia ser explicada em termos de forças históricas. Estudando Hegel, Marx e Engels desenvolveram a teoria do materialismo dialético. Marx e Engels compreendiam que exista uma relação dialética dentro da sociedade, onde havia uma oposição de classes. Eles compreendiam que os meios de produção, os meios de produção econômica, eram materialmente determinados. E as distintas classes sociais, em suas dinâmicas, tinham um inevitável conflito em relação a esses meios de produção. Havia, para Marx, uma oposição entre quem detém os meios de produção e quem não detém.


— Lei e Ideologia:


A lei tinha, para Marx, uma função ideológica. Vamos nos aprofundar um pouco mais nisso.


Dentro da sociedade, a classe trabalhadora desenvolverá uma consciência da sua condição. Essa consciência se desenvolverá a partir da análise da sua condição material. A classe trabalhora percebe que precisa vender a sua força de trabalho para sobreviver e viver. Enquanto a classe detentora dos meios de produção (burguesia), explora a força de trabalho da classe trabalhadora.


Para Marx, desenvolvemos a nossa consciência e conhecimento a partir das experiências sociais que temos.


O papel da lei, em Marx, existe apenas para manter o estado atual de ordem social:

1. Representa os interesses da classe dominante;

2. Serve para manter o status quo.


Desse modo, podemos compreender que para Marx e Engels a lei serve como veículo da classe dominante para manter o seu poder. Quando há uma transição para sociedade sem classes, o papel da lei se tornaria mais limitado. Em outras palavras, quando a ditadura burguesa (compreendendo como o monopólio do poder da burguesia) fosse substituída pela ditadura do proletariado (compreendido como a tomada do monopólio do poder), a existência do Estado e a necessidade da lei seriam gradualmente menores. 


— Questões da Lei em Marx:


Uma das maiores críticas com correlação a teoria de Marx a respeito da lei é que ela é bastante simplificada. Por exemplo, pode-se argumentar que muitas vezes houve um esforço governamental e legislativo para melhorar as condições de vida da classe trabalhadora. Logo a lei não seria, pura e simplesmente, uma forma de opressão da classe trabalhadora, o que contraria os escritos de Karl Marx. Todavia pode se argumentar, em defesa da tese de Marx, que essas leis apenas atenuam o sofrimento da classe trabalhadora sem, contudo, resolver a raiz do problema.


Do mesmo modo, Marx diz que o protagonismo da lei seria menor depois da revolução. Se analisarmos a União Soviética, por exemplo, a lei ainda existia. Existia com algumas funções diferentes, mas ainda assim existia. Além disso, mesmo em uma sociedade sem classes, seria necessário pensar a respeito da possibilidade de crimes e também de regulamentações de caráter econômico.

Philosophia Iuris #16: a Jusfilosofia de Dworkin

 


Ronald Dworkin (1931 a 2013) foi um jusfilósofo. Ele é conhecido por ter uma obra crítica ao pensamento de H. L. A. Hart. Trabalhou na Universidade de Oxford, na Universidade de Nova York e na University College London (UCL). 


Ronald Dworkin tem uma abordagem crítica ao juspositivismo, sendo mais próximo a uma posição não-juspositivista, o que o aproxima de Lon L. Fuller e John Finnis. Podemos chamá-lo de jusmoralista ou algo próximo ao jusnaturalismo contemporâneo.


Dworkin defende a moralidade como parte necessária e inseparável da identificação, interpretação e aplicação do Direito. Porém ele rejeita a interpretação clássica do jusnaturalismo em que uma lei injusta deixa de ser lei.


Como grande parte do texto se retirará ao trabalho de Hart, peço que o leitor ou a leitora leia os textos predecessores. Visto que a obra de Dworkin é uma crítica sistemática ao pensamento de Hart.


Grande parte do trabalho de Dworkin é o de ser uma resposta ao trabalho de Hart. Para desdobrar isso precisamos ter uma visão setorial. Em pririmeiro lugar, vou traçar um quadro sistemático de forma simplificada.


— Hart vs Dworkin:


- Questão Central: "O que a lei é?" (Hart) X "O que uma lei requer?" (Dworkin);

- Natureza da Lei: Sistema social de regras primárias e secundárias (Hart) X Regras, Princípios e Política (Dworkin);

- Regra de Reconhecimento: O último critério para a validação da lei é o fato social (Hart) X Nenhuma regra mestra pode captar a razão complexidade legal (Dworkin);

- Papel da Moralidade: Separável, uma lei pode ser válida e moral (Hart) X Necessária, o raciocínio moral é essencial para identificar uma lei (Dworkin);

- Julgamento em Casos Difíceis: exercer discrição e fazer uma nova lei (Hart) X usar princípios (Dworkin);

- Analogia: a lei é um fato social a ser observado, ciência (Hart) X a lei é uma narrativa a ser interpretada, literatura (Dworkin).


— Questão Central:


Dworkin começou seu trabalho crítico contra Hart começando a atacar a concepção positivista de que as leis poderiam ser descritas tão somente como se fossem só regras. Segundo Dworkin, as leis podem conter também dentro de si conteúdos que não são regras.


Esse conteúdo que não são regras podem ser chamados de princípios. Os princípios servem para preencher os requisitos da justiça quando ela estiver vaga e imprecisa, dando uma dimensão de moralidade.


Para ilustrar esse caso, Dworkin trabalha com o caso "Rigg v Palmer" de 1889. Nesse caso, um neto matou o seu avô. O assassino seria herdeiro. Todavia entrou o princípio de que "ninguém pode lucrar com o próprio crime". Logo o princípio (que vem com moralidade) completou a lacuna da regra. É por isso que Dworkin vê o trabalho de Hart como incompleto.


— Natureza da Lei:


Para Dworkin, os princípios são capazes de preencher as lacunas das regras estabelecidas. A diferença entre os princípios legais e as regras legais está no caráter. Ambos apontam para obrigações legais. Os princípios apontam para as dimensões morais da lei. Apontando para uma dimensão teleológica da lei (a finalidade a qual ela se inscreve), podendo esse ser socioeconômico ou político.


Enquanto Hart era um juspositivista, aderente da Tese da Separação, Dworkin vê na moralidade uma consubstancia necessária para aplicação da lei. Visto que os princípios são padrões de conduta que apontam para uma direção, mas não determinam uma posição única. Eles possuem peso e importância no balanceamento dos conflitos.


— Regra de Reconhecimento:


Dworkin rejeita a ideia de que exista um tipo de regra mestra que todo sistema jurídico apresenta. Isto é, não há uma chave mestra para ser utilizada para identificar regras válidas em todos os sistemas jurídicos existentes. Logo ele vê a ideia de Hart como uma espécie de simplificação da complexidade que o mundo apresenta.


Ele vê que as pessoas continuam tendo direitos válidos mesmo quando esses mesmos direitos estão em disputa. Ou seja, mesmo quando se disputa socialmente qual é a correta legalidade de um direito, mesmo situações bastante críticas onde há um questionamento profundo, as pessoas continuam a ter acesso a esses direitos.


— Papel da Moralidade:


Dworkin, ao contrário de Hart, acredita que a moralidade serve para dar uma interpretação construtiva da lei. E que a interpretação da lei já implica necessariamente em uma moralidade quando pensamos no que uma lei realmente é. Tal como foi o caso de "Rigg v Palmer" anteriormente citado. Quando o neto matou o vô para obter a sua herança, questionou-se qual era o fundamento da lei. Logo houve uma análise de natureza moral.


— Julgamento em Casos Difíceis:


Aqui, mais uma vez, destaca-se em Dworkin a ideia dos princípios. Isto é, enquanto que em Hart é possível criar uma nova lei, em Dworkin é necessário que o juiz se questione a respeito do Telos (finalidade da lei) e se oriente moralmente para cumprir essa finalidade. A questão é uma interpretação moral que se faz sobre os direitos e deveres presentes na sociedade.


— Analogia:


É por causa da correlação entre direito e moralidade que podemos vislumbrar em Dworkin uma ligação a uma chave interpretativa da lei. E essa chave interpretativa da lei é a busca dos princípios que a orienta. Isto é, ele lê a lei através da lente moral. E a lente moral completa a lei.

terça-feira, 26 de agosto de 2025

Philosophia Iuris #15: o Juspositivismo de Hart

 


O juspositivismo de Hart é, como escrevi anteriormente, um dos mais influentes do mundo jurídico. Hart desenvolve um conceito de leis baseado em regras. E ele divide as regras em duas categorias:

- Regras Primárias;

- Regras Secundárias.


— As Regras Primárias:


As Regras Primárias servem para nos dizer o que podemos ou não podemos fazer. Elas informam aos membros de uma sociedade o que eles poderão ou não poderão fazer, como deverão agir em determinadas circunstâncias. Essas regras, as regras primárias, são regras que visam o funcionamento próprio da sociedade.


Podemos verificar esse tipo de regra nas leis de trânsito, por exemplo. Indo mais adiante, podemos ver as regras envolvendo o pagamento de imposto. Se, por exemplo, as pessoas quebrassem as regras de trânsito, cada qual indo com a velocidade que quer, consumindo álcool e dirigindo, passando no sinal vermelho, não conseguiríamos ter um bom andamento das nossas cidades e tudo se tornaria caótica, sem a possibilidade de ter uma segurança maior. Por outro lado, se as pessoas não pagassem impostos, as próprias garantias de direitos fundamentais como saúde, educação e segurança, seriam financeiramente impossíveis.


Como podemos ver, as regras primárias servem para o funcionamento básico da estrutura social. Podendo ser resumidas como regras de conduta que impõem obrigações, deveres e proibições.


— Regras Secundárias:


1. Regras de Mudança;

2. Regras de Adjudicação;

3. Regras de Reconhecimento.



1. Regras de Mudança:


Toda sociedade viva está em constante mudança. Logo é uma necessidade que a lei se transforme tal como a sociedade se transforma. Para Hart, a lei não pode ser estática (parada) visto que a sociedade não é estática (parada). A lei não é algo que se cria de modo fixado uma única vez e nunca muda. Conforme a sociedade vai se transformando, novas regras precisam surgem para acompanhar essa transformação social.


Essas regras são necessárias para criar, modificar ou extinguir regras primárias. 


2. Regras de Adjudicação:


Para que um sistema jurídico funcione, ele precisa de um mecanismo de contestação e interpretação da aplicação das regras primárias.


Isso ocorre quando existem situações de disputa em relação a aplicação das leis. Vemos isso em vários tribunais onde dois lados defendem estar no seu direito. A possibilidade de adjudicação faz com que casos particulares do dia-a-dia recebam o tratamento adequado.


O sistema de adjudicação possibilita a satisfação e a justificação do sistema judicial essencialmente permitindo que possamos ver que as regras do sistema primário estão sendo cumpridas corretamente. Se não existe a possibilidade de contestação das decisões, o sistema em si mesmo seria cego, visto que o fundamento da aplicação das regras não seria localizável e também poderia ser usado de forma injusta.


Servem para determinar autoritativamente se uma regra primária foi violada ou não e impor sanções (punições) caso tenham sido.


3. Regras de Reconhecimento:


Essas regras são mais o reconhecimento interno que um cidadão tem do ordenamento jurídico do país. É uma espécie de conhecimento que o cidadão tem sobre determinados ordenamentos jurídicos que existem dentro do país.


Hart está tentando nos dizer que quem possui internalizadamente a noção de que existem ordenamentos jurídicos há de reconhecer a existência das regras primárias que regulamentam a vida social. A habilidade de reconhecer as regras que regem o país é necessária para que as pessoas atuem dentro da esfera da legalidade. Se ninguém as reconhece ou poucas pessoas reconhecem a existência dessas regras, é muito pouco provável que as pessoas sigam essas regras.


Essa é a pedra angular do pensamento de Hart. Servindo como uma regra mestra que fornece critérios últimos para identificar quais outras regras são válidas e pertencem ao sistema jurídico. 


— Distinção de H. L. A. Hart e John Austin:


Hart e Austin são diferentes em múltiplos pontos, mas ambos são juspositivistas pois ambos defendem os fundamentos elementais do juspositivismo. Embora Hart não esteja próximo de Austin no que se refere ao Comando Soberano para a justificação ou legitimação da lei. O que se torna particularmente útil quando se trata do reconhecimento que se dá ao Direito Internacional — que na teoria de Austin, como vemos textos anteriores, era debilidade. Como Hart vem de um período mais próximo a nós, é evidente que o Direito Internacional já aparecia mais próximo ao seu horizonte de consciência. O mesmo não se sucedeu com Austin, visto que naquele período em que ele viveu, o Direito Internacional não era tão proeminente tal como era no período de Hart.


Austin trabalha com a Teoria do Comando e Hart trabalha com a Teoria das Regras. Para Austin (Teoria do Comando), a obrigação jurídica existe porque há o comando de um soberano acompanhado de uma sanção (punição). Para Hart (Teoria das Regras), a obrigação jurídica existe porque há uma regra social que é internalizada e aceita como um padrão de conduta válido. Enquanto Austin vê um padrão externo munido de força (o soberano), Hart vê um padrão interno (reconhecimento social) movido pela conformância ao ordenamento estabelecido que é tido como certo.