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quinta-feira, 20 de junho de 2024

Acabo de ler "Palavras para Desatar Nós" de Rubem Alves

 



Ler Rubem Alves é, para mim, algo terapêutico. Isto é, serve-me de auxílio nos momentos mais complicados de minha vida. Este homem tem uma escrita pacífica e bastante densa. Consegue, por meio de tons suaves, traduzir toda uma realidade complexa. Essa capacidade extraordinária é algo invejável.


Rubem Alves é um homem bastante interessante. Vindo do meio protestante, escreveu um livro falando sobre como o catolicismo teve mais protagonismo na cena progressista do que o protestantismo, natural detentor desse termo. O que chega até mesmo a soar uma incógnita: como uma hierarquia dita como altamente hierarquizada e não sujeita à mudanças poderia ser palco duma revolução? Talvez seja pelo inerente costume das massas de terem apego às tradições, mesmo quando elas não consigam sistematizá-las. Sou da tese que o catolicismo foi mais progressista pelo fato de que os sacerdotes, freis e monges têm maior formação acadêmica.


De qualquer modo, esse livro apresenta toda a característica de uma crônica: ele é suave e faz referência a vida cotidiana de Rubem Alves. Sem cair numa gigantesca abstração tipicamente acadêmica ou num vazio de futilidade tipicamente mundano ou corriqueiro.


Em Rubem Alves, simplicidade e academicidade aparecem lado a lado de forma harmônica, sem que uma acabe por ferir uma a outra. Sua erudição, que aparece de forma simples, continua a ser assustadora e encantadora. Um livro que qualquer um poderia ler, mas que também edificaria a vida de qualquer pessoa que lesse.

terça-feira, 23 de abril de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 2)


O que gera um homem tão hipnótico quanto Josef Stalin?   Sua figura é apresentada diversas vezes e nas mais variadas facetas que se alternam ad infinitum. Após tantas e tantas versões, com tantos e tantos detalhes, há uma certa contrariedade narrativa, um sentimento de auto-anulação pela absoluta oposição de diferentes teses e antíteses em efeito cascata. Seja como for, a maioria das impressões históricas se manifestam contrariamente a ele. Todavia, após tantas batalhas narrativas - de esquerda ou de direita -, ficamos no disse-me-disse: sem saber o que dizer ou o que pensar.


Stalin teve uma vida como a de muitos habitantes da União Soviética e, de semelhante maneira, muito próxima ao cidadão de terceiro mundo: moralidade rígida, um pai alcoólatra e de figura turva, pobreza e a noção de que o mundo era como uma profunda inquietação promovida pelas hordas de intempéries que se sucediam dia após dia. Mesmo com toda essa junção de complexidade trágica, Stalin tirava boas notas e isso levou a ele entrar no seminário. Assim feito, esperava-se que ele se juntasse à hierarquia da Igreja Ortodoxa.


Como um menino tão inteligente, de notas tão boas e de comportamento asceticamente exemplar poderia, então, desviar-se dum caminho tão bom e tão bem planejado? As cenas lamentáveis de pobreza que se manifestavam como uma espécie de ritualística da vida cotidiana despertaram em seu peito uma necessidade. Necessidade revolucionária, diga-se de passagem. Stalin não poderia conviver perfeitamente bem com o que via, com o que testemunhava. Isso fez com que o pobre menino da Geórgia se convertesse, mesmo que lentamente, num agitador revolucionário.


Seu comportamento tinha uma natureza dual: ao mesmo tempo em que mantinha o rigor estoico da vida dum católico ortodoxo exemplar questionava a autoridade da estrutura hierárquica da Igreja Ortodoxa e se dispunha mais na leitura da assim chamada "literatura subversiva", gastando o seu tempo em atividades de agitação revolucionária. Seu estudo, por sua vez, foi edificado tendo como base o drama russo e o drama universal.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Acabo de ler "La Rusia contemporánea y el mundo" de Carlos Taibo (lido em espanhol)

 



O debate pró-Rússia e anti-Rússia se tornou, graças à guerra atual (Rússia x Ucrânia), um dos mais aguerridos do mundo atual. Não raro, vários grupos decaem numa análise extremamente parcial e pouco factível. E muitos posicionamentos são calados por não serem compreensíveis ao intelectual médio do Brasil: tal qual a famosa direita pró-Rússia, produto intelectual mais recente e de menor notoriedade dentro do campo acadêmico nacional.


É preciso dizer que a Rússia contemporânea não é como a Rússia soviética. Há uma mescla de fatores distintos: preocupações da esquerda clássica, nacionalismo russo, cristianismo católico ortodoxo de caráter oriental, mentalidade europeia clássica (por assim dizer cristã). Esses fatores, alguns de direita e outros de esquerda, entram numa síntese que escapa, em muito, dos possíveis diagnósticos parciais tão comuns e tão raros aos comportamentos dos grupos ideológicos. Rússia tem, ao mesmo tempo, uma disposição reacionária e revolucionária visto que nutre a mentalidade reacionária anticapitalista - ou, melhor dizendo, antiliberal - ao lado duma mentalidade revolucionária.


A retórica e símbolos culturais soviéticos, a ideia dum império que faz frente a uma amalgama de outros, se junta a retórica e símbolos culturais do Império Russo. O Império Soviético, mais o Império Russo, mais as pretensões nacionalistas e cristãs católicas ortodoxas. Ah, que impressionante e sintética mescla de fatores prontas para levantar uma série de confusões mentais nos mais distintos agrupamentos sociais.


Os direitistas pró-Rússia falam da Rússia ser um país autenticamente cristão, que adota uma linha moral condizente com os pressupostos morais do cristianismo, ao mesmo tempo que faz frente ao progressismo do Ocidente contemporâneo que é contrário ao cristianismo. Já os esquerdistas pró-Rússia falam da resistência anti-EUA e, igualmente, das políticas soberanistas da Rússia que vão contra a mentalidade econômica liberal. De semelhante modo, direitas anti-Rússia falarão da economia não-liberal da Rússia como forma de atacá-la. Esquerdistas anti-Rússia do seu reacionarismo.

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Acabo de ler "Historia Mínima de la Guerra Civil española" de Enrique Moradiellos (lido em espanhol)




Escrever sobre um conflito tão exaustivo e marcante nas poucas palavras que o Instagram permite é uma certa espécie de martírio. Porém não falho ao meu compromisso intelectual de estudar e analisar, mesmo que sem a minúcia necessária, o universo hispânico (seja este em sua origem ou em suas variações).


Quem estudar espanhol terá um mundo a se abrir diante de teus olhos. A história de inúmeros países e, igualmente, muitíssimos autores aparecer-lhe-ão em companhia para que amadureça em visão de mundo, relativizando a estreita visão de outrora e abarcando um novo grau de horizonte de consciência. A história marcar-lhe-á a alma a ferro e fogo, para que tu crenças na medida do mar imenso e profundo que desbrava.


A guerra civil espanhola teve uma configuração muito importante. A  Alemanha e a Itália estiveram ao lado de Franco, porém a União Soviética manifestou-se a favor do regime republicano. A participação de anarquistas, comunistas (marxistas) e socialistas também foi de suma importância. A neutralidade da Inglaterra e a permissividade da França foram pontos graves.


Tratava-se duma guerra entre um lado tradicionalista (católico e monárquico), de tendências fascistas e outro lado de tendências mais laicas, dominado por uma mentalidade mais própria da modernidade ou até mesmo do socialismo ou do anarquismo. Um lado vendo o outro como intolerável.


Todos já sabemos o fim que levou. A vitória de Franco não seria estrategicamente um grande auxílio ao Eixo (Itália, Japão e Alemanha), todavia afastaria a Espanha duma posição energicamente contrária aos seus interesses. Já a União Soviética, neste tempo ainda sem seu gigantesco arsenal militar, não seria suficientemente capaz de sustentar uma revolução socialista ali com sua baixa capacidade produtiva e produtos fora do padrão de excelência que um dia conquistaria. Mesmo que se possa dizer que outra república socialista ser-lhe-ia de grande ajuda.


Uma luta tão multifacetada, tão demonstrativa das contradições históricas não pode ser ignorada por qualquer um que goste e queira estudar seriamente o mundo.

quinta-feira, 13 de julho de 2023

Acabo de ler "Vida de um homem: Francisco de Assis" de Chiara Frugoni

 



O que leva a um jovem de família burguesa, sobretudo um conhecido pela sua vida festeira, largar a riqueza e a vida boêmia e seguir o evangelho de Jesus Cristo da maneira mais radicalmente vívida possível?


Francisco de Assis é uma figura obrigatória, sendo referenciado por pessoas das mais diversas religiões e até mesmo por cristãos não-católicos. Um homem que tomou ações impensáveis e levou a uma imersão dialógica que a Igreja, por demasiado institucionalizada e petrificada, não poderia chegar.


Francisco quis, por muito tempo, ser cavalheiro e se envolveu em diversas tramas para adquirir tal posição. Porém ficaria marcado não como um burguês que virou nobre cavalheiro, mas sim como um burguês que ficou tão nobre que se tornou um dos maiores santos da história.


Poeta nato, teve várias lutas espirituais e viu todo um ataque estrutural por onde passava. Nem aqueles que entravam em sua ordem queriam segui-lo de fato. E a própria Igreja Católica conseguiu, pouco a pouco, arrefecer a potencialidade do seu projeto evangélico.


Esta não é uma biografia romantizada, ela demonstra a várias faces de um santo que também era um homem e todos os meandros dum mundo que não poderia compreendê-lo e nem abarcá-lo. Não caindo numa simples apologética, seja para com o próprio Francisco e tampouco com a Igreja Católica.


É sempre entusiasmante ler biografias de homens notáveis, é ainda mais notável quando lemos sobre um dos homens mais notáveis de toda a história universal.

sexta-feira, 24 de março de 2023

Acabo de ler "A Igreja no Brasil-colônia" de Eduardo Hoornaert

 



O livro, escrito por um sacerdote católico, traz uma abordagem bastante crítica da história da Igreja no Brasil colonial. Sendo bastante contundente, traz uma diferenciação entre o tratamento dados aos povos indígenas e aos povos africanos. Além de estabelecer diferenças entre as diferentes ordens e como atuavam dentro do território do Brasil colonial.


A missão da Igreja no Brasil se confundiu com os objetivos colonizadores portugueses muitas vezes, levando até mesmo a perda de seus critérios messiânicos e evangélicos em prol do empreendimento português. Um exemplo claro disso é a forma com que parte da sociedade requeria o trabalho escravo indígena e como se posicionaram as diferentes ordens católicas frente a esse posicionamento. Os jesuítas tenderam a desfavorecer essa iniciativa, já outras ordens se posicionaram com favorecimento dessa causa.


Por outro lado, houve uma diferença de tratamento bastante clara entre o indígena e o africano. O africano tendeu a ser abandonado a sua própria sorte e o indígena gozou do privilégio de algum respaldo das instituições religiosas. Houve também uma utilização maléfica da fé para fins de submissão, como um grande veículo cultural que implantava mensagens alienantes em prol da subserviência dos outros povos não-europeus. Diferenças de tonalidade de pele também foram usadas como critérios hierárquicos nas instituições eclesiásticas.


O mais interessante é que o autor da mensagem, bastante crítica para com a história da Igreja no Brasil, é um sacerdote e como ele se propõe a uma leitura imparcial e autêntica. Provando a capacidade modernizadora da própria Igreja Católica como instituição e como doutrina cristã.

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Transformei "A Palavra de Deus, Nossa Única Regra" de João Calvino em Audiolivro!




Olá, meus caros amigos. Estive a transformar mais um pequeno livro em audiolivro. Com a intensão de expandir a playlist cristã do canal, peguei um pequeno livreto de João Calvino. Como o outro livro cristão era de um autor católico (Raimundo Lulio), optei dessa vez por um autor protestante consagrado. Mais uma importante "produção" do projeto Latir contra os Grandes.

No livro em questão, Calvino fala sobre a Palavra de Deus em contraste com as tradições humanas. Há críticas direcionadas aos chamados judaizantes (cristãos que assumem tradições judaicas) e aos católicos (também chamados de papistas). O livro também aborda a questão da pureza de coração, que torna tudo puro.

Veja em fragmentos no YouTube:

Ou veja num único áudio no Spotify:

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

TRANSFORMEI "O LIVRO DA INTENÇÃO" DE RAIMUNDO LULIO EM AUDIOLIVRO!

 



É com prazer que anúncio que acabo de transformar mais um livro em audiolivro. Sinta-se convidado(a) para ouvi-lo no Spotify ou no YouTube pelo canal "Latir contra os Grandes"!

Nesse livro, Raimundo Lulio trabalha sobre o ordenamento da vida em si e como mortificar os maus gostos e ascender na aspiração das coisas celestes. Um livro excelente a quem busca um maior relacionamento com o divino. Um grande clássico teológico da Idade Média. O livro poderá ser ouvido em estado completo no Spotify e em fragmentos no YouTube.

Spotify:

YouTube:

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Prelúdios do Cadáver #10 - Bissexualidade, Conservadorismo e Cristianismo

Texto publicado em 30/08/2018


Estou no Contra os Acadêmicos desde que vi o Vitor Matias anunciar o grupo. Quando entrei, em meu perfil antigo, o grupo não tinha nem cem usuários se não me engano. Vejo que a sexualidade é um importante assunto no grupo, quase nunca comentei nada nesse longo tempo que estou aqui e, então, agora resolvi falar um pouco de minha orientação sexual, de minha religião (cristã) e do movimento LGBT.

Esclareço, desde já, que isso não é uma apologética ao movimento LGBT e também não é uma apologética ao movimento anti-LGBT. Essa minha "argumentação" mais parece uma confissão de uma pessoa enlouquecida com a própria condição que lhe foi posta e que fica oscilando entre o bissexualismo e o heterossexualismo forçado. E ficando-se com a questão: é mais natural seguir meus impulsos e ser plenamente bissexual ou viver numa luta interna para reprimir meu lado homossexual e viver numa heterossexualidade forçada?

Sou bissexual. Minha orientação sexual é motivo de angústia para mim e para meus familiares. Meu desejo sexual é, para mim, um pecado que não consigo me retirar. Resumidamente: minha sexualidade é uma maldição. Muitas vezes, caio numa contradição brutal: quero e não quero ser bissexual. Por vezes, tomo a minha orientação sexual por natural; por outras, como inatural e pecaminosa. Sei que nasci com ela, não sei o que fazer com ela. É-me uma sorte ser bissexual, pois assim posso ignorar uma “parte de mim” e ter uma “vida normal”. Todavia estou sempre em contradição comigo mesmo: nunca sei o destino que tenho que dar a minha orientação sexual.

Como disse, eu oscilo demais. Muitas vezes, há um instinto que me leva a pensar que devo achar a minha orientação sexual normal e cometer atos sexuais que me são, ao mesmo tempo, uma gratificação e um pecado mortal. Noutras vezes, uma razão ressoa alertando-me para que eu não pratique a sodomia. Vivo na constante exitação, ora achando o bissexualismo normal, ora achando-o doentio.

Sou bissexual e quem está a me acompanhar há um bom tempo sabe disso. Houve um tempo em que eu falava de minha sexualidade abertamente, hoje quase nunca falo – falei recentemente, mas para atacar argumentativamente um militante LGBT. Isso, minha omissão a respeito de minha sexualidade, acontece por causa de meus desentendimentos para com a “tribo urbana LGBT”. Não quero ser associado a superficialidade e militância que ela, a tribo urbana LGBT, faz. Então prefiro não falar de minha orientação sexual pois evita qualquer tipo de estereotipação.

Escrevi “tribo urbana LGBT” ao invés de “comunidade LGBT”. Há uma razão para isso: existe dentro da comunidade LGBT uma tribo urbana LGBT que tem a sua própria gíria, a sua própria pauta e o seu próprio modo de ser e de se vestir. Como acho tosco a tribo urbana LGBT e odeio as suas imposições, prefiro não tomar partido falando de minha sexualidade abertamente. O fato é que, como toda tribo urbana, ela é uma seita composta por uma microideologia.

Por que uma seita e por que uma microideologia? Fácil. Uma seita pois ela isola-se em si mesma, não permitindo o contato com pessoas fora de sua bolha. Como toda bolha, ela é agressiva com desertores e contra pessoas que não se encaixem nela. Uma microideologia pois a mesma releva-se em sua particularidade, a pauta LGBT, e tenta suas ações baseadas nesse microcosmo. Tal como o movimento negro é uma microideologia, o movimento feminista também é uma microideologia, o movimento LGBT também deve ser considerado uma microideologia.

O pecado distorce a visão. Como cristão, não sei como enxergar a minha orientação sexual. Sei que, desde novo, tenho-a como fiel acompanhante. Se a minha orientação sexual de fato é um pecado e o pecado corrompe a visão, como posso enxergar a Verdade? Sempre acabo caindo instintivamente no desejo pelos dois sexos. Sempre que penso em combater o LGBTismo, penso que estou a combater a mim mesmo. No fim, sempre acabo por realizar a minha perversão.

Como cristão, não sei qual argumentação teológica devo seguir. A minha orientação sexual é um dos motivos pelos quais oscilo entre o catolicismo e o protestantismo, aplicando ora uma modelo tradicional, ora um modernista que compactue com a minha sexualidade. Frequento a missa semanalmente e ainda fico para o grupo de jovens. Sinto-me, então, um hipócrita perdido na tibiez. O fato é que nunca poderei ser plenamente católico se eu continuar assim.

Sobre a “cura gay”, já ouvi relatos de homossexuais que queriam ser, no mínimo, bissexuais para poderem engravidarem uma mulher e terem filhos. Também vi muitos que queriam serem heterossexuais pois não gostavam do comportamental dos outros homossexuais.

Os chamados “grupos homossexuais ou LGBTs”, sejam eles virtuais ou reais, são imersos numa promiscuidade, numa liberalidade e numa superficialidade que faz com que certos membros da comunidade LGBT sintam-se enojados consigo mesmos e com o restante da comunidade. O sexo fácil é, para todo integrante da comunidade LGBT, não um mero jargão e sim uma prática incrivelmente documentada pela internet indicando vários “points de pegação”; tal liberalidade sexual é muito equidistante da liberalidade heterossexual. Dito isso, é natural ficar enojado com tamanho indiferentismo para com o afeto. O sexo puro não é sinal de liberdade, mas sim dum impulso bestialógico que escraviza corpos e almas. Então, em minha sincera opinião, querer ver-se livre duma comunidade tão bestializada pelos impulsos é muito natural e, até mesmo, uma virtude.

Se eu pudesse escolher, não seria bissexual. Sempre tratei a minha parte homossexual com uma profunda angústia e arrependimento. Sempre que praticava a sodomia, sentia-me abismado e cortado ao meio. Minha consciência moral diz-me que estou a praticar um ato criminoso, um ato imoral. Para mim, minha sexualidade não é motivo de orgulho e sim de dor e sofrimento.

Já tentei falar com minhas psicólogas sobre a sexualidade, elas tomaram como algo natural e que devo agir “naturalmente” com a minha orientação sexual. Muitas vezes, como já escrevi, entro por essa linha de raciocínio. Por outras, culpo-me.

Dito tudo isso, esse é um dos meus maiores dramas existenciais. Uma questão que resumir-se-ia no “Ser ou Não-ser: eis a questão!” de minha existência. Deixo, convosco, as admoestações e argumentações a respeito disso. Agradeço, antecipadamente, a todos que lerem e que responderem essa publicação.

terça-feira, 19 de abril de 2022

Acabo de ler "O Inconsciente" de Rudolf Allers

 



Pensar a partir de diferentes pontos de vista pode ser uma tarefa difícil, sobretudo para aqueles que se enraízam num modo de pensar. Só que é sempre importante uma abertura, sobretudo para aquele que quer pensar com real liberdade - o condicionante é o que afeta a liberdade de inteligir.

Esse é o primeiro texto que leio de Rudolf Allers. Ele foi algo de diferente, já que o autor tem um posicionamento contra Freud, porém me abriu espaço para um entendimento maior da própria obra de Freud. Rudolf Allers fez parte do primeiro grupo do fundador da psicanálise, é por isso que suas críticas são, para mim, de vital importância. Embora eu tenha visto um caráter religioso como "fator afetante". Allers afastou-se de Freud tal como Alfred Adler. Outro dado importante: Allers foi mestre de Viktor Frankl, figura intelectual que me é de maior referência.

O que se pode dizer do livro? Allers critica a forma que Freud vê o mundo, talvez por causa do catolicismo e, por outro lado, pela sua percepção da teoria do inconsciente sendo encontrada - mesmo que sem maior capacidade teorética - em outros pensadores bem mais antigos que Freud. Ele vê um caráter inovativo na obra de Freud, só que não o vê como absolutamente novo. Mesmo que a teoria antiga do inconsciente não seja tão bem formada como a de Freud. Uma de suas principais críticas a Freud e Jung, por exemplo, está na postura naturalista - por excelência, antirreligiosa - que relativiza o grau de verdade religiosa (Jung) ou mesmo "exclui o pensamento religioso" (Freud).

Mesmo não sendo tão apegado ao pensamento religioso de forma confessional ou até mesmo relativizando a religião como adesão subjetiva, vejo que Rudolf Allers consegue explicar com certa clareza as ideias de Freud e elegantemente tentar refutá-las utilizando-se de seu arcabouço erudito. Não só isso, compreendi mais Freud e a psicanálise com a ajuda dele e nisso lhe sou grato.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Acabo de terminar o curso "A Cristandade Medieval" de Carlos Nougué

 



A lógica catedrática que representa o profundo sentido da Idade Média é algo que fugimos, não só pelo horror que temos de coisas que consideramos fantasiosas. É também pelo simples fato de que tal padrão de vigor não é encontrado em nosso tempo atual em larga escala. Foge-se não só pela pequenez, foge-se igualmente pela grandeza.

Pressupor que somos superiores é ir contra o passado, só que num nível meramente reativo. Obscurece-se dada imagem para que ela não nos atordoe, leva-se a um nível em que a imagem obscurecida não pode mais ser levada a sério. Assim se conquista, através de gerações de alienidade, uma coisa de valor abjeto: desprezo pelo o que não se superou. Não por acaso, os filósofos do medievo tinham um grau técnico e harmonia lógica que hoje, com todo nosso aparato científico e pedagógico, não conseguimos superar.

A catedral é mais do que algo arquitetônico no sentido físico do termo, é um esforço arquitetônico de ordenabilidade em que o ser se eleva. Criar sistematicamente, progredir até os mais altos céus, esse era o lema do medievo e construções de nível abismal como a Suma Teológica e a Divina Comédia trazem esse significado.

Como sempre, impressiono-me com o grau que Carlos Nougué consegue colocar as coisas. Aspirando sempre aquilo que há de mais alto, não se deixando anuviar pelo o que há de supérfluo. Um grande curso que me ensinou o valor da busca diária pela elevação intelectualizante.

quinta-feira, 24 de março de 2022

Verdetextomania #1 - MEU DEUS DO CÉU, COMO EU ODEIO TEOLOGIA!

 


>abra um livro de um teólogo

>comece a ler

>"pô, que legal o pensamento teológico"

>frases legais, maneiríssimas

>de repente, uma citação

>aparece um número: "1", "2", "3"

>cada um desses números fazem referência a um capítulo e versículo da Bíblia

>"lá vamos nós, né, mêo?"

>abre a sua bibliazinha

>procura o capítulo

>procura o versículo

>lê

>menos de dez palavras depois, outra citaçãozinha da Bíblia

>"ah, mas ele vai citar a Bíblia diretamente, não é?"

>NÃO

>vamos lá, pega a Bíblia de novo

>a primeira citação foi ao antigo testamento

>essa é do novo testamento

>vai lá, vamos pro Novo Testamento, lê o versículo

>"ah, mas eu não entendi direito"

>lê todo capítulo então, por que não?

>volta pro livro do teólogo

>menos de cinco palavras depois, outra citação

>"ah, tá muito chato esse negócio de abrir a bíblia o tempo inteiro"

>beleza, pega a Bíblia do app do seu celular

>mas eu não tenho a Bíblia no meu celular

>baixa lá o aplicativo

>pô, mas o livro bíblico citado não aparece no aplicativo da Bíblia

>você baixou a Bíblia protestante, baixe a Bíblia católica

>leia o capítulo e o versículo

>na Bíblia do celular é mais rápido

>foi mais rápido, né?

>tá pegando o jeito, safadinho

>você passou da primeira página do livro do teólogo

>agora pega a segunda página

>sete citações indiretas a bíblia

>você olha no campo de referências

>elas indicam cada capítulo e versículo específico

>você terá que ir no seu celular de novo

>vai e olha cada um

>dez minutos depois, você sai da segunda página após ter lido cada capítulo da Bíblia citado indiretamente

>faça isso na terceira, quarta, quinta, sexta página

>meu Deus do céu, que burocracia sem fim

>uma hora e meia de leitura

>você só leu dez páginas do livro

>"por que esse santíssimo autor não citou a Bíblia diretamente?"

>"ah, ele é um erudito na Bíblia, né, mêo?"

>você acaba desistindo do livro do seu querido teólogo

>você joga álcool no livro

>você queima o livro

>você para tudo após xingar o autor mil e quinhentas vezes

>agora você vai lá e assiste um anime

>é menos burocrático, é mais fácil

SIM, EU ODEIO TEOLOGIA!

sábado, 29 de janeiro de 2022

Éramos dois, e daí?

 Você me contava do seu desejo de virar socióloga. Era de esquerda juvenil, adolescente lutando contra o tédio. Tão desafiadoramente bonita quanto inteligente e simpática. Revelei a ti o meu amor quando já era tarde, tinha vergonha metódica de mim e não queria lhe envergonhar com minha obscura imagem social. Por um momento, éramos dois, mas depois de alguns meses, já não éramos nada.


Eu te diverti com meu humor adolescente de anarquista niilista e rebelde sem causa. Pagando-lhe bebidas na esperança que transfigurasse a sua lesbicalidade e bissexualidade. Me aproximando com distâncias calculadas e passos patéticos que geraram tragédias insensatas. Eu sumi por sete anos, em crises sem fim, falei-lhe que era teu amigo, mas e daí? Eu sumi. Sumi e voltei transfigurando proximidade em distância abjeta e sem explicação sensata.

Você jogava videogame em minha casa. Na doce infância era tão bom, só que eu era idiota e inadequado demais para a pré-adolescência. Como consequência de meu desenquadro, criei em você a vergonha que lhe permitiu o afastamento adequado. Éramos dois, e daí? Daí que sumi sem nunca mais falar contigo. Daí que lhe achei um cara que preferiu a sociedade a amizade dourada.

Nos pegamos três ou duas vezes. Dormi contigo, em teu quarto. Sua mãe trouxe pizza, sem pensar em sexo homossexual de dois caras bissexuais que não davam pinta de nada. Éramos dois, éramos dois amigos e coloridos adolescentes numa época de liberalidade sexual. Quem você é agora? Você se assumiu ou ainda isola o fato sexual de sua família com ocultamentos constantes de sua inconstância inata?

De pastor você foi a ateu convicto. Íamos ao puteiro em apostasia à faculdade. Conversávamos muito. Você voltou a ser pastor, traiu o puteiro, o anarquismo, o ateísmo e a mim. Éramos dois, e daí? Daí que nunca mais falamos e eu até hoje não me lembro de seu sobrenome.

Eu era tão católico quanto um católico deve ser. Num retiro vocacional buscando irmão ser. Te vi algumas vezes em conversas doutrinais que foram fáceis de esquecer. Lia "Ordem Nova", o reacionarismo era moda, a monarquia voltava em mentes e não em regimes. Sempre quis te comer, sobretudo quando bebíamos na igreja. Eu fiquei sabendo, você beijou garotas e eu beijei rapazes. Éramos perfeitamente heterossexuais e completamente bissexuais.

Em Santa Catarina foi um horror, afastado da família e da cidade que morei com louvor. Identidade em choque em novo mundo cultural. Você foi padre, agora era homossexual e casado. Eu? Eu era o cara que ia em retiros vocacionais e militava no movimento negro. E mesmo você sendo casado com outro homem, desejei que fosse meu próprio homem. Treinamos juntos, sugeri poliamor e um dia no pós-treino você me chupou. Eu fui pra São Paulo, você lá permaneceu. Ficou onde fui, para permanecer de onde era. Eu voltei pra São Paulo, para permanecer de onde vim. Éramos dois, e daí? E daí que ainda penso em você.

Eu lia Olavo de Carvalho, você lia Nietzsche. Eu era Apolo e você era Dionísio. Só que eu tinha um Dionísio oculto e você tinha um Apolo oculto. Pegamos duas mulheres, mas quando a pegamos, uma das duas não estava presente e nem conhecíamos a outra que estava por vir. Pegamos a mesma flor e depois a outra flor, em perfeita conformância com a igualdade do sabor. Você me apresentou a social, eu te apresentei a transexual. Você me apresentou a Dionísio e eu te apresentei ao tradicionalismo. Éramos loucos sem tirar e nem pôr, talvez seja por isso que você foi um dos únicos que ficou.

domingo, 24 de outubro de 2021

Acabo de ler "Dante Alighieri - o Poeta Filósofo" de Carlos E. Zampognaro.




    Acabo de ler "Dante Alighieri - o Poeta Filósofo" de Carlos E. Zampognaro.
 
    A pergunta que sempre se faz acerca de Dante é: "quem era esse homem?". E a resposta habitual é: "um grandioso poeta" e, aparentemente, isso basta como classificação a um homem tão conhecido como desconhecido. Posso dizer que, hoje, conheço mais Dante do que outrora conhecia.

    Dante, meus amigos, não era somente um poeta. Ele era um homem de vasta erudição e um erudito que não se afastava do povo e de sua simplicidade. Várias vezes, Dante foi um "democrata" que levou filosofia para aqueles que não sabiam latim - língua intelectual utilizada amplamente por acadêmicos, conquanto que desconhecida pelo povo mais humilde. Dante, além de ser uma pessoa que se aproximava do povo, não fez só isso: ele foi um grande linguista que defendeu a língua popular. Quis estar ao lado do povo.
 
    Dante foi profundamente cristão. Só que não era daqueles cristãos puristas que queriam uma literalidade cristã pura e sim um cristão com grande capacidade de entender obras de "pensamento pagão" - leia-se: obras do período pré-cristão - e, até mesmo, concordar com elas em múltiplos pontos. Dante foi um teólogo de marca maior e um filósofo profundamente filosofante. Dante não era um teólogo por pura intelectualidade, mas por profunda crença e por profundo amor. Dante não foi filósofo por pedantismo, mas por amor real ao conhecimento e por busca real pela verdade - até mesmo pela verdade mais inconveniente.
 
    Dante, sendo alguém de nobreza, nobreza como realidade atitudinal e não como mera herança de sangue, foi perseguido a vida toda e defendeu a pauta da separação da Igreja do Estado. Graças a isso, viveu a vida como exilado, só que mesmo exilado não se entregou a uma posição acovardada que aceitava por medo aquilo que discordava. E é por essa série de coisas que hoje eu gosto mais de sua obra e não só de sua obra: gosto também de sua pessoa, de como ele foi como humano.

sábado, 16 de outubro de 2021

Acabo de ler "Sobre o Desapego" do Mestre Eckhart.




Acabo de ler "Sobre o Desapego" do Mestre Eckhart.

Esse livro só ressalta um ponto teológico que já tinha em mente há algum tempo: Fé é Desordem, ao menos inicialmente.

O mais incrível desse livro é que ele faz o seu discurso teológico elencando não a humildade como principal virtude, mas o desapego. O autor realmente defende o desapego acima da humildade e até mesmo do amor. A forma com que faz isso é genial e brilhante.

Se Deus é infinito e absoluto, nada pode retê-le. Se nada pode retê-lo, e o homem tem como objetivo principal de vida reter o seu Criador, então ele deve adquirir partículas de Deus. Só que aí vem o problema: se Deus é infinito, se Deus é tudo, tal abertura não é uma abertura que se faça momentaneamente: aquele que quer abraçar a Deus, deve abrir-se infinitamente. Daí vem a natureza desordenada do estudo teológico: aquele que quer a Deus, deve buscá-lo eternamente. O estudo teológico abarca o absoluto por querer abarcar a tudo e só pode abarcar a tudo aquele que se abre a tudo.

Para o estudo teológico, não há contingencialidade adequável, já que o ser deve se abrir ao ser que lhe que é inabarcável. É próprio do diálogo com Deus ser o diálogo com o Outro, já que Deus é o Outro em absoluto: a convivência com Deus é, em si, abertura permanente para esse Outro que é o Outro absolutamente. É incrível que tal percepção encontrava-se na obra de Gustavo Corção ("A Descoberta do Outro").

Sei que alguém dirá: "como a fé é desordem se o fim da fé é a ordenação da alma?". A alma ordena-se na medida em que abarca o infinito, logo o primeiro impulso da fé não é o universo já inteligível, mas aquilo que se deve inteligibilizar. O que marca a fé é a desestruturação do pensamento pela abertura epistêmica que, em primeiro lugar, causa desordem e só depois causa uma adequação ordenadora que deixa o ser, enfim, aliviado momentaneamente. É o desapego, seja a nível doutrinal ou em qualquer outra instância, que abre o ser ao absoluto. Fé é desordem e só a contínua abertura desordenada pode ordenar o homem.

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Acabo de ler "Como se Levanta um Estado" de Oliveira Salazar



     Acabo de ler "Como se Levanta um Estado" de Oliveira Salazar.


    Isso é apenas a análise de um livro e de um pensamento. Não estou defendendo coisa alguma - e muito menos defenderia uma ditadura.


    Poder-se-ia dizer que a crítica do integralismo ao nazismo, ao comunismo e ao fascismo está na natureza totalitária que esses regimes possuem. O integralismo, ao contrário do senso comum, possui aspecto autoritário e não totalitário, isso decorre de sua natureza corporativa que reconhece outros poderes além dos seus. Há, então, uma fragmentariedade do poder e não uma totalidade absoluta do poder que caracterizaria o totalitarismo que é, como já diz o próprio nome, totalitário.


    A crítica ao sistema democrático do integralismo se dá de outra forma: a democracia é tão fragmentária em seus interesses que começou a criar vários polos de fragmentos que, por sua própria natureza fragmentária, impossibilitam a condução política. Para o integralista, o poder deve ser autoritário para que haja real liberdade. Visto que, na ordem democrática, o poder se paralisa ante aos vários fragmentos que brigam entre si. E se o resultado do dogma liberal "não há liberdade contra a liberdade" leva a própria autoanulação dessa mesma liberdade, a crítica de Salazar poderia se dizer certeira.


    Se a liberdade democrática se divide em múltiplos poderes partidários e esses múltiplos poderes partidários tornam incapaz a própria realização de qualquer um desses múltiplos poderes partidários... Não há liberdade democrática, já que ela é processualmente contraditória consigo mesma. Essa é a hipótese salazarista. Salazar buscou em seu livro defender o valor do trabalho, atacar a plutocracia, defender a família e sua subsistência, a religião, a virtude e o a nação. Sua mentalidade antiliberal e antissocialista é hoje, para maioria de meus contemporâneos, uma incógnita e um caminho até mesmo impossível. De qualquer forma, gostei de ler o livro.

terça-feira, 17 de agosto de 2021

Acabo de ler "A Cruz Azul" de Chesterton


 "— Você atacou a razão — disse o Padre Brown. — Isso é má teologia"


    Acabo de ler "A Cruz Azul". Esse é o primeiro conto em que o Sherlock Holmes católico, o Padre Brown, aparece. Ele descobre tudo mais pela introspecção sobre a natureza humana do que por uma metodologia científica - apesar de não negá-la. 


    Na teologia cristã, até a onipotência divina obedece a lógica. E isso se dá por uma razão precisa: a esperança superará o desespero por causa da esperança ser um fim supremo e a desesperança ser só a privação da esperança. A aparente desordem será um dia compreendida e quem crê em Deus crê na ordem, mesmo que esteja na mais profunda noite do espírito, na mais profunda depressão: um dia tudo há de ser salvo. E a salvação da criação é o mais profundo desejo cristão. É por isso que tudo nesse conto não parece ter sentido até chegar ao final. E no final tudo é salvo, tudo é ordenado, por uma boa razão: o fim da humanidade é retornar ao Jardim do Éden, para viver o paraíso da perfeita plenitude.


    Poderia dizer muitas coisas, mas seria privar esse magnânimo conto de falar por si só:


"— Ah! Sim, esses infiéis modernos apelam para a sua razão; mas quem seria capaz de olhar para aqueles milhares de mundos e não sentir que podem existir universos maravilhosos acima de nós, onde a razão é completamente irracional?"


"— Não — disse o outro padre —, a razão é sempre racional, mesmo no último limbo, na fronteira perdida das coisas. Eu sei que as pessoas acusam a Igreja de desvalorizar a razão, mas na verdade é o contrário. Sozinha na Terra, a Igreja torna a razão realmente suprema. Sozinha na Terra, a Igreja afirma que o próprio Deus é limitado pela razão." 


"O outro padre ergueu a face austera para o céu cintilante e disse: — Além disso, quem sabe se naquele universo infinito?..."


"— Infinito apenas fisicamente — disse o pequenino padre, voltando-se com energia energia em seu banco —, não infinito no senso de escapar das leis da verdade"


    O que há de se afirmar é que: o ser é. O sofrimento terá fim. É isso que aprendi com esse conto. O fim é a ordem suprema. O mal acabará. Essa é a razão da esperança e do caminhar. Essa é a fé cristã: o fim de tudo é a felicidade.

sábado, 14 de agosto de 2021

Acabo de ler "O Carisma de São Domingos"

 


"Sua cela é o mundo, e o oceano é o seu claustro"

Mateus de Paris


    Acabo de ler "O Carisma de São Domingos" do Frei M. D. Chenu OP


    Ler um livro - ou, nesse contexto, um livreto - que trata da história da Igreja e a forma como que ela se organiza ou se organizou é sempre um trabalho grato. Já que não ensina tão apenas uma erudição vácua, mas uma possibilidade real de aprendizagem não só histórica, como também evangélica.


    A imagem de Igreja meramente estática é perfeita e cabível para quem não conhece a sua história. Sim, a Igreja é sempre estática, mas também é sempre nova. Ela é algo sempre velha e sempre nova. Já que o Cristo é o mesmo, mas o homem que caminha com ele é sempre outro. Escrevi em uma de minhas anotações acerca desse pequeno livreto que: tradição é caminhada. E creio que essa frase possa dizer que tradição é transmissão e até mesmo expressão. A tradição não é uma mera expressão ritualística, ela é também uma ideia que pode assumir até mesmo outra forma de ritual. Visto que a essência da tradição é a ideia. E o contato e relação da ideia com o mundo é sempre renovado com uma nova forma de expressão.


    Chesterton define o movimento dos frades como algo revolucionário na sua biografia sobre Santo Tomás de Aquino. O antigo religioso construía o seu mosteiro longe do povo para viver em intensidade evangélica e vivia numa rígida hierarquia. O novo religioso viverá ao lado do povo para convertê-lo, o novo religioso será dinâmico e menos hierárquico. O novo religioso acrescentará o voto de pobreza ao lado do voto de castidade e obediência. Coisa que será encarada como uma forma de heresia e tentará até se proibir, mas logo se foi aceita essa "revolução religiosa". Chesterton diz graciosamente que se tornar um frade era como se anunciar comunista - ao menos para efeito cômico, alegórico e poético. Só que tal piada tem um fundo de verdade amplo e histórico. Os frades eram reformadores sensatos e compreenderam a necessidade histórica. São Francisco e São Domingos são sempre exemplos clássicos por sua eternidade e beleza. Sua "revolução" é eterna, já que é assentada em Cristo Rei.

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Terminei de ler "Fé Cristã, Razão e Secularismo: uma síntese do pensamento de Joseph Ratzinger"

    Terminei de ler "Fé Cristã, Razão e Secularismo: uma síntese do pensamento de Joseph Ratzinger" escrito por Heber Ramos Bertuci.


    A teologia que é o discurso sobre o divino é algo que sempre houve, houve até mesmo antes do surgimento do cristianismo, mas que é característica distinta da religião cristã devido a sua qualidade, quantidade e intensidade. O cristianismo desde o seu nascimento buscou a aproximação com a filosofia, sempre fusionando a mentalidade grega com a hebraica. Tal caldo cultural possibilitou o surgimento do discurso cristão enquanto tal. Apesar das constantes brigas e intrigas: o cristianismo é uma religião intelectual e sempre o foi. 


    Poder-se-ia dizer várias razões para se falar da intelectualidade cristã, mas deveríamos visar em primeiro lugar o básico. O que são as "religiões do livro"? São as três religiões abraâmicas: judaísmo, cristianismo e islamismo. Nessas religiões, só se é possível ser verdadeiramente fiel se se for alfabetizado. Decorre-se desse fato a necessidade de se alfabetizar para se religiosizar. Já que todas essas religiões requerem a leitura de seu livro religioso. Começa-se a partir daí o desenvolvimento intelectual cristão: o contato com a sua religião depende da leitura de um livro. Só que quem quer se tornar mais cristão, inserir-se-á num esforço erudito de leitura comparada acerca de sua religião. A meditação cristã é, também, caracterizadamente intelectual: lê-se e reflete. É por isso que as pessoas cursam teologia, estudam teólogos, leem comentaristas bíblicos, estudam história da Igreja, buscam entender a vida de grandes santos. 


    Os primeiros cristãos entregavam-se a apologética (defesa da fé) já de maneira intelectual. A própria noção de teologia cristã é assim dita: 

"Assim, a Fides et Ratio conceitua que a teologia no sentido cristão: trata-se da '... elaboração reflexiva e científica da compreensão da palavra divina à luz da fé...'". 

    O cristianismo nunca se furtou ao debate intelectual e sempre produziu grandes intelectuais. E a doutrina cristã sempre se ampliou e ainda se amplia em constante evolução intelectual.

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Acabo de ler: "Os Estudos na Ordem Dominicana"

 “In dulcedine societatis quarere veritatem"

(Na suave harmonia de uma comunidade fraterna, procurar a verdade em um estudo constante)




    Acabo de ler "Os Estudos na Ordem Dominicana" de Frei Carlos Josaphat OP.

    Esse "livreto" de 32 páginas foi a minha leitura diurna de hoje. Estou realmente feliz por ter entrado em contato com esse pequeno documento. Ele era a porta que eu precisava para entender a Ordem dos Pregadores (vulgo Ordem Dominicana). A forma com que essa ordem se liga a um exercício constante de estudo e de oração, em que cada convento é em si uma "escola", demonstra que o mundo ainda pode ter locais de contínua edificação. Usualmente estamos presos a rotinas emburrecedoras que têm a educação como algo meramente utilitário para a vida - e talvez até dispensável. Não se estuda porquê o estudo é também vida, mas sim por alguma razão utilitária - ascender a algum cargo, ter algum diploma ou conquistar alguma coisa. Os dominicanos têm uma relação mais pura com a vida intelectual e isso me encanta bastante.


    "Uma Ordem religiosa, uma comunidade que tendesse à perfeição evangélica, mediante a consagração da inteligência e fizesse do estudo sua grande ascese, nascia, portanto, como uma aspiração e uma exigência da Igreja, plenamente e em boa hora compreendidas por um grande Santo" 

    A Ordem Dominicana é muito interessante em muitos aspectos, só que é caracterizadamente intelectual. E sua inteligência é algo visto na amplitude de seus membros, todos dedicados a vida intelectual. O próprio convento é, em si, um local edificante: faz-se que se tenha tempo para o estudo e o estudo é élan vital da Ordem. A Ordem Dominicana é cheia de cursos e intelectuais. Um recanto de sabedoria e inteligência num mundo pouco amante da sabedoria e da vida intelectual como o nosso. Amar o estudo, consagrar-se ao estudo, é cumprir não só uma vocação puramente humana, mas também divina. O dominicano não pode ser só em coração dominicano, mas também em inteligência. Por tudo isso, a Ordem Dominicana é amável e, não só amável, como perfeitamente desejável e um exemplo de vida e inteligência para todos.