segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Acabo de ler "Harry Potter e a Ordem da Fênix" de J. K. Rowling




Esse livro apresenta um tamanho maior que o seu anterior, o que torna surpreendente a evolução da autora como um todo, já que ela evolui e muito a sua capacidade narrativa e de construção de universo literário. E é sempre incrível ver como as peças se encaixam nos livros de nosso bruxo predileto.


Apesar de alguns dizerem que é um prólogo ou preparamento aos outros livros, não posso concordar com essa frase e tenho lá as minhas razões. Creio que cada produto cultural apresenta um processo que é diferente, já que a intencionalidade não é a mesma. É preciso ver além daquilo que é demonstrado no corpo total da obra, analisando ela em seu conjunto e em sua parte. A parte reflete o produto total, porém deve também ser analisada por si mesma.


Nesse livro, vemos um Harry mais sentimental e preocupado com as consequências de suas ações. Ele vai, aos poucos, tomando maior consciência de si e revisando seus atos em uma postura autocrítica, sobretudo no final da obra. A relação com os outros personagens igualmente aumenta em substância. Os personagens ganham peso psíquico, histórico e atitudinal. Com a história ganhando cada vez mais complexidade, sentimo-nos satisfeitos com o desenrolar da trama, embora não possamos nos sentir tão felizes com o desenrolar das ações inconsequentes de Harry - ele é adolescente, isso pesa ao seu favor. O que se pode esperar é um desenvolvimento posterior, já que ele se depara (spoiler) com a morte de seu padrinho e terá que arcar com essa responsabilidade.


O que temos nesse livro é: alta densidade política, os sentimentos que são desenvolvidos e a própria caracterização de um mundo cheio de perigo. Tudo isso é de suma importância para o desenvolvimento de cada personagem, já que tudo se torna cada vez mais sério e toda ação termina em consequências trágicas ou dificilmente contornáveis. Harry tem que se desenvolver mesmo que seja à força e começa a entender melhor que o mundo não é tão colorido e que o heroísmo tem um preço que foge do pacote fechado de "felizes para sempre". Termino o livro com a boa sensação de que me deparo com uma obra cada vez mais adulta.

domingo, 30 de janeiro de 2022

Solidão em Solitude




Nos últimos tempos, venho me relegado a transformar solidão em solitude - triste tarefa que demonstra a presente decadência de minha figura. A leitura dos livros de Harry Potter vem sido o meu alívio, também retornei ao estudo de obras de caráter mais teórico e abstrato. Nelas encontro um aconchego de um mundo fantástico ou uma elevação teorizante que me livram da crueza do mundo real. Mesmo isso sendo obtuso e até mesmo alienante, venho visto na figura de Snape um pouco de mim: arrogante, sem relações de concreta amizade ou de amor, solitário, sofreu bullying na infância e adolescência. 

De qualquer forma, tenho muito de semelhante e queria estabelecer relações aproximadas. Algumas ideias não m

Te calham pelo meu ressentimento, alguns traços se encaixam mais pelo meu sofrimento do que por minha real adesão. Sei que não posso renegar o meu passado e parte de minha revolta contra esse mundo parte dele. Sei que, no fim, relações se esgotam e pessoas se afastam. Por outro lado, estou tão perturbado que igualmente me afasto. É como se uma paisagem turva se apresentasse a tudo que meus olhos tocam e que meu coração deseja. O desejo se choca com a incorrespondência e todo contato cai na percepção que todo contato é ilusão, sempre caio e me afogo na desilusão. Estou ficando cansado demais para sentir, já que todo sentir é decepcionante.

O que sinto presentemente é um hiato. Hiato esse que se caracteriza não por uma forma ou deforma, mas por uma nuvem fantasmagórica que em parte revela o que já foi e em outro projeta em fragmentos o que virá. Não sei se sou forte o suficiente para isso. Por vezes, penso que nada mais importa. Às vezes quero que tudo se acabe, já tive mais do que o suficiente. O prazer de tentar, a força de se seguir, a coragem para prosseguir, tudo isso se esvai a cada dia e arrasto-me como se eu fosse manco.

sábado, 29 de janeiro de 2022

Éramos dois, e daí?

 Você me contava do seu desejo de virar socióloga. Era de esquerda juvenil, adolescente lutando contra o tédio. Tão desafiadoramente bonita quanto inteligente e simpática. Revelei a ti o meu amor quando já era tarde, tinha vergonha metódica de mim e não queria lhe envergonhar com minha obscura imagem social. Por um momento, éramos dois, mas depois de alguns meses, já não éramos nada.


Eu te diverti com meu humor adolescente de anarquista niilista e rebelde sem causa. Pagando-lhe bebidas na esperança que transfigurasse a sua lesbicalidade e bissexualidade. Me aproximando com distâncias calculadas e passos patéticos que geraram tragédias insensatas. Eu sumi por sete anos, em crises sem fim, falei-lhe que era teu amigo, mas e daí? Eu sumi. Sumi e voltei transfigurando proximidade em distância abjeta e sem explicação sensata.

Você jogava videogame em minha casa. Na doce infância era tão bom, só que eu era idiota e inadequado demais para a pré-adolescência. Como consequência de meu desenquadro, criei em você a vergonha que lhe permitiu o afastamento adequado. Éramos dois, e daí? Daí que sumi sem nunca mais falar contigo. Daí que lhe achei um cara que preferiu a sociedade a amizade dourada.

Nos pegamos três ou duas vezes. Dormi contigo, em teu quarto. Sua mãe trouxe pizza, sem pensar em sexo homossexual de dois caras bissexuais que não davam pinta de nada. Éramos dois, éramos dois amigos e coloridos adolescentes numa época de liberalidade sexual. Quem você é agora? Você se assumiu ou ainda isola o fato sexual de sua família com ocultamentos constantes de sua inconstância inata?

De pastor você foi a ateu convicto. Íamos ao puteiro em apostasia à faculdade. Conversávamos muito. Você voltou a ser pastor, traiu o puteiro, o anarquismo, o ateísmo e a mim. Éramos dois, e daí? Daí que nunca mais falamos e eu até hoje não me lembro de seu sobrenome.

Eu era tão católico quanto um católico deve ser. Num retiro vocacional buscando irmão ser. Te vi algumas vezes em conversas doutrinais que foram fáceis de esquecer. Lia "Ordem Nova", o reacionarismo era moda, a monarquia voltava em mentes e não em regimes. Sempre quis te comer, sobretudo quando bebíamos na igreja. Eu fiquei sabendo, você beijou garotas e eu beijei rapazes. Éramos perfeitamente heterossexuais e completamente bissexuais.

Em Santa Catarina foi um horror, afastado da família e da cidade que morei com louvor. Identidade em choque em novo mundo cultural. Você foi padre, agora era homossexual e casado. Eu? Eu era o cara que ia em retiros vocacionais e militava no movimento negro. E mesmo você sendo casado com outro homem, desejei que fosse meu próprio homem. Treinamos juntos, sugeri poliamor e um dia no pós-treino você me chupou. Eu fui pra São Paulo, você lá permaneceu. Ficou onde fui, para permanecer de onde era. Eu voltei pra São Paulo, para permanecer de onde vim. Éramos dois, e daí? E daí que ainda penso em você.

Eu lia Olavo de Carvalho, você lia Nietzsche. Eu era Apolo e você era Dionísio. Só que eu tinha um Dionísio oculto e você tinha um Apolo oculto. Pegamos duas mulheres, mas quando a pegamos, uma das duas não estava presente e nem conhecíamos a outra que estava por vir. Pegamos a mesma flor e depois a outra flor, em perfeita conformância com a igualdade do sabor. Você me apresentou a social, eu te apresentei a transexual. Você me apresentou a Dionísio e eu te apresentei ao tradicionalismo. Éramos loucos sem tirar e nem pôr, talvez seja por isso que você foi um dos únicos que ficou.

Borboletas no Estômago e Esqueletos no Armário

Todo dia que desfilo, lembro de esqueletos gritando e batendo no meu armário. Na performance contínua, extraío o que é do outro, extraío o absorvido e não absolvo meu espírito acorrentado. As eternas borboletas que estão no meu estômago não encontram espaço além do interior de meu interior, clamam por ajuda de meu corpo que resiste a corrente de meu pensar preservado. É sempre essa confusão, num rolo de constante desilusão. A vida virou um teatro em que sou ator. Sempre ator. Nunca autor ou autora. Sou o imaginado, não sou nunca a imaginação. Já que a imaginação não tem limite concebível e adentra no não-inteligível. Um imaginário é aquele que internamente sofre dentro da coisa imaginada. Imaginar-se é construir-se em desconstrução, ser imaginado é ser marginalizado pelo dedo do criador precário.


Sigo sempre triste ao saber, que não sou o que sou, sou o enquadro teatral de um pensamento outrora forjado. Os esqueletos de meu armário, batem todas as noites, nunca me deixando dormir com profunda tranquilidade. Até quando eles me recordarão que em mim há menos espaço para as borboletas do que para o outro? O outro que adentra pela noite, o outro que esmaga a borboleta imaginária. Ressentidas caveiras, não se esquecem nunca da tenra mocidade que era ingênua o suficiente para não ser teatralmente vivenciada, eles não vão sempre me dizer que o imaginário é o que sou e que não sou o objeto imaginado.  Minha atitude prostituta de forma oculta, oculta as borboletas que gritam silenciosamente em meu útero. Meu ser fálico faliu dentro do caixão que lhe deram aos poucos para que eu soubesse: serei sempre morto-vivo, já que quem vive dentro do caixão não vive. Eterno zumbi a caminhar nos limites inteligíveis e pré-ordenados pelas elites grã pensantes numa tradição atroz e retrógrada que confronta a liquicidade condenando o mundo a se congelar numa nova Idade de Gelo.


Minha expectativa não é o ideal, é um sonho socioeconômico realizável. É o que espero todos os dias ao voltar de meu trabalho performático é um pouco de respeito a minha atitude condicionada. Eu espero respeito por não ser quem sou, espero respeito por obedecer o limite da faixa. Trabalho alienantemente de me configurar ao meu enquadro. E é por isso que toda vez que adentro em meu quarto, esqueletos batem em busca de sair de meu armário. Tudo é performance, tudo é socialmente calculado. Em todo cálculo, viso privar a liberdade da borboleta que vive no armário de meu estômago nauseado. O que tenho que confessar, o que tenho que verdadeiramente falar, é sempre cortado pelo limite do enquadro.


A regra máxima é sempre econômica. É sempre mais austera que a própria austeridade. É a privação do ser para a prostituição do ser. É buscar o viável. É buscar sempre o viável e esquecer o inviável. Esquecendo-se de si em busca do pré-configurado. O preconceito contra si é a segurança de uma prisão preventiva que se molda dentro do molde do corpo, para que a alma psíquica não se exploda em imaginatividade manifesta.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Acabo de adquirir "Sob a Máscara: as polêmicas de Orlando Fedeli e Fernando Schlithler contra Olavo de Carvalho"




Comprei esse livro antes de Olavo de Carvalho morrer. Como é um livro escrito contra ele e ele faleceu há pouco tempo, respeitarei o momento e abstenho-me de comentar qualquer coisa. Também aviso previamente que não era minha intenção causar qualquer polêmica contra o Olavo, sobretudo nesse frágil momento. Comprei esse livro sem qualquer intenção ofensiva, não esperava que ele morresse e muito menos sabia que o livro escrito contra ele chegaria um dia depois de sua morte.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

Há um buraco no meu peito!

Há um buraco no meu peito amargo. Há um buraco que ninguém mais vê. Ninguém mais vê, ninguém nunca viu absolutamente nada. Ando a sangrar a cada dia, ando padecendo a cada instante. Em cada camiseta, há um sangue invisível escorrendo do meu peito. Eu tenho fôlego, folego o suficiente para caminhar sem coração. Sou esperto o suficiente para dizer que em palavras sutis, vejo conjurações. Conjurações diabólicas do inferno que são os outros. Tudo que quero hoje é chorar, tudo que quero hoje é esquecer até da mais feliz reminiscência, já que mesmo nelas me mergulho em ressentimento.


Eu não tenho esperança. O futuro não é incerto, ele é trágico. De onde vem tal certeza autovitimada? De onde vem a loucura que me abarca. Sinto meu nariz sangrar enquanto não sangra. Sinto meus olhos chorarem enquanto não choram. Sinto minha boca gritar enquanto não grita. Pessoalmente, pareço normal. Tão normal quanto qualquer pessoa normal pode ser. Só que meu grito silencioso só é silencioso externamente. Internamente ele é tão audível quanto real, não só real, é tão real quanto desesperador. Quem pode livrar o moderno átomo da consciência atormentada? É como se vermes invisíveis crescessem em minha cabeça anuviada, mexendo-se interminavelmente em minha consciência precária.

Eu vi o reflexo do espelho. Eu o vi. Ninguém mais o viu, só eu o vi, só eu ouvi, só eu senti. Ele gritava. Gritava enquanto saia sangue de seus olhos, de sua boca e nariz. Eu tive que fugir do banheiro em que estava o seu abjeto ser, para fugir do reflexo. Tão logo fugia, igualmente, da imagem da câmera frontal de meu celular. Tão logo fugia de cada encontro desencontrado. Minha boca secou, secou depois de imensamente gritar em gritos inaudíveis. Isso não é biológico, não é natural gritar sem gritar e depois cansar de tanto não gritar. Não é natural, não é normal, é sumamente antinatural e sobrenatural, portanto nada mais é mais estranho e mais humano.

As ideações suicidas são pensamentos ou projeções imagéticas? As ideações suicidas são pensamentos ou previsões de um futuro não tão incerto? O que eu quero é uma arma em minha boca seca, separando cada pedaço de meu cérebro num equidistante eterno. Eu quero ver, perto de uma estação de trem, um trem a passar na caminha cabeça, tal como se passasse num monótono trilho velho, livrando-lhe do que há de torpe. Eu quero morrer e mesmo assim ver todas as faces horrorizadas dessa cidade desalmada, conquanto que abundante em almas. Almas não mais conscientes, mas doentiamente alienadas.

Se tudo que vejo são demônios, é natural que eu igualmente o seja. Se o fim do homem é a felicidade, quão corrupto sou eu e quão corrupta é a nossa sociedade. Eu não posso mais beber para esquecer, já que o anjo da morte está sempre ao meu lado. Não posso fumar, nem a tranquilidade tóxica ao meu peito invade. Pelo contrário, sou bomba atômica em perene externalidade. É como se a tensão gravitacional ao meu ser esmagasse. É como se eu já soubesse: há mais coisas entre o Inferno e a Terra que a nossa vã esperança pode conceber. É impossível não falar tamanha heresia que no meu peito vazio e niilista se cria: preferível é a sorte do aborto, já que o destino do homem é caminhar em desalegria.

sábado, 22 de janeiro de 2022

Você já conhece o estilo gamer Sergio Moro?

 



Vamos lá, em primeiro lugar, temos que nos ater as mãos: elas devem estar invertidas. Jogar com mãos invertidas pode parecer um erro, mas demonstra habilidade fora do comum. Imaginem só: "eu sou tão bom que jogo com o controle invertido". Essa é uma imagem de segurança e demonstra uma postura de quem enfrenta inimigos com as mãos nas costas em meio a porradaria. 


O segundo passo? Mensagem nacionalista. Além de jogar bem, a ponto de usar mãos invertidas, você precisa demonstrar que tem uma forte paixão pelo Brasil. Coloque uma mensagem nacionalista. Diga o quanto ama o Brasil e quanto quer defender ele. Só que você não é um defensor qualquer, você é o defensor das mãos invertidas. Você tem garra, coloca uma dificuldade pra si mesmo apenas para demonstrar mais poder e desdenhar os adversários. 


Em terceiro lugar, coloque uma mensagem para algum inimigo ou opositor. Só que demonstre que você é inteligente, que manja das referências simbólicas da cultura gamer e junte-as a realidades políticas locais. Desse jeito, haverá um desaforo sutil, próprio de pessoas inteligentes.


Esse foi, meus caros, o método gamer Sergio Moro.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Acabo de zerar Zelda Skyward Sword no Wii

 



É difícil expressar com palavras do quanto me sinto ao terminar esse belo jogo. Apesar da maioria das pessoas dizerem que o Wii é/foi um console fraco, é possível ver que ele trouxe beleza inigualável perante os adversários de sua época - e nisso há uma velha frase de Dostoiévski demonstra toda razão (ou seria o amor?) do mundo: "a beleza salvará o mundo".


A Nintendo nesse jogo se esforçou em cada detalhe, não que seja o jogo perfeito, mas é um jogo extremamente belo. Chega a ser mais bonito que muitos jogos de Xbox 360 e PS3. O que a Nintendo não podia fazer por hardware, fez por esforço. Eu nunca cansei de notar, enquanto estive jogando, em cada esplêndido detalhe.


É um jogo difícil, requer muitas pausas e demora-se pra chegar em uma conclusão em vários momentos. Demorei mais de 50 horas pra zerar o jogo, foi árduo o meu esforço. Mesmo assim, o jogo é mais que um jogo, é uma experiência poética, é uma experiência mística. Resolver os enigmas, pensar logicamente, dar o enquadramento certo na espada, pensar e pensar de novo e de novo. Sim, é exaustivo, só que infinitamente recompensador. O próprio Ganon - vilão principal - reconhece isso em palavras mais ou menos assim: "você é um exemplar de sua espécie". 


Wii é um dos meus consoles favoritos, desde que o comprei, só me vejo satisfeito. Jogos como Mario Galaxy e The Legend of Zelda Skyward Sword ficarão marcados eternamente em minha memória. E digo isso sem eufemismo algum.

Acabo de (re)ler "Há um outro mundo" de André Frossard

 



Ser cristão, no mais íntimo e profundo sentido do termo, não é crer meramente que o mundo se afastou de Deus pelo pecado. É crer, no mais angustiante desespero desconsolador, que tudo será salvo. É ver o mundo em ruínas, não só permanecendo de pé, mas sorrindo numa densa chuva sem fim, é preciso sorrir até no dilúvio, já que Deus é bom. Não abalado e niilificado com a presente derrota, e sim com a íntima certeza que esse mundo de dor e sofrimento, que esse vale de lágrimas, está em estado gestacional e o que vem depois é mais do que o progresso, é o paraíso. Lá, após toda dor, tudo fará um sentido e se terá uma conexão tão grandiosa, que tudo será perdoado. Mais do que perdoado, tudo será salvo.


Embora hoje não se possa dizer o mesmo. Embora hoje a contradição e a escravidão do ser sejam a norma. Embora hoje não há como dizer que o "Senhor é meu Pastor", já que hoje só se pode dizer: "Por que me abandonaste?". Todo esse sofrimento sem fim, esse mundo líquido de areia movediça sempiterna, esse desconsolo que arrasta o sofrimento em um constante holocausto, em constante desemprego, fome e miséria. É preciso crer num novo ser, ser esse que não é o cidadão perfeito duma utópica sociedade comunista ou duma sociedade conduzida por uma suspeita mão invisível. É preciso crer num novo Céu e numa nova Terra. Num Céu que se faz Terra. Numa Terra que nunca se desconectou e nem mais se desconectará do Céu. Mesmo que agora só haja o império da vaidade. Mesmo que agora só haja o retorno ao pó.


O mundo leva a crer que Deus não existe. O próprio afastamento de Deus o leva. Tudo leva a crer na escravidão da Serperte. O próprio enigma da Serpente é prometer o que já se tem, para se tirar o que se tinha. Só que um dia haverá um mundo, um mundo que não é desse mundo, só que nesse mundo se revela e se faz. Mesmo com tudo isso, mesmo com perene depressão, mesmo com hipotetéticos paraísos revolucionários ou reacionários. Devemos seguir em frente com esse paraíso que é gerado, a cada dia, em direção ao Reino Celeste. Mesmo que agora não o haja, mesmo com a razão condenando qualquer hipótese do milagre nesse vale de lágrimas.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Diários Cadavéricos #4 - Não há oscilação e nem angústia

 

Se eu morresse hoje, sairia tão atormentado que a violência da morte me pouparia da violência do arrependimento. Haveriam duas dores: a primeira é a de não ter cumprido existencialmente o que eu deveria ter cumprido; a segunda é eu ter alívio covarde de ter escapado do dever. Duas fraquezas, duas fragilidades, no entanto uma alivia a outra. E uma é certamente contrária à outra. Se assim é, há uma oculta ordem que é superior e abarcante.

"Não podemos pensá-lo eterno e ao mesmo tempo sujeito à sucessão do tempo" (Há um outro mundo, pág. 68 - André Frossard)

O Deus que eu via, o Deus que eu ainda vejo, é  condicionado ao passado glorioso e também a um tempo que é tão distante quanto inacessível. Lhe falo sempre, por escrita e por palavra, mas por Ti só tenho um agnosticismo. Como, então, em Ti posso me fiar? Continuo a falar, mas com medo de não falar com ninguém. Persisto com pertinência impertinente, assim fico eternamente procurando ver o que há e espero que um dia a espera acabe. Quero alívio, meu Deus. Só que sei isso não é verdadeira teologia, verdadeira teologia é a superação da incerteza pela fé. Uma fé sólida é uma fé que enxerga além, não por uma crença condicionada pelo mundo inteligível, mas pela capacidade ver além do que é momentaneamente inteligível.

"Vosso retorno será a Deus, porque Ele é Onipotente."
(Surata 11:4)


É um alívio ouvir isso. E também um desafio: conto-lhe, então, a torta questão. Sonhei hoje que estava de volta ao ensino médio. Toda hora tenho o mesmo sonho. Estou sempre de volta ao ensino médio e o pior: estou preso nele. Lembro-me de que, no sonho, disseram que se eu não vencesse o ensino médio, perderia até mesmo a minha faculdade. O sonho era estranho: mesmo tendo faculdade concluída, o ensino médio me exigia completar ele novamente e, dessa forma, era obrigado a fazê-lo de novo e ser reaprovado. Será que estou preso no ensino médio? Será que não amadureci? Será que devo superar esse estágio de minha vida de alguma forma? Sei que estou por conta própria lá e assim me mantenho, só que queria saber a razão de eu estar lá e a causa de assim me manter. Volto-me a Ti em dúvida e remorso por essa causa. Revela-me, Pai, causa das causas, a causa que me é desconhecida.

"De Deus nada se oculta, tanto na terra como nos céus"
"Ele é Quem vos configura nas entranhas, como Lhe apraz. Não há mais divindade além d'Ele, o Poderoso, o Prudentíssimo"
(Surata 3:4-5)

Assim diz um de seus santos livros. E assim é: tudo que o homem vê como desordem, é desordem aparente. Desordem no sentido que o homem vê pouco, já que seu horizonte de consciência é delimitado e o futuro é incerto. Esse aparente caos, no entanto, pra Ti é como o vento: já viu tudo, já sabe de tudo, então não há oscilação e nem angústia. Só que eu, como homem, perco-me nesse mundo que é mutável a minha consciência. E logo vem o meu clamor: "Ó Senhor nosso, não desvieis os nossos corações, depois de nos teres iluminado, e agracia-nos com a Tua misericórdia, porque Tu és o Munificente por excelência" (Surata 3:8). Meu coração oscila conforme a alteridade do mundo, mas há a Ti que está além dessa alteridade.

Acabo de adquirir "Outono na Idade Média" de Johan Huizinga.

 



    A Idade Média é, no Brasil, mal estudada e mal-amada. Na verdade, é vista até mesmo com o mais vigoroso desdém. É como se ela fosse um compilado de crises que, no geral, fazem um grande megazord perverso de caos, ignorância e destruição. Hoje, tal visão, entra em crise com as fontes mais diversas do novo estudo histórico - não sem, é claro, atacarem tal nova perspectiva de revisionismo. E a pergunta que se cai é: a Idade Média foi um tempo de pura treva ou pura luz? Talvez a resposta desaponte ambos os lados.


    Não muito tempo atrás, postava-se um vídeo em que uma mulher dizia que 1 + 1 era igual a 2 e, por ser mulher, era condenada pela Igreja. Já um desenho muito famoso, direto da Netflix, dizia: "como se atreve trazer a lógica para casa de Deus?". Animes de todos os tempos não se deixam levar por qualquer debate saudável e tão logo adentram na lógica circular de que os medievais eram apenas burros e fanáticos. Os mesmos medievais, construtoras de catedrais, eram tidos como burros. Seus métodos de argumentação, cheios de vaivéns e alta abstração, igualmente são condenados. Se medievais são burros, como ousavam ser tão pedantes? A resposta, é claro, é igualmente dúbia: eles eram burros e, por outro lado, eram igualmente pedantes. Gozam, contraditoriamente, de um pensamento extremamente abstrato - típico de pessoas altamente intelectualizadas - e de uma burrice extremamente ignara. 


    Todo mundo salta de dúvida: ora estamos dizendo que a Idade Média viu o florescimento das universidades, ora dizemos que o florescimento científico foi atacado. E para tal "fato" (ou seria factóide?) se fala da condenação de Galileu à morte... Que, adivinhem, nunca ocorreu. Galileu foi condenado a prisão domiciliar, morreu de velho (morte natural). Agora outra dúvida que salta aos olhos: toda forma de ciência foi condenada, de modo absoluto e inigualável, sem tirar e nem pôr por dogmas, já que dogmas são literalmente impostos do nada, não? Não, não é bem por aí. Existem dogmas que demoraram milênios de discussão para serem feitos e quiçá milênios ou séculos não sejam algo que sejam "tirados do nada".

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Acabo de ler "Harry Potter e o Cálice de Fogo" de J. K. Rowling

 



    "– Se eu achasse que poderia ajudá-lo – disse Dumbledore brandamente –, mergulhar você em um sono encantado e permitir que adiasse o momento em que terá de pensar no que aconteceu esta noite, eu faria isso. Mas sei que não posso. Amortecer a dor por algum tempo apenas a tornará pior quando você finalmente a sentir"

Dumbledore 


    Uma das grandes razões de muitos detestarem Harry é a sua pouca aptidão mágica quando comparado a outros personagens que chegaram até inventar magias. Harry é mal considerado se terem vista Snape ou o próprio Dumbledore, ou sua amiga Hermione. Só que o poder não basta, a ação moral no mundo vale mais do que bastante poder, já que bastante poder na mão de alguém que não é idôneo leva a um uso trágico desse mesmo poder. A ação moral de Harry vale mais do que mil e quinhentas magias de Voldemort. O protagonismo de Harry é ser idôneo e reto, isso faz ele "valer" mais do que os outros.

    Algo que é dito pelo Dumbledore na "Câmara Secreta": "São as nossas escolhas, Harry, que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas qualidades".


    Nesse livro, vemos o mundo de Harry cada vez mais adulto. A complexidade galopa de ritmo conforme a história avança e já era esperado que o quarto livro fosse mais adulto e detalhado que os livros anteriores. Esse papel é rigorosamente exercido e a trama é tão boa e os eventos se enquadram de tal forma que parecem até mesmo um roteiro policial. As conexões demonstram a inteligência da autora que é capaz de fazer engendrar pequenos detalhes num corpo cada vez mais bem estruturado. Poder-se-ia dizer-se que há uma sofisticação cada vez mais interessante e que não tira em nada o gosto da leitura, pelo contrário: dá mais gosto ao leitor.

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 12)

  Essa é a última parte de Emil Ludwig, indo da página 185 à 208. Aqui termina a triunfalmente rica e arguta análise de Ludwig. E talvez sej...