Mostrando postagens com marcador performance. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador performance. Mostrar todas as postagens

domingo, 25 de agosto de 2024

Acabo de ler "Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia" de Mozer e Helder (Parte 2)

 



NOME:

Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia

AUTORES:

Mozer de Miranda Ramos;

Elder Cerqueira-Santos.

No Brasil, existe uma hierarquização de performática de gênero. Essa hierarquização tem algumas camadas. Se em primeiro lugar se encontra o homem heterossexual e másculo, em lugares inferiores se encontrariam o homem heterossexual de índole mais tímida e o homem heterossexual menos encaixado nas definições de masculinidade exuberante. Logo viriam os bissexuais que esconderiam a bissexualidade e tomariam uma vida dupla, marcada pela contradição e ocultamento. Também haveria o binarismo do macho/bicha, onde os ativos estariam acima dos passivos, os efeminados estariam abaixo dos machos. Ser macho e ativo seria tudo.


A questão problemática que vemos aí não se revela logo de cara. Ser efeminado não é o mesmo que ser passivo. Ser passivo não é o mesmo que ser efeminado. Aliás, hoje em dia existem muitos heterossexuais que curtem inversão de papéis. Essa ligação entre passividade-feminilidade revela uma inconsciente construção social acerca dos papéis de gênero e, até mesmo, a ideia de que mulheres são inferiores aos homens, visto que são, quase em totalidade, "passivas". A ideia de passividade-feminilidade também traduz um importante conflito de gênero: quanto mais longe um homem estiver duma mulher, mais hierarquicamente bem posicionado ele está. Essa é uma misoginia oculta muito bem estudado pela militância feminista. O que vemos é a valorização de uma figura bem clássica em nosso imaginário social: heterossexual, ativo, masculino e macho.


Como podemos vislumbrar, muitas das vezes o imaginário do homem homossexual ou bissexual se confunde com o imaginário do homem heterossexual. A ideia de superioridade do homem másculo e ativo contraposta à inferioridade do homem efeminado e passivo representa uma reprodução, mesmo que inconsciente, do machismo hétero-patriarcal. Esse inconsciente é fundamentalmente misógino e é um ponto que serve para alienação e incapacitação não só dos homens bissexuais e homossexuais, como da comunidade LGBT como um todo. Ela é uma misoginia internalizada que servirá sempre para se curvar à heteronormatividade. Representa também uma estratificação social em que o macho bi/gay se encontra acima do efeminado, levando a choques internos – além de comportamentos tóxicos – no seio da comunidade.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Acabo de ler "Viúva, porém honesta" de Nelson Rodrigues

 



"E vou provar o seguinte, querem ver? Que falsa é a família, falsa a psicanálise, falso o jornalismo, falso o patriotismo, falsos os pudores, tudo falso!"
Diabo da Fonseca (personagem da obra)

Gosto dessa obra pelo cinismo geral que a conduz. Isto é, essa peça de teatro é recheada dum cinismo que transcende uma sátira banal, é um cinismo que visa uma crítica metódica e organizada da sociedade e das organizações vigentes.

Vemos que tudo que ali existe é propriamente uma farsa: o motivo da viúva não querer trair seu marido, o jornalismo, a crítica de teatro, o psicanalista, o médico. Todos são farsantes que estão presos a vínculos meramente performáticos com suas carreiras, nunca um objetivo sincero para com o que se propõem a fazer. A obra visa, em seu fundo, demonstrar através do teatro que há um teatro na vida e este é um teatro que é, no fundo, um teatro horrendo por ser obrigatório. Graças aos condicionamentos sociais, somos obrigados a performar traindo o que nos há de mais essencial e verdadeiro. O preço do sucesso na sociedade é a perda de autenticidade, por consequência a perda do ser e, no fim, a perda de si mesmo em prol duma performance.

A obra não deixa de ser extremamente engraçada e fará o leitor dar boas risadas enquanto se delicia com os eventos tragicômicos que se sucedem. As frases que aparecem trazem uma imensa dose de efeito cômico pois possuem uma desvalorização de tudo aquilo que a sociedade tradicionalmente vê como bom, mas que intimamente não segue. A diferença é que, ali, é dito a verdade da dualidade da vida: existem regras de performance e a realidade da vida, visto que a imagem pública é para ser condicionada e a imagem privada é para ser secreta.

Qual é o sentido de tudo isto? O marido é homossexual, a viúva é fiel ao marido morto pois o melhor tipo de marido é o morto pois não enche o saco, o psicanalista é farsante, a ex-prostituta é farsante, o otorrinolaringologista é farsante, o jornal só existe para "espinafrar" e chamar atenção do público através de choques sentimentais.

Por vezes é necessário rir de si mesmo para se libertar da cegueira dos próprios olhos.

sábado, 29 de janeiro de 2022

Borboletas no Estômago e Esqueletos no Armário

Todo dia que desfilo, lembro de esqueletos gritando e batendo no meu armário. Na performance contínua, extraío o que é do outro, extraío o absorvido e não absolvo meu espírito acorrentado. As eternas borboletas que estão no meu estômago não encontram espaço além do interior de meu interior, clamam por ajuda de meu corpo que resiste a corrente de meu pensar preservado. É sempre essa confusão, num rolo de constante desilusão. A vida virou um teatro em que sou ator. Sempre ator. Nunca autor ou autora. Sou o imaginado, não sou nunca a imaginação. Já que a imaginação não tem limite concebível e adentra no não-inteligível. Um imaginário é aquele que internamente sofre dentro da coisa imaginada. Imaginar-se é construir-se em desconstrução, ser imaginado é ser marginalizado pelo dedo do criador precário.


Sigo sempre triste ao saber, que não sou o que sou, sou o enquadro teatral de um pensamento outrora forjado. Os esqueletos de meu armário, batem todas as noites, nunca me deixando dormir com profunda tranquilidade. Até quando eles me recordarão que em mim há menos espaço para as borboletas do que para o outro? O outro que adentra pela noite, o outro que esmaga a borboleta imaginária. Ressentidas caveiras, não se esquecem nunca da tenra mocidade que era ingênua o suficiente para não ser teatralmente vivenciada, eles não vão sempre me dizer que o imaginário é o que sou e que não sou o objeto imaginado.  Minha atitude prostituta de forma oculta, oculta as borboletas que gritam silenciosamente em meu útero. Meu ser fálico faliu dentro do caixão que lhe deram aos poucos para que eu soubesse: serei sempre morto-vivo, já que quem vive dentro do caixão não vive. Eterno zumbi a caminhar nos limites inteligíveis e pré-ordenados pelas elites grã pensantes numa tradição atroz e retrógrada que confronta a liquicidade condenando o mundo a se congelar numa nova Idade de Gelo.


Minha expectativa não é o ideal, é um sonho socioeconômico realizável. É o que espero todos os dias ao voltar de meu trabalho performático é um pouco de respeito a minha atitude condicionada. Eu espero respeito por não ser quem sou, espero respeito por obedecer o limite da faixa. Trabalho alienantemente de me configurar ao meu enquadro. E é por isso que toda vez que adentro em meu quarto, esqueletos batem em busca de sair de meu armário. Tudo é performance, tudo é socialmente calculado. Em todo cálculo, viso privar a liberdade da borboleta que vive no armário de meu estômago nauseado. O que tenho que confessar, o que tenho que verdadeiramente falar, é sempre cortado pelo limite do enquadro.


A regra máxima é sempre econômica. É sempre mais austera que a própria austeridade. É a privação do ser para a prostituição do ser. É buscar o viável. É buscar sempre o viável e esquecer o inviável. Esquecendo-se de si em busca do pré-configurado. O preconceito contra si é a segurança de uma prisão preventiva que se molda dentro do molde do corpo, para que a alma psíquica não se exploda em imaginatividade manifesta.