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terça-feira, 12 de agosto de 2025

Acabo de ler "Teoria Geral do Estado e Ciência Política" de Cláudio e Alvaro (Parte 19)

 


Nome:

Teoria Geral do Estado e Ciência Política


Autores:

Cláudio de Cicco

Alvaro de Azevedo Gonzaga


Em um Estado democrático, de ímpeto descentralizado, a atuação dos corpos intermediários é de salutar importância. Esses grupos intermediários, por sua importância, recebem o princípio de subsidariedade. Em outras palavras, quando não conseguem desenvolver as suas atividades plenamentes, o Estado atua para reestabecê-las devido a sua importância social. O Estado deve ajudá-las, mas nunca absorvê-las.


Grupos intermediários:

— Família:

- Célula mater (mãe) da sociedade;

- Função prociativa e de imersão de novos membros no corpo social;

- Estado atua para impedir a carência da família.

— Escola:

- o Estado deve regulamentar as escolas para que se adequem ao bem comum;

- Todavia o Estado não pode controlar totalmente as escolas e nem interferir nas escolhas dos pais.

— Empresa:

- Produção de bens, capital, trabalho e matéria prima;

- Empresa, profissão e trabalho são importantes para a sobrevivência e desenvolvimento da sociedade;

- O Estado intervém para o desenvolvimento das empresas, mas também para o progresso social e econômico dos operários.

— Organizações Profissionais:

- O Estado Liberal: tentou abolir;

- O Estado Fascista: tentou controlar;

- Pessoas do mesmo ofício e profissão que possuem o interesse comum de uma organização de caráter corporativo;

- O Estado como subsidiário para garantir o bem comum.

— Igreja:

- Em muitos períodos da história, Estado e Igreja se confundiam, muitas vezes se tornando a mesma figura;

- Interesses religiosos e políticos muitas vezes ainda se confundem;

- O Estado deve ser laico (neutro), mas não laicista (hostil a atividade religiosa).

sábado, 9 de agosto de 2025

Acabo de ler "The Conservative Mind" de Russell Kirk (lido em Inglês/Parte 4)

 


Nome:

The Conservative Mind


Autor:

Russell Kirk


O conflito que Russell Kirk vê em sua época é o conflito da antiga moral (Revelação e Razão) com a moralidade revolucionária. Para aqueles que não aderiram a modalidade revolucionária, havia um Deus que era o autor do ser e arquiteto da ordem. Para os revolucionários, a sociedade poderia ser gerida e transformada através de princípios científicos (engenharia social).


Burke acreditava que ou a ordem nos cosmos é real ou tudo é puro caos. Ele tinha um instinto conservador. Se a ordem estava ligada a uma noção divina, deveríamos tomar cuidado com o que pensamos a respeito da estrutura da sociedade. Nós nunca penetramos na totalidade do mistério da ordem divina, nunca compreendemos a totalidade do Criador. Vemos o agir da Providência, tentamos entender a direção do cosmos, mas não conseguimos abarcar nada disso por inteiro. O universo é complexo demais para nossos anseios. E a ordem necessita de uma consagração.


Burke via que existia uma lei no universo. Essa lei era criação de uma mente divina. As outras leis, as leis humanas, são apenas manifestações imperfeitas dessa mesma lei. A lei de Deus é a lei original, como também é a justiça divina e nenhuma comunidade é portadora dessa lei e dessa justiça. Nenhum homem pode alcançar essa perfeição que é reservada tão somente a Deus, o coração do homem não é a fonte da justiça, mas a fundação e fonte do mal.


A solução para se guiar no mundo é a prudência — filosofia clássica — e a humildade — princípio cristão. Um homem deve buscar a paz espiritual e uma sociedade deve buscar a ordem permanente.

sábado, 5 de outubro de 2024

Acabo de ler "Teologia do Domínio" de Eliseu Pereira (Parte 1)

 


Nome:

TEOLOGIA DO DOMÍNIO: UMA CHAVE DE INTERPRETAÇÃO DA RELAÇÃO EVANGÉLICO-POLÍTICA DO BOLSONARISMO


Autor:

Eliseu Pereira


Um plano de projeto hegemônico tem uma fundamentação: as principais esferas estratégicas da sociedade. É dominando as esferas estratégicas da sociedade que se pode, por fim, dominar toda produção cultural da sociedade e assim moldá-la. Isto é, refazer a sociedade em uma configuração que fortaleça o poder do grupo que quer dominá-la.


O fenômeno do crescimento demográfico dos evangélicos e o seu poder crescente não é um assunto novo no campo das ciências sociais e religiosas. Muito pelo contrário, existe uma ampla análise desse processo que estamos vivendo. A singularidade apresentada nos últimos tempos foi a eleição de Jair Messias Bolsonaro, visto que até aquele ano nenhum candidato tinha conseguido unificar as expectativas das grandes massas religiosas.


Foi com Bolsonaro que os evangélicos se catapultaram para o centro político nacional. O anseio político religioso de muitos cristãos mais à direita não constitui uma novidade. Já não é novidade o medo ou o desgosto que muitos exibem para com o humanismo, a mentalidade conspiradora em relação ao comunismo e o anseio de criminalizar o debate político para fins de autopreservação.


O discurso dos evangélicos bolsonaristas não advém unicamente da teologia do domínio (TD), ele vem com um "pack". Esse "pack" é o da teologia da prosperidade (enriquecimento) e o da batalha espiritual (o que representa não uma batalha espiritual no estilo clássico, mas um cerceamento em relação ao mundo, as várias ideias e a qualquer objeto ou pessoa que se furte a lógica de seita). 


Esse fenômeno não é só nacional. A teologia do domínio é uma velha conhecida nos EUA. A sua relação com a eleição de Reagan e, mais recentemente, de Trump chega a ser até mesmo escandalosa. É evidente que existe uma "missão cristã" dentro da política brasileira – cristãos são, como qualquer outro grupo humano, um grupo que possui aspecto político. O aspecto político – presente em qualquer agrupamento humano – tem pautas próprias, quer queira, quer não. 

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Acabo de ler "Sacred Chaos" de Françoise O'Kane (lido em inglês/Parte 3)

 


Como o lado sombrio pode ser confrontado? O Self é a experiência mais imediata do divino. Todavia esse divino não é uma divino tomado de forma "absolutamente boa", o "divino" abriga uma espécie de substância caótica que é tão psicologicamente importante quanto a parte "sagrada". A má relação entre os dois polos (trevas e luzes) leva a um deslocamento psíquico. Se a má relação causa deslocamento, então a confrontação não é psicologicamente adequada. É preciso que exista uma estabilidade e uma integração.


Vivemos numa sociedade ainda cristianizada e faz parte da nossa cultura a repressão da parte considerada ruim. Essa repressão alimenta a nossa sombra, fortalecendo-a inconscientemente. Não estamos nos afastando do "mal", mas colocando-nos impotentemente ante a sua secreta influência. Dentro do psiquismo, bem e mal fazem paradoxalmente uma unidade. Dentro da cultura cristã, aparecem como irreconciliáveis. A ideia de apagamento do mal pode levar paradoxalmente a um desequilíbrio mental e na ausência da percepção do mal que causa. O mal pode ser, então, racionalizado numa estrutura argumentativa (atacar homossexuais por eles não se adaptarem a estrutura reprodutiva da sociedade, por exemplo) que torne palatável ao ego – tornando a prática do mal como inconsciente a própria pessoa.


Só que falar de "integração da sombra" é algo simples, embora socialmente inadequado – defender que existe um mal dentro de nós e que ele deve ser usado e até mesmo aceito chega a soar absurdo para os "ouvidos mais leigos". Quando pensamos nos mecanismos sociais, eles até agora não demonstraram uma solução satisfatória para a utilização da energia sombria que existe em cada um de nós de uma forma que não seja socialmente tóxica. A utilização da energia sombria pode ser perigosa, mas o seu acúmulo também leva a disrupções sociais. Como já escrito anteriormente, a ideia de que temos que ser bons o tempo todo leva a um acúmulo energético negativo que consequentemente nos leva a ser inevitavelmente maus – e, ressalto mais uma vez, muitas vezes de forma inconsciente.


A imagem do divino (Imagino Dei) e a imagem do Self estão intimamente correlacionadas. A inexistência do mal na doutrina cristã – principal influência teológica da sociedade ocidental – na imagem de Deus leva a uma percepção deturpada da própria estruturação do psiquismo. Essa falha tem um efeito colateral na nossa sociedade. Ainda mais quando temos em mente que a ideia acerca do caos é atrelada ao feminino e o feminino não aparece na trindade. A ideia de "ordem" e "positivo" aparecem de forma inconscientemente maniqueísta na estrutura de pensamento teológico de muitas igrejas cristãs. O cristianismo ao dizer que o mal não está em Deus, cria uma visão em que o mal só pode ser banido para se aproximar de Deus.


A verdadeira natureza do Self está na completude da integração dos elementos, não podendo ser confundida com a negação dos elementos em prol de outros. A capacidade de compreender os diferentes polos do Self e de aceitá-los é de natureza essencial para a maturação do psiquismo. A negação só fortalece inconscientemente o lado que se reprime.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Acabo de ler "Homo Ludens" de Johan Huizinga

 



Essa versão é apenas um recorte que li especialmente para minha licenciatura em teatro. Mesmo não sendo o livro inteiro, deu-me um sabor bastante apreciável e ressignificou muitas de minhas crenças. Creio que até a minha visão de muito sobre "jogos" e "brincadeiras", além de seu funcionamento social e psicológico, foi bastante alterada por essa breve leitura. Pretendo algum dia, quando tiver maior disposição de tempo, ler a versão completa do livro.


Johan trabalha com uma hipótese bem diferente da habitual, mas ela está em paralelo com grandes escritores e intelectuais de sua época. Creio que com a sanha racionalista e o desempenho desmesurado duma crença excessiva pela razão e o seu uso acabamos por perder a própria capacidade do bom uso da razão. Muitos intelectuais levaram os mitos e as religiões para as portas da frente da academia (aqui no sentido de universidade), exemplos esses são:

- Claude Lévi-Strauss;

- Eric Voegelin;

- Johan Huizinga;

- Mircea Eliade.


A sanha racionalista acreditou que poderia desmistificar o homem e traduzir, na Terra, uma forma de homem de razão pura. Um homem absorvido pela atmosfera duma racionalidade objetiva e que encarava o mundo dum modo completamente imparcial. Tal intenção motivou várias escolas de pensamento: positivismo, anarquismo, marxismo, liberalismo, dentre tantas outras. Todavia a ideia de um homem absorvido inteiramente pela potência do intelecto e capaz de dar juízos racionais em absoluta concordância com os critérios da razão suprema nada mais é do que uma construção da própria imaginação humana e, como tal, incapaz de ser realizada na prática – sobretudo tendo-se em conta a própria humanidade inerente ao homem enquanto homem.


Esse texto, por sua vez, apresenta não uma linha de pensamento que defende o aspecto religioso inerente ao pensamento do homem – mesmo que em escala inconsciente –, mas a inerente ludicidade do homem. Ou seja, somos algo além do que seres inconscientemente religiosos, somos seres que brincam inconscientemente. Dar-se conta disso é, mais uma vez, libertador. E espero que um dia que essa percepção seja academicamente mais levado a sério.

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Análise de "O Enigma da Religião" de Rubem Alves - Parte 1

 



A ideia de que possamos ter uma vida intelectual neutra é uma ideia que não possui cabimento. O ser humano sempre encara a realidade sentimentalmente, visto que viver implica em sobrevivência e sobreviver carrega emoção. Não há como permanecer neutro para com a vida, logo não há como ser intelectualmente neutro.


A religiosidade é busca pela transformação simbólica do mundo. A religiosidade é o alicerce que tenta sintetizar desejo e ambiente. Tanto que a manifestação máxima da religião é o paraíso: neste momento, desejo e realidade são o mesmo. Toda busca por transformar o mundo caótico numa "ordo amoris" é uma busca religiosa. O homem está, neste sentido, condenado à religião - mesmo que não saiba disso de maneira consciente.


No entanto, o mundo atualmente está situado numa situação cruel. Quando vamos crescendo, influências do mundo externo adentram em nosso psiquismo e formam nossa visão. Essa visão é um "acordo silencioso": enxergamos a realidade por meio desses olhos e não questionamos os nossos olhos. A vida intelectual autêntica é um questionamento constante de nossos próprios olhos. Não se trata tão somente de questionar o que se vê, visto que isto é só um julgamento ou simplesmente arrogância, trata-se de questionar os próprios olhos e, com isto, abrir a percepção para que a capacidade de ver aumente.


Um ser que queira se libertar precisa constantemente se abrir através da autocrítica, este movimento aumentará a sua capacidade de perceber e, por fim, será melhor na arte de julgar. Porém a abertura deve preceder à crítica. O aumento do horizonte de consciência é mais importante que o julgamento, visto que o aumento da inteligência possibilita uma maior capacidade de julgamento.


O homem, ao ser um ser contingencial, não tem o direito de ser sério. Já que o homem é limitado e só pode fugir de suas limitações ao rir de si mesmo, questionando e relativizando suas crenças passadas em uma síntese com a cultura presente de forma a se locupletar e tornar-se mais sábio. A sabedoria é um paradoxo: questionar fortemente a si mesmo e acreditar que possa superar infinitamente a si mesmo.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

Acabo de ler "O Sistema Social no Islam" de Sayyed Hashem Al-Musaui

 



O Islã é uma religião diferente do cristianismo. Enquanto o cristianismo deixa a regulação social, ou a forma de configuração do Estado, ao âmbito das decisões da sociedade, o islã procurará uma união íntima entre o Estado e a Religião. No caso do cristianismo, a união figuraria como uma deificação do Estado - tomada sempre como ruim; já no caso do Islã essa é uma necessidade lógica.


Partindo-se da ligação intrínseca entre o pensamento religioso e o Estado, a própria religião, em seu livro sagrado, terá dispositivos em seus textos para que o Estado funcione de forma submetida a realidade do Islã. Ou seja, o Islã não é só uma fé professada num âmbito privado e não tocado pelas práticas mundanas, constituí também uma comunidade jurídica. É por isso que o estudo do Islã não é só teológico, há uma série de estudos em que se divide o Islã.


O Estado Islâmico é, propriamente, a forma com que a religião moldará o Estado ao seu serviço. O que soará, para muitos ocidentais, como algo estranho ou danoso as atividades das duas partes. Cristãos não querem que o Estado torne-se regulador da religião e nem a subverta naquilo que há de mais próprio. Já o Estado não quer o poder eclesiástico, de natureza espiritual, em seus meandros. Se os dois processos ocorrem, os dois perdem a sua distinção - em nossa mentalidade ocidental.


Aqui temos que reconhecer que: a análise é dificultada por causa das mais diversas questões a serem pontuados. A sociedade islâmica, em seu início, logrou um aumento quantitativo e qualitativo de vários direitos que eram inovações bastante atentas as necessidades correntes das sociedades em que se circunscrevia. Porém os muçulmanos se dividem em muito em como deve ser a organização nos tempos de hoje. Vejam exemplos do Estado da Turquia e da Arábia Saudita. Um adota um parâmetro semelhante ao ocidental e outro adota um parâmetro que poderíamos considerar mais tradicional ao Islã.


De qualquer modo, o que fica do livro é o entendimento de que, ao seu modo, o Islã traçou uma sociedade que ainda é uma surpresa constante aos estudiosos do caso. E seria difícil uma análise completa.

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Acabo de ler "A Escola Islâmica" de Mártir Ayatullah Al-Odhma Assayed Mohammad Baquer Assadr

 



Quando se trata do tradicionalismo, sobretudo onde mais se concretiza - isto é, nas grandes tradições religiosas milenares -, falar duma posição de "esquerda" e "direita" é sempre errôneo. Por terem surgido anos antes desta definição e por terem pautas que se confundem com os mais diversos aspectos, classificá-las como aderentes ao "socialismo", "liberalismo", "social-democracia", "fascismo" ou o que quer que seja, é aplicar um parâmetro alienígena.


Os socialistas, focando na tradição marxista, tem em comum a defesa prioritária da propriedade coletiva como fator impulsionante do progresso. Já os liberais, e a maioria dos conservadores, defendem a propriedade privada como motor do desenvolvimento. O Islã tem como proposta a propriedade coletiva e a propriedade privada, não podendo ser classificado como capitalista e nem socialista.


A maior questão para os muçulmanos, durante um largo tempo, foi em que se deveria basear sua economia. Respostas alienantes foram tomadas: alguns se posicionavam a favor do capitalismo e outros a favor do socialismo. Com o fim da União Soviética e um modelo de socialismo exemplar, a opção socialista - que chegou a ser um movimento orgânico - deixou de ser considerada com o mesmo enfoque que tinha antes.


Com uma argumentação bastante explicativa e apresentando críticas aos dois lados (socialismo e capitalismo), o autor trata com maestria duma via islâmica para os islâmicos. O livro conta com uma linguagem bastante clara, técnica, precisa e didática. O autor realmente consegue estabelecer pressupostos para uma alternativa ao capitalismo e ao socialismo dentro das sociedades islâmicas, sendo bastante assertivo em seus posicionamentos.


Recomendo a leitura para quem tiver interesse em compreender mais a economia e para quem quer compreender mais sobre o Islã. 

segunda-feira, 20 de março de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de C. G. Jung - Capítulo 4: Psicologia Analítica"

 



As diferenças entre Jung e Freud são bastante extremas em alguns pontos. Sobretudo no que tange ao tema da sexualidade e religiosidade. Enquanto Freud considerava a religião como uma forma de neurose coletiva, Jung apontava os pontos positivos e a importância dela. Enquanto Freud falava sobre a sexualidade, Jung falava da forma extremada e reducionista que Freud tinha para com esse assunto.


É necessário elencar que Jung não afirmava que a pessoa deveria se vincular num formalismo doutrinário religioso. Jung se propunha era analisar a forma com que a religião, produto do inconsciente coletivo, poderia impactar na pessoa como forma referencial na superação de seus conflitos existenciais. Isto é, Jung mais se preocupava com a religiosidade - como experiência universal e ligada as mais diversas religiões - como prática. Ou a iluminação da pessoa concreta em contato com o numinoso.


Jung trata não da existência de Deus, Jung trata da imagem de Deus - que existe no inconsciente coletivo - e a forma com que o indivíduo se relaciona com o divino psicologicamente. A busca de Jung era espiritual, não uma busca por aplicar uma doutrina religiosa em específico. Essa distinção é de basilar importância.


Jung também poderia traduzir a busca espiritual na compreensão dos arquétipos como pontos referenciais para que a pessoa encontrasse uma forma de ser e agir no mundo. Em virtude da própria religião basear-se em arquétipos, os arquétipos vistos de forma sistemática poderiam ser substitutivos da adesão formal a uma religião em específico e mesmo assim representar uma experiência religiosa - mesmo que nunca escala altamente personalizada.


O estudo de Jung é um estudo que dará ao estudioso uma forma de compreensão mais aprofundada da arte, da mitologia, da poesia, da religiosidade, da literatura. E é por isso que estudá-lo é tão incrível, recomendável e impactante: sua abarcabilidade sistemática é altíssima.

quinta-feira, 2 de março de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada: C. G. Jung - Capítulo 1: a vida de Carl Gustav Jung"

 



A vida de Jung é um grande mistério. Estudá-la pode levar a um estranhamento, podendo-se crer que ele seja um simples louco ou uma espécie de místico. Na primeira, tem-se o descrédito acadêmico como conclusão. Na segunda, chega-se a conclusão de que ele era um homem que chegou no patamar mais alto da religiosidade.


De qualquer forma, ignorar Jung não chega a ser de longe uma opção. Seus estudos são notórios, há necessidade de se pontuar sobre ele, mesmo que seja para se pontuar contra ele. Jung carrega aquilo que chamamos de inevitável. E todos aqueles que estudam, são obrigados a olhá-lo, mesmo que seja com desgosto. Porém aqueles que o estudam, podem aprender muito com a genialidade dele. Já o contrário é bem incerto.


Jung é um homem que sintetizou ciências naturais, filosofia, psiquiatria, espiritualismo, religiões. É um homem do tamanho dum universo inteiro. Difícil de ser compreendido até mesmo por seus próprios seguidores devido a complexidade de sua inteligência. A forma que muitos acadêmicos o viram foi espantosa, sobretudo numa época em que os assuntos espirituais entravam em declínio. As suas respostas suavam como um desafio ou um anacronismo.


Ignorando-se as polêmicas, Jung foi um homem capaz de estudar como ninguém os fenômenos da consciência, contribuindo com noções que até hoje são basilares à psicologia. Criou até mesmo uma escola de psicologia inteira. Talvez nos falte, ainda hoje, um olhar mais aberto para com tudo aquilo que ele nos proporcionou com seu vigoroso gênio.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Acabo de concluir o curso "Fundamentos da Psicologia Junguiana: Mitos de Criação e Origem da Consciência"

 



Nesta disciplina aprendemos muito sobre como se estrutura o pensamento de Jung e a relação do estudo da mitologia como auxílio fundamental para o entendimento dos processos psíquicos.


Jung foi um homem que, graças a uma série de fatores, teve brilhantes insights como intelectual. Capaz de navegar em vários campos (filosofia, medicina, psicologia, mitologia, religião, etc), teve uma obra de caráter altamente universal e sintético. Cada campo interagia com o outro, levando a uma unidade de pensamento fantástico.


Jung trouxe uma certa forma de revolução no campo da psicologia: com os estudos da cultura humana - bastante direcionada aos estudos da arte, religião e mitologia -, foi capaz de trazer uma nova luz ao que, devido as situações culturais e acadêmicas imperantes na época, ignorávamos. Todavia também graças a essa mesma empreitada, muitos hão de julgar Jung como uma espécie de misticista. Até mesmo Freud não foi capaz de compreendê-lo em sua totalidade, levando até a uma brusca ruptura.


Os entendimentos chaves da psicologia junguiana ajudam-nos na medida em que compreendemos com mais retidão a forma que seu sistema de pensamento é. Muito harmônico e coeso entre si, quanto mais se compreende os pormenores de seus pensamentos, mais se vê a capacidade de traduzir símbolos com a vida pessoal e, a partir disso, chegar a resoluções quanto as problematicidades que a vida traz. Este modo é, por sua vez, chamado de simbólico-analógico e une a cultura humana geral as condições contextuais de nossa subjetividade particular, uma verdadeira síntese em forma de terapia.


Certamente estes estudos não serão esquecidos por mim. Foram-me marcantes em demasia para ignorar. Todo um horizonte de ideias e compreensões apareceram diante desse conhecimento. Possivelmente esse foi e é um dos estudos que mais gostei e mais apaixonadamente me entreguei.

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Acabo de ler "O que é Islamismo" de Jamil Almansur Haddad

 



O Islã é deveras interessante. Durante muito tempo, anteriormente ao comunismo soviético e bloco socialista, o Islã foi o maior desafio ao Ocidente e a sua identidade. Claro que não estou exortando, aqui, a rivalidade religiosa - não faz parte do minha índole.

É interessante observar que os germânicos venceram o Império Romano do Ocidente e os muçulmanos venceram o Império Romano do Oriente. Cosmovisões em conflito adquirem uma tonalidade apaixonante para qualquer um interessado em história.

O Brasil também deve muito ao Islã ao que se refere ao fim da escravidão. Foram africanos islâmicos ou islamizados que tiveram protagonismo alto e referencial nas insurreições. Evento que, por enquanto, não goza dum estudo acadêmico sistemático e de alta relevância e importância que merece.

Outro ponto a ser olhado é que: embora o cristianismo separe o poder temporal (político) e o poder espiritual (religioso), o mesmo não se dá teologicamente no Islã. Só que o tratamento jurídico dessa questão encontra-se no próprio Alcorão e é até bastante tolerante.

Com o crescimento do islamismo, possivelmente como maior religião do mundo em futuro próximo, o diálogo interreligioso e o (macro)ecumenismo tornar-se-ão cada vez mais necessários e frequentes.

Todas as questões levantadas, em época de escalada de conflito, ditarão o possível futuro que teremos. Adiar a questão, não preparar-se, seria duma insensatez brutal.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Acabo de ler "O maior perigo do Islã: não conhecê-lo" de José Tadeu Arantes

 



O fenômeno do islamismo no Brasil é tratado como permanente incógnita que, bem ou mal, gera um tensionamento psíquico. Usualmente, assombrado por uma má compreensão de sua realidade, a mídia trabalha numa visão maniqueísta de que a religião islâmica é um reduto de radicais, uma horda de fanáticos. A má compreensão midiática e sensacionalista vem a se juntar com teses duma direita neoconservadora que empobrece ainda mais a compreensão dessa grandiosa religião.

Ao contrário do que se pensa, a situação do Islã e de seus seguidores nunca foi de parco desenvolvimento ou de radicalidade em questões doutrinais. Muito pelo contrário, enquanto o Ocidente submergia na decadência cultural gerada pelo enrijecimento cultural, o mundo muçulmano gozava, além de maior desenvolvimento, de uma cultura intelectualmente pujante. O que não é muito tratado pelos setores da intelectualidade acadêmica e, muito menos, é de conhecimento geral de nosso povo.

Existem, também, outras explicações plausíveis acerca do subdesenvolvimento atual dos países islâmicos - embora seja um fato que, no momento em que escrevo esse texto, existem países muçulmanos com maior IDH que o Brasil. Uma delas é a própria sustentação econômica que os EUA deu a radicais para frear a expansão do socialismo soviético e que posteriormente acabou por gerar problemas dos EUA com países muçulmanos.

De qualquer modo, o islamismo é, para mim, não algo que causa medo ou desgosto. É-me uma grande tradição religiosa que merece, por nossa parte, uma amplitudização de consciência, entendimento e empatia.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Da Possibilidade de Inteligir




1. A inteligência é de natureza diferente da razão. Enquanto que a razão se propõe a aplicar aquilo que o horizonte de consciência já abarca, a inteligência é a faculdade que possibilita a própria expansão desse horizonte de consciência. Tornar-se mais inteligente é, então, transcender o próprio universo que se está inserido intelectualmente. A inteligência só aumenta quando a experiência - e experiência é projetar-se para fora - aumenta. Só que a experiência requer a negação de si.


2. A inteligência é, então, o objetivo primordial da vida intelectual. Todavia a inteligência encontra um obstáculo que lhe pesa em sentido tensionalmente contrário. Esse obstáculo é a natureza da vontade que busca, acima de tudo, não o fenômeno em si, mas o analisante do fenômeno em questão. O que o homem, fanatizado narcisiacamente consigo mesmo, busca não é a natureza dos objetos que observa, mas aquilo que lhe é conveniente aos seus próprios gostos. Tão logo tua cabeça pendula ao que lhe é próprio ou que lhe seja agradável, mas nunca para algo que fuja do próprio gosto que lhe encerra.


3. A diferença primordial, aquilo que define o conhecimento filosófico por si mesmo, de uma tarefa substancialmente filosófica é o encontro com a sabedoria. Só que a sabedoria é um paradoxo, ela requer algo além da razão, ela requer um movimento negativo de afirmação. Ir para além dos domínios e gostos é o dever do filosofar, porém essa esbarra no ego. A natureza do discurso filosófico, em sua máxima depuração, não é a definição doutrinária. A natureza do discurso filosófico é a aporia, um discurso que aumenta a qualidade e a quantidade do saber, só que nunca se encerra. Não determinar-se é o que determina a filosofia.


4. É necessário não confundir a filosofia com o ceticismo extremado. Para o ceticismo brutal, o conhecimento é de natureza impossível visto que não se pode adicionar nada a ele - o cético extremo questiona tudo a ponto de ser impossível de afirmar qualquer coisa. O conhecimento se aperfeiçoa, amplia-se e perfectibiliza-se sem contudo esgotar-se.


5. É da atitude filosófica não negar ou afirmar algo por tabela. Seria incongruente a um pensador negar sistematicamente, visto que seria mais um movimento impensado e irracional. Negar ou aceitar sistematicamente: essa já é mais propriamente uma posição mais teológica que converge em pontos doutrinais - e, igualmente, das religiões políticas e seus ideólogos. A atitude filosófica é a de analisar propriamente cada afirmação ou negação contida numa série de pensamentos, caso por caso, nunca adentrando num movimento reativo.


6. A teologização do debate contemporâneo é de natureza desconhecida aos próprios pseudoirreligiosos que soterram o debate intelectual e acadêmico com sua volição exacerbada. A isso se deve ao inconsciente teológico encontrado inconscientemente na esfera de seu próprio discurso: quando esse tipo de pessoa põe-se a raciocinar, não encontra em si mesma nada que se funde autocriticamente. Pelo contrário, é próprio deles analisar todos os fenômenos como um narrador onisciente que, bem ou mal, está aquém de todos os erros possíveis. Por causa disso, inconscientemente se veem como seres dotados de inteligência omniabrangente, acima dos erros de todos os seus contemporâneos e ancestrais. Esse vício mental caracteriza, em muito, a argumentação contemporânea. A pessoa entra numa certa forma de onipotência intelectual sem sabê-lo - e a vaidade come pouco a pouco a sua capacidade de inteligir. 


7. Se eu pudesse definir o que é inteligência, adentraria no posicionamento chestertoniano, defini-lo-ia como um paradoxo. Quando Chesterton diz que os homens querem escolher qual a melhor prisão, ele fala dum ponto epistemológico de altíssimo nível. A razão é viciada por ser a aplicação do que já se sabe, a inteligência é a abertura construtiva do intelecto. Nesse ponto, não se trata de escolher entre dois pontos ou mais, mas sim criar um mundo monumental via apreensão da realidade. Escolher entre um raciocínio ou outro é optar em qual lugar ficará a sua prisão.


8. Sendo assim, pensemos num quadro que, pouco a pouco, aumenta de tamanho. Essa regra que fixa a própria inteligência. Isto é, o desenvolvimento da inteligência é a própria abertura complexuante do ser que aumenta a cada dia o seu saber por múltiplas vias. Não é sobre escolher ideologia x ou y.


9. Quando vemos alguém que, graças a um ou mais pontos de divergência, histericamente coloca-se contra algum conjunto de ideias, não temos aí um uso da inteligência e muito menos um exercício filosófico. Temos, pelo contrário, um movimento reacionário. Reacionário no sentido se que reage a algo. Na verdade, o que temos é alguém que teve o ego ferido devido a uma argumentação ir contra àquilo que ele acredita. Nesse ponto, só podemos exigir tolerância ou maturidade, visto que encontramo-nos no seio duma sociedade democrática.


10. Indo em relação a religião, muita coisa se fala e pouca se é compreendida. Em primeiro lugar, sendo íntima ou não, nenhuma discussão religiosa se pauta pela relatividade absoluta das crenças. Pelo contrário, a teologia de qualquer religião sempre se pautou no avanço de sua própria ciência teológica. Por exemplo, sabe-se mais sobre teologia cristã hoje do que no século I. Não saber disso é, propriamente, não saber o básico de religião. É nivelar puramente por baixo o pensamento religioso. É como dizer que, sendo a religião puramente objeto da subjetividade, pouco importa se o cristianismo vem de um dos maiores teólogos de todos os tempos ou se é formada por um semi-analfabeto. Também é ignorar os progressos encontrados no debate acadêmico dessas áreas.


11. Exigir que todo discurso se dê tão unicamente pela via natural é como não entender também o básico de teologia. Toda crença natural de um religioso advém duma crença preternatural. Acreditar, por exemplo, que a Doutrina Social da Igreja Católica se fundamenta pura e simplesmente em conhecimentos naturais sobre a sociedade é ultrapassar os limites da baixeza intelectual. Todavia essa mesma Doutrina Social da Igreja Católica é posta em linguagem puramente natural. Só que a impossibilidade de viés religioso faria com que, até os conhecimentos expostos em forma natural, tudo que é de natural porém de origem de pensamento religioso fosse amplamente ignorado pelos próprios religiosos na hora de sua argumentação. O que seria o mesmo que dizer: "você deve ser puramente materialista nessa argumentação". Uma tirania instalada ao gosto de naturalistas, a exigência de apostasia provisória para a frequentação de lugares públicos.


12. Só que a discussão sobre a ausência de viés religioso censurará mais do que religiões tradicionais como budismo, islamismo ou xintoísmo. Ela atacará várias constatações ideológicas de fundo religioso. Como, por exemplo, o fenômeno da imanentização escatológica (comunismo, Estado mínimo, sociedade regida pela Ordem e Progresso). Além da soteriologia revolucionária, seja essa marxista, liberal, anarquista, positivista ou o que for. Assim, todo e qualquer discurso, poderia ser impossibilitado se aplicado com rigor. Além disso, toda mensagem que fala sobre o sentido último da natureza humana - a ontologia em sentido final - contém um fundo religioso. Religioso no mais exato sentido do termo: a religação com algo que se veja como primordial - coisa que ocorre em quase toda esfera discursiva.


13. Não vou exigir, é claro, que meus colegas de grupo sejam capazes de compreender pensadores tão complexos como Tilich, Barth, Ratzinger, Lonergan, Teilhard de Chardin, etc. Eu mesmo sou um agnóstico convicto e não creio em nenhuma religião propriamente dita, embora eu não seja reducionista a ponto de acreditar na ideia de que eu poderia suplantar toda essa longa e complexa discussão nesse âmbito.


14. Só que há um porém que se apresenta diante de minha argumentação: a ideia de sistematizar o agnosticismo, criando um sistema de pensamento agnóstico, é em muito baseada na ideia de abertura ao absoluto e tem fontes místicas notórias, embora seu "fundo" seja plenamente natural. A abertura radical é, para mim, crença central e de fundo e viés religioso.


15. Ora, toda a minha epistemologia é formada numa crítica a gnose e suas formulações modernas por meios ideológicos. Se assim não o fosse, não se chamaria de Agnose a forma que me considero. Vejo, nas formulações políticas, uma forma religiosa de pensamento. Buscando a superação disso, busco uma saída agnóstica ao pensamento religioso-político das ideologias (fascismo, liberalismo, socialismo, positivismo, etc). Sem esse pensamento, toda a ideia de criar um sistema de pensamento agnóstico se perde e a minha própria substancialidade como intelectual também.


16. Tudo que projetei até o presente momento tem como busca a abertura radical do ser a universalidade que nunca poderá ser realizada, mas que lhe surge como tarefa primordial. Quando escrevi sobre a neossistemática como uma tentativa de superar os limites do mundo pré-inteligível era nisso que pensava: na superação do pensamento condicional. Quando critiquei o aspecto coletivo-normativo e propus uma nova interpretação de livre-exame, fiz-o com a mesma intenção. Quando estive a criar um método de meditação chamado Ouroboros para encontrar uma forma coerente de autocrítica, o objetivo era o mesmo. A ideia de desconstrução niilidionisíaca das ideias segue o mesmo pressuposto: a relativização para plenitude sintética do ser, visto que o ser só é ser enquanto absoluto. A posterior crítica ao pensamento tradicionalista pelo erro da inversão ritualística e a crítica ao esquerdismo pelo imperativo histórico categórico igualmente. Até mesmo a ideia de delimitância indelimitada como desenvolvimento do ser segue a mesma linha. O próprio método de leitura que envolve uma engenharia mental reversa envolve isso. Tirando o "viés religioso" a própria possibilidade de tudo que eu criei é, por assim dizer, inexistente e contraditória.


17. Se a minha busca pela superação das incapacidades de inteligir se baseia estruturalmente num estudo aprofundado da religião e, igualmente, na consequente abertura ao absoluto (loucura verde ou condução do inconsciente como metodologia epistemológica): não há nada que eu possa fazer quanto a isso. A fé na aleatoriedade da desordem e, igualmente, na leitura das mais diversas linhas de pensamento para superação da diversidade marginal que aprisiona o saber é consequência lógica do sistema que sistematizo. Ou devo jogar no lixo todos os anos de estudo e pesquisa para ter uma argumentação de viés irreligioso - embora contraditoriamente inconscientemente religiosa no discurso de meus colegas - ou devo ir embora.


18. Mesmo que minhas crenças sejam de caráter conscientemente naturais (o que não é nenhuma surpresa, visto que sou agnóstico), o fundamento último é a religação com a abertura radical do ser - a busca pela universalidade pelo impulso negativista de negar-se para mais abarcar simbolicamente a totalidade do real. Logo meu viés, mesmo que naturalista, é religioso, visto que se liga ontologicamente com uma afirmação última que valida minha existência e expressa aquilo que mais acredito. Tornar-me inautêntico falsificando minha existencialidade não é opção. (Você não sabe verdadeiramente quem é até saber pelo que você morreria para defender).


19. Parece que, devido aos últimos posicionamentos, terei que continuar sozinho em minha jornada. Admito que, em minha índole tempestuosamente pessimista, nunca esperei o contrário - vida intelectual e perda de amizades sempre se consubstanciam. Como não cabe entrar nessas questões, dou espaço para aqueles que não conseguem entrar nelas ou as odeiam. Tenho certeza que o grupo conseguirá ir em frente com suas ideias, visto que são "avançadíssimas". Possibilito todo espaço restritamente epistêmico que vocês ansiosamente querem.

domingo, 25 de setembro de 2022

Acabo de ler "O que deu errado no Oriente Médio" de Bernard Lewis

 



Há muito tempo atrás, a civilização islâmica era o cume da civilização. Uma sociedade de liberdade, ciência e criatividade. Os ocidentais, sobretudo cristãos, importavam os conhecimentos dos seguidores de Alá. Só que, com o tempo, tudo foi indo ao brejo e o Ocidente ultrapassou o Oriente.

Dizer que toda pessoa do Oriente Médio é muçulmana seria estranho e insensato. Por muito tempo, judeus e cristãos divergentes iam para os domínios muçulmanos para terem liberdade. Essa liberdade era maior que na própria Europa, todavia essa liberdade tornou-se menor na medida em que a Reforma, o Renascimento, as Revoluções Políticas e Industriais tomavam forma no Ocidente. A situação entrou numa inversão: os muçulmanos não eram mais donos da ciência e da liberdade, os terrenos cristãos e, seguidamente, pós-cristãos cresciam cada vez mais. O imitado tornou-se imitador.

Como uma civilização que já foi a mais criativa, igualitária e científica pode, então, retornar à glória de outrora? Existem duas vias principais: a dos fundamentalistas que almejam o retorno ao assim chamado islã primitivo e aos dos modernizadores que querem atenuar o poder diretivo da religião - separando "Igreja" e Estado, tal qual no Ocidente. Só que essa separação, em grande parte, nunca existiu no horizonte de pensamento teológico do Islã.

Virão aqueles que pensaram que a escolha por uma separação entre religião e política nada mais é do que submissão política e cultural ao Ocidente. E haverão aqueles que defenderão, com unhas e dentes, uma modernização do debate religioso. De qualquer forma, o destino da alma civilizacional islâmica se encontra em choque e não sabemos o que se sucederá.

Eu posso dizer que não li esse livro, eu o devorei. Tive que ficar durantes horas parado, lendo minuciosamente e adquirindo, com êxtase, as informações que me eram disponibilizadas. Todos os choques culturais me trouxeram, também, a dúvida de como o Brasil poderá modernizar-se ao novo tempo presente. Igualmente aumentei meu grau de empatia e conhecimento sobre a civilização islâmica - que me encanta cada vez mais.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Prelúdios do Cadáver #9 - Confissões do Subsolo

Texto publicado em30/08/2018


Escrevo com o objetivo de me livrar da culpa. Farei uma sequencialidade de confissões, como um ato penitente e cristão. Espero não chatear-lhes.


Sempre fui um homem melancólico. Perdoem-me por isso, mas tenho que desabafar. Espero que sejam compreensivos; mas peço-lhes para que sejam ásperos comigo. Eu não mereço perdão pelas coisas que fiz e que faço, todavia espero uma redenção e uma oportunidade de vida nova.


Omitirei nomes. Não falarei de tudo expansivamente, falarei de tudo genérica e contidamente. Eu vim a vós confessar-me. Meu peito agoniza em agonia. Preciso dizer o que reside dentro dele, preciso contar-lhes sobre o lamaçal que há tempos me perturba. Contar-lhes-eis coisas que para vocês, podem ser banais; conquanto que para mim, são abissais.


Estar comigo é estar numa permanente competição. Tudo o que quero é monopolizar tudo em minha volta. Por vezes, por egolatria. Por outras, por auto-desprezo. O fim é a atenção, o meio pode ser alternado conforme a necessidade. Corto agora meu coração, para que os senhores possam sentir o gosto de minha torpe alma corrompida. Eu, desde já, peço-lhes desculpas pela minha podridão e espero que os senhores não sejam tais como eu.


Quando eu tinha uma namorada, tomava-a como um objeto de poder e de valorização social. Não amava-a, amava o sentimento que ela nutria por mim pois isso aumenta o autovalor que tinha por mim mesmo e meu valor social. Tinha-a por objeto de redenção, seja pessoal, seja social. Manipulei-a com as frases e poesias de amor, de modo que ela acreditou que eu realmente a amava. No fundo, ela era uma ideia, mais um deleite intelectual.


Quando uma garota que conheci foi presa, notabilizei-me por dar palavras de apoio e por falar quanto eu a amava. Na verdade, não nutria por ela sentimento algum. Só queria simular uma grande dor para que eu obtivesse a dita atenção. Tudo para mim, ronda sobre isso. Só que egoisticamente ter o mundo me glorificando. Meu impulso é podre, minha alma é doentia, meus fins são vis. Tudo em mim é corrupção.


Toda vez que frequento um maldito grupo social, vou-me embora. Quando vou embora, ninguém terá de mim mais mensagem alguma. Isso acontece por eles não me serem mais úteis. Minha vida é um constante fugir. Encaro tudo como fases que se acabam e não voltam mais. Eu tento não retornar a tudo em que estive antes. Sinto que isso pode ser resumido em uma palavra: covardia. Quero acreditar que sou melhor do que antes, quando na verdade estou pior do que antes.


Quando uma colega virtual minha suicidou-se, tratei de fazer alarde. Queria demonstrar o quanto a minha dor era grande e, novamente, só queria atenção. Sou um magnetizador depressivo, sou uma escória ululante. Eu sinto muito, ó doces humanos, que precisam estar ao meu lado, que saciam-se do mesmo ar que respiro.


Peço a Deus e a todos vós que perdoem os meus pecados.

Abraços.

Prelúdios do Cadáver #8 - Breves Notas Sobre Tudo

Texto publicado em  25/08/2018


Relutei em escrever esse texto, todavia achei-lhe absolutamente necessário. O Brasil vem passado por um incessante movimento de politização. Usualmente tendo a não expressar a minha visão política e, quando eu chego a expressá-la, expresso-a relutante e timidamente.


Sou uma pessoa que está em grupos políticos dos mais variados gostos. Meu facebook é, verdadeiramente, uma diversidade filosófica e ideológica ululante. Acontece que, após ver e ler séries de repetições argumentativas rasas, fiquei decepcionado com a rasura e incapacidade crítica de meus queridos amigos/colegas virtuais. Claro que alguns destemidos salvam-se perante esse caldeirão de lodo.


Também relutava em criar qualquer texto durante a minha jornada de retiro intelectual, todavia não estava aguentanto a atmosfera tenebrosa que provejetava-se em minha querida rede social. Era evidenete também as consequências que essas movimentações também faziam no mundo real.


1. O NTC

O NTC é uma sigla composta por três nomes: nacionalismo, tradicionalismo e cristianismo. Juntei-as pois os seus simpatizantes e ideólogos caracterizam-se por uma condição: o desprezo a modernidade e tudo aquilo que a modernidade representa.


Os nacionalistas não odeiam a “modernidade” ao todo, mas têm certo desprezo dela por causa de sua incapacidade de respeitar as barreiras territoriais, por causa de sua incapacidade de preservar a diversidade cultural, por causa de seu desrespeito as tradições – e, nisso, acham apoio dos tradicionalistas. Os tradicionalistas fazem por motivos razoavelmente parecidos com os nacionalistas, embora mais focados na tradição de seu país. E os cristãos, nesse balaio, acham que a moral cristã, que querem impor a todos, está sendo substituída por uma moral anticristã.


Há também um movimento cristão católico que defende a criação de um Estado confessional – leia-se: Estado declaradamente católico. O mesmo Estado favoreceria a Igreja Católica. O Estado também seguiria a moral católica. Isso, é claro, é um devaneio teocrático reacionarista. A verdade é que o movimento cristão católico – tradicionalista assumido ou não – defende algo que seria muito similar ao que acontece em países islâmicos, só que de maneira cristã. Nisso há uma divisão entre os católicos não-integralistas e integralistas, que defendem quase a mesma coisa só que de maneiras diferentes. Há uma rixa entre eles. Existem católicos que defendem que o integralismo é uma doutrina herética, isso são outros quinhentos e não vou me delongar nesse assunto.


Antigamente, havia uma divisão clara entre o nacionalista e o patriota. Hoje em dia há uma confusão. O patriota, em seu emprego terminológico antigo, era uma pessoa capaz de amar o seu país e respeitar o que pessoas de outros países também sentiam pelos seus países; o nacionalista, no passado, era tido quem amava seu país e aceitava qualquer decisão do seu país sem titubear, o nacionalista não conseguia compreender o que pessoas de outras nacionalidades sentiam pelos seus países. Como essas duas empregações terminológicas estão ultrapassadas, prefiro não usá-las aqui.


Quanto ao Brasil, sou pragmático. Prefiro uma economia que seja sustentável, capacitada de fornecer um bom padrão de vida e que dê um bom desenvolvimento tecnológica do que uma fortemente pautada pela defesa irracionalizada dos bens nacionais. Para que eu não seja mal compreendido já digo que sou centrista. Defendo um papel atuante do Estado, só que de forma pragmática e não conduzida por motivos ideológicos maniqueístas.


Sobre a questão tradicionalista e cristã. Oponho-me aferradamente, mesmo que eu seja cristão. Compreendo a separação entre o Estado e a religiosidade, também não defendo a forçação de tradição. Nesse sentido, compreendo que o cristianismo e a tradicionalidade devem serem postas opcionalmente e não forçosamente. É preciso que elas apresentem-se como uma escolha boa e não como uma obrigação feita por meio da coerção que é imposta.


2. O Movimento da Renovação Cristã/Católica Carismática

Antes de começar a falar da RCC, já aviso antecipadamente que não sou um defensor ferraz da “Santa Tradição” e que reconheço alguns méritos da RCC. Tenho uma certa ogeriza e rivalidade para com o movimento carismático. Apesar de muitos de meus amigos saberem disso, muitos não o sabem. Isso acontece também por minha culpa, toda vez que me manifesto sobre o movimento carismático acabo por fazê-lo timida e concisamente.


As minhas razões são simples. Em primeiro lugar, há a presença de técnicas hipnóticas feitas nas orações conduzidas pela RCC, há quem defenda isso como perfeitamente moral e que a hipnose é aceitável nesses casos; mas eu sou contra pelo fato de que a maioria dos frequentantes desses locais não sabem que há técnicas de hipnose no meio de tudo isso e, desse modo, não são capazes de opinar a respeito. Em segundo lugar, a RCC torna o cristianismo em um sentimentalismo vulgar, esquecem-se das meditações existênciais propostas a todos os cristãos e, por conseguinte, tornam o cristianismo em algo que os intelectuais riem apaixonadamente.


Em todo esse movimento de sentimentalização do cristianismo, o velho lema “fé e razão” tornou-se um passado reacionário e não um guia para todo cristão basear-se não tão somente na fé, mas também na boa utilização da razão. Um dos efeitos mais notáveis dessa sentimentalização é criação de cristãos incapazes de refletir, cheios de si e que são ridicularizados pelos mais densamente intelectuais. Muitas pessoas que buscam esperançosamente a salvação, encontram um cristianismo bobo alegre e sentimentaloide que lhes causa nojo e afastamento.


3. Olavo de Carvalho

Há muito tempo atrás, criticava ferrenhamente o dito cujo. Todavia não tinha estudado a sua obra. Após ler dois livros dele e estar lendo o terceiro nesse momento, vejo que a maioria das críticas que o autor recebe são estúpidas e, até mesmo, inválidas. Reconheço que Olavo é uma pessoa extremamente inteligente, que possui uma estilística insuperável e uma capacidade de argumentação superior a maioria gritante de seus odiadores. Acho-o um autor extremamente agradável de se ler, embora não concorde com tudo que ele diz. Efeito semelhante ocorre com Chesterton, pelo qual também nutro grande admiração intelectual.


4. Pós-Modernos

Nos últimos tempos, tenho lido alguns autores pós-modernos. Incluindo aí autores pós-modernos nacionais e internacionais. Noto que, quando os leio, vejo muita coisa apreciável e, é claro, uma inteligência ilustre. Consigo gostar tanto dos progressistas pós-modernos quanto gosto dos conservadores que leio. Isso me torna meio termo e em cima do muro.


Todavia é-me odiável a maioria de sua militância – tal como é, similarmente, meu ódio a militância conservadora. Há uma vulgaridade, irracionalidade e tribalidade em toda militância, por isso grande parte é constituída por estúpidos homens-massas.


5. A Democracia

Já odiei a democracia de dois modos: como um totalitário e como um libertário. Hoje em dia, ponho-me na defesa dela. Posso dizer que acredito agora na pluralidade de visões, religiosidades, partidos políticos, culturas e tudo o mais. Não substituiria isso por nada.


O movimento antidemocrático concebe-se da incapacidade de muitos brasileiros em estudar e aprender visões divergentes das suas. Essa acusação vai e é perfeitamente cabível para todos os espectros políticos. O problema do Brasil não é a democracia, é a falta de esforço intelectual em aprender a estudar e aprender sistematicamente diferentes escolas de pensamento. Quando houver tal esforço intelectual por parte de nossa população, a maioria das implicações religiosas, políticas, econômicas e intelectuais dissolver-se-ão.

A Solidão de uma Consciência Precária

Sou pobre, mas não tenho que trabalhar. No futuro que vivo, a automatização industrial a tudo abarcou e toda produção é feita pelo maquinário em sua precisa precisão. Não há possibilidade de inconveniência de erro humano. Até mesmo o antigo telemarketing, bastião da antiga liberdade e inimigo da nova liberdade, é feito por um robô inteligente que aprende a cada ligação – sua erudição é melhor que a minha porca educação. Vivo num futuro tão distante que nenhum olhar pode olhar, não pode olhar nem para mim e nem para o que se há. Deus? Aqui não há. Nada pode olhar, nada pode salvar, nada pode olhar e me salvar.


Minha casa é um cubículo, só que posso comer toda comida que quero – tudo é entregue, tudo é dado, tudo é público, gratuito e de qualidade – e posso ficar dias e dias a me masturbar pra o computador que transmite toda pornografia que necessito para preencher o buraco do vazio afetivo que quero fechar. Se a pornografia se mostra ou se demonstra insuficiente, posso apelar para um robô sexual que a tudo que é sexualmente conveniente me dá. Claro que tudo é transmitido informacionalmente para uma série de registros globais.


O futuro dá o necessário e o supérfluo, o futuro dá o necessário e o essencial, o futuro dá o transcendental e a revolução – toda grande conquista que demorava e era tardia pode ser simulada com retidão de perfeição. Quando entro na internet, tenho que apenas dar a minha digital e toda informação que vejo, é logo alicerçada a minha pessoa. Se faço mal, recebo algum guia educativo que sou obrigado a engolir e estudar. Se persisto, vou para um centro educacional no qual aprendo todas as verdades necessários nesse novo tempo vital e sem vida. O mundo é tão bom que corrigiu a própria natureza humana, impediu todo tipo de opressão e negatividade. Ninguém mais sofre pelo ideal e nem mais busca o paraíso – já que esse é mais real do que a realidade. É o perfeito comunismo, mas é também o paraíso liberal e a anarquia simulada. No passado, tinham-se pais e países, hoje a educação é feita e controlada por instituições que nos criam. Não fui concebido e nem amado, fui criado em um laboratório geral e ensinado numa língua universal.


Quando aboliram as diferenças das línguas por um tradutor universal, logo em seguida sugeriram uma linguagem universal. Depois da linguagem universal, veio-se a verdade universal. Só que, nesse ponto, tudo podia ser interpretado por todos e todos viraram fiscais de todos. Se todo pensamento era publicável, todo pensamento era fiscalizável e tudo acabaria num gigantesco processo crítico de grupos de pressão que revisavam inquisitorialmente a humanidade para que ela se tornasse mais perfeita e plena. Com o tempo, toda informação foi sendo filtrada por efetivos meios de localização que localizam todo aquele que falava, condicionando tudo o que podia e o que não podia. Tudo tornou-se tão universal que foi necessário câmeras em todos os lugares, que todos os dados fossem públicos e acessíveis, até mesmo dentro de casa – a intimidade do lar foi parte dum reacionarismo tardio que precisou ser corrigido com o mais novo progresso humano.


A internet, como dizem as fontes antigas, destruiu a diferença da informação e possibilitou que toda informação ao mundo rondasse. O espaço-tempo tornou-se relativizado pelas fronteiras informacionais sendo sistematicamente quebradas. A realidade virtual substituiu a realidade e logo vimos que a realidade virtual poderia ser despida de toda inconveniência humana – como o racismo, a desigualdade e aquela coisa que chamavam de religião. Tão logo se percebeu que poderíamos ter um mundo inimaginável já que condicionado ao imaginável e a sua perfeição idealística. Logo, pelo maior amparo da ciência, ligou-se a realidade virtual com uma efusão de sentimentos virtuais criados por máquinas e que dão felicidade de forma rápida e eficiente. Quando esse ponto chegou, a tecnologia já tinha feito do trabalho físico como uma idiotice do passado, algo completamente desnecessário e a realidade virtual superou a realidade real em perfectude – ao menos na emulação de conquistas humanas.


Num mundo onde não há trabalho, num mundo onde a realidade virtual se tornou o melhor amparo emocional, num mundo onde toda emoção pode ser simulada pela mais perfeita máquina, num mundo onde toda conquista pode ser reproduzida e simulada dando um sentimento transcendental, qual seria o problema? Não há mais problema, tudo é perfeito. Às vezes tão perfeito que me enoja. Só que toda perfeição tem um preço! Para abolir os problemas de sexo e de gênero, criaram-se hermafroditas perfeitos e todas as roupas não possuem mais sexo ou gênero. Ninguém é mais homem, mulher ou variação. Tirou-se também a menstruação e o velho esforço patriarcal masculino. Para garantir a liberdade humana, humanos não mais podiam engravidar, já que a gravidez gerava uma série de consequências e imprevistos. Para impedir o preconceito dos pais, agora todos os novos humanos são gerados em laboratórios e criados por sólidas instituições universalmente aceitas. Para impedir todas as divergências religiosas, criou- se uma única religião – que é vaga, abstrata e a tudo convém. Destruiu-se toda linguagem para que todos se entendessem, só que isso gerou o fim da identidade de pessoas e tribos. Não existem mais dialetos. Todas as cores humanas foram sincretizadas num ser único que não poderia mais se revoltar em sua raça – já que não havia qualquer diferença plausível, seja estética, seja intelectual, seja identitária. Toda expressão nacional foi abolida, já que as barreiras nacionais eram absurdas para um mundo tão englobalizado pela globalização. “Imagine” não é mais ideação, é fato.


Se você pensa sobre a situação de jornais nesse estado atual da humanidade, saiba que agora temos checagens internacionais e tudo passa por um padrão global que não permita qualquer divergência com esse mesmo padrão global. As instituições emissoras de informação formam um grande monopólio universal de padrão universal e não há diferença no que notificam, já que estão em perfeita harmonia universal e universalizante. Se toda revolução informativa no passado gerou uma descentralização informacional, tal descentralidade foi resolvida com centralização universalizante e isso foi possível graças a natureza da era digital que podia entrar em contato com todos. 


Toda vez que uso banheiro, vejo a câmera a me olhar. Toda vez que entro no computador, sei que meus dados são compartilhados em tempo real e são fiscalizados pelos mais fantásticos agentes que só querem o meu bem. Toda vez que transo virtualmente, meus dados são compartilhados e serão reunidos em novas soluções científicas que darão mais e mais felicidade simulada. Toda revolta pode ser superada por um remédio e até a tristeza poética se consegue com um simples remédio ou uma realidade virtual que nos transborda de grandes amores. 


A linguagem antiga foi sendo resolvida com uma revisão universalista. Até livros nocivos como a Bíblia, a Torá e o Alcorão foram sendo revisados e reescritos conformes o padrão universalista. Naquele tempo, a linguagem se tornou neutra e o a pretensão universal de cada religião foi sendo localizada numa grande religião global. Alguns se assustaram quando uma série de intelectuais ilustres e progressistas lançaram um novo livro religioso. Alguns disseram que a religião deveria ser abolida. Outros disseram que a religião tinha acabado numa mensagem revelada em dada época. Tolos, simplesmente tolos: se o abraamismo foi criado em épocas específicas e com mensagens específicas, uma nova religião global tinha que chegar algum dia e essa religião seria mais do que definitiva, superando todas as carências religiosas anteriores. O novo livro religioso reunia a nova humanidade religiosa.


A única coisa que me preocupa é o fato de que surgiu mais uma nova tecnologia. Não que eu queira ser reacionário para com tanta igualdade e felicidade. Não que eu queira atacar a liberdade da realidade simulada. Longe de mim ser contra tal progresso. É que agora eles podem também alterar os estados de minha consciência, incluindo mentalidades e ideias, substituindo mentalidades “defeituosas” por novas mentalidades progressas. Querem até mesmo abolir a separação entre as diferentes consciências. Eles anunciaram: a mente humana é o último entrave ao progresso, a individualidade é um erro e a consciência individual deve ser abolida. Se a mente era, até agora, o único ponto de divergência num mundo igualitário e perfeito – agora até mesmo a consciência pode ser cientificamente condicionada para mais felicidade humana. Enquanto eles colocam o maquinário na minha cabeça e meus pensamentos são registrados nesse relatório que vocês leem, eu tenho muito medo e… Na verdade, essa foi a melhor coisa que me ocorreu, para que serviria essa bobagem de consciência individual? Agora a humanidade é toda um único ser acoplado entre si, nem a solidão mais existe e tudo é um. Fui liberto de mim. Fui salvo de mim mesmo. Não há mais sofrimento e solidão. Obrigado, agradeço- lhes por terem abolido a solidão de minha consciência precária.

sábado, 11 de junho de 2022

Acabo de ler "Violent Cases" de Neil Gaiman e Dave Mckean

 



Essa HQ é bem diferente das que estou acostumado a ler. Para ser mais exato, propus-me a uma pequena loucura quando decidi lê-la: pegar uma HQ aleatoriamente, sem ler a sua sinopse e curtir essa experiência do acaso tal como alguém que abre um livro religioso aleatoriamente esperando uma resposta da providência divina. E não me decepcionei em momento algum, muito pelo contrário.

Essa revista em quadrinhos é meio confusa, já que o conto é narrado no presente, mas a história se passa na percepção meio infantil duma criança. Fora isso, há outro fator que complexifica a leitura da obra: a mistura entre realidade e fantasia dentro da mesma narrativa, o que leva a múltiplos caminhos interpretativos. Damo-nos conta de que estamos numa memória meio confusa que está sempre sincretizando múltiplos eventos.

A sensação de confusão que temos ao ler a HQ não é ruim, ela é prazerosa e dá-nos um quê de misticismo. Essa sensação mística se mistura com a própria beleza artística a qual somos expostos. A beleza e a confusão nos transbordam de sentimentos indescritíveis durante todo no intercurso de leitura. E mesmo não chegando a compreensão literal, compreendemos que ela não é necessária: trata-se, antes de tudo, de uma estranha experiência maravilhosa que joga o leitor numa penumbra lunática e maviosa.

Ao terminar de ler, sinto-me dado a grandes mistérios da vida, não concluindo logicamente sobre eles. O que tendo é entender que existem coisas que escapam as nossas mesquinhas definições.

sábado, 21 de maio de 2022

VOCÊ NUNCA SERÁ FELIZ SENDO PAULISTANO!



Esse é um texto pessoal, lide-se ou sofra. E você pode dizer: “isso é normal de qualquer local do mundo contemporâneo”. Só que se lembre: alguns locais são “bem mais contemporâneos que outros”.


Deixem-me jogar uma “redpill” sobre a capital paulista e o seu povo (paulistano). Talvez ela seja útil para quem tem a ilusão de que viver aqui seja uma coisa boa ou sensata a se fazer devido "a oportunidade de emprego, a diversidade da cidade e comidas do mundo todo, né?". Há, há, há. Você quer pagar o preço de sua alma tentando essa hipótese, meu caro tolo?


Não sei se vocês sabem, mas São Paulo é a cidade mais multicultural do Brasil. Talvez vocês achem que isso signifique a vivência de um sonho em que se pode comer comida de, hipoteticamente, qualquer lugar do mundo – e quiçá isso até seja uma coisa boa. Embora deva-se sustentar que: diversidade alimentícia é só um dos aspectos da experiência geral do todo e o efeito do todo, dentro de São Paulo, nunca é bom. Se isso não lhe serviu de argumento suficiente, lembre-se de uma coisa: nenhuma comida alterará o vazio que você sente por dentro. São Paulo tem tantas formas distintas que não há senso algum de unicidade que ligue a coisa toda e promova uma identificação real, desproporcionando o sentimento de pertencimento graças à ausência de um padrão conexual, mesmo que mínimo, que interligue todas as redes de estruturas que ali estão. É mais um caos sem forma do que uma unidade de variáveis. A consequência de viver aqui é o desgaste contínuo até o arrependimento constante. Eu já perdi as contas de quantas vezes me senti intensamente infeliz só nas últimas semanas. E pior do que isso: o desejo suicida aqui criado é de caráter inconsciente, você enlouquece calmamente e viciosamente sem prazer, tal como dizia uma música do Lobão ("Essa noite não"). 


Vivo em São Paulo há vinte e cinco anos, nasci e cresci aqui. Desde lá, nunca conheci um único paulistano que não tenha tendência suicida – e eu não conheci pouca gente. E, não, não importa a falsificação do discurso por trás disso. A esquerda está ocupada demais odiando o mundo injusto que supostamente está inserida, mesmo que a esquerda paulistana seja uma das esquerdas mais ouvidas e mais organizadas de todo país. Consegue-se, aqui, chegar-se a uma mobilização política de estatura alta e eficaz (ao menos para o padrão duma sociedade capitalista de “terceiro mundo”). Não, esse texto aqui não é uma crítica das pautas da esquerda - sou a favor de grande parte delas - e sim um reconhecimento de que, na realidade, tudo que há em São Paulo são hiperestímulos e movimentos múltiplos de exaustão incessantes. Quanto a direita - aqui trato da direita conservadora ou tradicionalista, esquecendo os "neoconservadores" já que nem conservadores eles são -, ela vê as coisas desordenadas demais para se sentir feliz por aqui e os mais sãos dão a "foda fora" (ok, eu uso chanspeak). Quanto mais a esquerda realiza a sua pauta de tirar de São Paulo qualquer valor autenticamente paulistano - se é que se pode falar de "valor autenticamente paulistano" nessa grande teia de multiplicidades que se alternam por aqui - e inserir São Paulo no cerco mais globalizado e cosmopolita do mundo, mais se sente insatisfeita com a própria pauta e mais radicalmente luta por ela (circlejerk [circulo idiota]?). Acontece que há uma razão para isso: quanto menos pertencimento você tem com o local que você mora, menos satisfeito você se sente com ele – e menos você o ama (Capitão Óbvio). É como aquele manifesto identitário, a esquerda 68tista criou um mundo sem pátria, sem religião, sem divindade, sem família. O resultado não é a imanentização escatológica de John Lennon na música “Imagine”, o resultado é a própria pessoa desgarrada de qualquer sentimento de pertença que lhe seria vital e, por conseguinte, uma fábrica de suicidas potenciais. Um mundo em que tudo se dilui é um mundo de uma massaroca genérica e sem singularidade, o preço da diluição de tudo não é a produção de singularidades, mas a destruição de qualquer possibilidade de singularidade e subjetividade. Se eu disser que todo paulistano é um potencial suicida, talvez a fala fosse um exagero quantitativo, mas não seria um exagero qualitativo. Por outro lado, a direita olha pra tudo, vê que não tem conexão com absolutamente nada, choca-se com a disformidade e, por fim, mata-se ou "dá a foda fora" - e a direita liberal contribui para a destruição de qualquer senso de pertencimento junto à esquerda pós-moderna, o que leva ao eterno lenga-lenga do fato de que a direita liberal (junto aos neoconservadores) é a direita progressista e é progressista no sentido mais profundo em que o progressismo erra. Só que há mais uma direita, de tendência radicalóide, que acha que pode voltar a um passado glorioso e ataca tudo reacionariamente como se isso fosse um meio de atuação efetivo e congruente.


A constante ideia de que a história segue linearmente é assumida simultaneamente por quase todas as esquerdas. Porém não esqueçam de um fato: o neoconservadorismo se assenta numa visão idealizada dos Estados Unidos e importa o seu modelo cultural para todos os países, em alguns casos gerando verdadeiras revoluções que, para qualquer pessoa razoavelmente pessimista (e, par excellence, cética da política e verdadeiramente conservadora e no melhor sentido de conservadorismo), nada tem de fato de conservador. O neoconservadorismo destoa-se do conservadorismo real, já que o neoconservadorismo crê na linearidade da história e tem por objetivo a imanentização escatológica. É por isso que o "neoconservadorismo" nada mais é do que um revolucionarismo americano, uma besteira que só poderia ser criado – e de fato foi – por ex-esquerdista que tiveram formação conservadora de caráter deficiente. Por conta disso, neoconservadores são tão ruins quanto esquerdistas pós-modernos e liberais pós-modernos em seus excessos. Neoconservadores têm um programa para São Paulo: transformá-lo num grande anexo cultural da cultura americana dos anos 50. O que não é uma identidade paulistana e, falando em identidade paulistana, quase ninguém mais faz a mínima ideia do que seja. O neoconservadorismo não é uma forma de conservar a sociedade, nem de reformá-la: é uma macaqueação dos padrões americanos. 


Se o progressismo é bom na medida em que traz pautas fundamentais ao desenvolvimento da humanidade para uma situação mais justa e equilibrada, o conservadorismo é bom na medida em que mesura as medidas experimentais com as medidas já testadas pela força do tempo. A vida é uma dialética constante entre mudanças que precisam ser feitas e condições que precisam ser mantidas. O teste contínuo de novas ideias levadas a cabo, de forma exaustiva, pode colocar em risco todo o desenvolvimento já adquirido pela sociedade. Por outro lado, a mera inalterância corre o risco de paralisar a sociedade e fazê-la estacionar no tempo. Povos fracassam por terem sido experimentais demais (progressistas) e/ou por terem sido estacionados demais (reacionários). Nós nunca sabemos onde estamos nos metendo de fato, tudo envolve cálculo e a política é sempre instável para as vãs e tolas previsões humanas. Só que a discussão aqui já se furtou a muito tempo. Temos neoconservadores que querem um padrão alienígena e progressistas que querem a total diluição da cidade em múltiplas formas que se perdem.


Tá, vamos voltar ao assunto de São Paulo mais propriamente. O nordestino se vê encarcerado num local que não o respeita e que não lhe dá boas oportunidades. Ele nem sabe que hoje em dia, São Paulo é tão ruim com os nordestinos tanto quanto é aos próprios habitantes – ignorando-se a xenofobia, ao menos na criação de uma atmosfera que leva todos ao surto a cidade de São Paulo é igualitária. O paulistano nem sabe a razão de seu sofrer, ele nem sabe que toda a arquitetura paulistana influência em sua sentimentalidade continuamente e o faz depressivo: prédios genéricos e de cores semelhantes (ausência de singularidade em prol da produtividade capitalista?, sei lá), padrões destoantes, arquitetura feia ou desgastada e sem política adequada de conservação, trânsitos que se prolongam em todos os dias da vida, ruas sem asfalto decente ou cheia de toscos preenchimentos superfaturados, nenhuma sensação de acolhimento ou qualquer caráter de historicidade que o ligue à terra nascente – agradeça a esquerda que queria tirar o caráter patriótico e regionalista paulista e, sobretudo, paulistano (e, olhem lá, eles foram bons pra caralho nisso). E o orgulho paulistano? “Nós pelo menos temos metrô”. Como se um sentimento patriótico, nacionalista ou regionalista se construísse com base no tamanho do local, do metrô ou de qualquer outra coisa que seja um produto secundário ou acidental de ações de pessoas bem-intencionadas e amorosamente inseridas num local durante um percurso histórico determinado. As coisas não são grandes e por isso são amadas, as coisas são amadas e tornam-se grandes por serem amadas. Esse é o problema do paulistano: não tendo um amor real por São Paulo, é incapaz de ter um espírito civilizatório crescente que faça com que a sua cidade se torne cada vez melhor. Dessa ausência de amor, a corrupção torna-se ignorável e o produto mais amável é o suposto desenvolvimento que a cidade tem. Só que não se esqueça: os problemas daqui continuam sendo corrigidos a passos de tartaruga, sendo simplesmente ignorados ou crescendo em meio a falsos estancamentos de políticas disfuncionais e o superfaturamento é altamente rentável para uma classe cleptocrata de patrimonialistas organizados que lucram em meio a nossa crescente destruição. Mas, tudo bem, para você a civilização pode ser uma bobagem e o patriotismo uma força de exercer a xenofobia. Você pode acreditar que o mundo se desenvolve pela ação de pessoas que desprezam o local que vivem, mesmo que isso seja flagrantemente contraditório. Amar a minha casa não quer dizer que eu deva odiar a do vizinho, tomá-la pra mim ou odiá-lo por ser meu vizinho – o mesmo é válido para pessoas de outra naturalidade ou até mesmo os possíveis alienígenas. Vale lembrar: o metrô não mata o vazio que você sente no seu peito.


Eu não estou fazendo ode à família tradicional, a religiosidade reacionária ou ao apego regionalista separatista. Creio que a família existe como um centro de poder que pode, se assertiva, potencializar cada indivíduo que esteja dentro dela. Se a família é o núcleo básico e a capacitadora imediata do ser nascente, uma boa família – e não: não estou dizendo “família padrão socialmente aceita e normativamente enquadrada” –  é capaz de dar ao filho e a filha um bom direcionamento. O legado da família é a crescente realização de seus membros – assim deveria ser o legado de todos os agrupamentos sociais. Família, escola, instituições, cidade, governo: tudo isso é centro de poder, formado por indivíduos, cada qual deveria ter o objetivo de transformar os seus membros em pessoas cada vez melhores. O espírito civilizacional é um esforço crescente de pessoas que estão determinadas em elevar-se além das condições que lhes eram anteriores. Só que isso só existe esporadicamente, ninguém está preocupado com a sociedade como um todo. Por vezes, nem com o desenvolvimento da própria família. O que mais precisamos é de que todos os grupos, do mais microcósmico ao mais macrocósmico, preocupe-se com a elevação da potencialidade de seus membros e, igualmente, com a condição física dos lugares que seus membros habitam. Só que entramos naquele “papo chato do amor”: sem o amor, não há predisposição para o bem para o outro – e nem para si mesmo. Esse monte de gente está tudo no mesmo local, só que cada uma atomisticamente separada e em um “eternos monólogos de objetivos”. O único grupo preocupado na elevação contínua da qualidade de seus membros – ignorando as contínuas brigas que têm dentro de si – é a elite cleptocrata patrimonialista. 


A religiosidade segue o mesmo sentido que deveria ter a família. O esforço religioso é a apreensão dum caráter iluminoso que transcende a própria contingencialidade humana e que nunca será, ao todo, abarcável. Tendo o ilimitado por base: a busca religiosa é sempre uma abertura ao infinito que descondiciona e deslegitima os limites que eram anteriormente intransponíveis. Só que esse aspecto de abertura ao infinito, superador das barreiras do imanente, que se projetava em todos os sentidos foi esquecido pela falsidade religiosa contemporânea. Se um religioso dedicava-se aos pobres, dedicava-se todos os dias para atender melhor os pobres. Se um religioso era intelectual, dedicar-se-ia todos os dias para aperfeiçoar-se na maestria da arte intelectual. A religião é espiritualista, seu fundamento é na busca do além de si. Transcendentalizar-se é superar-se. Porém a religião se perdeu por duas vias, seja na corrupção de esquerda ou de direita. Há aquelas que reacionariamente se portaram, tornando-se uma espécie de seita que idealiza o retorno ao passado perfeito – diferente do paraíso posterior defendido por qualquer grande tradição religiosa e que nada tem a ver com as promessas ideológicas (religiões civis: liberalismo, marxismo, anarquismo) de paraísos terrenos. Há, no entanto, aqueles que capitalização o discurso religioso para defender as velhas bobagens das esquerdas (a imanentização escatológica, o paraíso terrenal) e com isso ter poder político. Como se, mudado as condições, o todo da realidade humana fosse alternável pela engenharia social. Fora que há a dualidade corrupta entre: capacidade de gerar lucro (mercadologismo) ou acessibilidade democrática (vulgarização ou acessibilidade como sinônimo fetichista de democracia) só destrói a religião. A religiosidade é a busca pelo reino que, bem ou mal, transcende a esfera do atual e encontra-se superior a ele: é a própria caminha pela realização de um mundo melhor que não se concretizará aqui, mas será continuamente realizado de forma imperfeita – é claro que tudo se torna melhor com o nosso esforço, porém a melhora nunca é absoluta e toda promessa de melhora absoluta é uma ilusão de pessoas que se perderam na própria abstração. Além de que: as pautas de transcendência transcendem, por muitas vezes, as próprias necessidades econômicas do regime capitalista. Não por acaso, existe uma religiosidade autêntica que é anticapitalista ou apresenta pontos que não compactuam com ele – sem, contudo, tornar-se esquerdista. Fora que mesmo sendo a transcendência disponível a todos, ela requer um esforço de querer superar-se que não é da vontade de todos – a transcendência é “democrática” no sentido de que todos podem melhorar alguns pontos de si mesmos e de suas condições, porém mesmo que sujeita as condicionalidades que circunscrevem as vidas dos sujeitos, o esforço por querer mudar depende do ímpeto de cada um e da capacidade de aristocratizar-se (melhorar-se) como vocação. Outro lado que entrava a religiosidade é o próprio neoconservadorismo que avança com força, feito por uma série de igrejas mercadologicamente colocadas, com a pseudomística da teologia da prosperidade e aquela velha bobagem da mentalização psíquica como forma de atrair qualquer objetivo – geralmente estúpido, temporal e puramente material – para o colo. A reflexão intelectual verdadeira, que as formas verdadeiras de religiões impõem, é esquecida. Se o ímpeto religioso é uma abertura sem limite, a mentalidade religiosa abrir-se-ia ao próprio discurso intelectual que lhe é contemporâneo e apresentar-lhe-ia um discurso que lhe é cabível. O objetivo básico, primário e de suma importância da religião, o de reconectar-se com a instância última e primeira da vida, é esquecido completamente pela maioria dos religiosos do Brasil e eles vão muito bem com isso – e a religião vai mal, seguindo prostituída e/ou instrumentalizada para os mais diversos fins escusos.


Quanto a condição individual e o ser autorrealizável, há algumas coisas que devem ser ditas. O ambiente paulistano é péssimo para isso – é péssimo para qualquer realização de ímpeto mais ou menos transcendente. Você só poderá ter um pouco de autarquia (domínio sobre si) se ignorar toda a realidade que o cerca – e você terá que se esforçar para isso. Toda a teia de contínuas e múltiplas estimulações o fazem se perder numa série de múltiplos atos que condenam uns aos outros. Tendo múltiplas cabeças, uma ataca a outra e todo projeto se destrói. Ao paulistano, cabe a calma e o foco que, bem ou mal, fogem da realidade que o cercam. Ele precisa discriminar, escolher um único projeto e encabeçá-lo como escolha de vida – bem diferente do meio multicultural, cheio de opções e sem compromisso identitário a qual vivemos – ao menos que por um tempo limitado e concreto. Só que a pessoa está divorciada da intimidade de si mesma. Perde-se na coletividade ou na ausência de intimidade de si para si. Há diferença entre nutrir ideias políticas e organizar-se coletivamente para realizá-las para com esquecer-se da própria singularidade e tornar-se um ser condicionado a uma abstração coletiva. Infelizmente, o reducionismo politicista (“política é a única coisa que importa, é a realidade última do homem”) faz o homem esquecer-se das outras realidades tão reais quanto a própria política e subordinar-se a uma série de coletividades que, considerando a política a realidade última do homem, fazem-nos esquecer-se de seus outros objetivos vivenciais. É como se a perca de uma reforma, uma eleição ou uma campanha fizesse com que toda outra realização em outro setor vivencial fosse inutilizada. Se perdeu o objetivo político, perdeu também a família, a vida profissional, a vida espiritual, a vida intelectual, a vida cultural, tudo foi pro ralo ou a sensação psíquica é exatamente essa. É possível realizar-se em uma esfera enquanto perde em outra, não estamos num mundo unidimensional e a ausência de percepção disso esvazia a própria capacidade de realização. Não há possibilidade além da tribilização e seitização.


Conversando com um amigo fluminense, há uns quatro anos atrás, ele falou de como as pessoas se encontram ideologicamente afirmadas em São Paulo. Hoje eu não diria que se encontram “ideologicamente afirmadas”, eu diria que se encontram “ideologicamente reduzidas”. Existe uma condição de leitura a qual chamo de “leitura camisinha”. Isto é, ler outra vertente de pensamento só quando um autor de sua linha lhe diz como é essa linha de pensamento. A adoção de um padrão ideológico leva uma redução da capacidade da inteligência. Já que inteligência é o aumento do horizonte de consciência e razão é a aplicação daquilo que se sabe a uma realidade ou hipótese determinada. Exemplificando, é mais inteligência aprender múltiplas linhas de pensamento do que aprender uma única e aplicá-la em tudo. Porém a ideologização fecha a pessoa na redução da realidade, tornando-o um fetichista mental que aplica a sua forma de pensar em tudo em vez da preocupação em aumentar a própria capacidade de pensar. E é óbvio que, numa época tão dominada por fetiches mentais como essa, perder-nos-íamos num aspecto tão elementar quanto a diferenciação entre razão e inteligência, não é? Já que a mediocridade de nossa era consiste num uso exaustivo da vontade (faculdade de decisão) em vez da inteligência (faculdade de apreensão). Ser inteligente, tornar-se mais inteligente é um movimento de abertura e não de decisão. Inteligência é abertura e expansão daquilo que se sabe, vontade é a decisão, porém a inteligência potencializa a vontade e a vontade dobrada ao aumento percepcional potencializa a inteligência. Essa distinção fundamental tornaria tudo aqui menos fetichista e bobo. O resultado mais completo disso é a criação de grupos com uma mentalidade coletiva-normativa que ficam imersos em si mesmos como uma seita autohipnotizada (redundância, não é?).


Aí você escolhe: estude feito um louco, trabalhe feito um louco, faça as duas coisas feito um louco. Tudo em São Paulo é hiper estimulado e tudo deve ser feito com desgaste. Para sentir que se tem vida, faça tudo que faz até a exaustão. Aparentemente, todo paulistano está desgastado em sua adesão desgastante a qualquer coisa que faça. Se for desocupado, será o desocupado que quer demonstrar a sua própria desocupação todos os dias. Se for trabalhador, trabalhará até exaustão todos os dias. Se for intelectualizado, forçará a sua suposta inteligência todos os dias. Todo paulistano é excessivo e caricato pela sua própria excessividade, já que ele não tem ligação real com a realidade mesma que se circunscreve e que lhe trariam gosto pela Terra em que está: apreço ao religioso, inserimento na realidade local, sentimento de regionalidade, conhecimento da própria história, afetividade construída com o próprio percurso vivencial dentro dos locais que frequenta, uma família estruturada no sentido de garantir a potencialização de seu ser com uma história envolvente por gerações que lhe dão um sentido singular de vivência. No final, você bebe, fuma ou usa drogas ilícitas para ter uma efusão momentânea de prazer que, adivinha, vão te levar ao suicídio, a internação ou no mínimo reduzirão o seu tempo de vida. Sua escolha é viver dez anos a mil, só que essa sempre foi a única opção. Você não é hedonista e niilista por escolha própria, é por essa ser a via existencial mais acessível no mercado horrível em que está, por infelicidade do destino ou por burrice, inserido espaço-temporalmente. E você nem precisa ser paulistano pra sofrer disso: toda arquitetura zoada, ausência de cultura própria, caráter desgastante de todas as coisas farão que você vire um legítimo aspirante ao suicídio. Já conheci gente que veio “completamente apaixonada” e iludida pra cá. Eram “totalmente alegres” na medida em que essa aplicação hiperbólica e poética da linguagem o permite, feliz como uma abelha pegando pólen duma flor. Adivinha o que aconteceu com elas após alguns anos ou meros meses de “paulicéia”? “Necessidade” cada vez maior de suicidarem-se. Fora que o padrão exaustivo da vida paulistana faz com que tudo piore… É, esse é o espírito paulistano: você tem tantas cabeças que uma anula a outra por necessidade lógica, só que o processo é de natureza inconsciente e você nem sabe que está passando por ele – e, adivinhe só, você está sofrendo também por causa dele e pela autoanulação contínua do seu ser diante de múltiplas alternativas escolhidas que destroem umas outras preparando a sua psiquê para o surto e o suicídio.


Não se esqueça nunca disso: tudo na cidade de São Paulo levá-lo-á ao suicídio. Tudo levá-lo-á ao desgaste. No fim, o esgotamento é tanto que é melhor viver no interior do que nessa merda de fábrica de suicidas. Uma casinha organizada é melhor do que uma mansão caótica com todo tipo de problemas com os quais você tem que se lidar todos os dias de sua vida, porém, esqueça o que falei, baby, escolha o tamanho da gula com a qual você viverá (e regulará) a sua vida.