quarta-feira, 16 de julho de 2025
Acabo de ler "L’ACTUALITE DE CARL SCHMITT" de Alain de Benoist (lido em francês)
quarta-feira, 13 de novembro de 2024
Acabo de ler "How Marxism Works" de Chris Harman (lido em inglês/Parte 4)
Nome:
How Marxism Works
Autor:
Chris Harman
O que diferencia o homem dos outros animais? Talvez as centrais diferenças dos homens para os outros animais está na forma com que vemos o mundo a nossa volta. Temos uma consciência mais elevada não só de nós mesmos, mas do mundo ao redor. Consciência suficientemente boa para poder moldar a realidade por meio da transformação do meio.
A animalidade tende, no geral, a se proteger do meio. A humanidade se distingue da animalidade geral pela alteração do meio. O progresso cultural não é apenas um progresso imaterial, é um progresso da humanidade em relação a alteração do meio. Alteração do meio com o propósito de atender as necessidades, sonhos e ambições dessa humanidade.
A humanidade altera os meios para comportar a própria humanidade. A humanidade transforma desejo em verdade. É evidente que falhamos e erramos diversas vezes nesse processo, mas o fato inegável é que a humanidade continua. Sempre em frente, alterando cada parte em prol dum objetivo.
A interação entre anseios humanos e meios gera diferentes formas de relação. Essas relações são pautadas pela distribuição dos recursos. A distribuição dos recursos é pautada, por sua vez, na capacidade de produzir. Quando os meios de produção mudam, muda-se também a cultura. As forças de produção alteram sociologicamente as relações de produção.
Os idealistas acreditam que podem mudar o mundo pelos céus, os mecanicistas materialistas acreditam que a natureza humana não é modificável. A história demonstra que os meios de produção alteram a cultura.
A mentalidade também é preocupante nesse caso. A mudança tecnológica é muitas vezes paralisada em prol de um tipo de privilégio que não se quer perder. Então os poderosos se juntam e entravam o desenvolvimento da tecnologia. Não é um fatalismo tecnológico, existe também relações sociais que permeiam o avanço e o entrave.
domingo, 27 de outubro de 2024
Acabo de ler "Campus Battlefield" de Charlie Kirk (lido em inglês/Parte 13)
Nome:
CAMPUS BATTLEFIELD
HOW CONSERVATIVES CAN WIN THE BATTLE ON CAMPUS AND WHY IT MATTERS
Autor:
Charlie Kirk
A questão não é se eu negro deve ser de direita ou de esquerda. A questão é: o negro tem possibilidade de escolha? Na ampla maioria das vezes, a pessoa negra é levada a crer que possui uma obrigação. Essa obrigação é a de ser de esquerda. Vários grupos têm sido levado a crer que são obrigados a serem de esquerda. Há uma enorme incompreensão do que seria ser de direita e, sobretudo, o que seria ser conservador.
O pensamento conservador possui múltiplas vertentes. O pensador conservador negro, Thomas Sowell, é múltiplas vezes ignorado pelos intelectuais negros. O fato é que, nas muitas vezes, a pessoa negra é levada a crer que é obrigada a tomar não uma iniciativa de compreensão de um complexo debate, vendo qual possibilidade é melhor e em que parte, mas sim votar em candidatos de esquerda por obrigação de raça.
É intelectualmente desonesto obrigar pessoas a serem de determinados grupos políticos por serem de dado agrupamento. É intelectualmente racista obrigar negros a serem de esquerda. É intelectualmente fraudulento acusar toda a direita, em sua complexidade absolutamente variável de pensamentos, de ser racista. É epistemologicamente improvável que as políticas de esquerda resultem, ao todo, na promoção de bem-estar para os grupos que ela supostamente defendem. Na melhor das hipóteses, as teorias da esquerda são hipóteses e hipóteses podem dar errado. Não deve haver obrigatoriedade de voto na esquerda por ser pertencente a determinado grupo.
Um debate é marcado não por ideias gerais, mas por uma série de dados que usualmente nos escapam. A generalização leva ao emburrecimento e empobrecimento do debate. Não podemos cair na doutrinação argumentativa que coloca tudo em debates movidos por divergentes unidades de fé em oposição absoluta.
quinta-feira, 17 de outubro de 2024
Acabo de ler "The Agony of the American Left" de Christopher Lasch (lido em inglês/Parte 4)
Christopher Lasch não poupa ninguém em sua análise. Como podemos ver, a esquerda americana sempre amarga em derrotas e ele explica a razão delas falharem. Aqui ele fala mais sobre o racismo e os movimentos pelos direitos civis dos negros. As questões raciais nos Estados Unidos sempre foram tensas.
As relações raciais nos Estados Unidos, tal como no Brasil, variam de local para local. As relações raciais no sul do país não são as mesmas que no norte do país. Particularmente no sul, a integração da comunidade negra – em vez da dissolução no todo social – criou um forte sentimento coletivo e disciplina interna. O que favoreceu fortemente uma política negra.
A relação dos negros no sul era fortemente guiada pelas igrejas. Essas tinham como base a paciência, o sofrimento e o endurecimento. Por mais incrível que pareça ao leitor de visões mais modernas, essa ação foi mais politicamente bem sucedida do que a adaptação a modernidade capitalista. A adoração ao sistema capitalista se tornaria passaporte para o hedonismo, oportunismo, cinismo, violência e ao ódio por si mesmo. A satisfação moderna só pode dar curtos períodos de prazer em vez de uma disciplina metódica, logo é incapaz de proporcionar um movimento político de longo prazo.
O movimento negro do norte tinha uma perspectiva bem diferente. A sua cultura era mais moderna, por assim dizer. Só que essa modernidade não favorecia a sua luta política. Muito pelo contrário, a cultura deles era uma cultura de satisfação hedônica marcada pelo curto-prazismo. Essa desvantagem levou a fraqueza do movimento negro do norte. Em outras palavras, os valores materialistas não eram autossuficientes para metodologicamente gerar um movimento consistente a longo-prazo.
A existência de negros muçulmanos também é algo a ser comentado. Esses possuíam um senso que era ao mesmo tempo "místico e prático". Muitos desses se envolveram em campanhas de moralização, tentando alertar os perigos de uma vida desregrada. Esses mesmos perigosos tornavam a comunidade negra fragmentada, fraca, viciada e inconsistente.
O nacionalismo negro teria uma espécie de ressurreição. Mas preciso falar de algo antes: os irlandeses e os judeus seguiram um caminho interessante. Criariam uma comunidade separada, mas autossuficiente. É graças ao apoio mútuo que se tornaram capazes de desenvolver uma comunidade forte e potencializadora dos indivíduos que estavam dentro dela. Inicialmente fracos e marginalizados, foram pouco a pouco se tornando mais poderosos. Chegaram a se tornar iguais (em igualdade), mas distintos (separados enquanto comunidade). O movimento negro, o Black Power, queria criar uma comunidade autossuficiente de forma semelhante.
O movimento negro americano falhou em desenvolver uma comunidade forte. Infelizmente a ausência de uma percepção mais aprofundada da comunidade judaica e irlandesa foi uma das principais causas da sua derrota. O movimento negro americano perdeu tempo demais indo de ilusão para ilusão, sem nunca chegar a uma concretude, seja teórica, seja prática.
domingo, 29 de setembro de 2024
Acabo de ler "INVISIBLES: PROBLEMÁTICAS DE SALUD-ENFERMEDAD-ATENCIÓN DE PERSONAS BISEXUALES" de Osmar e Edgar (lido em espanhol/Parte 3)
Nome:
INVISIBLES: PROBLEMÁTICAS DE SALUD-ENFERMEDAD-ATENCIÓN DE PERSONAS BISEXUALES
Autores:
Omar Alejandro Olvera Muñoz;
Edgar Carlos Jarillo Soto.
Nota:
Essa pesquisa foi feita no México.
A maioria dos bissexuais preferem não informar a sua orientação sexual. A possibilidade da pessoa bissexual ser considerada heterossexual ou homossexual – incompreensão típica – leva a esse comportamento. A violência verbal não é só uma forma de xingamento, ela também é uma forma de desqualificação. A principal violência contra a pessoa bissexual é o de não reconhecimento da sua própria existência.
O rechaço social pode ser considerado o principal problema para a existência de minorias sexuais ou de gêneros. Quando se fala de homossexuais, há uma ampla cultura gay e uma ampla cultura lésbica. Há todo um mundo que serve de amparo e de sistema de significação. Quanto ao bissexual, nada lhe acolhe e nada o retém. O que significa que não há espaço e nem senso de pertencimento, só a velha bifobia de sempre.
Ser bissexual é sobre isso: ser apagado em todos os locais, em todo instante, a todo momento, tentando provar a própria existência ante a uma sociedade heterossexista e monossexista. O principal efeito: incapacidade de se expressar, de experimentar, se chegar a novos conhecimentos sobre si mesmo e sobre a própria orientação sexual. Proibidos de existir, impossibilitados de ser.
domingo, 1 de setembro de 2024
Acabo de ler "What Is Hegemonic Masculinity?" de Mike Donaldson (lido em inglês/Parte 2)
A natureza da hegemonia é cruel. É a partir dela que a maioria das opressões sociais se estrutura e se aplica. É o grupo hegemônico que pode, com sua força, definir até o que é normalidade. É ele que pautas as relações sociais, culturais e, até mesmo, econômicas. E é a partir dele que vemos o surgimento de vários papéis que devem ser desempenhados por nós performaticamente. A normalidade, em grande parte do tempo, é criada por uma estrutura de poder. Ela é produzida por uma narrativa, por um discurso. O reforço a normalidade em conjunto com a patologização são ferramentas coercitivas para preservar.
A hegemonia é criada pela intelectualidade, criada pela cultura. Ela é mantida pelos padrões culturais. No fundo, são as organizações intelectuais que mantêm ou destroem um determinado padrão. É evidente que isso depende da capacidade de dadas organizações intelectuais. Meios undergrounds não conseguem facilmente penetrar a massa e redefinir conceitos. Quem tem tal domínio, tem para si os chamados "meios de produção cultural". Para detê-los, se faz necessário grande poder financeiro ou o suporte do grande poder financeiro.
Em relação a hegemonia na esfera da masculinidade e do gênero, há uma correlação entre "poder masculino" e "heterossexualidade". Existem aqueles modelos de masculinidade que visam preservar as estruturas de dominação hétero-patriarcais e aqueles outros modelos de masculinidade que atuam contra essa estrutura. A grande maioria desses modelos de masculinidade são violentos, dominadores e agressivos. Visam, antes de tudo, a superação pela conquista, pela imposição e uma perpétua luta dos homens pela hierarquia. É absolutamente infeliz que a maioria dos modelos de masculinidade reinantes sejam sobre dominação e subordinação, isto leva a conflitos sociais perpétuos e rodas tautológicas de tortura sociopsicológica.
A estrutura hegemônica da masculinidade é tecida dia após dia. Regulada e gerida para articular: as experiências, as fantasias e as perspectivas. É a partir dela que as relações de gênero e sexualidade são refletidas e interpretadas. Ou seja, é a partir da matrix (homem, hétero, macho e ativo) que se inicia a reflexão do gênero e da sexualidade. Todos os outros pontos são ignorados ou violentamente censurados, seja pela força da lei jurídica, seja pela força da lei social – que, convenhamos, muitas vezes não são o mesmo. É dessa forma que vemos a natureza do movimento queer e do movimento heterossexual. Sendo o que o queer parte do estranho – contra-hegemônico – e o heterossexual parte daquilo que foi naturalizado – polo hegemônico.
São os ideias culturais os reguladores e gerentes, são os ideias culturais que criam e perpetuam. Para encontrar o modelo de homem reinante, basta ler a maioria dos livros, ver a maioria dos filmes, ouvir a maioria das músicas, assistir a maioria dos programas. O mesmo modelo – homem, hétero, macho e ativo – se repete exaustivamente, como num mantra imagético, adentrando imaginários e servindo como base inspiracional. É assim que se mantém, que se preserva, pela moldagem do imaginário, a hegemonia heterossexual.
domingo, 25 de agosto de 2024
Acabo de ler "Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia" de Mozer e Helder (Parte 3)
domingo, 18 de agosto de 2024
Acabo de ler "Hegemonic Monosexuality" de Angelos Bollas (lido em inglês/Parte 3)
quarta-feira, 3 de julho de 2024
Acabo de ler "Epic Win for Anonymous" de Cole Stryker (lido em inglês/Parte 4)
A internet é a criação de vários projetos. Ela nunca foi muito unificada quanto a visão de seus portadores. Não há um senso dirigente geral. Existe apenas uma mescla de várias variações que saúdam umas as outras ou se afastam. Existe uma tradição virtual daqueles que não gostam do funcionamento da vida real: somos muitas vezes marcados por laços e traços de identidades que nos classificam, várias vezes de forma errônea, sendo julgados muitas vezes por condições que nem sequer fomos nós que escolhemos.
Qualquer um que tenha estudado, trabalhado ou vivido em sociedade sabe: somos classificados e hierarquizados o tempo todo. A existência de fóruns que permitam uma não identificação permitem que outros julgamentos possam vir a ser feitos. Esses julgamentos não se baseiam mais na beleza, no porte físico, na capacidade financeira ou na cor dos olhos. Eles pertencem exclusivamente ao âmbito das ideias. É assim que se pensava a Usenet e Futaba, e é assim que também se pensou inicialmente o 4chan.
Não existem muitas leis, nem muitas regras. Ninguém te conhece, nem te julga. Você pensa o que quer e joga aquilo que quer por lá. Não há muita restrição, tão somente interação. Esse seria o ambiente de possibilidade criativa perfeita, com toda envolvente dinamicidade de anônimos conversando entre si. Essa possibilidade de internet foi a internet que o mundo perdeu.
sexta-feira, 28 de junho de 2024
Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 5)
quarta-feira, 26 de junho de 2024
Acabo de ler "Epic Win for Anonymous" de Cole Stryker (lido em inglês/Parte 3)
O desenvolvimento da cultura channer do 4chan é particularmente interessante. Provindo de um país historicamente determinado pela a sua herança liberal e protestante, ele logrou criar uma gigantesca Ágora em que se debate uma série de questões de forma livre. Apesar de isso ter desenvolvimentos que muitos poderiam considerar questionáveis, o fato é que se discute e se aprende muitas coisas dentro do 4chan. O 4chan é, para o mundo, um local de intercâmbio cultural colossal entre distintas pessoas do mundo inteiro.
Ninguém fala sobre, por exemplo, a aprendizagem sobre jogos, desenhos, arte, arquitetura, literatura, música, dentre outras tantas coisas que as pessoas estudam no 4chan. Usualmente, caímos numa retórica política que distorce todos os assuntos para promover única e exclusivamente a questão política dentro do 4chan. Ninguém fala do autodidatismo e a capacidade que os anônimos têm de revelar aos outros anônimos informações teóricas e desenvolvimento de práticas relevantes entre si. Essa ausência perceptual revela que temos uma cultura que mais se preocupa em delimitar o que é politicamente permitido do que pensar na relatividade das múltiplas condições culturais possíveis, não por acaso a politização leva a delimitação estereotipada do que é cultura, criando assim uma "cultura permitida" e uma "cultura proibida". Não raro, a politização leva a decadência da cultura, visto que essa passa por um freio mórbido que só permite o que convém ao grupo dominante e esse é usualmente mainstream e não permite outras formas culturais.
A tradição protestante levou a um aumento duma técnica chamada livre-exame, tal condição foi necessária para algo de maior abarcância: o livre-exame não só da Bíblia, como também de uma série de outras obras. É disso que surge o livre-pensamento e a maior possibilidade de uma investigação científica. O protestantismo também descentralizou o poder religioso e aumentou a separação entre religião e política. Descentralização e separação necessárias para o maior livre curso de ações. Além disso, as condições culturais da Inglaterra, diferentemente de países como Espanha e Portugal, eram mais modernas e adaptadas as necessidades do tempo. Enquanto a América Latina era colonizada com uma mentalidade mercantilista, os EUA já recebia protótipos da mentalidade liberal. Posteriormente, os EUA manifestar-se-iam mais adaptados a nova mentalidade do mundo. Uma mais funcional e menos determinada pelos rigores duma mentalidade que, naquele período, já apresentava sinais de decadência.
O 4chan tem discussões mais livres graças ao legado cultural do próprio EUA. Além disso, somasse o fator de que o inglês é a língua internacional e quase todo conteúdo internacional é veiculado em inglês. Essa segunda condição também é necessária para compreender a forma com que o 4chan se demonstrou adaptado para receber toneladas de pessoas de todos os lugares do mundo. Fora isso, o fórum é aberto aos estrangeiros, o que possibilita uma interação maior. Essa junção de fatores não deve ser desconsiderada.
Quanto ao 4chan, podemos gostar ou não gostar de certos aspectos. Mas não podemos desconsiderar o seu impacto e relevância em toda a cultura digital moderna, além da sua influência na propagação de uma série de ideias no mundo inteiro. Fora isso, o 4chan influencia também a política norte-americana, como revelou a eleição de Donald Trump. O fenômeno do 4chan não pode ser reduzido por mera retórica, desconsiderá-lo é desconsiderar a própria realidade. Estudá-lo é tornar inteligível a própria cultura digital tal como ela é e tal como parte de seus idealizadores pensam.
segunda-feira, 24 de junho de 2024
Acabo de ler "Epic Win for Anonymous" de Cole Stryker (lido em inglês/Parte 2)
O que é a internet? Um local maravilhoso cheio de pornografia e um punhado de futilidade. Talvez um mundo aberto para a livre exploração. Ou talvez um desenvolvimento de uma potência que se fez morta. De qualquer modo, é possível ter acesso a muitos dados de qualidade ímpar. Todavia quem lerá o conteúdo qualificado com tanta coisa divertida que rapidamente se prende a nossa consciência como um macaco numa árvore para fugir dum predador feroz?
O que há na internet se não uma série de possibilidades que, na maioria das vezes, não se concretiza? O desejo inicial do criador do 4chan era um local para discutir a cultura otaku. Essa intenção primária foi sabotada pelo próprio fluxo natural do tempo. E acabou por se tornar algo muito maior: um fórum com uma potência gigantesca onde variados agrupamentos sociais postam anonimamente.
O criador do texto se perdeu tão logo quanto ganhou seu primeiro computador e começou a pesquisar conteúdos na internet. Sua vida se dividiu entre pornografia e games. É claro que houve um desenvolvimento intelectual nesses enormes tutoriais de jogos – na época de forma textual e não audiovisual – e muita, muita e muita pornografia. Não posso dizer, analisando-me biograficamente, que não sofri de processo semelhante.
De qualquer modo, o 4chan veio para instaurar uma condição bastante nova. Isto é, a condição dum faroeste virtual onde as suas visões importam mais que seu status virtual. É o anonimato que possibilita a livre circulação de ideias em um ambiente anárquico. Vaidades sociais pouco importam nesse processo.
segunda-feira, 8 de abril de 2024
Acabo de ler "O ensino de arte na educação brasileira" de Rosa Iavelberg
O Brasil sofre de enormes debilidades na questão do ensino da arte em suas instituições de ensino. Mesmo após tantos anos e tantos avanços, temos uma generalizada crise e insuficiência no quesito do ensino da arte em nosso país.
Em primeiro lugar, é preciso compreender que "arte" se divide em quatro linguagens:
1- Artes Visuais;
2- Música;
3- Teatro;
4- Dança.
Se existem quatro linguagens, como é que um único professor pode ser capaz de passar essas quatro linguagens de forma igual e com rendimento simétrico com uma formação debilitada e, muitas vezes, não atualizada? Não só a formação do professor é deficiente, a sua atualização como professor também é. Como resultado, o contato dos alunos com as linguagens e expressões da arte é irregular e deficitário.
Corre também outro fato: o professor é muitas vezes obrigado a dar aula em mais de uma escola para sobreviver. Essa característica torna ele incapaz de ensinar, pois o intelectual é um atleta do pensamento. E o atletismo requer um treino constante. A ausência de amparo financeiro - salário adequado - cria uma característica bastante insalubre: professores que não estudam dão aulas sem refletir e sem se aprimorarem enquanto intelectuais.
Questionar sobre o ensino da arte em sua singularidade leva a um questionamento sobre o quadro geral da educação no Brasil. E esse quadro geral também revela as deficiências do Brasil enquanto nação e a linha estratégica de seus projetos de Estado. Falta-nos, como sempre, uma consistência e uma visão. Nosso caminhar é tímido e montado por acasos e tropeços.
segunda-feira, 1 de abril de 2024
Acabo de ler "Quando o teatro e a educação ocupam o mesmo lugar no espaço" de Flávio Desgranges
A arte é educadora enquanto arte, isto é, possibilita uma imersão não só na experiência da vivência da arte, mas abre-se para uma postura de revisão da vida em si mesma. Essa capacidade de gerar uma inquietação prova que a arte tem valor educacional irredutível.
Quando lidamos com uma narrativa temos que usar uma chave para a sua compreensão, usamos essa chave de forma mais ou menos consciente. Essa chave é a de resgatar o material de nossa própria mente, a nossa memória, para entender como a narrativa vai se construindo. A imersão na arte é também um mergulho do ser em si mesmo, sempre e em todo momento.
O teatro moderno registra uma nova ação: ele quer radicalizar esse fenômeno de crítica e autocrítica. Para tal, ele deixa claro que o público está no teatro. Não ocultando a montagem. Isso retira um pouco do processo de imersão na peça que se apresenta, mas acentua a autopercepção. Nesse ponto, o expectador tem mais espaço para a sua intimidade psicológica e até mesmo um diálogo existencial com o que vê.
Existe outro fator no teatro moderno e contemporâneo: ele não quer ser o centro do universo. Ele quer que o universo exista e seja vislumbrado. Quer que a platéia não veja só o teatro, mas as engrenagens do próprio mundo. O que é uma possibilidade enorme de criticar e questionar a sociedade e a cultura dominante.
Sobre o teatro podemos dizer: ou o teatro é questionador ou é questionável. O objetivo do teatro é o de gerar indagação, é o de gerar um questionamento para com o sistema. É levar a uma revisão metódica dos valores que carregamos ou somos obrigados a carregar. Tudo em prol duma mudança qualitativa de nossa própria vida e da sociedade.
sábado, 23 de março de 2024
Acabo de ler "Multiculturalismo" da Dra Marcia Polacchini
O papel de um educador é sempre o de favorecer uma ampliação da capacidade crítica. Essa capacidade, por sua vez, revela-se na possibilidade mesma de expandir os horizontes da própria cultura. Isto é, a de expandir os limites do mundo em que se localiza. Essa expansão é decorrente duma imersão dialógica no multiverso de diferentes culturas que variadamente conflitam, juntam-se ou vivem tolerantemente.
O processo de desenvolvimento da América Latina está atrelado a um conflito: mesmo que multicultural por sua forma, apresenta-se dum modo desnivelador e opressivo. Existiam os grupos socialmente dominantes, aos quais obedecíamos, e os grupos marginalizados de toda espécie. Essa postura favoreceu um engrandecimento de locais dominados pelos grupos mais poderosos e pouco ou nenhum espaço para grupos sociais de menor poder. Contradição essa que resulta em conflitos sociais gigantescos até hoje.
O multiculturalismo visa estabelecer:
- O contato entre diferentes grupos;
- Um processo de radicalização democrática;
- Frear as pulsões de dominação de grupos sociais majoritários;
- Propulsionar uma sociedade mais harmônica;
- Tornar mais presente a participação de grupos minoritários ou menos poderosos no rumo sociopolítico;
- Etc.
O multiculturalismo também é uma negação do pseudo-universalismo. E o pseudo-universalismo nada mais é do que uma falsa concepção, gerada por um erro perceptual, de um grupo sobre si mesmo. Esse grupo usualmente se coloca acima dos demais e quer subordiná-los a sua cosmovisão. Nesse campo é necessário um combate. Uma forma de esfriamento de mentalidades antidemocráticas expansionistas.
O multiculturalismo é, por sua importância social, um dos maiores debates da contemporaneidade e um gigantesco problema a ser resolvido.
quinta-feira, 28 de dezembro de 2023
Acabo de ler "Amores Proibidos na história do Brasil" de Maurício Oliveira
Nada melhor do que terminar o ano lendo sobre o amor, não é mesmo? Este livro traz uma perspectiva intensamente interessante: partes da história de nosso país contada através da situação romântica de homens e mulheres que marcaram a história do Brasil. Um prato cheio para quem busca estudar nossa história sem o fardo de se perder no vaivém burocratizante e sonífero que toma conta da nossa história extremamente academicizada e pouco apaixonada.
Aqui o leitor entra em contato com uma realidade que transcende a banalidade oficialesca que é usual nossa forma histórica-narrante, isto é, ele sai das condições do castelo de marfim dos padrões normativos e adentra nos terrenos ocultos e íntimos do amor. O leitor, pouco a pouco, compreende que os grandes homens e mulheres de nosso país não eram tão somente figuras de ação política, cultural ou econômica: eram homens e mulheres normais, infinitamente normais, e, portanto, ligadas ao ato profundamente humano e normal que é o ato de amar.
O que move a história é mais do que uma gigantesca maçaroca de idealidade abstrata. O que move a história é muitas vezes o desejo de amar e ser amado. E esta necessidade leva os seres a grandes ideias. O amor precede tudo. O amor é o guião da inteligência e dos grandes atos. Até mesmo a ciência está envolta deste calor efervescente a qual poderia chamar de chamas do amor. A ideia de que estamos separados do imaginário e da busca do Ordo Amoris em todos os nossos atos nada mais é do que uma construção da própria imaginação humana e a objetividade nada mais é do que um fruto dum desejo subjetivo.
O leitor corre um grande risco ao entrar em contato com esse livro: o de ver-se humano. Quando nos vemos como humanos, apaixonamo-nos e deixamo-nos a mercê dos ventos da impotência da volatilidade do desejo. E, quiçá, em uma época tão dominada pela idealidade vazia dum maquinacismo vil, exato e proporcionalmente desumano, esta ação de se deixar levar seja a nossa principal lição.
segunda-feira, 4 de dezembro de 2023
Acabo de ler "Viúva, porém honesta" de Nelson Rodrigues
Diabo da Fonseca (personagem da obra)
Gosto dessa obra pelo cinismo geral que a conduz. Isto é, essa peça de teatro é recheada dum cinismo que transcende uma sátira banal, é um cinismo que visa uma crítica metódica e organizada da sociedade e das organizações vigentes.
Vemos que tudo que ali existe é propriamente uma farsa: o motivo da viúva não querer trair seu marido, o jornalismo, a crítica de teatro, o psicanalista, o médico. Todos são farsantes que estão presos a vínculos meramente performáticos com suas carreiras, nunca um objetivo sincero para com o que se propõem a fazer. A obra visa, em seu fundo, demonstrar através do teatro que há um teatro na vida e este é um teatro que é, no fundo, um teatro horrendo por ser obrigatório. Graças aos condicionamentos sociais, somos obrigados a performar traindo o que nos há de mais essencial e verdadeiro. O preço do sucesso na sociedade é a perda de autenticidade, por consequência a perda do ser e, no fim, a perda de si mesmo em prol duma performance.
A obra não deixa de ser extremamente engraçada e fará o leitor dar boas risadas enquanto se delicia com os eventos tragicômicos que se sucedem. As frases que aparecem trazem uma imensa dose de efeito cômico pois possuem uma desvalorização de tudo aquilo que a sociedade tradicionalmente vê como bom, mas que intimamente não segue. A diferença é que, ali, é dito a verdade da dualidade da vida: existem regras de performance e a realidade da vida, visto que a imagem pública é para ser condicionada e a imagem privada é para ser secreta.
Qual é o sentido de tudo isto? O marido é homossexual, a viúva é fiel ao marido morto pois o melhor tipo de marido é o morto pois não enche o saco, o psicanalista é farsante, a ex-prostituta é farsante, o otorrinolaringologista é farsante, o jornal só existe para "espinafrar" e chamar atenção do público através de choques sentimentais.
Por vezes é necessário rir de si mesmo para se libertar da cegueira dos próprios olhos.
quinta-feira, 2 de novembro de 2023
Acabo de ler "O Beijo no Asfalto" de Nelson Rodrigues
"Eu não beijaria na boca um homem que não estivesse morrendo"
Arandir
Toda obra de Nelson Rodrigues traz uma complexidade astronômica, mas essa é de longe uma das mais complexas. Iniciando-se com um estranho caso: um homem é atropelado, fica entre a vida e a morte, outro homem aparece e, antes que o primeiro homem morra, beija-o na boca. Uma obra que fala sobre um beijo homoafetivo em pleno 1961 não poderia deixar de ser polêmica.
Antes de tudo, o drama não se trata de homossexualidade e sim de bissexualidade. O personagem central é chamado de "gilete" (homem que corta pros dois lados) em um momento da trama. Mas isto não tira o fato de que a relação da sociedade com pessoas identitariamente distintas do padrão é bem esmiuçada na obra, servindo também para localizar e entender padrões culturais da época no trato de homens bissexuais e homossexuais - embora a trama se centre na bissexualidade masculina.
Falar em bissexualidade masculina é mais incômodo do que falar em bissexualidade feminina, visto que a última é mais bem aceita socialmente. E é nisso que Nelson Rodrigues se destaca neste empreendimento: esmiuçar a tragédia do martírio social do homem bissexual. Abordando toda uma exposição desnecessária, inquisição tribal e tentativas radicais de marginalização e exclusão.
O padrão social é definido pela sua repetição. Normalidade é, em sentido sociocultural, repetir a estrutura cultural na qual se está inserido. Pessoas que fogem do padrão são consideradas como anormais. O organismo social, que é uma soma de indivíduos que não conseguem fazer autocrítica dos padrões que foram condicionados a seguir, marginaliza todos aqueles que fogem as regras estruturalmente impostas.
Temos aqui uma luta: a de um homem bissexual sendo perseguido socialmente, tendo o seu direito a individualidade negado e a de uma sociedade "bifóbica" que age em forma de seita inquisitorial tentando persegui-lo por fugir dum padrão. O leitor provavelmente se deleitará ainda mais com a leitura se tiver algum grau de conhecimento nos âmbitos da psicologia e da sociologia.
terça-feira, 10 de janeiro de 2023
Acabo de ler "La lectura, otra revolución" de María Teresa Andruetto (lido em espanhol)
Uma das mais importantes escritoras da literatura infantil, María aqui nos dá pistas de toda a importância em que a literatura, chave para o entendimento do outro, se insere. E, certamente, um livro fascinante para quem é apaixonado pela literatura e, não só ela, pela profundidade da vida em si.
A leitora, por diversas vezes, exalta as benesses da educação pública que lhe foi dada gratuitamente pelo Estado argentino. Sem isso, não seria essa mulher que mudou e salvou almas pelo compromisso sólido com a formação cultural de diversas pessoas. E isso não é um exagero ou mera propaganda política.
Nesse livro, aprendemos a importância de livros difíceis e a necessidade da formação de bons leitores. Além de que a literatura é um acesso ao outro e um ponto de encontro que permite uma maior dialogicidade e proximidade para com o próximo. Ataca aquilo que chama de analfabetismo pragmático - leituras precarizadas elegidas simplesmente pela leitura pela leitura, que nada mais é que uma simplificação grosseira.
Por outro lado, também fala da leitura como um importante nivelador cultural e uma prática que dá acesso aos bens culturais. Logo a promoção da leitura é, igualmente, a promoção da igualdade de acesso ao capital cultural. Essa parte é extremamente importante, visto que os anos de ditadura levaram a um enfraquecimento da cultura literária argentina e o consumo cultural - que foi elitizado.
Recomendo muito a leitura do livro. Ele não é só uma espécie de ensaio sobre a literatura, é também da política, da história da Argentina e, incontestavelmente, da vida que autora levou.
segunda-feira, 28 de novembro de 2022
Acabo de ler "O Tolo e seu Inimigo" de Jeffrey Nyquist
O autor desse presente livro elenca uma série de questões das quais sou variadamente favorável, contra ou simplesmente incapaz de, no presente momento, ter alguma postulação plausível. De tal forma, a leitura realizou-se de forma mista.
É um fato de que nossos contemporâneos acham-se hierarquicamente superiores às gerações predecessoras. Essa arrogância surge duma má compreensão da natureza do conhecimento humano. Crê-se erroneamente que o progresso cultural se dá em igual velocidade e da mesma forma que o conhecimento científico. O que não poderia ser mais falso. Tal preconceito é o assentamento principal da porca miséria cultural presente.
Por outro lado, a busca por inimigos de forma generalizada é de natureza simplificadora e não serve para analisar a complexidade do real. Atribuir a certos grupos uma hostilidade e/ou um projeto de destruição da civilização ocidental é redondamente enganador, sobretudo quando essa não é encarada em vias de graus e atos inconscientes ou simplesmente por uma mudança de paradigma cultural.
O autor acerta em explicar que vivemos dentro duma sociedade arrogante que julga-se superior a todas as outras, sobretudo as que vieram antes. Mas erra ao radicalizar muito a sua crítica, visto que a sua radicalização torna a sua crítica ingênua.