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segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Outra Mentira

 



Pergunta-me se estou bem, tudo que posso dizer é que estou estável e tranquilo. Esconder mais uma vez, esconder todas as minhas lágrimas mais uma vez, segurando minha tremedeira e vontade de emanar todo horror que carrego e sinto. Vou forçar um sorriso tímido, quando, na verdade, eu sinto uma corda metafísica a esmagar meu pescoço. Quando fores embora, pôr-me-ei a chorar as dores que me agonizam. Gritarei mais uma vez com o travesseiro em minha cara para que ninguém me ouça. Por enquanto, cabe-me não descarregar as energias que implodem em minha psiquê.

Encontre-me depois de outra mentira. Deixe-ma prendê-la na minha ilusão. Permita-me mais uma vez disfarçar um otimismo. Perca-se em minhas piruetas verbais. Faça coro a mais uma de minhas sórdidas racionalizações, vosmecê merece um quinhão de descanso. Dê-se mais uma vez a possibilidade de acreditar que eu mudei. Force-se a crer que dessa vez tudo há de melhor. Acredite que eu possa mudar, mais do que isso: acredite que eu mudei. Você precisa saber que poderá descansar agora, mesmo que só um pouco.

Pergunta-me o que vejo adiante, inquira-me acerca de meus planos pro futuro. Dir-lhe-ei mil e um planos. Todos pormenorizadamente pensados e arquitetados apenas para falsear a minha real consciência e atenuar suas preocupações. Quando eu olhar para o chão, não verei nada se não um abismo. Mesmo assim, contar-lhe-ei sobre a reluzente ponte que aparece a mim e como ela denota todo meu brilhantesco porvir.

É uma mágica do absurdo. É a capacidade de sentir densamento o desespero pânico enquanto a face demonstra um sorriso e a boca sonorifica palavras de alento. Eu sou bem capaz de te enganar, só que você está ficando boa em saber que sou um mentiroso nato. Eu sou bem capaz de mentir mais uma vez, mesmo ficando cada vez mais difícil. Eu sempre minto, mais fácil pra mim, mais fácil pra ti. Não quero que pense nunca estou bem, ser um fardo é um papel ruim. Dar-lhe-ei um tanto de fingido heroísmo. Pintar-me-ei como cavalheiro matador de dragões. Guerreiro e mártir capaz de enfrentar e vencer todas as problemáticas da vida.

Você sorrirá mais uma vez. Orgulhar-se-á de minha nova guinada pródiga. Abraçar-me-á com teu corpo quente. Eu ficarei internamente destruído, tentarei ao máximo não transparecer que estou mal e que as mentiras que lhe conto, no fundo de minha alma, também me destroem. É que estou cansado e estou mais cansado ainda de lhe deixar cansada.

Me desculpa, simplesmente me desculpa. Eu não queria que fosse assim. Eu queria de fato estar bem. Só que estou há tanto tempo num estado de lamaçal tristeza e você está há tanto tempo ao meu lado esperando eu ficar bem. Não seria justo contigo fazê-la esperar tanto para a cura que nunca chega, mas que sempre tarda. E eu posso sempre tentar ficar bem enquanto ainda estou mal, já que sentir que você ficou mal por eu estar mal me faz ficar ainda mais mal. 

sábado, 18 de dezembro de 2021

Antropoteísmo sem Antropos

Mãe, eu tenho trabalhado sem trabalhar o dia inteiro. Procurando na melancolia a flor. Nas cidades, com a urbanização e a consequente inconsciente escravização dos homens, não crescerão jamais flores para a verdadeira alegria dos homens.


Nossas casas são prisões  contra os tormentos, nossos risos são peças de teatros, não somos travestis, mas travestimo-nos para continuar a trabalhar. Trabalhar a moralidade ególatras de alcoólatras martirados pelo fogo, marginalizados pelo medo de infeliz ficar sem a selva de vaidades sem tréguas. Os presos não escondem os edifícios e nem aquilo que é difícil. A morta é tão morta quanto a própria morte. O tiro é mais eutanásia sem pressão do que uma pressão de que aqui devo ficar.

Eutanásia nesse mundo é piedade. Eutanásia nesse mundo é ortonásia do que eutanásia. E as drogas só continuam a provar que o a Terra é mais Inferno do que o Inferno. O anjo caído sempre anda com novas asas. O anjo caído é tão escuro quanto e como minha pele. E se for parente meu, não o jugo pelo jugo.

Meu sonho mais tenro é um trem me espatifando e fincando nos anônimos habitantes terrestres de nossas cidades. Cidades cercadas de opressão circundante, infernizante e marginilizante. Fui concebido no céu e nascido do inferno. Se eu soubesse que hoje o útero ainda é melhor que o Inferno Vivante, preferia o castelo uterino que a essa realidade tão ruim.

Já fazem oito anos que o Inferno se fez Terra. Já fazem oito anos que a disparidade não mais engana. Já fazem oito anos que o mel é suicídio e o fel é a vida. Já fazem oito anos que entro em delírio saltitante que sonho com a punição de um Deus impassível. Já fazem oito anos que entro na caverna prisional do Deus Dragão martirizante. Já fazem oito anos que dormir pra caralho é melhor do que trepar. Já fazem oito anos que tenho amado sem amar. Já fazem oito anos que o vinho é sempre sem açúcar, que o chá vem sempre frio e que o café é sempre naturalmente salgado. Eu não sou tão cristão quanto Plínio Salgado, mas sou tão impuro quanto Rousseau. Não sou Lutero com 95 sentenças, sou Lutero com novecentos e noventa e nove penitências, tal como se eu fosse mais Legião do que Cristo.

Eu não amei o suficiente, mas tive dose suficiente de insuficiência. Vontade de poder sem metáfora. Se eu não fosse tão marginal quanto a impotência, ao menos não seria tão fraco contra a idolatria social, antropoteísmo sem antropos.