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domingo, 30 de junho de 2024

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 10)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

No trecho anterior da análise citei que o Castelo de Drácula poderia ser uma representação do "inconsciente coletivo sombrio" da humanidade – existe também o inconsciente pessoal sombrio. Nesse trecho, ressalto esse ponto. Dois bons exemplos disso são Belzebu e Legião que aparecem como chefes dentro da estrutura do jogo. Esses dois seres aparecem na Bíblia, mas é evidente que outros monstros surgiram de outras referências literárias, mitológicas, religiosas e também do cinema.

Dentro do jogo, tudo aquilo que Alucard vivência é real na possibilidade do seu universo. Mas na vida real, o mundo no qual vivemos, podemos levantar o questionamento do que há por trás de toda essa narrativa. Todas as figuras excêntricas, sombrias e misteriosas concentradas naquele imponente castelo, representam um antagonismo notório ao que a humanidade espera e verdadeiramente quer. Isso apenas em sentido aparente. Drácula menciona que muitos homens esperam se tornar seus servos, logo esse antagonismo (humanidade vs monstruosidade) é meramente aparente. Por outro lado, o antagonismo na estrutura da análise psicológica não é tão evidente quanto se espera em uma análise rasa. Se a humanidade possui um inconsciente coletivo sombrio, esse pode facilmente um objeto de autonegação dessa mesma humanidade.

Quando escrevo sobre inconsciente coletivo sombrio e inconsciente pessoal sombrio, as referências que existem negativamente dentro de nós, o poder das nossas sombras, revelo algo que vai contra aquilo que a maioria das pessoas que conheço acredita: a hipótese de que o homem é essencialmente bom, mas está corrompido por algum fator de ordem social, econômica, algum distúrbio psíquico ou algo do tipo. O homem não aceita o Castelo de Drácula pois não aceita que em sua essência, em sua ação, em seu pensamento, exista algo de mal, algo de defeituoso, algo se ofensivo. O homem não quer olhar para o espelho e ver uma cicatriz em seu rosto. Ele quer se ver como "puro", porém essa mesma forçação de querer ser puro e se ver como puro o leva a ser incapaz de ver o mal que existe dentro de si. Quando algo é abolido do terreno do consciente, torna-se inconsciente. Logo o homem esconde o mal dentro de si e começa a praticá-lo sem perceber. Uma das razões pelas quais vivemos numa sociedade tão violenta talvez seja essa: esquecemos que existe em cada um de nós um mal que se esconde dentro de nossa interioridade e está presente inclusive em nossas melhores intenções.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Acabo de ler "As Crônicas de Batman: a Prova" de Bruce Canwell, Lee Weeks e Matt Hollingsworfh

 



Nessa pequena HQ, vemos o teste que Batman ofereceu a Robin (Dick Grayson) para que ele o oficializasse como vigilante da justiça. O desafio era: fugir do Batman até o amanhecer. O que não é, para qualquer um que conhece o Batman, um desafio fácil.

No final, era evidente que Robin não conseguiria fugir do Batman. Porém o Menino Prodígio o surpreendeu fugindo de criminosos, em sua capacidade de lutar e também propondo enigmas para o Batman. Tudo isso leva a um questionamento moral: será que vale a pena colocar um menininho numa vida de trevas? Quem responderá é o próprio Batman: "quando perdi meus pais não encontrei maneira de expulsar minha ira, minha dor. E ainda que ele esconda bem, essas emoções estão se agitando dentro de Dick. Robin será uma válvula de escape, uma via para expulsar a escuridão antes que ela corrompa a sua alma".

Batman vê no Robin a imagem de si mesmo. Esse traço não é só mero capricho, talvez seja a forma com que Batman encontrou de redimir a si mesmo e um traço que lhe torna mais humano. Sabemos que Batman sem Robin é menos humano, mais violento e exatamente frio. Robin é um ponto de sanidade e humanidade, por outro lado: Robin consegue se enxergar dentro do próprio Batman, como uma espécie de arquétipo da redenção do mundo pelo movimento de uma pessoa bem-intencionada no combate ao mal. A crença final é a de redimir o mundo com o impulso da vontade.

No final, sentimos que, mesmo falhando, Robin cumpriu bem o ideal proposto. Viveu na prática surpreendendo o próprio Batman. Embora não sendo totalmente capaz, ainda apresentou estar bem o suficiente pra isso. Fora que a HQ traz uma faceta do Robin e a sua conexão com o Batman, além do próprio processo de treinamento e amadurecimento do rapaz que, com sua presença e semelhança, humaniza o próprio mestre.

sábado, 5 de fevereiro de 2022

Acabo de ler "Harry Potter e o Enigma do Príncipe" de J. K. Rowling

 



"– E como é que se divide a alma? – Bem – respondeu Slughorn, constrangido –, você precisa compreender que a alma deve permanecer intocada e una. A divisão é um ato de violação, é contra a natureza."
"Contudo, se encaixava perfeitamente: com a passagem do tempo, Lorde Voldemort parecia ter se tornado menos humano, e as transformações que ele sofrera só me pareciam explicáveis se sua alma estivesse mutilada além da esfera do que chamaríamos de maldade normal...”

O livro nos introduz mais a vida de Voldemort. Não só de forma meramente biográfica, mas ao modus pensandi do icônico vilão que, para atingir a imortalidade, maculou a própria alma. Há também o fascínio pelo mal que atraí Harry a magia das trevas pelo Príncipe Mestiço - (spoiler) que, mais tarde, descobre-se que nada mais é que o próprio Snape. De qualquer forma, a relação com o Snape é ambígua: Harry conheceu e o admirou sem saber que estava a receber um conteúdo de um professor que ele próprio odiava. A relação com Snape (spoiler) é ambígua: admira-o sem saber que é ele, sabe que ele foi responsável por revelar a profecia que levou à morte dos seus pais e é o próprio Snape que mata Dumbledore. Todas essas ações carregam substancialiadade a obra, enriquecendo os personagens e dando um peso realístico dificilmente realizável em obras de menor peso.

O discurso sobre o "um e o múltiplo" me encantou, sobretudo quando se fala da divisibilidade da alma que é a sua corrupção em caráter maior. A divisão da alma, da psiquê, do espírito ou como quer se ouse chamar, é um absurdo trágico. O ser dividido é inautêntico e sofredor. É um ser que está sempre em parte, sofrendo pela mutilação de seu ser que nunca encontra paz. Tal assunto é encontrado na mais alta filosofia, teologia e, igualmente, na literatura e na mística. Nesse livro, vê-se a mística em Harry Potter, duma forma nunca dantes vista dentro do mundo de nosso querido bruxo. E o poder do amor (ou seria "Amor"?) é visto como o equilíbrio desejável, a união do ser consigo mesmo e o laço verdadeiro, o verdadeiro poder: não se pode unir pelo medo, o medo só consegue pressionar com força em determinado tempo e um dia esse mesmo aspecto tensional o arrefece. Logo há ilusão de poder, poder esse que será destruído por sua natureza corrupta e inatural. Não se pode perpetuar a corrupção, já que ela é de aspecto degradante. Onde não há liberdade, há uma gravidade que só pode ser respondida com outro jogo gravitacional de relações, relações essas marcadas pelo o que há de mais baixo.

"o último e maior de seus protetores morrera, e ele estava mais sozinho do que jamais estivera"

Esse livro é de suma importância para Harry Potter. Nele, ele se torna adulto. O mundo protegido por seu padrinho, pai, mãe e até mesmo Dumbledore entrou em colapso. Nas ruínas, ele terá que agora em diante buscar a própria solução, não mais como um menino, mas como um homem legítimo dentro de sua responsabilidade em ação humana. Nisso está a compreensão do livro: o rito de passagem da adolescência para a vida adulta em que se tem que se lutar para conseguir o que se quer. É por isso que esse livro é um dos mais bonitos da franquia, embora recheado duma morte nada agradável. Morte essa de alta significação: o tempo de ser protegido e ter o risco atenuado passou, agora é necessário ser adulto e arcar com as consequências de uma teia embaralhada de alta complexidade irresoluta.