Mostrando postagens com marcador vida intelectual. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador vida intelectual. Mostrar todas as postagens

sábado, 4 de outubro de 2025

Memória Cadavérica #9 — Esfinge Catedrática

 



Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


Lembro-me de quando eu era de um grupo de intelectuais dissidentes. Um dos membros, não me lembro o nome, dizia toda vez que eu chegava no bate-papo: "chegou nossa Esfinge Catedrática".


Outras definições era ele ficar dizendo "deixe a nossa Esfinge se posicionar".


Por algum motivo, ele tinha alguma espécie de admiração estranha por mim. Me considerava excêntrico. De qualquer forma, dos mais diversos títulos que recebi, a de "Esfinge Catedrática" é um dos mais enigmáticos.


A explicação vinha com a ideia de que eu lia bastante coisa e chegava a caminhos extremamente heterodoxos e inusitados. No começo, achei estranho, mas não disse nada. Era alguma espécie de carinhos e admirações bizarras que surgem em grupos intelectuais aleatórios.


Em uma brincadeira, usei o nome "Esfinge Catedrática" posteriormente em weblivro.

Memória Cadavérica #8 — Isolacionismo Pessimista

 


Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


Após ver as críticas negativas que se apresentam em quantidade nauseabunda e volumosa, questiono-me a respeito dos (des)caminhos que nosso país toma.


Acusam-me de ser uma nova espécie de Bruno Tolentino, por causa da bissexualidade, da libertinagem e da polêmica. Confesso que sou os três: um bissexual, um libertino e um polemista. Esse tipo de "ofensa comparativa" soa-me como um elogio. Um grande elogio, diga-se de passagem. Bruno Tolentino era cultíssimo. Um dos maiores intelectuais conservadores da nossa história. Tendo sido tristemente esquecido por essa geração de entusiastas que o único modelo de conservadorismo que conhecem é o reaganismo e o trumpismo.


Digo, em minha defesa — ou para mais uma acusação dos meus odiadores —, que quem lê Gustavo Corção, Nelson Rodrigues e Antônio Paim não precisa de figuras extravagantes como Bolsonaro. Estive trazendo mais conteúdo para o debate público do que múltiplos membros da chamada "direita nacional". Embora eu prefira chamá-la de "lobby americano" ou "geringonça tresloucada".


Até o presente momento, creio que eu fui o único que procurou trazer mais sobre a Tradição Red Tory (Conservadorismo Vermelho), sobre o neohamiltonianismo, sobre o distributismo de Chesterton, sobre o rurbanismo de Gilberto Freyre, além de análises mais completas sobre a UDN. Com essa ampla jornada, destaco-me como um dos mais odiados, com desafetos múltiplos na esquerda e na direita. Mesmo que, por algum motivo absolutamente aleatório, minhas últimas três namoradas eram todas comunistas. O que significa que já posso pedir música no Fantástico.


Por influência do meu pai, que era anarquista, e do meu tio, que era comunista, li muitos livros de Marx, Lênin, Bakunin, Proudhon, Kroptokin. Tudo isso já na minha adolescência. Um dos meus vira-latas chama-se Lênin em homenagem ao meu comunista favorito. Enquanto outros rapazes se preocupavam apenas em álcool e mulheres, preocupava-me com o renascimento, com o iluminismo, com as revoluções. Devo dizer que me tornei abstrato. Demasiadamente abstrato. Leio e converso com comunistas e anarquistas até hoje. Deng Xiaoping é pouco lido pelos comunistas brasileiros. Creio que canais como Second Throught e Red Pen demonstra que existem bons comunistas americanos, ambos canais com excelente qualidade.


Em meio a biblioteca, fui descobrindo vários livros. Li Pondé por acaso, depois li Nelson Rodrigues por causa do Pondé. Foram sendo apresentados outros: Theodore Dalrymple foi um que mais li. Natsume Soseki e Haruki Murakami, dois intelectuais fantásticos, foram descobertos por acaso em um passeio na biblioteca — embora não se possa chamá-los de conservadores, são grandes referências para mim. Atualmente leio bastante Christopher Buckley, Rick Wilson e Stuart Stevens foram de grande importância para minha formação mais recente.


Quanto as análises da América Latina, José Luis Romero, Carlos Rangel e Ernesto Sabato foram cruciais para para desenvolver muito do que presentemente penso. Carlos Taibo apresenta uma versão fascinante da história da União Soviética, tudo com uma lente anarquista de excelentíssima qualidade. Gilberto Freyre, excetuando-se as questões raciais, apresenta o rurbanismo que é uma das principais formas de redução das desigualdades regionais que já vi.


Em relação as polêmicas, faço todas elas em forma de ato filosófico. A filosofia é, em primeiro lugar, um ato de confissão. Confessar verdadeiramente e sinceramente o que pensa é elementar antes de qualquer construção filosófica. Sem esse requisito, constrói-se uma prisão mental que encarcera a alma nas paredes de uma linguagem que se constrói tão somente para se proteger das agonias do mundo real.


Escrever é, para mim, altamente terapêutico. Um hábito de higiene mental. Todo conservador deve ser, antes de tudo, um conservador da consciência pessoal. Aqueles que pretendem destruir a sinceridade ontológica jamais poderiam ser verdadeiramente conservadores. Muito pelo contrário, atentam contra o principal fator. Juntam-se ao coro que matou Sócrates e depois Jesus.


De qualquer modo, hoje em dia converso mais conservadores americanos, europeus e canadenses do que com conservadores brasileiros. Pouco me importo para os rumos do movimento, também não espero nada de bom. As gestões me parecem mais uma repetição monótona da fórmula reaganiana em economia (neoliberal), uma cópia discursiva da retórica beligerante de Trump e táticas militantes da direita woke. Muito longe do pessimismo, ceticismo e pragmatismo dos grandes conservadores.


Cresci na época em que o politicamente incorreto era predominante na Internet. Via-se uma direita que amava mais livros do que qualquer outra coisa.  O mais odiável era a redução do ser em prol dos bandos. Hoje em dia, a direita brasileira torna a si mesma numa cópia da direita woke americana. Por causa do grande atraso que há no nosso debate público, o termo "woke right" (direita woke) ainda não chegou. A direita de hoje se torna quase tudo que criticou.


Lembro-me que muitos concordavam com a ideia de que só imbecis andam em bandos. E vejam só como é: hoje a direita é uma cópia nefasta da esquerda das massas.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Acabo de ler "The Myth of Left and Right" de Hyrum e Verlan (lido em inglês)

 


Nome:

The Myth of Left and Right: how the political spectrum misleads and harms america


Autores:

Hyrum Lewis;

Verlan Lewis.


Grande parte do conflito contemporâneo — e que é uma efetiva ameaça a democracia — é o fenômeno da seitização, da polarização e da tribalização da política. O fato é: se a democracia se dá pela convivência harmoniosa entre diferentes ideias, como estabelecer uma democracia em que o diálogo se torna cada vez mais raro e as pessoas se encontram presas em suas tribos políticas?


O livro trata sobre a questão da visão essencialista dos espectros políticos. Usualmente tomamos esquerda e direita como aspectos essenciais e invariáveis. Tomamos a ideia de que as pessoas escolhem as suas ideias e depois assumem um grupo político para si. Só que essa teoria essencialista foge da realidade: as ideias de esquerda e direita variam tanto historicamente que podem até ser autocontraditórias se colocadas em quadros históricos diferentes. Uma ideia de esquerda pode se tornar de direita e uma ideia de direita pode se tornar de esquerda.


Um exemplo disso é a contradição histórica entre determinadas políticas. Stalin, por exemplo, ressuscitou o nacionalismo na Rússia — o socialismo marxista era internacionalista. Ronald Reagan era pró-migração, pró-acordos multilaterais, pró-comércio global e Donald Trump é o exato oposto disso tudo. Como algo pode ser uma coisa e depois se tornar o absoluto oposto disso? As políticas econômicas de Lenin levaram a abertura do mercado (Nova Política Econômica) e as políticas de Stalin (planos quinquenais) levaram ao fechamento dele. Atualmente, os conservadores falam de uma nova doutrina econômica com um mercado mais fechado à concorrência externa e um Estado mais participativo na esfera econômica.


Outra questão que o livro aborda é a ausência de sistematização real das ideias quando postas lado a lado. Por exemplo, o que ser a favor das fronteiras abertas tem a ver com ser a favor de um Estado mais atuante na esfera econômica? O que ser contra o aborto tem a ver com a redução dos impostos? Em verdade, essas opções que usualmente adquirem o rigor de uma sistemática nada tem a ver uma com a outra e poderiam ser muito bem pensadas separadamente. Mas usualmente pensamos numa adesão em bloco, de forma muito mais religiosa do que filosófica. O pensamento em bloco indica a unidade da fé, o pensamento que vai pouco a pouco, direcionando e analisando cada aspecto, é o pensamento filosófico. Atualmente temos muito mais a adesão em bloco do que uma análise minuciosa de cada parte.


Temos que admitir hoje em dia que muito do que pensamos, não pensamos de fato. Isto é, grande parte de nossas visões vieram de "compra casada". Ou seja, adquirimos essas visões mais por um processo de socialização e adesão grupal do que um processo reflexivo, duradouro e consistente. Devemos voltar a pensar com desprendimento, mas com rigor. Pouco importando as decisões da tribo política. É preciso analisar várias formas sem se prender a uma ritualidade tribalizante, buscando um livre pensamento, desprendido de vieses de confirmação.


Atualmente não temos muito da seriedade democrática. Muito pelo contrário, o que temos são diferentes grupos brigando pelo poder e distorcendo o poder de todas as formas para dar continuidade ao projeto de poder. Ou seja, a própria noção de convivência democrática e a possibilidade de aprender com o adversário ou pessoa de ideia diferente é completamente ignorada. A democracia existe mais institucionalmente do que internamente. Ela é uma instituição que caminha morta pela força dos ventos, visto que não mais habita os corações e mentes. Nessa condição, quem garantirá a continuidade da democracia? Se a democracia já está morta a nível social de forma inconsciente, basta que as pessoas se deem conta disso para que ela acabe a nível institucional.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Acabo de ler "Philosophy" de Roger Scruton (lido em inglês/Parte 1)

 


Nome:

Philosophy Principles and Problems


Autor:

Roger Scruton


Para que serve a filosofia? Essa é pergunta é extremamente fundamental e extremamente necessária. Ao mesmo tempo que pode surgir de forma completamente instrumental e carregar outro sentido: eu vou ganhar dinheiro com o estudo da filosofia? Ela também pode apresentar outra questão: para que eu usarei a filosofia em minha vida? Todos esses posicionamentos são relevantes e devem ser considerados.


Existe algo muito interessante na filosofia. A filosofia é inevitável. A filosofia é um saber de marca maior, visto que é um saber que se direciona a todas as coisas. Quando fazemos uma pergunta filosófica, fazemos uma pergunta sobre um determinado conhecimento. Ou seja, a filosofia é um saber sobre um saber. Quando entramos num questionamento sobre a filosofia, sobre a sua utilidade ou sobre a sua natureza, já estamos filosofando. Aí é que mora o perigo: a filosofia pode ser um processo que, na sua maioria das vezes, é inconsciente.


A filosofia é tão universalmente praticada que se esquecem que ela existe até mesmo quando a praticam. E isso faz com que esqueçamos que ela existe, pois ela habita o nosso inconsciente, pois estamos imersos na questão filosófica. O ser humano é, por natureza, um ser filosófico.


Entendermos a razão do mundo, entendermos o que essencialmente estamos buscando, essa é a razão filosófica. A filosofia é a busca de sentido. A busca por um sentido que antecede e justifica a ação que tomamos dentro do mundo. Sem filosofia, nada faz sentido. Tudo vira uma aparência na qual estamos imersos. A razão filosófica é sair das aparências.



domingo, 30 de junho de 2024

Acabo de ler "8chan, a Twitter-Fossil" de Susana Gómez Larrañaga (lido em inglês/Parte 2)

 


Nome completo do artigo: 8chan, a Twitter-Fossil: A post-digital genealogy of digital toxicity


Existe a possibilidade de traçar genealogia que explique o surgimento e a expansão da toxicidade da internet contemporânea. Essa tentativa de compreensão da causa é de importância vital para o funcionamento da sociedade, visto que a toxicidade virtual tem efeitos sócio-colaterais e impacta na vida de pessoas do mundo inteiro. Se, por exemplo, temos nas democracias a noção de que a informação assegura um voto "mais consciente" e a desinformação um voto "menos consciente" garantir a segurança da informação e achar meios de coibir a desinformação é uma pauta existencial para a perpetuidade da própria democracia. Grupos virtuais virulentos – além de grupos reais que se utilizam do espaço virtual – buscam alterar informações no objetivo de adquirirem alguma vantagem, muitas vezes empregando falsas narrativas que aumentam a possibilidade de uma conjuntura mais favorável aos seus anseios. A desinformação não é só criada por pessoas incultas, mas também por pessoas má-intencionadas que visam debilitar a funcionalidade dos organismos informacionais.


Hoje em dia, é fato notório que a desinformação promovida por certos grupos visa uma disrupção social deliberada. Essa disrupção social tem um impacto sócio-político considerável. Além disso, existe toda uma espécie de criação de um ambiente tóxico que se expande para fora do mundo virtual e vai de encontro a concretude do dia a dia. Os frequentes ataques terroristas, vindos de portadores de ideias de extrema-direita, levam a um questionamento constante acerca da liberdade. Até qual ponto existe legitimidade nas alegações de que devemos ter uma "liberdade de expressão absoluta"?  Até qual ponto existe legitimidade nas alegações de que estão "cerceando a multiplicidade dialógica para impor uma ideologia absoluta e totalitária"? O que são pontos de vista distintos e o que são visões perversas de mundo? Na democracia, quando uma visão deve ser possível dentro da estrutura de um debate democrático e quando ela deve ser abolida por ser prejudicial e perigosa para a própria existência da democracia? Aliás, qual a efetiva possibilidade desses grupos que visam uma maior segurança digital terem o velado objetivo de criminalizar seus adversários políticos mais tênues enquanto atacam os mais notórios? Em outras palavras, seria possível criminalizar Roger Scruton criminalizando Hitler? Além disso, qual a possibilidade de todo aparato construído nessas trincheiras de enfrentamento serem utilizadas pelo grupo que é estudado pelos acadêmicos e pesquisadores contra os próprios acadêmicos e pesquisadores? Existe a possibilidade do feitiço virar contra o feiticeiro. Todas essas questões são demasiadamente complexas e talvez levem centenas de anos para serem respondidas com clareza.


Para além das questões dos impactos sociais e políticos, deve-se questionar a influência psicológica na esfera individual dos frequentadores desses fóruns undergrounds. Eles estão habituados a algo fechado e a narrativização constante de tudo que está em sua volta. O psiquismo deles é muito semelhante ao psiquismo de um membro de seita. Se assim o é, deve-se pensar nos "espólios de guerra" e igualmente nas influências que o fizeram estar tão dispostos a frequentarem locais tão tóxicos. Ou seja, quais foram as experiências existenciais antecedentes a eles se tornarem partidários orgânicos dessas redes.

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 11 Final)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

É muito bom chegar até aqui. Castlevania foi um dos jogos que mais marcou a minha vida de jogador e eu sempre quis trazer algo de mais profundo acerca das reflexões que o jogo em si mesmo me causava. Escrever esse texto foi uma forma de me recordar de quando tinha onze anos de idade e jogava aquele glorioso clássico em meu PlayStation 1. Desde que o joguei, o gênero metroidvania se tornou um dos que eu particularmente mais gosto.


Escrever essa pequena saga de análises foi uma das formas de demonstrar o quão impactante, interessante e curiosa foi a minha experiência com o jogo. E também quis abri-los a uma percepção mais elevada das questões morais, psicológicas, literárias, filosóficas, sociológicas, mitológicas e até mesmo religiosas que rondam o jogo. Não sei se isso será de "grande utilização" para vocês, mas uma coisa é certa: Castlevania Symphony of the Night é um marco e será para sempre lembrado como um dos melhores jogos da história, mesmo que poucos deem o devido valor – inclusive valor intelectual – que ele merece.

domingo, 16 de junho de 2024

Acabo de ler "A Tirania dos Especialistas" de Martim Vasques da Cunha (Parte 4)

 



Existe uma tendência propriamente humana de querer uma imanentização escatológica. Ou seja, o ímpeto de realizar na Terra o juízo final. O que supostamente aconteceria a esse evento seria o fim da história e provavelmente o paraíso terrestre. Nele, teríamos, por fim, todo o gozo que o mundo atual nos rejeita. Tal acontecimento seria possível pelo retorno ao passado glorioso (reacionarismo) ou ao futuro grandioso (revolucionarismo). Isto é, a ficção delirante a ser construída pela extrema-direita (via reacionária) ou pela extrema-esquerda (via revolucionária).


A complexidade da nossa experiência no mundo não pode – e nem deve – ser suprimida por uma panacéia criada por um intelectual. O intelectual, contudo, acredita na potencialidade irrestrita de sua capacidade. O que lhe dá um ar de onipotência divina. Para realizar seus planos, precisa do poder. Esse estranho hábito é chamado de pleonexia (desejo pelo poder). E se existe alguém contrário aos seus anseios grandiosos, o intelectual prontamente se converte sua pleonexia em filotirania (amor à tirania). É graças aos intelectuais que ditaduras pomposas e leis que usurpam o poder dos indivíduos surgem todos os dias.


O intelectual, crente em seu próprio poder, chega ao delírio de se propor como acima de todos os demais indivíduos de seu meio e, até mesmo, fora dele. Tal condição o predispõe amargamente ao gosto por uma tirania que, posta em prática, traz o Inferno para a Terra. É por isso que "o Inferno está recheado de boas intenções", visto que é o próprio anseio de trazer o Paraíso para Terra que faz com que o intelectual traga o Inferno em vez do paraíso. Lembrando analogicamente o Demiurgo que, ao criar o mundo material, trouxe toda a imperfeição junto a sua criação.


Quando descobrimos que "Os Demônios" nada mais são que os intelectuais e que os desejos intelectuais podem causar a ruína ou o desaparecimento trágico duma sociedade inteira, temos uma conscientização da responsabilidade da vida intelectual e das suas consequências. Lembrando o clássico livro conservador "As Ideias têm Consequências" de Richard M. Weaver.

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 30 - Final)

 


Termino aqui uma grandiosa jornada serializada de ler e comentar cada capítulo do livro "Em Defesa de Stalin". Um livro que começa a chamar a atenção pelo título – e não só pelo título, como igualmente pelo seu conteúdo. A perspectiva do livro, a sua apologia a Stalin, é brilhante. Sobretudo num país, o Brasil, em que o trotskismo é amplamente majoritário. Sempre me interessei muito mais por Stalin do que por Trotsky, embora não tenha uma firme posição para com nenhum dos lados. De qualquer modo, a obra – não só intelectual, mas também política – de Stalin sempre me interessou muito mais do que as ações de Trotsky e os seus livros. Não me recuso, entretanto, a fazer estudo do trotskismo e do Trotsky.


Ler esse livro foi de fundamental importância para que eu compreendesse mais profundamente quem foi Stalin e o que ele fez. Por uma infelicidade, no Brasil temos uma grande bibliografia trotskista e uma igualmente grande bibliografia antistalinista. No fim, o que temos são dois grandes polos antistalinistas que, mesmo não sendo propriamente amigáveis entre si, atuam conjuntamente para fortalecer uma única visão de mundo: a antistalinista. Ora, é necessário compreender que uma visão puramente apologética ou antiapologética é dogmática e está muito longe daquilo que se poderia considerar propriamente filosófico. A filosofia não é a aceitação duma unidade de crenças e nem a negação de unidades de crenças. A filosofia, o debate filosófico, é a parcialidade que aceita algum ou alguns aspectos e rejeita um ou outro aspecto ou conjunto de aspectos. A negação sistemática ou aceitação sistemática não é filosófica, é teológica. E um estudo dominado por essa mentalidade não é um estudo livre, é um estudo doutrinador.


Creio que falta ao brasileiro uma capacidade de estudar além das fronteiras que os grupos coletivo-normatizantes apresentam em suas crenças cegas e fechadas. Falta ao brasileiro um livre-exame e um desapego para com as coletividades. Visto que a vida intelectual e as lutas no seio da vida intelectual só podem ser comprovadas intelectualmente. A adesão tribal proíbe isso.

quinta-feira, 30 de maio de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 23)

 


Voltamos a análise do Instituto Marx Engels Lenin sobre a vida de Stalin (páginas 305 à 332). Essa é a última parte do Instituto Marx Engels Lenin, aborda todo o período da Segunda Guerra Mundial e termina nela mesma. Ou seja, o período pós-guerra não é abordado. O que não diminui o texto em sua qualidade, embora eu preferisse que fosse até o final da vida de Josef Stalin.


Lendo esse importante documento, vejo que Stalin não foi só um importante líder, mas igualmente um importante teórico do marxismo. As suas análises, bastante acuradas, muitas vezes demonstraram um desenvolvimento da teoria marxista-leninista em novos graus. O que refuta, mais uma vez, a ideia falsa de que Stalin não tinha um desenvolvimento teórico do marxismo e que não era suficientemente inteligente.


De fato, Stalin foi um estrategista, um político, um intelectual e um homem bastante ilustre – em todos os aspectos possíveis. Hoje em dia a sua imagem é marcada por uma negatividade maior do que se espera, sobretudo graças à imensa confusão informacional que temos diante de nossos olhos. Olhar para outro lado, ver outras informações, apurar e depurar os dados, é hoje de suma importância. A batalha das narrativas usualmente caem na falsificação e tribalização dos dados, das informações e das teorias. O que um grupo social apoia se torna suficiente para a validação de uma narrativa e tal condição leva a uma perda da qualidade da vida intelectual verdadeira em sua busca incessante – e sempre ilimitada – pela verdade que sempre será inabarcável.


Diante de nossa finitude, devemos nos manter vestidos com o manto da humilde, negar as narrativas e ajoelharmo-nos diante do infinito que nunca poderemos abarcar. Só assim seremos intelectuais completos, visto que aceitaremos humildemente que somos necesariamente incompletos e que nada que façamos chegará a totalidade. Assumir a totalidade é psicologicamente negá-la.

terça-feira, 23 de abril de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 1)

 



Essa análise remete a apresentação (7 a 37). Resolvi fragmentar a análise visto que ando muito ocupado para escrever análises com maior regularidade graças ao pouco tempo para uma leitura mais diversa. Também creio que a análise fragmentária funciona mais no Instagram: os poucos caracteres que a plataforma disponibiliza dão um entrave para análises mais minuciosas, todavia isso pode ser burlado pela fragmentação. A fragmentação da análise, por sua vez, permite uma escrita mais atenta aos detalhes de cada parte do livro.


Quando pensamos em Stalin pensamos não só nele. A imagem de Stalin sempre vem atrelada a uma série de outras imagens. A história da União Soviética, sua ligação com Lênin, as brigas com Trotsky, os sentimentos que provocava em seus adversários, seus críticos de esquerda e de direita, a tradição imperial russa. No meio a tanta ebulição social provocada pela multiplicidade de projeções imagéticas, o que será verdade e o que será mentira? O aumento da acuracidade da história, um olhar crítico ao passado, importa para a humanidade em si mesma. Se a humanidade é incapaz duma correta autocrítica, perdemo-nos no caminho.


Esse livro vai numa linha bastante interessante: em vez de seguir a maioria, vai no fluxo contrário. Atacar Stalin é, hoje em dia, uma tecla tão batida que gera uma monotonia sonora e argumentativa. Quando me deparei com esse livro eu pensei: "por que não?". Sou uma pessoa extremamente curiosa e ver que existe uma sólida defesa ao Stalin - que sempre me pareceu uma figura muito mais interessante que Trotsky - me interessou muitíssimo. E os autores de tais textos já garantem, logo de cara, que muito do que se diz por aí é um fuzuê de desinformação, confusão mental, calúnia ou alteração para atacar tamanha figura.


O quadro que o livro apresenta não é algo que foge muito do discurso padrão? E será o discurso padrão válido? Creio que devemos dar uma chance para que um ponto de antagonismo se estabeleça em prol da saúde da própria discussão. Só assim poderemos adentrar nos confins da história e estabelecer com maior precisão e rigor a veracidade da própria história.

quinta-feira, 14 de março de 2024

Acabo de ler "TEATRO E A ESCOLA: funções, importâncias e práticas" de Vários Autores

 



O teatro é uma arte libertária. Historicamente surge como uma espécie de culto ao deus Dioniso, esse que era deus das festas, do vinho, da alegria e do teatro. Essa inspiração, por mais que muito distante, já demonstra o espírito do teatro em sua forma inicial. E, igualmente, como o teatro está correlacionado ao pensamento libertário. Dioniso também é deus do delírio místico e o teatro era, na Grécia, tido como parte da inspiração divina.


O teatro trabalha de forma dupla: uma parte sua é literatura e outra parte é encenação. Há uma "simulação" dentro do teatro: ela surge para revivenciar algo que ocorreu dentro da história ou do imaginário do criador da peça. Essa espécie de vivência proporciona uma alteridade que, por sua vez, permite a quem realiza a experiência simulada e quem a vê ter uma noção mais aproximada. Logo a reflexão proporcionada pelo teatro tem algo de experiencial, o que possibilita uma maior facilidade de assimilação. Graças a tal possibilidade, o teatro é altamente eficaz como instrumento pedagógico.


Engana-se quem busca negar ao teatro o seu aspecto educacional: desde o momento de sua criação até o momento de hoje o teatro existe para gerar reflexão, seja da pessoa em si, seja da sociedade que o teatro satiriza. Inicialmente existiam duas formas de teatro: a forma dramática e a forma cômica. A dramática visava a catarse que é a purificação por meio do sofrimento que a peça traz. Já a cômica fazia com que se questionasse a sociedade por meio da sátira. Ou seja, uma levava a uma postura autocrítica e outra a crítica social.


Não se poderia dizer que uma arte tão capaz de levar a um aumento de capacidade crítica e autocrítica seja inútil. Muito pelo contrário: o teatro é uma das artes mais belas e com uma das histórias mais ricas que podemos ter contato.

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Análise de "O Enigma da Religião" de Rubem Alves - Parte 1

 



A ideia de que possamos ter uma vida intelectual neutra é uma ideia que não possui cabimento. O ser humano sempre encara a realidade sentimentalmente, visto que viver implica em sobrevivência e sobreviver carrega emoção. Não há como permanecer neutro para com a vida, logo não há como ser intelectualmente neutro.


A religiosidade é busca pela transformação simbólica do mundo. A religiosidade é o alicerce que tenta sintetizar desejo e ambiente. Tanto que a manifestação máxima da religião é o paraíso: neste momento, desejo e realidade são o mesmo. Toda busca por transformar o mundo caótico numa "ordo amoris" é uma busca religiosa. O homem está, neste sentido, condenado à religião - mesmo que não saiba disso de maneira consciente.


No entanto, o mundo atualmente está situado numa situação cruel. Quando vamos crescendo, influências do mundo externo adentram em nosso psiquismo e formam nossa visão. Essa visão é um "acordo silencioso": enxergamos a realidade por meio desses olhos e não questionamos os nossos olhos. A vida intelectual autêntica é um questionamento constante de nossos próprios olhos. Não se trata tão somente de questionar o que se vê, visto que isto é só um julgamento ou simplesmente arrogância, trata-se de questionar os próprios olhos e, com isto, abrir a percepção para que a capacidade de ver aumente.


Um ser que queira se libertar precisa constantemente se abrir através da autocrítica, este movimento aumentará a sua capacidade de perceber e, por fim, será melhor na arte de julgar. Porém a abertura deve preceder à crítica. O aumento do horizonte de consciência é mais importante que o julgamento, visto que o aumento da inteligência possibilita uma maior capacidade de julgamento.


O homem, ao ser um ser contingencial, não tem o direito de ser sério. Já que o homem é limitado e só pode fugir de suas limitações ao rir de si mesmo, questionando e relativizando suas crenças passadas em uma síntese com a cultura presente de forma a se locupletar e tornar-se mais sábio. A sabedoria é um paradoxo: questionar fortemente a si mesmo e acreditar que possa superar infinitamente a si mesmo.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Acabo de ler "Autobiografía" de Jorge Luis Borges (lido em espanhol)

 



"Ya no considero inalcanzable la felicidad como me sucedía hace tiempo. Ahora sé que puede ocurrir en cualquier momento, pero nunca hay que buscarla"


Li esse livro pensando que, tendo-o como primeiro, seria capaz de aproximar-me mais do autor. O fato é que esse grande escritor tem uma história fantástica e é um dos maiores pensadores latino-americanos do século XX.


Jorge cresceu cercado de livros, com o contato com a língua inglesa e espanhola. Também desenvolveu contato com outras línguas através de seu percurso vivencial. Sendo um homem de altíssima erudição, tem uma obra riquíssima e que quebra todos os padrões anteriormente estabelecidos, tornou-se um autor paradigmático, visto que sua obra revolucionou a prática literária.


Um dos detalhes mais dolorosos foi o desenvolvimento gradual de sua cegueira. Essa cegueira é como um legado de sua família, afetando também seu pai, avô e bisavô. Ficou cego bem cedo, aos 55 anos de idade. Porém ele já sabia que um dia ficaria cego, o legado familiar não lhe deixava dúvida.


Este livro conta uma história de um homem fantástico. É um verdadeiro compilado de toda uma história de andanças, de amadurecimento, de intelectualidade, de múltiplas e inúmeras facetas e ângulos. O conteúdo é riquíssimo e ao mesmo tempo encantador.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Redpill é meu ovo!




Toda ideologia se funda no mesmo elemento gnóstico que se funda a redpill. E esta se deve a falsa resolução do mito da caverna:


O mito da caverna só tem uma "resolução possível", e esta é plenamente negativista. Isto é, a acoplagem de conhecimento aumenta o espaço da caverna, porém sem você sair dela. Quanto mais conhecimento tiveres, menos prisional se torna a caverna. Só que você nunca sairá dela: a aquisição de mais e mais conhecimentos pelo resto da vida é a forma de se lidar com o problema, mas não há como sair dele em absoluto. O mito da caverna só tem solução metafórica, quando o ser se liberta dum aspecto contingencial, cai em outro.


A redpill é literalmente mais um gnosticozinho dizendo: "veja, se você aderiu minha crença, você é livre". Aí você cai alguma bobagem (reducionismo de classes, reducionismo de raças, reducionismo de individualismo) - aquilo que poderíamos chamar de religiões civis. O verdadeiro conhecimento é o aumento contínuo do próprio conhecimento, destruindo as reduções tipicamente gnósticas que dão caráter circular e delimitado. A solução sempre envolve uma complexificação, visto que envolve o aumento de critérios em que se baseia a capacidade de perceber epistemologicamente o real, a ideologia é e vai num sentido completamente oposto: é um aspecto da realidade tomado em sentido absoluto.


Só que a maioria das pessoas não sabe que o absolutismo do real requer a relativização dos critérios unilaterais e/ou monistas. Este não é o relativismo niilista que nega a verdade por ela ser necessariamente múltipla, nem o relativismo sincrético que não se realizou em síntese, mas o próprio relativismo sintético que ampliou a capacidade de inteligir. A maioria das pessoas saem duma caverna e adentram noutra, migrando de religião civil para religião civil (do fascismo ao marxismo, do marxismo ao positivismo, do positivismo ao anarquismo, etc.). A verdade é a aceitação da multiplicidade do real, em que os critérios entram em síntese e, com base nisso, tudo aquilo que era parcial é locupletado, tornando-se relativizado.


Todo esse exercício leva a uma agonia em que o verdadeiro intelectual entenderá, a cada dia mais, que o mundo é complexo demais para ser resolvido via simplificações grosseiras da realidade. Já que afirmações literais tomam cada vez menos espaço e ele vê uma série de exemplos que se juntam, alterando o que parecia grosseiramente simples em algo de intenso aspecto multifacetado. Dito isto, crenças circulares demais e respostas cabais demais importar-lhe-ão cada vez menos.

sexta-feira, 3 de março de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de C. G. Jung: Capítulo 2: Carl Gustav Jung e Sigmund Schlomo Freud"

 



Jung e Freud eram, ao mesmo tempo, pesquisadores originalíssimos no campo da medicina e psiquiatria. Também compreendiam que havia mais no aparelho mental do que de fato estávamos propensos a acreditar. As teorias de Jung, até aquele momento, complementavam e endossavam a de Freud. Não por acaso surgiu a relação que os dois nutriam durante um bom tempo.


Jung viu em Freud a coragem intelectual que não viu em seu próprio pai. Freud representou-lhe a potência da figura paterna que lhe faltava. Nisto Freud virou simultaneamente Mestre e Pai. Jung virou seu Discípulo e seu Filho. Tão logo para virar o príncipe da psicanálise. Essa relação tão terna logo viraria um jogo cruel.


Jung gostava de estudar os fenômenos espirituais, acreditava no inconsciente coletivo - legado psíquico da humanidade - e também tinha uma teoria mais geral da libido. Já Freud via isso como traição a sua teoria, não gostava dos fenômenos espirituais - tidos como arcaicos - e tampouco gostava do rumo que as teorias de Jung iam tomando. Tudo isso levou a uma separação radical entre os dois que eram outrora tão próximos.


Uma história interessante, seja a nível biográfico, seja a nível intelectual. Certamente pode levar a questões que revelam a densidade psíquica de ambos e  o que ambicionavam em suas vidas. Também se poderá ver as limitações que cada um apresentava e as suas fraquezas, seja como seres humanos, seja como intelectuais.


O que demonstra que a vida intelectual não é só um apanhado de observações de homens distantes. Ela é carregada de afetos de todos os tipos. E as crenças, igualmente depositárias de identidade (eu plural), afetam-nos de modo que nem sempre conscientemente sabemos.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Acabo de ler "O sonho e a psicanálise freudiana" de Giovana Rodrigues da Silva

 



O sonho na psicanálise é analisado de forma diferencial. Ele é visto como uma via de acesso ao inconsciente, embora ele não seja a única. Várias são as portas e, quando combinadas, temos a possibilidade de nos conhecermos melhor como pessoas.

Para compreender um pouco mais do sonho, é preciso compreender que, para Freud, somos dotados por energia psíquica e que esse mecanismo trabalha para evitar a sobrecarga do nosso aparelho psíquico. Para regulamentar melhor essa energia e evitar a sobrecarga, nosso aparelho mental impossibilita o acesso de certos dados para que tenhamos uma certa paz - esses vão parar no inconsciente.

O grande problema é que: o inconsciente não tem toda sua informação bloqueado em acesso ao consciente. O que foi descartado, na verdade foi omitido. Ele há de reaparecer em algum lugar e Freud especulou que uma dessas vias é o conteúdo dos sonhos. O contato entre o consciente e o inconsciente nunca é cortado ao máximo.

O sonho é um grande mistério. O mecanismo repressivo ainda é atuante e é por isso que o sonho vem codificado para que o consciente não o entenda - só que essa codificação pode ser descodificada. Entramos em contato com a realidade mental sem ser por ela diretamente afetado a nível de compreensão integral. O esforço investigativo terá que ir para além das informações presentes nos sonhos e analisar a integralidade da vida em si.

Um artigo simples e enxuto, todavia de tematização elementar. Recomendável a quem busca um maior entendimento da psicanálise e dos sonhos - além de, é claro, de si mesmo. O sonho é, para psicanálise, uma mensagem do eu para o eu.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Agradecimentos

 



Fui buscar meu diploma hoje. Várias memórias se passaram dentro de minha cabeça, era como um episódio de flashbacks. Até aquele período em que estudei depressivamente, desmoronando pela submersão de vários sentimentos, tornaram-se alegres. Uma sensação, um sentimento de conquista justificado pelo esforço e a capacidade de não desistir.


Passei 3 anos em uma labuta, indo quase toda semana pegando livros da biblioteca em paralelo às aulas diárias que tinha. Durante o curso, frequentei duas bibliotecas para complementar a minha formação literária, fora alguns cursos que executava em paralelo. A formação se deu pelo esforço, muitas vezes foi uma batalha de vitalidade e persistência para dar continuidade a uma série de estudos privados e de ordem curricular. De qualquer modo, sempre decidi ir além. Eu tentei conciliar e fiz, na medida do possível, uma série de estudos que complementavam o curso.


A faculdade foi-me mais do que um compromisso burocrático. Era-me um mundo inteiro. As disciplinas - nem todas, mas a maioria - me encantaram. Os assuntos tratados, na sala de aula ou fora dela, foram-me de máxima importância. Em pouco tempo, eu, garoto revolto, tornei-me tão acadêmico quanto poderia ser. Embora eu sempre tenha mantido um olhar para aquelas questões e autores pouco olhados, visados ou admirados. A vida me foi como um grande pancânon dialético e ainda o é. A dialogicidade e a necessidade de negar-se para ir além do aceitável para mim mesmo me foi compromisso antes, durante e depois do curso.


Agradeço aos carinhosos professores, amigos e companheiros que, durante esse trajeto, acompanharam-me e ajudaram-me. Espero sempre estar, mesmo que espiritualmente, ao vosso lado. Foi difícil a minha trajetória, já que além de autista eu sou bipolar e tudo se atrapalha no meu autocentramento e mudanças de humor. Só que consegui superar isso e ir além graças a vocês. Também sou grato imensamente a minha família que esteve ao meu lado em todas essas múltiplas crises que se apresentaram em meu caminho. Espero um dia ser digno do amor que recebi de todos vocês.


Ao terminar essa postagem, sinto que estou mais velho e, quiçá, mais sábio também.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Prelúdios do Cadáver #14 - Breves Reflexões sobre os Últimos Tempos

 Publicado em 22/10/2018


Olá, meus amigos. Hoje vim aqui agradecer especialmente ao Contra os Acadêmicos e ao Anarquismo Individualista por estarem me acompanhando em minha longa viagem. Graças a vocês, entrei em contato com pensamentos que antes me eram totalmente desconhecidos.


Não sou uma pessoa fácil de lidar. Sei disso. Fico fazendo piadas inoportunas e sou uma pessoa pouco séria. Particularmente, esse é um traço de minha personalidade que não consigo mudar. Às vezes parece que sou uma pessoa incontrolável. Cresce em mim uma profundidade que antes me era estranha. Parece que, mesmo tendo uma personalidade cínica e zombeteira, existem traços de seriedade que vão se conectando a mim.


Não sinto mais falta do tempo passado. Dalgum modo, confortei-me com o presente. Aceitei-o, para ser mais sincero. Eu não me via como uma pessoa forte, achava-me um fracassado. Dir-se-ia que era pessimista comigo mesmo, todavia hoje as pessoas reconhecem minha força. Sei que não estou no meu auge, ainda falta muito para eu alcançar a sabedoria, só que me sinto confortável agora.


Quarta-feira passada, eu cai e machuquei a cabeça. Fui para um hospital e fiquei bastante tempo lá. Tomei alguns pontos na cabeça. Foi em minha solidão que eu percebi o quanto eu tinha me tornado forte. Percebi o quanto eu tinha amadurecido e meus gostos tinham mudado. Pude olhar, mental e retrospectivamente, a minha jornada. Falar-se-ia que dei-me conta de mim mesmo. Cheguei num ponto de autoconsciência. Aquilo que me era impossível, agora me é possível. Parece que estou finalmente ficando mais maduro, mais adulto.


Antes, eu não conseguia acompanhar ninguém. Hoje, há quem diga que não consegue me acompanhar. Isso significa muito para mim. Quando eu estava na sexta e na sétima série, muitas pessoas zombavam de mim alegando a minha burrice. Hoje as pessoas ficam espantadas com a inteligência que fui desenvolvendo.


Hoje decidi que não quero mais continuar numa constante competição para mostrar o aumento de meu nível intelectual. Quero aumentar meu nível intelectual por amor ao saber. Não quero mais amadurecer para mostrar as pessoas o quanto sou sério, quero amadurecer por amor à sabedoria.


A quem me acompanha, muito obrigado. Obrigado também a quem leu. Vou continuar amadurecendo.


Prelúdios do Cadáver #13 - Não Caia Nessa

Publicado em 09/10/2018


1- Versatilidade/Ecletismo:Na vida intelectual, a versatilidade indica ou o caráter crítico-investigativo ou a bunda-molice de querer agradar a todos (e quase sempre ela cai nisso). O errado não é ser versátil, mas sim achar a versatilidade uma virtude intelectual em si mesma e cair na relativização de tudo. É errôneo estudar todo tipo de tese e achar que todas possuem igual valor entre si (ou achar que não são controversas em dados aspectos) e, ainda por cima, declarar-se uma pessoa ponderada por ter estudado todas as teses possíveis e achar todas são esplêndidas demonstrações da racionalidade humana. É preciso que haja uma versatilidade, mas com uma hierarquização de valores e crenças, numa busca pela Verdade.


2- Monomania Intelectual:(Atenção: falo de intelectuais das humanidades, não sei se o mesmo conselho servirá para alunos de ciências exatas, todavia espero que sim). Recentemente tenho estudado sobre a vida intelectual e sobre como uma pessoa pode dar uma formação para si mesmo ou para outrem. O fato é que uma condição essencial para a intelectualidade é a interdisciplinaridade: o estudo dum universo de disciplinas diferentes. Ou seja, não fique só lendo romances ou estudando (coloque uma matéria de humanas/exatas aqui), faça uma boa alternância evitando a monomania intelectual.


3- Tome cuidado com "Esse autor está ultrapassado":Nada pesa mais do que dizer que algo está ultrapassado e que, por consequência lógica, não vale a pena ser estudado. Com tal argumentação descabida, por exemplo, vi freis católicos dizendo que não estudavam São Tomás de Aquino e Santo Agostinho pois a teologia deles estava "muito velha". Tal absurdidade não deveria ser dita num convento, mas sim num hospício.


4- Seitismo Intelectualizado:"Ain não vô lê autor x pois ele é socialista/liberal/keynesiano/pós-moderno/conservador"

Para de frescura e vá ler pensamentos opostos ao seu. Pensamentos que levam ao estudo duma única escola nunca terminam bem, sempre acabam por fanatismo e monomania, um fechamento do ser numa bolha protetora. A verdadeira tolerância e criticidade só surgem a partir duma investigação de multiplicidades conflitantes/harmoniosas. Não adianta pregar tolerância e não praticá-la em âmbito intelectual. É preciso buscar entender aquilo que se defende ou ataca antes de defendê-lo/atacá-lo.


5- Buscai o entendimento e só depois criticai:Não interessa qual autor você lerá, será necessário abster-se de seus julgamentos e concentrar-se na compreensão do autor. Faça isso estudando autores de escolas de pensamento diferentes, assim aumentará a sua gama de cultura e leitura de mundo. Há também o benefício de não ser um seitista de uma única escola de pensamento.


Conclusão:

Esses são cinco conselhos bem básicos, conselhos que são apenas de caráter introdutório, mas espero sinceramente que lhes sejam úteis.

Prelúdios do Cadáver #11 - Velhas Mentiras

Publicado em 06/10/2018


Lembro-me que, em 2016, eu era um jovem que adorava a justiça social e estava integrado num movimento. O fato é que, por má ou boa sorte, sempre tive uma certa capacidade de transparência interna. Sabia-me mau-caráter. Vejam só, eu era um justiceiro social e, ao mesmo tempo, não me sentia uma excelente pessoa, um exemplo social e cívico.


O que me magnetizava na justiça social era a capacidade de livrar-me de minhas próprias mazelas morais. Sabem como é, tirar o peso da consciência, do juízo de valor que me culpava, algo que tanto me pesava. A capacidade de encontrar culpados e de me livrar dos encargos da vida adulta que ia se construindo era confortável para mim. Havia, também, outro fato: eu sentia com prazer o gosto dos expurgos que eu fazia com os meus “colegas de luta”. Apontar o mal em outra pessoa, colocar-se como um exemplo a ser seguido, destruir as pessoas com as mais grotescas acusações. Tudo isso era uma rotina para mim.


O engraçado, nesse meu período existencial, era a forma com que eu lutava contra o moralismo. Era engraçado pois eu era moralista e, ao mesmo tempo, não me sabia moralista. Acreditava que a única moral e o único moralismo era o conservador. No fim, descobri amargamente que eu era um moralista progressista.


Minha convicção sempre foi a de que eu estava lutando para “um futuro melhor”. Se a minha ideia era certa, valia-me de todos os meios possíveis. Sempre justificando os crimes mais vis, as mais odientas acusações, glorificando criminosos e assassinos. A convicção levou-me a ser um clássico fanático. Defendi, então, o socialismo, o comunismo, o anarco-comunismo. Fui filiado ao PSOL (Partido do Socialismo e Liberdade). Tudo em minha vã vida peregrina da dita “justiça social”.


Hoje pergunto-me o que são esses jovens justiceiros sociais. Seriam tal como meu antigo eu? Ou seriam mais cegos que meu antigo eu? Espero, sinceramente, que não sejam mais cegos do que eu. Espero que sejam céticos a ponto de duvidarem de si mesmos e de suas crenças para que, por fim, amadureçam intelectualmente.