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segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Acabo de ler "Zanuff the Butcher" de Jouyama Yui (lido em inglês)

 


Nome:

Zanuff the Butcher


Autor:

Jouyama Yui


O que nos torna bom e o que nos torna maus? O mangá conta uma história de um homem que se vê culpado e amaldiçoado pela culpa do próprio passado. Toda reflexão parte de um crime que ele cometeu.


Quando ele conhece uma garotinha, chamada Alice, uma reflexão começa a surgir em sua mente. Ele se lembra do próprio passado, mesmo sem querer. É aí que ele passa por um processo de ressignificação e possibilidade de mudança atitudinal.


O mangá fala sobre criação familiar e lembra traumas do passado. No homem, o trauma está na infância e na idade adulta. Na garotinha, o trauma se encontra no presente. A criação do homem foi difícil e isso gerou nele o mal que ele se transfigurou. Na garotinha, o mal é presente, mas há possibilidade de mudança. A garotinha, a Alice, representa a mudança positiva. Todavia tudo muda novamente no xadrez existencial da vida.


Sempre nos deparamos com a possibilidade de sermos bons e com a possibilidade de sermos maus. O mundo sempre joga uma questão que deve ser respondida com algum movimento existencial. A one shot inteira trabalha com o bem, o mal e a moralidade.

domingo, 29 de setembro de 2024

Acabo de ler "INVISIBLES: PROBLEMÁTICAS DE SALUD-ENFERMEDAD-ATENCIÓN DE PERSONAS BISEXUALES" de Osmar e Edgar (lido em espanhol/Parte 3)

 


Nome:

INVISIBLES: PROBLEMÁTICAS DE SALUD-ENFERMEDAD-ATENCIÓN DE PERSONAS BISEXUALES 


Autores:

Omar Alejandro Olvera Muñoz;

Edgar Carlos Jarillo Soto.


Nota:

Essa pesquisa foi feita no México.


A maioria dos bissexuais preferem não informar a sua orientação sexual. A possibilidade da pessoa bissexual ser considerada heterossexual ou homossexual – incompreensão típica – leva a esse comportamento. A violência verbal não é só uma forma de xingamento, ela também é uma forma de desqualificação. A principal violência contra a pessoa bissexual é o de não reconhecimento da sua própria existência.


O rechaço social pode ser considerado o principal problema para a existência de minorias sexuais ou de gêneros. Quando se fala de homossexuais, há uma ampla cultura gay e uma ampla cultura lésbica. Há todo um mundo que serve de amparo e de sistema de significação. Quanto ao bissexual, nada lhe acolhe e nada o retém. O que significa que não há espaço e nem senso de pertencimento, só a velha bifobia de sempre.


Ser bissexual é sobre isso: ser apagado em todos os locais, em todo instante, a todo momento, tentando provar a própria existência ante a uma sociedade heterossexista e monossexista. O principal efeito: incapacidade de se expressar, de experimentar, se chegar a novos conhecimentos sobre si mesmo e sobre a própria orientação sexual. Proibidos de existir, impossibilitados de ser.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Acabo de ler "Jogos de Improvisação" de Flávio Desgranges

 



Muitas vezes olhamos as ciências humanas como uma educação baseada na subjetividade, todavia essas exigem uma alta carga de abstração que, apesar de aumentar a objetividade, também tornam o estudante abstraído da própria questão em que se coloca. O teatro, entretanto, age de forma distinta.


Nos jogos teatrais adentramos numa outra forma de colocação, num outro modus operandi, em que o objeto investigado e a vida vivenciada se demonstram complementares. Realidade e imaginação, vida e criação, abstração e real, empirismo e epistemologismo. Tudo se dá de forma conjunta.


No jogo teatral a investigação é a forma com que imaginativamente nos colocamos em cenários, recriando substancialmente, corporificando como se tudo fosse, não um mero jogo, mas a vida que de fato vivemos e os sentimentos que de fato sentimos. O objetivo da investigação teatral é abrir, por meio de um jogo, a percepção daquele que analisa. Só que nessa investigação não há separação entre ser-epistemologizante e objeto-epistemologizado. Ser e objeto não estão separados, estão na mesma condição de subjetividade.


O acadêmico de humanas costuma, em sua prática, separar a sua realidade psíquica para depurar a sua análise da realidade. Assim ele garante a sua objetividade. Já o estudante de teatro faz de outra forma: ele investiga por meio de um contato íntimo com o objeto de sua análise, confundindo a noção entre realidade e ficção, tornando até mesmo ficção em realidade.


Estudar de forma teatral não é apenas ler um livro, ler um artigo. Não é escrever sobre algo que está distante. Estudar teatro é viver o livro, viver o artigo, escrever sobre o que está no próprio coração. É por isso que o estudo do teatro é tão maravilhoso e rico, visto que promove alteridade a cada momento.

terça-feira, 26 de março de 2024

Acabo de ler "A Aprendizagem do Ator" de Antonio Januzelli

 



O teatro é uma arte diferente da arte filosófica. Se a filosofia atua de forma apolínea, o teatro tem, por sua essência, uma raiz que lhe é dialeticamente contrária: a sua imersão dionisíaca. E essa contradição, entre áreas, faz com que eu tenha que me reinventar enquanto intelectual para que eu me sintetize em meio a essa contradição que me conflita.


Quando Antonio Januzelli traz uma argumentação pautada na libertação por meio de atos, em vez de ser por meio do pensamento, e uma vida pautada num constante desnivelamento das diferenças por meio da aproximação gradual de vivências que destoam da minha... Ele traz uma mensagem que ao mesmo tempo encanta - pela poeticidade da ontologia da vida que traz - e afasta - pelos riscos inerentes de adentrar nos territórios desconhecidos.


O que é um ator? É alguém que treina corpo e mente. Só que esse treinamento é um treinamento que exige uma dedicação de quebra. O teatro é a existência que não se iguala, pois está sempre agindo contra os regimentos de uma sociedade normalizadora e ritualística. O teatro é a continuidade da quebra dos dogmas, e vivemos numa sociedade dogmatizada.


A vida teatral não é apenas um modus pensandi que atua ao modus vivendi. No teatro, o modus pensandi e o modus vivendi se colocam par a par, o tempo todo, um deve existir para locupletar o outro. E tal complementariedade existe só quando os dois atuam ao mesmo tempo e no mesmo lugar.


Estudar teatro vem sido, para mim, uma experiência de enriquecimento qualitativo. A possibilidade de me reimaginar e de projetar aquilo que quero dentro de mim para realizar meus sonhos me vem sido de gigantesca potencialização. O teatro é mais do que um local para uma apresentação, é uma apresentação da vida em si mesma.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Acabo de ler "Álbum de Família" de Nelson Rodrigues

 



"O céu, não depois da morte; o céu, antes do nascimento - foi teu útero"

Edmundo (Personagem de Álbum de Família)


Neste livro, Nelson demonstra um profundo conhecimento sobre psicanálise. A peça trata sobre o Complexo de Édipo e Complexo de Electra. Embora hoje tais complexos não sejam mais vistos como anteriormente eram pensados pela comunidade psicanalítica, é bom entender que existe o contexto da época que pesa muito. Mesmo assim, a peça traz importantes reflexões sobre a natureza da moralidade, as relações familiares, a natureza da pulsão humana e a realidade do afeto.


A temática do primeiro trauma humano é bem abordada: o céu como útero materno é, para todos nós, uma incógnita. Quando somos fetos, nossos desejos são prontamente atendidos pelo aparelho biológico de nossas mães. Desejo e realização, por assim dizer, são o mesmo e dão-se harmonicamente. O reino da necessidade e a realização dessa necessidade estão de par a par. O feto vive, sem saber, o paraíso. É por isso que o processo de nascimento é tão traumático: ele priva o bebê da realização automatizada de suas necessidades e ele terá que passar por processos de privação.


Há nessa peça um trabalho muito cuidadoso com uma temática que, até hoje, faz roer os ouvidos dos mais bem pensantes e, também, dos mais atávicos reacionários: o incesto. Não que Nelson apoie o incesto, Nelson é um moralista: ele expõe os pecados humanos para que exista um processo de ascese. Essa ascese é provocada pela própria exposição do desejo humano em sua brutal realidade devastadora. A peça de Nelson, seu trabalho dramatúrgico, expõe os vícios para purificar. Não por acaso Nelson Rodrigues é chamado de "Anjo Pornográfico".


Como sempre, temos uma peça bastante complexa e com uma série de reflexões que não poderiam - e nem devem - ser lidas de forma descuidada. Nelson é, como nosso maior dramaturgo, um homem duma complexidade ensurdecedora. 

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Acabo de ler "Psicoterapia para todos" de Viktor Frankl (Parte 1)

 



O que é o motor primário da ação humana? Viktor Frankl apresenta duas vias que, segundo ele, são errôneas: a via do desejo de prazer e a via do desejo de poder. As duas satisfações, segundo Frankl, são falsas, pois neuróticas. A verdadeira força motriz do ser humano seria a busca por sentido. Quando a via da busca existencial pautada pelo sentido não é realizada, buscam-se soluções alternativas que possuem caráter substitutivo.


O ser humano não busca realizar algo. A pura realização de algo não lhe é suficiente. O ser humano é guiado por algo que transcende o motivo de uma ação. Ou seja, é o motivo da ação que torna a ação enriquecedora. Se não, cai-se numa esterilidade da ação pela ação. Isto é, a ação pela ação busca meramente o efeito sem se dar conta do motivo interno que dá sentido a essa ação. É assim que surge o poder pelo poder e o prazer pelo prazer. E é por tal razão que essas duas buscas, em sentido puro, são neuróticas.


O caminho correto para uma ação é: motivação, ação e efeito. O neurótico ignora o primeiro passo e tem só dois: ação e efeito. Todavia, fique claro, a ação destituída de sentido não pode levar ao efeito almejado. E, quando obtém, obtém tão somente o desejo frustrado. O neurótico, ao burlar o primeiro passo, burla o efeito que almeja ao ignorar o motivo pelo qual age.


Exemplificadamente, a fome acompanhada de motivo tem mais satisfação existencial do que o mero "comer pelo comer". Tal condição não poderia ser ignorada quando se tem em mente uma condição óbvia: o vazio existencial contemporâneo é gerado pela ausência de sentido como norte condutor. O efeito mais drástico duma vida destituída de sentido é uma vida apática em que não se encontra satisfação naquilo que se faz.


Frankl, mais uma vez, demonstra uma grande habilidade intelectual em dar discernimento a quem lê. Ele é, propriamente, um homem capaz de ressuscitar ontologicamente outros homens. E essa é a razão pela qual a sua leitura é sempre densa e significativa.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Acabo de ler "Sobre o sentido da Vida" de Viktor Frankl (Parte 5 - Final)

 



A vida é um tabuleiro de movimentos existenciais que se sucedem. Um movimento existencial só pode ser respondido com um movimento existencial correspondente. Não temos controle, graças a nossa finitude, das situações vivenciais que nos serão apresentadas. O mundo é grande e complexo demais para ser controlado e se apresentar aos moldes de nossos gostos. Dito isto, o sentido da vida não pode ser algo escolhido por nós. O sentido da vida é a vida quem dá.


Cada situação apresentada pela vida surge como uma espécie de questionamento. A circunstância nada mais é do que uma questão da existência diante do ser. É pelo questionamento que podemos responder. Responsabilidade é, antes de tudo, dar uma resposta. Ou seja, não devemos nos perguntar qual é o sentido de nossa existência, é a vida quem nos questiona e nos dá as pistas dessa resposta.


O sentido da vida é criado pela circunstância. Isto é, ele não pode ser encontrado de modo meramente subjetivo. Há um quê de objetividade - a circunstância - que se apresenta junto a ele. Logo, o sentido não pode ser "dado", visto que isto é moralismo e, ao mesmo tempo, alienação e totalitarismo. Nem podemos cair no comodismo. Existe, frente a posturas existenciais, dois engodos altamente alienantes que se apresentam: a imposição dum sentido arbitrário - totalitarismo imposto moralmente - e a negação de esforço - comodismo.


A frase "Eu sou eu e minha circunstância" de Ortega Y Gasset cai como uma luva. O sentido da vida é a integração entre a totalidade que a vida apresenta - a circunstância e a existência pregressa - em adição a carga subjetiva de nossa substancialidade enquanto seres concretos. Essa adição sintetizadora é, em última instância, o caminho ao qual cada um de nós, em sua particularidade, deve cursar. Investigar quem é e o que vive é uma das chaves.


Creio que este livro, talvez desconsiderado pela maioria das pessoas que conhecem Frankl, é gigantesco pelo impacto que me causa. Sua leitura me ajudou a enriquecer os recursos de minha consciência e continuar lutando, mesmo que eu quisesse ter desistido há muito tempo.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Acabo de ler "Sobre o sentido da Vida" de Viktor Frankl (Parte 4)

 



Dizer sim a vida, apesar de tudo. Esta é a condição para viver, embora não seja fácil. Sendo a vida a indagadora de tudo, temos que escolher como agir e não questionar as questões da vida. O que podemos questionar, e isso sim nos cabe, é como agir. Somos livres comportamentalmente, mas não somos livres quanto às questões apresentadas pela vida. Ela é, e sempre foi, tal qual o destino.


Frankl nos conta um lado profético, até mesmo poético, do campo de concentração de Buchenwald: "queremos, apesar de tudo, dizer sim para a vida". O que esses prisioneiros fizeram, cantar em meio há tanto sofrimento, transcende qualquer concepção. É aceitação da vida até as últimas consequências. Mesmo com o sofrimento, mesmo com a dor, mesmo com a morte. E a vida existe e tem sentido apesar de todas as realidades conjunturais que se apresentem circunstancialmente. Isto é, o questionamento que a vida apresenta é variável, mas o sentido não. O sentido existe apesar de toda situação apresentada. Tal qual "Deus é", o "sentido é". Pode mudar de figura, de forma, de conjectura, mas não deixa de existir.


É preciso que exista, dentro de nós, um ímpeto de responder tal questionamento. Já que, como disse Frankl, a vida é um jogo existencial e todo esse jogo só pode ser respondido existencialmente. Ser é assumir a responsabilidade e agir. Ser alegre na resposta que iremos tomar, pois toda decisão assume a roupa de eternidade. Toda ação tomada se registra na eternidade. Fazer algo é, em última instância, realizá-lo eternamente. Não fazê-lo é eternamente deixar de o fazer naquele momento em específico que se registrou na eternidade.


Frankl está, para mim, como uma das melhores leituras de 2023/2024. Me ajudou - e me ajuda - em muito nesse processo existencial que tenho passado. Há, em mim, o desejo de viver apesar de tudo que tenho passado, de toda angústia psíquica que venho, nos últimos tempos, sofrido. Tenho o desejo que continuar a caminhar - ou, melhor, marchar -, apesar das circunstâncias desfavoráveis.

domingo, 21 de janeiro de 2024

Acabo de ler "Sobre o sentido da Vida" de Viktor Frankl (Parte 3)

 



Na parte anterior lhes alertei que não somos nós que determinamos o sentido de nossas vidas, mas as ações que tomaremos sobre as possibilidades de sentido que a vida nos oferta. Ou seja, trata-se dum giro de 180 graus. Não mais nos questionamos qual é o sentido, questionamo-nos, isto sim, sobre como agir no horizonte que se nos apresenta.


Frankl nos convida a fazer um giro de questionamento, em vez de perguntarmos o "por que?", nos perguntaremos "para que?". Não nos é permitido, isto pela natureza da vida em si mesma, escolhermos e criarmos um mundo em que toda nossa vontade se projete perfeitamente na realidade e sonhos irrealistas podem acabar por gerar maior frustração existencial. O questionamento, direcionado agora para finalidade (para que?), busca compreender aquilo que está sendo apresentado existencialmente diante de nós e o que podemos aprender - no fundo, extrair - dessa vivência e como nos portaremos diante dela.


A chave "determinismo" e "liberdade" estão encaixadas. A vida é determinada, já que o ambiente externo não pode ser elegido e moldado absolutamente. Todavia temos, em algum grau, possibilidade de agirmos como bem desejarmos sendo bem sucedidos ou não. Frankl fala da vida como um "jogo de Xadrez", cada situação existencial requer, por sua natureza, uma jogada existencial. Tudo que fazemos, em nossa vida, é basicamente uma série de apostas mais ou menos calculadas de acordo com nossas hipóteses.


Viver é ser indagado. A vida nos questiona através de situações existenciais. Não somos nós que questionamos ela, estamos numa situação que revela exatamente o contrário: a vida que, por meio de situações, cria circunstâncias em que podemos ou não agir de tal ou tal modo. Não se trata de perder ou ganhar, trata-se tão apenas de seguir jogando conforme o conhecimento acumulado e força de vontade. E uma perda no mundo exterior não representa, de modo algum, uma perda interior. Muito pelo contrário: a vitória no mundo exterior é quase sempre provisória, a única vitória que podemos garantir é a interior. Faça o que fizer, continue o combate.

sábado, 20 de janeiro de 2024

Acabo de ler "Sobre o sentido da Vida" de Viktor Frankl (Parte 2)


 


Na sua experiência trágica com o holocausto, Frankl perceberia que a câmera de gás deixaria de ser uma ameaça e tornar-se-ia, pouco a pouco, uma espécie de antídoto e esperança. Isto é, estar em uma acumulação trágica tão grande que, quando menos percebe, a morte lhe soa como um doce alívio e não a negação fulminante de qualquer felicidade ou prazer futuro.


Scruton escreveu, em um livro que não me lembro, que em certos casos a existência é tão assustadoramente sombria que a morte é a única possibilidade de alívio do ser. Como, por exemplo, no caso de africanos que eram colocados em navios negreiros para serem escravizados ou para judeus que sabiam que iriam parar no campo de concentração.


O que houve, então, com Viktor Frankl? Mesmo com crises, deu continuidade a sua vida. Decidiu que, em vez de buscar a morte, imperiosamente trabalhou para vida e criou, pouco a pouco, uma escola psicológica que ajudou - e ajuda - várias almas desesperadas ao redor do mundo. Tudo isso graças a uma experiência que, longe de ser animadora, negava seu ser ao todo.  A mais excruciante negação de si, Frankl não se deixou ser dissolvido pelo meio e afirmou gloriosamente a subjetividade de seu distinto espírito.


A afirmação: "o ser é" está dada como definitiva de Frankl. Visto que a aceitação do destino faz parte da vida, tal como a aceitação da morte e do sofrimento. E elas, temos que admitir que, mesmo que amarguradamente, elevam a nossa capacidade ao sobrevivermos e superarmos seus desafios. A existência é, em si mesma, uma indagação. Já que, em Frankl, não somos nós que decidimos o sentido de nossas vidas, é a vida que nos dá o sentido em forma de questionamento.


A situação em que nos encontramos, o que está posto, é uma questão existencial e a nossa possibilidade é, tão apenas, escolher como responderemos a indagação que a vida nos apresenta. Logo, não podemos questionar o sentido da vida, só podemos ver a vida em si mesma revelar-se e nos posicionarmos por meio de atitudes para respondê-la. 

domingo, 5 de novembro de 2023

Acabo de ler "Toda Nudez Será Castigada" de Nelson Rodrigues

 



"O ser humano é louco! E ninguém vê isso, porque só os profetas enxergam o óbvio!"

Patrício (personagem de Nelson Rodrigues)


Enquanto que uma pessoa normal é vista como aquele que é a réplica da média social da sociedade em que se inscreve, a pessoa neurótica é uma em que o próprio desejo, e não a adequação social, é o impulso ordenador e dirigente da vida em si mesma. Logo o neurótico dá voltas em torno de si mesmo, de forma mais ou menos obsessiva.


A obra de Nelson Rodrigues é uma galeria de neuróticos. Neuróticos compulsivos. Pessoas portadoras dos desejos mais viscerais e mais sombrios. Capazes dos atos mais ensandecidos, das ações mais sanguinárias, dos amores mais mortais. A atrelação ao próprio desejo cumpre uma função trágica: essa guia a uma série de desentendimentos que, pouco a pouco, carregam as personagens da trama numa série de complexidades e complexos que posteriormente lhes esmagarão. Em Nelson Rodrigues, o desejo é triste pois (seu desfecho) é trágico.


Pode-se questionar a cultura em que Nelson Rodrigues estava imerso: a repressão social nas ações de indivíduos levava a quadros de extremização de conflitos. O corpo social atuava tiranamente - mais do que nos tempos modernos -, e a singularidade do ser era enfraquecida diante da própria impotência perante uma sociedade marcada por impulsos normatizadores. O desejo daqueles que são anormais são vistos como passíveis de ódio e logo passam pelo tribunal inquisitorial da sociedade.


O ser deseja e, na medida em que deseja, se vê diante da impossibilidade de desejar sem ser punido. Se o desejo vem de sua essência e ser a si mesmo é o mesmo que ser punido, a vida em si mesma é intolerável e deste conflito surge uma grande pulsão destrutiva. E é disto que a obra de Nelson Rodrigues retrata dramaticamente bem: a pessoa em sua mais triste singularidade a ser punida pelos desejos que não desejou ter. O pior tipo de punição é a punição sem escolha, essa mata o ser pouco a pouco.


A obra de Nelson Rodrigues nos faz repensar a nós mesmos e a nossa sociedade em conjunto. E também se somos o que somos ou a negação do que somos.

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Acabo de ler "Teatro Completo: Tragédias Cariocas I" de Nelson Rodrigues

 



A leitura dessa análise pode ser precedida pelas análises anteriores, visto que essa só é análise final do conteúdo que vem sido exposto por aqui já a algum tempo.


Empenho-me em analisar toda a obra teatral de Nelson Rodrigues e disponibilizar uma análise que seja sucinta, porém que tenha algo de minuciosidade e subjetividade. O que não é algo fácil, porém que me disponho a fazer com certa satisfação, visto que Nelson é um dos meus autores prediletos.


Resolvi adentrar na análise das tragédias cariocas, última fase do autor, em vez de ir por aquilo que lhe seria mais "inicial" por assim dizer. Espero que o formato não desagrade aos leitores que esperavam algo mais metódico em ordem de leitura.


Essa série de textos que venho feito é, antes de tudo, um convite para aqueles que me seguem: leiam a obra de Nelson Rodrigues. Ela pode ser uma forma de se libertar e de amadurecer, encarando o mundo de forma mais sóbria e adulta.


Ler Nelson, nestes tempos de solidão, tem sido um pouco de alívio nessa escala de terrores contínuos, de preocupações inenarráveis, na qual se alinha a presente fase de minha vida. E creio que pode lhes ser útil lê-lo também.

domingo, 22 de outubro de 2023

Acabo de ler "Boca de Ouro" de Nelson Rodrigues

 



Nos segredos da impotência, se encontram os segredos da alma. Só o homem frente a realidade avassaladora que é a morte que ele se encontra com si mesmo em sua mais pura e plena face: a vontade de ontologizar-se e dar cabo a última pergunta que lhe conduz a vida que quer viver. Isto é, se não nos perguntarmos sobre a morte, não nos perguntaremos sobre a vida e adentraremos num círculo de vaidades que diluem a autenticidade de nossa existência num jogo de multiplicidades que se alternam.


Nelson é o mestre de ensinar a vida como ela é. Em vez de personagens plenipotenciários que alteram o mundo com o seu poder onipotente, onipresente e onisciente, temos o ser humano em sua condição mais primária e natural: a impotência. E é nessa impotência que se encontra a raiz das ações de nossos personagens, que lutam para ter alguma significação num mundo que, não estruturado para lhes satisfazer, atua antagônica e estruturalmente contra eles.


Quem, em sua humanidade, não se depara com os afetos transviados que se conduzem não a realização do desejo, mas a negação triunfal de suas expectativas mais tenras? Aqui temos personagens que são movidos pelas vísceras, sentindo-se traídos pelas dinâmicas psicossociais que sempre geram conflitos. O desejo de ser desejado é um dos aspectos mais determinantes da obra.


Boca de Ouro, personagem mitologizado ao limite, traz consigo uma mensagem: a pessoa que se marca para ser afetivamente marcada, seja no sentido bom ou mau. E é nisso que suas desventuras levam: a tragicidade do ser humano em seu ofício de ser querido. Já foi dito que o âmbito da cultura é o espetáculo do homem para o homem, visto que o homem quer mais do que um objeto, ele tem por objetivo ser amado.


Se tudo isso só leva a uma série de ações que visam demonstrar potência, temos uma série de fios que enforcam o personagem central da mitologização no momento em que ele se julgava mais poderoso. Tal lição, demonstrando a penosa realidade da vida, é uma verdadeira odisseia para quem se aventura na vida como ela é: um vaivém da potência e da impotência.

sexta-feira, 26 de maio de 2023

Acabo de ler "Cerati La Biografia" de Juan Morris (lido em espanhol)

 



Gustavo Cerati foi o maior roqueiro de toda a América Latina. Não só isso, foi um dos maiores músicos de toda história latino americana, sempre trazendo inovações e compondo com uma diversidade rica e erudita. Um homem absolutamente experimental que navegou em vários mares, trazendo produções radicalmente geniais.


Sua carreira como integrante da banda Soda Stereo e sua carreira como solista são mutuamente geniais. Mostram a riqueza de um homem que sempre buscou ir além das condiconalidades que o circundava, superando o ambiente e, mais do que isso, trazendo o ambiente ao mundo que ele apresentava. Gustavo Cerati era o guia, a América Latina o seguia.


Este livro traz toda a sua vida de forma minuciosa, abordando também o período em que ele esteve em coma. A história é de tirar o fogo e nos sentimos envolvidos em cada acontecimento. Quando Gustavo Cerati esteve mal, sentimo-nos mal. Quando Gustavo Cerati esteve bem, sentimo-nos bem. É como se fôssemos tratados por um momentâneo papel de esponjas. Mesmo que não estivéssemos lá em cada momento, sentimos como se lá estivéssemos e como se o nosso mundo fosse o mundo de Cerati e nossa psiquê fosse a de Cerati. O leitor sentir-se-á em simbiose com a leitura desta obra biográfica.


Ler biografias é sempre enriquecedor. Podemos psiquicamente relativizar os nossos problemas ao entrarmos numa espécie de transe em que absorvermos a vida de outrem. E ler esse livro, cheio de altos e baixos dum gênio em ascensão e queda, é uma forma diferenciada de repensar a própria vida.


Livro recomendadíssimo para todos os roqueiro e aficionados por música. Ou simples e substancialmente para quem está buscando uma leitura biográfica para repensar a vida que leva. 

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Acabo de ler "La lectura, otra revolución" de María Teresa Andruetto (lido em espanhol)

 


Uma das mais importantes escritoras da literatura infantil, María aqui nos dá pistas de toda a importância em que a literatura, chave para o entendimento do outro, se insere. E, certamente, um livro fascinante para quem é apaixonado pela literatura e, não só ela, pela profundidade da vida em si.


A leitora, por diversas vezes, exalta as benesses da educação pública que lhe foi dada gratuitamente pelo Estado argentino. Sem isso, não seria essa mulher que mudou e salvou almas pelo compromisso sólido com a formação cultural de diversas pessoas. E isso não é um exagero ou mera propaganda política.


Nesse livro, aprendemos a importância de livros difíceis e a necessidade da formação de bons leitores. Além de que a literatura é um acesso ao outro e um ponto de encontro que permite uma maior dialogicidade e proximidade para com o próximo. Ataca aquilo que chama de analfabetismo pragmático - leituras precarizadas elegidas simplesmente pela leitura pela leitura, que nada mais é que uma simplificação grosseira.


Por outro lado, também fala da leitura como um importante nivelador cultural e uma prática que dá acesso aos bens culturais. Logo a promoção da leitura é, igualmente, a promoção da igualdade de acesso ao capital cultural. Essa parte é extremamente importante, visto que os anos de ditadura levaram a um enfraquecimento da cultura literária argentina e o consumo cultural - que foi elitizado.


Recomendo muito a leitura do livro. Ele não é só uma espécie de ensaio sobre a literatura, é também da política, da história da Argentina e, incontestavelmente, da vida que autora levou.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Acabo de ler "O Outono da Idade Média (capítulo 1)" de Johan Huizinga

 



A Idade Média é, dentro os assuntos do debate nacional, um tema extremamente delicado. A razão principal dessa delicadeza se dá pelo fato da esquerda tem um estudo precário acerca do assunto. Usualmente essa mesma crê em mitos e factóides gerados não por estudiosos medievalistas sérios. Se o problema do debate do islamismo se dá pela ausência de uma revisão bibliográfica na direita, o contrário é verdadeiro no estudo medieval.

Esse é um livro carrega uma tradução mais precisa da decadência ou declínio do período medieval. Em vez de procurar o movimento que lhe sucederia, busca explicitar as razões que levaram ao falecimento do medievo. É interessante que, já na introdução, somos chamados a observar que o estudo da história não deveria ter um caráter voltado apenas aos movimentos nascentes. Os períodos de decadência e morte, bem compreendidos, são também úteis ao conhecimento e apreciáveis a existência.

Quando falamos de Idade Média, falamos dum contexto espaço-temporal em que tudo era preenchido por um simbolismo extenuante. Cada ato da vida, em si mesmo, não poderia deixar de ser colocado numa simbólica omniabrangente. Graças a tal modus pensadi, a própria forma de enxergar a vida adquiria um grau de excitação elevado - embora que, muitas vezes, para o prejuízo da razão. Os medievais buscavam simbolicamente a tudo distinguir, marcando até uma forma de "maniqueísmo inconsciente" que dava furor radical entre as diferenças da vida.

O leitor encantar-se-á, é claro, pela forma apaixonado, romântica e heróica que os medievais faziam qualquer ato da vida num salto simbólico e existencial. Mesmo que não se sinta muito disposto a ver excitações sentimentais como uma boa psicologia civilizacional. A nós, falta-nos encantamento. A eles, faltava-se uma certa frieza na análise de algumas partes da vida.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O Necrófago

 


 

Se eu dissesse que eu sangro sem sangrar, isso lhe assustaria? Se eu lhe dissesse que posso sentir minha carne sendo cortada, sem ser cortada, você acreditaria? Se eu lhe disse que sinto gosto e ele tem gosto de desgosto, você saberia definir o que de fato sinto? E, por fim, se eu lhe disser que todo esse vaivém a qual a humanidade se destina é apenas uma marcha caimíca em que o progresso civilizacional é, tão apenas, o domínio do demônio e da totalização diabólica? Dir-me-ão que os remédios modernos são fruto do progresso, dir-lhes-ei que o holocausto baseou-se igualmente no progresso técnico e científico. A bomba atômica é um portentoso milagre científico e técnico que ceifou várias almas. Mas, pensando bem, é até mais misericordioso ser morto por uma bomba atômica do que estar num campo de concentração. Com ferramentas de capacidade superior, os novos deuses de pés de lama se erguem e a população com adora o mais novo bezerro de ouro em forma de Iphone ou o que quer que seja a nova forma dele. Religiões, ideologias e doutrinas se alternam no poder sem que o homem possa ir para o paraíso tão pedido e tão prometido. Sempre alguma nova ideia será enunciada prometendo a nova forma de chegar (ou seria retornar?) ao paraíso.

 

Perguntar-me-ão se eu tenho um programa, se eu tenho uma direção, um senso de unidade, uma doutrina a qual poder-se-ia remir o mal contínuo da humanidade. Negativamente responderei e negativamente serei encarado. Todos devem trazer alguma coisa, qualquer coisa. Em nossa época, se faz necessário publicalizar a consciência em todos os fenômenos que se sucedem. Todo esse esforço de pingar o fragmento das almas nas mais diversas ocasiões é, para alguns, o divertimento e realização de seus seres concomitantemente. Denuncia-se ali um caso de racismo, fala-se aqui duma manifestação por algum novo direito, comenta-se o protagonismo feminino ou a privatização indevida ou devida de alguma empresa. Eu me proponho o contrário: ignoro tudo o que acontece e não mais me posiciono. É fato que alguns homens tornam-se alguém, outros tornam-se alguma coisa e outros, menos sortudos, tornar-se-ão algo e haverá aquela parcela, mais numerosa em todas as épocas, que nada serão e a nada serão destinados. Afirmo-lhes que sou pessimista demais para acreditar em qualquer coisa. Sou pessimista demais para cair na estultice de acreditar em mim mesmo - apesar disso ser um dogma pós-moderno (e, se não o for, não sei de quando data tamanha idiotice). Toda minha afirmação é uma negação. A negação, nada mais é, algo que reacionariamente nega o que é afirmado. Um negacionista é um homem que nega o que é afirmado. Sou o homem que olhava para o abismo e quanto mais olhava para o abismo, mais sabia que olhava para a própria natureza.

 

Ultimamente eu sinto estar ficando mais cego a cada dia. Não que eu tenha perdido a visão no sentido físico do termo, é que há um lamaçal metafísico de natureza obscurantista que me atrapalha. Eu simplesmente não consigo enxergar nada de qualitativo, nada de prazeroso ou nada que me dê um bom gosto palatável. Com o tempo, torno-me niiliabsorto nessa malignidade. Muitos de meus contemporâneos gostam de denegrir ideias, doutrinas ou religiões. Para mim, o esforço satírico e o gosto pelo caos dionisíaco se evadiu na medida mesma em que eu crescia. Minha geração só é forte o suficiente para negar ideias que, por lhe serem absolutamente superiores, não tem capacidade de cumprir. As ideias, as doutrinas, as religiões, as ideologias... Tudo isso foi abandonado por essa geração de fracassados. Não que eu não seja um deles, só que reconheço o fato de que sou fraco. Satirizar aquilo que não tem capacidade de corresponder em força e em estilo é o jeito com que os fracassados encontram de não negarem o próprio fracasso, mas a transcendência que se lhes apresenta. Quanto mais eu crescia, mais a beleza se evadia. Quanto mais eu crescia, mais eu ia para a direção não da antissociabilidade, mas do divórcio social. O esforço da negação, tão comum aos meus "iguais" - ao menos inseridos no mesmo "espaço-tempo" -, tornou-se até a negação da negação. Eu não só nego, nego-me igualmente a negar. A corda num pescoço seria, tão apenas, um alívio a essa pressão de desgaste que me obscurifica. Sem vontade alguma de continuar, empurrado a andar pelo espírito das poucas almas que ao meu lado ainda ficam.

 

Ninguém poderia para mim olhar, conhecer e passar ao lado sem que lhe ocorresse o seguinte pensamento: "como alguém pode ser tão deprimente?". A resposta, se é que há uma, é que minha natureza é morta. Eu sou tão apenas um cadáver. Nesse ponto em que me encontro, creio que minha alma caiu fora de meu corpo por abjeção. Creio firmemente que minha alma me abandonou há muito tempo, se eu tivesse oportunidade, também abandonar-me-ia sem pestanejar. Vago aqui e acolá, a preencher o espaço com minha presença física vazia. Sou o paradoxo do corpo físico que, adicionado ao ambiente, não ocupa espaço. Pelo contrário, sou um buraco negro que suga toda positividade, toda esperança, matando tudo que há de bom com minha pessimistividade. Minhas palavras nada dizem, as ideias que, por algum acaso enuncio, nada a mim representam. Para ser sincero, o nada nadificante de minha condição tornou-se uma existência puramente negativa que anula qualquer possibilidade de positividade. A leitura, em vez de erudição, só me traz uma forma de pseudotranscendência evacionista da realidade. Os antidepressivos só atenuam o sofrimento físico e mental que passo, minha visão e minha essência é em si mesma depressiva.

 

Tudo vem sido uma lenta odisseia fúnebre na qual eu me sinto cada vez mais morto. É um ditado popular a ideia de que nos tornamos o que comemos. Eu só como coisas mortas. Os animais que me alimentam foram mortos. Os autores que leio morreram há muito tempo, quando não morreram há séculos. A única coisa que tenho é o reinado do niiliabsolutismo. Eu não posso ligar para grandes causas. O fascismo, o socialismo, o liberalismo, tudo isso me dá tédio. Mesmo que eu não seja tolo o suficiente para acreditar que, em meu relativismo singularista, eu seja superior a essas religiões civis que tanto marcaram a humanidade. O amor que a sociedade tem pelas crianças me entedia. Os grandes acontecimentos políticos são por mim ignorados. A própria capacidade empática de ligar para um acidente de avião ou a um genocídio que, esporadicamente a humanidade faz numa religiosidade ritualística, não me causa absolutamente nada. Todas as discussões que saem dos maiores anseios humanos de nada me representam. As transformações de ideias que se alternam e sucedem não me representam coisa alguma. Tive o infortúnio histórico de nascer depois das grandes religiões e civilizações religiosas, das grandes ideologias e suas revoluções.


Nos últimos tempos, empreguei-me a andar em campos vácuos. Seja fisicamente ou mentalmente. Afastar-me de qualquer criatura viva era meu modo de viver mortamente. Até que, um dia, deparei-me com um terreno baldio. Um cheiro horrendo despertou em minha narina. Deparei-me com um cadáver. Cadáver esse que estava passando por um processo de decomposição. Claramente, não habituado a tal cheiro, tão logo pus-me a vomitar. Por algum motivo, uma vaga similitudidade enunciou-se em minha cabeça. Embora esse cadáver estivesse de fato morto, estivesse fedendo e estivesse esquartejado, sua natureza em nada diferia da minha. Quem sou eu, se não a podridão? O cheiro dele é igual o de minha natureza. O estado físico de destruição é de igual modo semelhante a minha psique. O fato de estar morto há muito tempo só me lembrava, igualmente, que eu estava tão morto quanto ele há tanto tempo que não me lembro. Tão logo aproximei-me e pus-me a prosear com tão igualitária criatura.

- Está morto, tal como eu estou morto. Teu fedor repugnante assemelha-se a minha própria repugnância. Minha natureza é de igual repugnância a sua natureza. O abandono em que se encontra em nada difere-se do meu. Para ti, a condução política e cultural em nada representa, em nada promove. Sinto-me, então, igual a ti. Você não pode acreditar no amor, já que não está vivo. Eu, estando igualmente morto, não acredito igualmente no amor. Não pode ter amigos e nem ligaria de ter um amigo, tal como eu. De certo modo, afastei-me de todos aqueles que eram meus amigos apenas para nada mais sentir e, nisso, assemelho-te a ti que não tem amigo algum. Em certo tempo, também acreditei na relevância da vida e em como todas as ideias que sucediam em minha cabeça tinham algum grau de relevância graças o valor incalculável de minha vida humana. Hoje sei que sou tão irrelevante quanto qualquer outra coisa morta e que nenhum vivo tem valor. As ideologias não me encaixam, as religiões não me causam júbilo. O abraço confortante nada mais é do que uma doce ilusão de dois corpos que se encontram equidistantemente. A singularidade humana não pode ser compreendida por outra singularidade humana, toda comunicação nada mais é do que um monólogo falho.


Logo pararia de falar com meu mais novo amigo. Volvi para casa. Onde passei a ler até que o sono tornasse a leitura impossível. Passar duas semanas longe de meu companheiro cadavérico deu-me uma sensação estranha. Os homens, as mulheres, toda a humanidade viva me era tão estranha quanto nociva. A mera ideia de que um coração batesse me causava desconforto, isso se não me causasse nojo. O próprio fato de meu coração ainda bater me causava desgosto. Olhar os outros seres vivos só me deixou um único pensamento, na qual sintetizo numa curta frase: "Eles não eram tal como eu". Mesmo estando atomisticamente presos em si mesmos, incapazes de adentrarem em substancialidade total com outro ser, prendiam-se nas ilusões vãs de que era possível se conectar com o mundo exterior. Não há mutualidade no mundo, toda comunicação é uma inutilidade. Engana-se quem crê que há compreensão, que há gradação de proximidade, que o íntima revela-se a quem se aproxima. Tudo está separado, eternamente separado. Mas como, como só eu me dava conta disso? Eles não podem perceber? Eles não podem ter consciência? Se um time de futebol ganha, nada ganhou. Se um político se elege, nada se elegeu. Se há uma alegria após o orgasmo, é apenas um prazer efêmero gerado pela própria face animalesca do que sobrou do bestialogismo humano não totalmente humano. Humanizar-se é dar-se conta de que a vida é como um grão de areia, uma poeira sem valor a movimentar-se de acordo com a influência dum vento. Ao menos a própria razão conduz a percepção da niilitropia em que vivemos e o que distingue a humanidade é a faculdade da razão. Racionalizar é humanizar-se, humanizar-se é perceber-se nulo e, então, niilificar-se. Para percebermos o quanto somos sordidamente sós, basta que entremos num ônibus e dar-nos-emos conta de que não temos íntimo contato nem em nossa locomoção por esse torpe mundo.


Eu senti, eu senti que deveria voltar ao terreno baldio. Eu não pertenço a esse mundo das entidades móveis. Todo esse movimento me é estranho. Vida é aparência e o reino das aparências não pode ser factual. Eu sou tão inexpressivo, irrelevante, podre, sem valor, quanto um morto abandonado. A morte é imóvel, logo não é aparente. Não consigo achar inteligível qualquer sociedade viva. Tive que voltar para o terreno baldio. E uma surpresa tive ao voltar: a minha pequena sociedade secreta aumentou. Mais dois corpos dispunham-se ali, como a ter um descanso dessa ausência de sentido unificada na qual a humanidade se move. Ali, eu e mais três cadáveres, sabíamos irrelevantes e vazios. Todos niiliabsortificados pela despertar da consciência do átomo. Não falarei dos sexos de meus companheiros. O que é o sexo se não uma superficialidade para quem se encontra morto? Deixemos as vanidades dos vivos para trás. Vivamos a morte e o esquecimento. Eu lhes devia um discurso inaugural. Devia-lhes um acolhimento cadavérico. Logo, pus-me a falar.

- Felicito-lhes pela morte. A morte é a única que proseia com Sócrates e Dante. Os vivos acham-se acima dos mortos, só que não possuem qualquer similitude conosco. Eles desprezam os esforços dos ancestrais e negam-lhe a possibilidade de discursar. Acreditam que o fato de estarem vivos lhe torna especiais. A vida é efêmera. A ciência moderna está a provar que a vida na terra é um mero acidente, onde não há criador algum. Sem criador bem-intencionado, sem sentido próprio condicionado, sem nada que valha a pena para se viver, somos todos nós átomos a rondar um espaço sem capacidade de expressar o vazio em que nos encontramos. Morrer é despertar para a realidade e até mesmo para eternidade. A realidade é tão morta quando pode ser. Deixemos que os vivos aproveitem a curta vitória de suas eleições, as modas de pensamentos que morrerão, os prazeres efêmeros que logo acabarão, a sensação vaga de amor eterno que logo despedaçar-se-á. O aborto é o mais feliz dos seres, já que ele passa para eternidade da morte sem conhecer as ilusões da efemeridade da vida.


Com o tempo, passei a frequentar o terreno baldio com mais assiduidade. Deitava-me lá, esforçava-me para matar dentro de mim qualquer pensamento. Queria ser tal como um morto, um verdadeiro morto. Havia dentro de mim uma pulsão de natureza nirvânica que eliminava toda e qualquer energia mental dentro de meu aparelho psíquico. De que necessidade teria eu de pensamentos? De sentimentos? O esforço negativo leva a sonegação desses vãos alvoroços causados pelo efeito ilusionista da vida. Não comunicar-se com ninguém era meu deleite. Abandonar toda e qualquer possibilidade de amizade. Matar em mim qualquer ânsia por movimento e qualquer noção vaga ainda reminiscente da possibilidade de "calor" humano. O que move os vivos? A vida é uma existência numa caverna. O calor humano nada mais é o que alimenta as projeções das sombras ilusórias que são confundidas com a verdade ou a realidade. Tendo em conta isso, o cheiro podre deixou, com o tempo, de me importar. Cheiro nada mais é do que outra vaidade das ilusões dos vivos e suas maquinações ilusionistas. Mesmo quando os cadáveres aumentaram, eu me sentia como um deles e tudo que eles tinham era, para mim, de máximo valor e não de ojeriza.


Acreditava piamente na ideia de que o esforço anulativo era melhor que o esforço criativo. A estabilidade pertence ao reino do descanso e o reino do descanso pertence a morte. Esforçar-se para atenuar qualquer possibilidade de esforço, tirar da mente as ideias que tiranizam, afastar-se de qualquer "calor humano". Tudo isso, nirvanicamente enquadrado e enfatizado, torna-se num deleite sem o qual não poderia mais conjecturar o estado não vívido em que me encontrava. Adaptar-me a morte era o compromisso principal a qual me sujeitava. Imitando os mortos aprendi de fato ao destino comum que me era destino e glória. Pena que, tal deleite, provar-se-ia incapaz de durar para todo o sempre. Esqueci-me de que era ainda vivo e, como vivo, poderia ser perturbado por essa ordem caótica que se cria pela vaidade. Fui acordado por um estranho homem.

- Por que passa tanto tempo aqui?

- Gosto de me deitar e pensar que também estou morto.

- Por um tempo, pensei em te matar também.

- Eu já estou morto.

- Não entendo, nem sei se quero entender. Para mim, é simplesmente um louco. A única pergunta que tenho é: não me denunciará?

- Pelo o quê? Por ter libertado essas pessoas das ilusões criadas por Demiurgo ou pelo vazio ou seja lá pelo que tenha criado ou não esse mundo? Viver é uma ilusão. Todo reino de matéria nada mais é do que um aprisionamento na falsidade. Nada aqui faz sentido e tudo que há é um grotesco monumento confuso e assimétrico.

 

O homem simplesmente parou de me encarar. Pegou o seu saco preto e soltou mais um corpo morto. Certamente ele era o assassino de meus companheiros. De qualquer modo, essa informação me era tão irrelevante quanto tediosa. Ele era só mais um vivo. Todavia não pude deixar de felicitar meu novo companheiro:

- Seja bem-vindo, meu partidário.

- Do que está falando? - perguntou-me o serial killer.

- Não falo contigo, falo com o morto.

Olhando-me com estranheza, o homem simplesmente foi embora. Era um vivo e, tal como um vivo, não poderia compreender um partidário da morte. Nem sei se posso falar em "partido". A ideia de que há "parte" e não "todo" pertence a essa diferenciação do reino da necessidade. O partido, seja qual for, nada mais é do que um defeito na capacidade de pensar. Na totalidade, em que só os mortos estão, não há "partido" algum. Tudo se encontra e tudo está encontrado. Não sei se a felicidade do assassino consistia em matar. De qualquer modo, matar é um prazer tão sem graça e efêmero quanto qualquer outra vaidade que constitua a vida. Todo prazer de um vivo é um prazer efêmero, impróprio a capacidade eternalística que tem a própria morte. Não o condeno, toda atividade viva me é indiferente. Qualquer movimento me é estúpido. Que diferença me faria se ele fosse padeiro, açougueiro ou um simples pescador? Tudo isso é vaidade. Mesmo o assassino compulsivo tem o gosto de matar. Trazer pessoas ao mundo eterno da morte causa-lhe prazer. É um esforço idiota, tal qual todo esforço vivo. Tão sem valor, tão sem importância quanto qualquer coisa viva.


Meu bem-estar não durou tanto tempo. Minha única felicidade, que me conectava com o mundo transcendental, foi-me privada. Acabei por ser pego por um policial e colocado numa viatura de polícia. Não tardou que eu fosse investigado. Todas as vezes negando a mera hipótese de que tenha sido eu o assassino. Respondia vagamente que também era um morto. Achavam que eu era insano, simplesmente insano. É justamente o contrário: eles é que são insanos. Fiquei dias na cadeia, esperando e sonhando com minha volta ao terreno baldio. Pensava em me matar todos os dias. Isso não me era ruim ou depressivo. Eu simplesmente amava a ideia de me ver morto. Morto e liberto. Toda essa sucessão de ideias e gosto pela proximidade com a morte durou até que o assassino foi pego. O estranho homem confessou todos os crimes. Além de que, em sua casa, foram encontrados vídeos de tortura e assassinato de todas as pessoas que matou e que estavam no mesmo terreno baldio que eu. Ele ganhava dinheiro torturando pessoas ao vivo. Uma investigadora, antes de me soltar, fez-me a sua última pergunta:

- Se você não era o assassino, o que fazia ao lado dos corpos assassinados? É isso que ainda não pude compreender com totalidade.

- Ora, minha cara, eu apenas olhava para a minha própria natureza.

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Eu não quero estar vivo depois da madrugada...

 


 

    Eu não quero estar vivo depois da madrugada. Nela sou vítima de um acaso desacordado em que a vida é uma exaustão de desgaste. De tanta sobrecarga, sou obrigado a curtir o pouco do pouco em efervescência profanada. Se o que sobra é sempre menos, desgastar o que sobrou de nada é exigência da apequenada felicidade, única possível nessa cidade escravizada. Os prazeres efêmeros condizem muito com a necessidade temporal de horas condicionadas, a pseudotranscendência fez-se morada em minha alma atordoada. Nessa vida, é-se prostituta com ou sem necessidade sexualizada.


    Eu não quero estar vivo depois da madrugada. Eu não quero saber se as lebres pretas correm em corridas acirradas, elas se atropelam imersas na penumbra sem qualquer necessidade, o fazem para que haja um quê de desordem em sua vida normatizada. Elas creem que o preço da infidelidade ontológica pode ser compensado vivendo através de pequenos surtos. Surtos esses que furtam a quotidianidade de suas vidas falsificadas. Coelhos de terno amam entregar sua oferta as aranhas, assim sempre manda a proletariedade da descendência de Caim. Malditas aranhas, devoram seus filhos com parcimônia sensata, tradição das tradições dessa existência precária.  

 

    Eu não quero estar vivo depois da madrugada. Não quero andar de trem e metrô nessa cidade precária. Não quero olhar para cada morto que me olha sem saber que o tempo de partir há muito tempo se foi. Estou cansado de, em todo transporte público, esconder-me atrás de livros para não sentir a densidade atomizante da individualidade ultrajada. Estou cansado de fingir que a magia literária me livra da prisão da realidade. De círculo em círculo, repetindo ritualisticamente os erros antepassados, vivo rodando em minha senzala.

 

    Eu não quero viver depois da madrugada. Não quero me lembrar de quem realmente amo, fidedignamente me odeia. Não quero nem conjecturar pensar de novo naqueles que já se foram, pois sua partida me faz querer cada vez mais partir. Não obstante, sempre espero ver de novo aquilo que não dá mais para se ver, sempre espero ter de novo aquilo que já não posso ter, sempre sinto vontade de abraçar as pessoas que não posso mais conviver, na esperança de que o martelo do tempo tenha despregado o que pregou. O martelo do tempo nunca volta, cada prego é um imperativo categórico que a alma imortal cala.

 

    Eu não quero viver depois da madrugada. Eu sei que ela se jogou com a intenção de não sentir mais nada. Não quero lembrar de que toda vez que penso nela, vejo-a desfigurada e paralisada numa parca cama hospitalar.  Não quero sentir o gosto de nenhuma mulher, a mulher que mais eu amei me foi negada. Eu não quero pensar em cada osso dela que foi quebrado. Eu não quero saber se seu sorriso agora está deformado. Ao mesmo tempo que sinto a falta dela, tenho medo de ver como ela está em sua forma destroçada.


    Eu não quero viver depois da madrugada. Sei que sou mal-falado em cada espaço-tempo que preenchi com minha estranheza vivificada. Sei que meu gosto é o desgosto com que preenche o paladar de cada figura marcada. Eu sempre parto, eu nunca paro de partir e sempre que parto sei que é o melhor que posso dar a cada pessoa com quem estive em algum momento. Aliviar o desprazer de minha companhia é o melhor caminho que tomo, já que sou um desastroso canalha. Eu posso até sofrer com isso, conquanto sei que a frase: "eles ficarão melhor sem mim", sempre me acalma. E de fato o negrume de minha sombra priva o Sol das pessoas que encontraram-se com minha tragédia imanentizada.


    Eu não quero viver depois da madrugada. Sinto tanto de tanto sentir. Minha consciência toma como fardo o meu existir. Não quero pesar, nem para mim e nem para outrem. É por isso que eu não posso viver depois da madrugada. Estou cansado de noites dormidas em claro. Farto de acordar e pensar: "tudo bem, foi só mais um pesadelo". Estou cansado de cansar, cansado de estar cansado. O pesadelo do sonho precede o pesadelo de minha existência terrificada, dia após dia sinto a insanidade macular o que sobra do fragmento do que um dia já fui. E o mais triste disso, é que nunca fui nada. Sou cada vez mais a sombra dum passado de vanglória, então eu não quero viver depois da madrugada.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Prelúdios do Cadáver #15 - Falando Obviedades (e Seriedades)

Publicado em  06/04/2019


Existem certas ideias que vêm me atormentando nos últimos tempos. Não dá para refletir a vida intelectual sem refletir a própria vida. Escrevo essa breve nota no sentido de produzir uma pequena reflexão em mim mesmo.


Piaget dizia que o meio fere o organismo, esse organismo adapta-se depois da lesão que é sofrida. Com isso ele queria dizer que o organismo (nós) adapta-se ao meio (sociedade) no sentido de ser-lhe útil. O que a sociedade quer influencia em nós um dado padrão de comportamento. Isso pode ser bom ou ruim. Se, em nosso meio social, exigem-nos o amadurecimento e o cultivo da cultura – no sentido pedagógico e intelectual de cultura –, damo-nos por florescer belamente. Agora, se é o oposto, se o nosso meio social conspira para que caiamos numa vida desregrada, numa vida sem metas e nem fins nobres, acabamos por ir decaindo junto ao nosso meio.


Essa constatação fez-me pensar nas considerações que meus pais me davam quando eu era menor, e eu sempre feria aquilo que meus pais recomendavam-me. Eles me diziam para que eu não me misturasse com determinado tipo de gente, para que não praticasse dadas ações e para que eu não vivesse de tal forma. O tempo foi passando e a má cultura brasileira foi me influenciando para um mau caminho. Cometi, então, inumeráveis erros que, hoje, na minha idade, arrependo-me severamente. Algo que, se um dia eu tiver um filho, tentaria evitar a qualquer custo.


Trata-se de tudo, rapazes. Os locais que ficamos na faculdade, os livros que lemos, os locais que frequentamos na internet. Tudo isso conspira para o mal ou para o bem. Sêneca dizia que a vida não era curta, mas que utilizamo-la mal. E por utilizarmos a vida mal, a vida passa sem que a gente perceba. O tempo está passando e estamos confinados em nossa própria ignorância, o tempo passa e estamos presos aos nossos vícios – ou pecados, se preferir.


Então aí vai um conselho de quem se tocou: tomem cuidado com o que leem, com as suas ideias, com as pessoas que acompanham, com tudo que lhes influencia. E, não tenham dúvida, a maior parte da cultura brasileira padrão conspira contra você.

sábado, 16 de julho de 2022

Acabo de ler "Monster (Vol. 1)" de Naoki Urasawa



Há mais de dez anos atrás, pensei em assistir Monster devido a recomendação de um colega virtual. Eu era jovem e imaturo, logo não consegui absorver a densidade da obra e tão logo desisti de assisti-la. Anos depois, deparo-me com seu mangá dando sopa no Centro Cultural Vergueiro e, finalmente, adentro na experiência que até agora tinha me neguei a ter.

O drama das relações humanas em Monster é complexo. Tudo aqui é explorado de forma meticulosa e bem adulta. Lemos o mangá com uma grande preocupação do que virá - somos sempre bem recompensados pela carga dramática do enredo. A leitura é sempre tensa e cheia de suspense. Se você espera uma leitura mais adulta, esse é certamente o mangá que você deve ler.

Nunca pensei que seria encantando por esse mangá. Optei por ler o mangá em vez de ver o anime por gostar mais de ler do que assistir. Fora que já estou ficando cansado de ver animes. De qualquer forma, não me arrependi. Gostei bastante da estética do mangá e a forma com que ele aborda a tensionalidade da vida em si. Sinto até um certo arrependimento por não ter compreendido a grandiosidade dessa obra quando era mais novo.

A impressão final que tenho é: quão mesquinha é a estruturação da vida em si e quão vaidosa é a nossa alma que se perde em vaidades. Lendo o mangá, tornei-me mais pessimista e mais do que isso: reconheci a realidade corrupta ao qual me encontro e que o autor descreve bem. Ler "Monster" é reconhecer a nossa própria miséria e a miséria do mundo em si.