sábado, 21 de maio de 2022

VOCÊ NUNCA SERÁ FELIZ SENDO PAULISTANO!



Esse é um texto pessoal, lide-se ou sofra. E você pode dizer: “isso é normal de qualquer local do mundo contemporâneo”. Só que se lembre: alguns locais são “bem mais contemporâneos que outros”.


Deixem-me jogar uma “redpill” sobre a capital paulista e o seu povo (paulistano). Talvez ela seja útil para quem tem a ilusão de que viver aqui seja uma coisa boa ou sensata a se fazer devido "a oportunidade de emprego, a diversidade da cidade e comidas do mundo todo, né?". Há, há, há. Você quer pagar o preço de sua alma tentando essa hipótese, meu caro tolo?


Não sei se vocês sabem, mas São Paulo é a cidade mais multicultural do Brasil. Talvez vocês achem que isso signifique a vivência de um sonho em que se pode comer comida de, hipoteticamente, qualquer lugar do mundo – e quiçá isso até seja uma coisa boa. Embora deva-se sustentar que: diversidade alimentícia é só um dos aspectos da experiência geral do todo e o efeito do todo, dentro de São Paulo, nunca é bom. Se isso não lhe serviu de argumento suficiente, lembre-se de uma coisa: nenhuma comida alterará o vazio que você sente por dentro. São Paulo tem tantas formas distintas que não há senso algum de unicidade que ligue a coisa toda e promova uma identificação real, desproporcionando o sentimento de pertencimento graças à ausência de um padrão conexual, mesmo que mínimo, que interligue todas as redes de estruturas que ali estão. É mais um caos sem forma do que uma unidade de variáveis. A consequência de viver aqui é o desgaste contínuo até o arrependimento constante. Eu já perdi as contas de quantas vezes me senti intensamente infeliz só nas últimas semanas. E pior do que isso: o desejo suicida aqui criado é de caráter inconsciente, você enlouquece calmamente e viciosamente sem prazer, tal como dizia uma música do Lobão ("Essa noite não"). 


Vivo em São Paulo há vinte e cinco anos, nasci e cresci aqui. Desde lá, nunca conheci um único paulistano que não tenha tendência suicida – e eu não conheci pouca gente. E, não, não importa a falsificação do discurso por trás disso. A esquerda está ocupada demais odiando o mundo injusto que supostamente está inserida, mesmo que a esquerda paulistana seja uma das esquerdas mais ouvidas e mais organizadas de todo país. Consegue-se, aqui, chegar-se a uma mobilização política de estatura alta e eficaz (ao menos para o padrão duma sociedade capitalista de “terceiro mundo”). Não, esse texto aqui não é uma crítica das pautas da esquerda - sou a favor de grande parte delas - e sim um reconhecimento de que, na realidade, tudo que há em São Paulo são hiperestímulos e movimentos múltiplos de exaustão incessantes. Quanto a direita - aqui trato da direita conservadora ou tradicionalista, esquecendo os "neoconservadores" já que nem conservadores eles são -, ela vê as coisas desordenadas demais para se sentir feliz por aqui e os mais sãos dão a "foda fora" (ok, eu uso chanspeak). Quanto mais a esquerda realiza a sua pauta de tirar de São Paulo qualquer valor autenticamente paulistano - se é que se pode falar de "valor autenticamente paulistano" nessa grande teia de multiplicidades que se alternam por aqui - e inserir São Paulo no cerco mais globalizado e cosmopolita do mundo, mais se sente insatisfeita com a própria pauta e mais radicalmente luta por ela (circlejerk [circulo idiota]?). Acontece que há uma razão para isso: quanto menos pertencimento você tem com o local que você mora, menos satisfeito você se sente com ele – e menos você o ama (Capitão Óbvio). É como aquele manifesto identitário, a esquerda 68tista criou um mundo sem pátria, sem religião, sem divindade, sem família. O resultado não é a imanentização escatológica de John Lennon na música “Imagine”, o resultado é a própria pessoa desgarrada de qualquer sentimento de pertença que lhe seria vital e, por conseguinte, uma fábrica de suicidas potenciais. Um mundo em que tudo se dilui é um mundo de uma massaroca genérica e sem singularidade, o preço da diluição de tudo não é a produção de singularidades, mas a destruição de qualquer possibilidade de singularidade e subjetividade. Se eu disser que todo paulistano é um potencial suicida, talvez a fala fosse um exagero quantitativo, mas não seria um exagero qualitativo. Por outro lado, a direita olha pra tudo, vê que não tem conexão com absolutamente nada, choca-se com a disformidade e, por fim, mata-se ou "dá a foda fora" - e a direita liberal contribui para a destruição de qualquer senso de pertencimento junto à esquerda pós-moderna, o que leva ao eterno lenga-lenga do fato de que a direita liberal (junto aos neoconservadores) é a direita progressista e é progressista no sentido mais profundo em que o progressismo erra. Só que há mais uma direita, de tendência radicalóide, que acha que pode voltar a um passado glorioso e ataca tudo reacionariamente como se isso fosse um meio de atuação efetivo e congruente.


A constante ideia de que a história segue linearmente é assumida simultaneamente por quase todas as esquerdas. Porém não esqueçam de um fato: o neoconservadorismo se assenta numa visão idealizada dos Estados Unidos e importa o seu modelo cultural para todos os países, em alguns casos gerando verdadeiras revoluções que, para qualquer pessoa razoavelmente pessimista (e, par excellence, cética da política e verdadeiramente conservadora e no melhor sentido de conservadorismo), nada tem de fato de conservador. O neoconservadorismo destoa-se do conservadorismo real, já que o neoconservadorismo crê na linearidade da história e tem por objetivo a imanentização escatológica. É por isso que o "neoconservadorismo" nada mais é do que um revolucionarismo americano, uma besteira que só poderia ser criado – e de fato foi – por ex-esquerdista que tiveram formação conservadora de caráter deficiente. Por conta disso, neoconservadores são tão ruins quanto esquerdistas pós-modernos e liberais pós-modernos em seus excessos. Neoconservadores têm um programa para São Paulo: transformá-lo num grande anexo cultural da cultura americana dos anos 50. O que não é uma identidade paulistana e, falando em identidade paulistana, quase ninguém mais faz a mínima ideia do que seja. O neoconservadorismo não é uma forma de conservar a sociedade, nem de reformá-la: é uma macaqueação dos padrões americanos. 


Se o progressismo é bom na medida em que traz pautas fundamentais ao desenvolvimento da humanidade para uma situação mais justa e equilibrada, o conservadorismo é bom na medida em que mesura as medidas experimentais com as medidas já testadas pela força do tempo. A vida é uma dialética constante entre mudanças que precisam ser feitas e condições que precisam ser mantidas. O teste contínuo de novas ideias levadas a cabo, de forma exaustiva, pode colocar em risco todo o desenvolvimento já adquirido pela sociedade. Por outro lado, a mera inalterância corre o risco de paralisar a sociedade e fazê-la estacionar no tempo. Povos fracassam por terem sido experimentais demais (progressistas) e/ou por terem sido estacionados demais (reacionários). Nós nunca sabemos onde estamos nos metendo de fato, tudo envolve cálculo e a política é sempre instável para as vãs e tolas previsões humanas. Só que a discussão aqui já se furtou a muito tempo. Temos neoconservadores que querem um padrão alienígena e progressistas que querem a total diluição da cidade em múltiplas formas que se perdem.


Tá, vamos voltar ao assunto de São Paulo mais propriamente. O nordestino se vê encarcerado num local que não o respeita e que não lhe dá boas oportunidades. Ele nem sabe que hoje em dia, São Paulo é tão ruim com os nordestinos tanto quanto é aos próprios habitantes – ignorando-se a xenofobia, ao menos na criação de uma atmosfera que leva todos ao surto a cidade de São Paulo é igualitária. O paulistano nem sabe a razão de seu sofrer, ele nem sabe que toda a arquitetura paulistana influência em sua sentimentalidade continuamente e o faz depressivo: prédios genéricos e de cores semelhantes (ausência de singularidade em prol da produtividade capitalista?, sei lá), padrões destoantes, arquitetura feia ou desgastada e sem política adequada de conservação, trânsitos que se prolongam em todos os dias da vida, ruas sem asfalto decente ou cheia de toscos preenchimentos superfaturados, nenhuma sensação de acolhimento ou qualquer caráter de historicidade que o ligue à terra nascente – agradeça a esquerda que queria tirar o caráter patriótico e regionalista paulista e, sobretudo, paulistano (e, olhem lá, eles foram bons pra caralho nisso). E o orgulho paulistano? “Nós pelo menos temos metrô”. Como se um sentimento patriótico, nacionalista ou regionalista se construísse com base no tamanho do local, do metrô ou de qualquer outra coisa que seja um produto secundário ou acidental de ações de pessoas bem-intencionadas e amorosamente inseridas num local durante um percurso histórico determinado. As coisas não são grandes e por isso são amadas, as coisas são amadas e tornam-se grandes por serem amadas. Esse é o problema do paulistano: não tendo um amor real por São Paulo, é incapaz de ter um espírito civilizatório crescente que faça com que a sua cidade se torne cada vez melhor. Dessa ausência de amor, a corrupção torna-se ignorável e o produto mais amável é o suposto desenvolvimento que a cidade tem. Só que não se esqueça: os problemas daqui continuam sendo corrigidos a passos de tartaruga, sendo simplesmente ignorados ou crescendo em meio a falsos estancamentos de políticas disfuncionais e o superfaturamento é altamente rentável para uma classe cleptocrata de patrimonialistas organizados que lucram em meio a nossa crescente destruição. Mas, tudo bem, para você a civilização pode ser uma bobagem e o patriotismo uma força de exercer a xenofobia. Você pode acreditar que o mundo se desenvolve pela ação de pessoas que desprezam o local que vivem, mesmo que isso seja flagrantemente contraditório. Amar a minha casa não quer dizer que eu deva odiar a do vizinho, tomá-la pra mim ou odiá-lo por ser meu vizinho – o mesmo é válido para pessoas de outra naturalidade ou até mesmo os possíveis alienígenas. Vale lembrar: o metrô não mata o vazio que você sente no seu peito.


Eu não estou fazendo ode à família tradicional, a religiosidade reacionária ou ao apego regionalista separatista. Creio que a família existe como um centro de poder que pode, se assertiva, potencializar cada indivíduo que esteja dentro dela. Se a família é o núcleo básico e a capacitadora imediata do ser nascente, uma boa família – e não: não estou dizendo “família padrão socialmente aceita e normativamente enquadrada” –  é capaz de dar ao filho e a filha um bom direcionamento. O legado da família é a crescente realização de seus membros – assim deveria ser o legado de todos os agrupamentos sociais. Família, escola, instituições, cidade, governo: tudo isso é centro de poder, formado por indivíduos, cada qual deveria ter o objetivo de transformar os seus membros em pessoas cada vez melhores. O espírito civilizacional é um esforço crescente de pessoas que estão determinadas em elevar-se além das condições que lhes eram anteriores. Só que isso só existe esporadicamente, ninguém está preocupado com a sociedade como um todo. Por vezes, nem com o desenvolvimento da própria família. O que mais precisamos é de que todos os grupos, do mais microcósmico ao mais macrocósmico, preocupe-se com a elevação da potencialidade de seus membros e, igualmente, com a condição física dos lugares que seus membros habitam. Só que entramos naquele “papo chato do amor”: sem o amor, não há predisposição para o bem para o outro – e nem para si mesmo. Esse monte de gente está tudo no mesmo local, só que cada uma atomisticamente separada e em um “eternos monólogos de objetivos”. O único grupo preocupado na elevação contínua da qualidade de seus membros – ignorando as contínuas brigas que têm dentro de si – é a elite cleptocrata patrimonialista. 


A religiosidade segue o mesmo sentido que deveria ter a família. O esforço religioso é a apreensão dum caráter iluminoso que transcende a própria contingencialidade humana e que nunca será, ao todo, abarcável. Tendo o ilimitado por base: a busca religiosa é sempre uma abertura ao infinito que descondiciona e deslegitima os limites que eram anteriormente intransponíveis. Só que esse aspecto de abertura ao infinito, superador das barreiras do imanente, que se projetava em todos os sentidos foi esquecido pela falsidade religiosa contemporânea. Se um religioso dedicava-se aos pobres, dedicava-se todos os dias para atender melhor os pobres. Se um religioso era intelectual, dedicar-se-ia todos os dias para aperfeiçoar-se na maestria da arte intelectual. A religião é espiritualista, seu fundamento é na busca do além de si. Transcendentalizar-se é superar-se. Porém a religião se perdeu por duas vias, seja na corrupção de esquerda ou de direita. Há aquelas que reacionariamente se portaram, tornando-se uma espécie de seita que idealiza o retorno ao passado perfeito – diferente do paraíso posterior defendido por qualquer grande tradição religiosa e que nada tem a ver com as promessas ideológicas (religiões civis: liberalismo, marxismo, anarquismo) de paraísos terrenos. Há, no entanto, aqueles que capitalização o discurso religioso para defender as velhas bobagens das esquerdas (a imanentização escatológica, o paraíso terrenal) e com isso ter poder político. Como se, mudado as condições, o todo da realidade humana fosse alternável pela engenharia social. Fora que há a dualidade corrupta entre: capacidade de gerar lucro (mercadologismo) ou acessibilidade democrática (vulgarização ou acessibilidade como sinônimo fetichista de democracia) só destrói a religião. A religiosidade é a busca pelo reino que, bem ou mal, transcende a esfera do atual e encontra-se superior a ele: é a própria caminha pela realização de um mundo melhor que não se concretizará aqui, mas será continuamente realizado de forma imperfeita – é claro que tudo se torna melhor com o nosso esforço, porém a melhora nunca é absoluta e toda promessa de melhora absoluta é uma ilusão de pessoas que se perderam na própria abstração. Além de que: as pautas de transcendência transcendem, por muitas vezes, as próprias necessidades econômicas do regime capitalista. Não por acaso, existe uma religiosidade autêntica que é anticapitalista ou apresenta pontos que não compactuam com ele – sem, contudo, tornar-se esquerdista. Fora que mesmo sendo a transcendência disponível a todos, ela requer um esforço de querer superar-se que não é da vontade de todos – a transcendência é “democrática” no sentido de que todos podem melhorar alguns pontos de si mesmos e de suas condições, porém mesmo que sujeita as condicionalidades que circunscrevem as vidas dos sujeitos, o esforço por querer mudar depende do ímpeto de cada um e da capacidade de aristocratizar-se (melhorar-se) como vocação. Outro lado que entrava a religiosidade é o próprio neoconservadorismo que avança com força, feito por uma série de igrejas mercadologicamente colocadas, com a pseudomística da teologia da prosperidade e aquela velha bobagem da mentalização psíquica como forma de atrair qualquer objetivo – geralmente estúpido, temporal e puramente material – para o colo. A reflexão intelectual verdadeira, que as formas verdadeiras de religiões impõem, é esquecida. Se o ímpeto religioso é uma abertura sem limite, a mentalidade religiosa abrir-se-ia ao próprio discurso intelectual que lhe é contemporâneo e apresentar-lhe-ia um discurso que lhe é cabível. O objetivo básico, primário e de suma importância da religião, o de reconectar-se com a instância última e primeira da vida, é esquecido completamente pela maioria dos religiosos do Brasil e eles vão muito bem com isso – e a religião vai mal, seguindo prostituída e/ou instrumentalizada para os mais diversos fins escusos.


Quanto a condição individual e o ser autorrealizável, há algumas coisas que devem ser ditas. O ambiente paulistano é péssimo para isso – é péssimo para qualquer realização de ímpeto mais ou menos transcendente. Você só poderá ter um pouco de autarquia (domínio sobre si) se ignorar toda a realidade que o cerca – e você terá que se esforçar para isso. Toda a teia de contínuas e múltiplas estimulações o fazem se perder numa série de múltiplos atos que condenam uns aos outros. Tendo múltiplas cabeças, uma ataca a outra e todo projeto se destrói. Ao paulistano, cabe a calma e o foco que, bem ou mal, fogem da realidade que o cercam. Ele precisa discriminar, escolher um único projeto e encabeçá-lo como escolha de vida – bem diferente do meio multicultural, cheio de opções e sem compromisso identitário a qual vivemos – ao menos que por um tempo limitado e concreto. Só que a pessoa está divorciada da intimidade de si mesma. Perde-se na coletividade ou na ausência de intimidade de si para si. Há diferença entre nutrir ideias políticas e organizar-se coletivamente para realizá-las para com esquecer-se da própria singularidade e tornar-se um ser condicionado a uma abstração coletiva. Infelizmente, o reducionismo politicista (“política é a única coisa que importa, é a realidade última do homem”) faz o homem esquecer-se das outras realidades tão reais quanto a própria política e subordinar-se a uma série de coletividades que, considerando a política a realidade última do homem, fazem-nos esquecer-se de seus outros objetivos vivenciais. É como se a perca de uma reforma, uma eleição ou uma campanha fizesse com que toda outra realização em outro setor vivencial fosse inutilizada. Se perdeu o objetivo político, perdeu também a família, a vida profissional, a vida espiritual, a vida intelectual, a vida cultural, tudo foi pro ralo ou a sensação psíquica é exatamente essa. É possível realizar-se em uma esfera enquanto perde em outra, não estamos num mundo unidimensional e a ausência de percepção disso esvazia a própria capacidade de realização. Não há possibilidade além da tribilização e seitização.


Conversando com um amigo fluminense, há uns quatro anos atrás, ele falou de como as pessoas se encontram ideologicamente afirmadas em São Paulo. Hoje eu não diria que se encontram “ideologicamente afirmadas”, eu diria que se encontram “ideologicamente reduzidas”. Existe uma condição de leitura a qual chamo de “leitura camisinha”. Isto é, ler outra vertente de pensamento só quando um autor de sua linha lhe diz como é essa linha de pensamento. A adoção de um padrão ideológico leva uma redução da capacidade da inteligência. Já que inteligência é o aumento do horizonte de consciência e razão é a aplicação daquilo que se sabe a uma realidade ou hipótese determinada. Exemplificando, é mais inteligência aprender múltiplas linhas de pensamento do que aprender uma única e aplicá-la em tudo. Porém a ideologização fecha a pessoa na redução da realidade, tornando-o um fetichista mental que aplica a sua forma de pensar em tudo em vez da preocupação em aumentar a própria capacidade de pensar. E é óbvio que, numa época tão dominada por fetiches mentais como essa, perder-nos-íamos num aspecto tão elementar quanto a diferenciação entre razão e inteligência, não é? Já que a mediocridade de nossa era consiste num uso exaustivo da vontade (faculdade de decisão) em vez da inteligência (faculdade de apreensão). Ser inteligente, tornar-se mais inteligente é um movimento de abertura e não de decisão. Inteligência é abertura e expansão daquilo que se sabe, vontade é a decisão, porém a inteligência potencializa a vontade e a vontade dobrada ao aumento percepcional potencializa a inteligência. Essa distinção fundamental tornaria tudo aqui menos fetichista e bobo. O resultado mais completo disso é a criação de grupos com uma mentalidade coletiva-normativa que ficam imersos em si mesmos como uma seita autohipnotizada (redundância, não é?).


Aí você escolhe: estude feito um louco, trabalhe feito um louco, faça as duas coisas feito um louco. Tudo em São Paulo é hiper estimulado e tudo deve ser feito com desgaste. Para sentir que se tem vida, faça tudo que faz até a exaustão. Aparentemente, todo paulistano está desgastado em sua adesão desgastante a qualquer coisa que faça. Se for desocupado, será o desocupado que quer demonstrar a sua própria desocupação todos os dias. Se for trabalhador, trabalhará até exaustão todos os dias. Se for intelectualizado, forçará a sua suposta inteligência todos os dias. Todo paulistano é excessivo e caricato pela sua própria excessividade, já que ele não tem ligação real com a realidade mesma que se circunscreve e que lhe trariam gosto pela Terra em que está: apreço ao religioso, inserimento na realidade local, sentimento de regionalidade, conhecimento da própria história, afetividade construída com o próprio percurso vivencial dentro dos locais que frequenta, uma família estruturada no sentido de garantir a potencialização de seu ser com uma história envolvente por gerações que lhe dão um sentido singular de vivência. No final, você bebe, fuma ou usa drogas ilícitas para ter uma efusão momentânea de prazer que, adivinha, vão te levar ao suicídio, a internação ou no mínimo reduzirão o seu tempo de vida. Sua escolha é viver dez anos a mil, só que essa sempre foi a única opção. Você não é hedonista e niilista por escolha própria, é por essa ser a via existencial mais acessível no mercado horrível em que está, por infelicidade do destino ou por burrice, inserido espaço-temporalmente. E você nem precisa ser paulistano pra sofrer disso: toda arquitetura zoada, ausência de cultura própria, caráter desgastante de todas as coisas farão que você vire um legítimo aspirante ao suicídio. Já conheci gente que veio “completamente apaixonada” e iludida pra cá. Eram “totalmente alegres” na medida em que essa aplicação hiperbólica e poética da linguagem o permite, feliz como uma abelha pegando pólen duma flor. Adivinha o que aconteceu com elas após alguns anos ou meros meses de “paulicéia”? “Necessidade” cada vez maior de suicidarem-se. Fora que o padrão exaustivo da vida paulistana faz com que tudo piore… É, esse é o espírito paulistano: você tem tantas cabeças que uma anula a outra por necessidade lógica, só que o processo é de natureza inconsciente e você nem sabe que está passando por ele – e, adivinhe só, você está sofrendo também por causa dele e pela autoanulação contínua do seu ser diante de múltiplas alternativas escolhidas que destroem umas outras preparando a sua psiquê para o surto e o suicídio.


Não se esqueça nunca disso: tudo na cidade de São Paulo levá-lo-á ao suicídio. Tudo levá-lo-á ao desgaste. No fim, o esgotamento é tanto que é melhor viver no interior do que nessa merda de fábrica de suicidas. Uma casinha organizada é melhor do que uma mansão caótica com todo tipo de problemas com os quais você tem que se lidar todos os dias de sua vida, porém, esqueça o que falei, baby, escolha o tamanho da gula com a qual você viverá (e regulará) a sua vida.

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