Mostrando postagens com marcador Ernesto Sábato. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ernesto Sábato. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Acabo de ler "España en los diarios de mi vejez" de Ernesto Sabato (lido em espanhol)

 


Os escritos de Ernesto Sabato são fascinantes. Ele é um grande pensador latino-americano e adentra no ringue com um dos maiores ensaístas do século XX. Sua obra, entretanto, também é marcada pelo tom lírico de sua escrita e pela utilização de múltiplas disciplinas para a criação conteudística.


Ernesto foi um intelectual altamente combativo e erudito. Capaz de prosear sobre os mais diversos assuntos como se estivesse num passeio. Não lhe eram incomuns temas como ciências exatas, humanas, sociais ou artísticas. Até o terreno da psicologia e biologia lhe eram comuns.


Nesse livro, estamos na fase adulta desse grande homem. Percebe-se que nesse período existe um tom mais sereno no escrever, o que é particularmente distinto do tom mais beligerante usado "Uno y el Universo". No livro anteriormente analisado, permanece a crença na ciência e na técnica. Aqui existe o conhecimento de que a ciência e a técnica são boas, mas devem ser utilizadas de modo humanisticamente responsável.


Há também o fato de que Ernesto também comenta assuntos menos abstratos e mais ligados à vida cotidiana. Coisa que lhe seria bastante estranha quando era mais novo. O que demonstra uma apreciação mas multifacetada da vida e menos ligada às altas abstrações da vida acadêmica/intelectual.


De fato, como o livro em si demonstra e pelos discursos apresentados por admiradores da obra sabatiana, Ernesto é um grande pensador e não poderia ser ignorado sem que se perca substancial parte do pensamento latino-americano e mundial. Visto que a obra de Ernesto não é só muito apreciada na América Latina, como em todo o mundo.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Acabo de ler "Uno y el Universo" de Ernesto Sabato (lido em espanhol)

 



A leitura de Ernesto Sabato vem sido duma grande preciosidade em minha vida. Ernesto, junto a Ortega, apresentou-me a língua hispânica na potencialidade de sua beleza imortal. Os dois, Ortega e Ernesto, apresentam um espanhol estilisticamente rico e bastante poetizado. Engana-se quem crê que suas colocações intelectuais não sejam equivalentes: os livros deles são belos e conceitualmente ricos.


Ernesto trabalha numa via bastante difícil: precisa passar toda uma densidade conceitual, algo intelectualmente difícil, ao mesmo tempo que precisa desenvolver a beleza artística de quem usa a língua em si mesma como arte, algo artisticamente difícil. Sua obra, ao mesclar as duas, traduz-se num equilíbrio formidável que poucos intelectuais poderiam levar cabo.


Essa é uma obra bastante diversa. Sua abordagem traz uma série de assuntos que são tratados em textos que variam de tamanho e não há uma unidade estrutural plena e sistematizada. Ainda assim, a leitura e a compreensão não são minimamente prejudicadas pela natureza conjuntiva da obra. O que demonstra, mais uma vez, a grandeza desse gigante argentino.


A obra mesclará diversos assuntos: epistemologia, filosofia, história, surrealismo, política, teologia, poesia, crítica literária, etc. E o formato, absolutamente variável, traz um quê de humor refinado, de apologética, de polemismo, de prosa. Uma variação densa que dificilmente passaria despercebida.


Mesmo que exista, nessa versão, uma nota introdutória do autor dizendo que ele mudou de crença, não se pode negar que esse pequeno livro é bastante bem escrito e bem pensado. Revela já o estilo de um autor que se revelou a cada dia mais fantástico e de estatura universal.

segunda-feira, 25 de março de 2024

Acabo de ler "La resistencia" de Ernesto Sabato (lido em espanhol)

 



Existe uma beleza indescritível na obra de Ernesto Sábato. E essa é a capacidade com que ele argumenta com erudição, mas suas formas conteudísticas não param exclusivamente na eruditividade, elas vão facilmente para uma grande poética que demonstra o gênio criativo dum grande autor. O uso do espanhol por Ernesto, sem se perder na contumaz objetividade acadêmica, demonstra que ele além de acadêmico é um artista das palavras.


Neste livro, vemos um Ernesto bastante pessimista para com o mundo em que vive. Se questionando sobre a megalomania estatizante, a massificação do homem, a ausência de sentido e, de igual modo, a capacidade do mundo sobreviver a exploração exaustiva de recursos naturais. O cenário, bastante catastrófico e desumanizador, apresenta um mundo corroído pela ausência de sentido existencial.


A linha de pensamento poderia ser facilmente conectada com a percepção de Viktor Frankl e, igualmente, de Ortega y Gasset. Sendo que Frankl diagnosticou melhor a ausência de sentido atual e Ortega y Gasset diagnosticou exemplarmente o fenômeno do homem massa. Todavia a chave da questão política - quadro ambiental e agigantamento do Estado - são bem observados por Ernesto.


Ora, é evidente que o trabalho de Ernesto teria uma conexão, também profunda, com George Orwell: este também era cético para com o socialismo estatista de seus dias. Todavia há um diálogo com a espiritualidade teológica da libertação dos dias de hoje, muito ligada à ecologia, como vemos em Leonardo Boff.


Existe uma possibilidade monstruosa de conexões na obra de Ernesto. Ela se revela bem ampla, bem complexa e, portanto, bastante rica em possibilidades dialógicas. Sua leitura também é bastante agradável. Como sempre, mais um excelente livro lido.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Acabo de ler "Hombres y Engrenajes" de Ernesto Sabato (lido em espanhol)


 


"Pero así como la máquina empezó a liberarse del hombre y a enfrentarse a él, convirtiéndose en un monstruo anónimo y ajeno al alma humana, la ciencia se fue convirtiendo en un frígido y deshumanizado laberinto de símbolos. Ciencia y máquina fueron alejándose hacia un olimpo matemático, dejando solo y desamparado al hombre que les había dado vida"

(Ernesto Sábato)


Esse livro é, certamente, portador duma brilhante mensagem e, ao mesmo tempo, duma liricidade no uso da língua de Cervantes. O conteúdo ensaístico casa perfeitamente com a capacidade de gerar bons efeitos poéticos por meio da escrita. Além disso, a mensagem em si vem recheada duma erudição inabalável que só homens como Ernesto Sábato sabem ter. Certamente esse livro entra como uma das melhores leituras do ano.


Digo-vos que existe uma grande questão: falido o projeto socialista e tendo o mundo nas mãos do imperativo ideológico da forma econômica do capitalismo, que sobra de nós? As mensagens sociais que venho visto, longe de serem de apoio ao capitalismo e estrita observância a ele, são a negação cabal do domínio capitalista e a esperança de que, ao menos alguma hora, uma afronta surja e ataque os sonhos burgueses que atordoa vários de nós.


O homem está hoje, mais do que todos os tempos, dominado. Tornou-se apenas um escravo das estruturas que ajudou a construir. E agora se lida com um mundo vazio, sendo apenas um dado numérico diante dum grande oceano de nada. E ao se olhar como mera formação estatística se revolta e crê, crê firmemente numa aurora que deixará toda essa porcaria tecnocrática no chão e trará, reacionária e revolucionariamente, o retorno de seu Self.


Acreditamos, apesar de tudo, num devir dum mundo melhor. E nossas lágrimas preenchem o chão enquanto nos vemos sistematicamente explorados por um mundo corrupto, por um sistema doente e por uma horda de homens que na desumanidade de cada dia se desumanizam em coro harmônico com essa mesma desumanidade.

quinta-feira, 7 de março de 2024

Acabo de ler "El Túnel" de Ernesto Sábato (lido em espanhol)

 



"había un solo túnel, oscuro y solitario: el mío, el túnel en que había transcurrido mi infancia, mi juventud, toda mi vida"


Juan Pablo é um homem que a tudo vê de forma obscurecida. Seus pensamentos, infinitos e variados, impedem-lhe de enxergar algo que vá além de sua subjetividade. É como se existisse, em sua percepção, uma espécie de sobrecarga mental que o próprio pensamento impedisse a percepção do mundo ao redor. Um pensamento atropela o outro, a sua ansiedade marca páginas e páginas do livro, projetando psicologicamente a angústia do personagem no cenário.


Imagine que um livro seja projetado psicologicamente: nada escapa à sobrecarga psíquica do protagonista. E o leitor, lendo o livro, se vê ficando sem ar. É tanta ansiedade, é tanto detalhamento neurótico, é tanto pensamento atrás de pensamento que nem o leitor e nem o personagem central conseguem ter sossego. A leitura do livro pode ser descrita numa única fala que traduz todo esse passeio mental: asfixiante.


Não posso negar que me sinto semelhante ao protagonista da obra: toda essa incompreensão, toda essa neurose, todo esse desprezo pela maioria, toda essa capacidade de sentir por não se integrar e, além disso, a própria noção de que há uma barreira mental, projetada pelo próprio protagonista, entre o ser e o mundo. Tudo isso não me é estranho, é até mesmo comum.


Essa leitura, a não ser em excepcional caso, adentrará como uma das melhores leituras do ano. Eu certamente me apaixonei pela forma que Ernesto Sábato escreve. Vejo aqui um homem brilhante que usa o espanhol com a grandeza dum mestre.