terça-feira, 31 de outubro de 2023

Acabo de ler "A Serpente" de Nelson Rodrigues

 



As peças que começo a analisar a partir de agora são do segundo volume das Tragédias Cariocas. Isto é, aquelas que Nelson Rodrigues fez no final de sua vida. Como esta é a segunda parte, ela traz as últimas obras escritas pelo genial mestre.


A escrita de Nelson Rodrigues é simples de se compreender, todavia carrega algo além duma objetividade e simplicidade que se façam inteligíveis ao homem médio: carregam uma beleza poética assustadora. Isto é, é uma linguagem que tem uma duplicidade sintética: é de fácil assimilação e, todavia, tem em si uma substancialidade que transcende em muito o universo de banalidades do "homem massa".


Outro paradoxo rodrigueano é: suas obras poderiam se passar com qualquer um. Não é necessário ser uma pessoa de tipo excepcional na maioria delas. Porém é aí que se encontra, mais uma vez, uma maestria notável: Nelson traduz a psiquê humana com um grau de técnica que deixaria até Freud espantado.


Nesta peça temos unicamente um capítulo. O princípio imperante é o caos e este conduz todos os personagens até levá-los ao abismo. O esgotamento contínuo da sanidade até o desmoronamento cruel. Essa particularidade, a da destruição sistemática, faz dessa obra um caso singular na obra de Nelson. Visto que, em obras anteriores, a tragédia era mais focada em alguns personagens da trama e não em todos.


Caso o leitor venha a se interessar pela obra teatral de Nelson Rodrigues, recomendo que comece a leitura pelas peças psicológicas, depois indo para as peças míticas e só depois para as tragédias cariocas.

sábado, 28 de outubro de 2023

Acabo de ler "Napoleão" de Leslie McGuire

 



O ser humano se realiza na medida em que seus desejos se externalizam na conjuntura do real. Quanto mais externaliza seus desejos, mais o universo é carregado de simbolicidade. A simbolicidade no espaço nada mais é do que a alma do homem tomando forma física no tempo-espaço.


Quando falamos de grandes homens, falamos de homens que dalguma maneira foram capazes de, além de suportar a multiplicidade anulante do mundo, contornar o mundo a seu favor e retocá-lo com a tinta de sua alma. O mundo é, nas mãos de um grande homem, a escultura que os gigantes deixaram.


Napoleão tinha dupla qualidade: o fogo solar duma gigantesca paixão e a monumental capacidade técnica. Quando estas se alinhavam, nada poderia impedi-lo. Ele era como um deus em meio a mortais.


Evidentemente aqui há mais uma reflexão da vida e dos sonhos do que uma endossamento das ações de Napoleão. Porém não consigo, na situação atual, pensar em fazer uma análise da mesma forma: analiso por meio da minha subjetividade circunstante e não por um método geral bem delineado.


Creio que este é um livro bom para quem queira refletir a própria vida, a história e, igualmente, compreender mais sobre um dos homens mais geniais - não no sentido moral e sim na capacidade estratégica - que a humanidade gerou.

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Acabo de ler "Teatro Completo: Tragédias Cariocas I" de Nelson Rodrigues

 



A leitura dessa análise pode ser precedida pelas análises anteriores, visto que essa só é análise final do conteúdo que vem sido exposto por aqui já a algum tempo.


Empenho-me em analisar toda a obra teatral de Nelson Rodrigues e disponibilizar uma análise que seja sucinta, porém que tenha algo de minuciosidade e subjetividade. O que não é algo fácil, porém que me disponho a fazer com certa satisfação, visto que Nelson é um dos meus autores prediletos.


Resolvi adentrar na análise das tragédias cariocas, última fase do autor, em vez de ir por aquilo que lhe seria mais "inicial" por assim dizer. Espero que o formato não desagrade aos leitores que esperavam algo mais metódico em ordem de leitura.


Essa série de textos que venho feito é, antes de tudo, um convite para aqueles que me seguem: leiam a obra de Nelson Rodrigues. Ela pode ser uma forma de se libertar e de amadurecer, encarando o mundo de forma mais sóbria e adulta.


Ler Nelson, nestes tempos de solidão, tem sido um pouco de alívio nessa escala de terrores contínuos, de preocupações inenarráveis, na qual se alinha a presente fase de minha vida. E creio que pode lhes ser útil lê-lo também.

domingo, 22 de outubro de 2023

Acabo de ler "Boca de Ouro" de Nelson Rodrigues

 



Nos segredos da impotência, se encontram os segredos da alma. Só o homem frente a realidade avassaladora que é a morte que ele se encontra com si mesmo em sua mais pura e plena face: a vontade de ontologizar-se e dar cabo a última pergunta que lhe conduz a vida que quer viver. Isto é, se não nos perguntarmos sobre a morte, não nos perguntaremos sobre a vida e adentraremos num círculo de vaidades que diluem a autenticidade de nossa existência num jogo de multiplicidades que se alternam.


Nelson é o mestre de ensinar a vida como ela é. Em vez de personagens plenipotenciários que alteram o mundo com o seu poder onipotente, onipresente e onisciente, temos o ser humano em sua condição mais primária e natural: a impotência. E é nessa impotência que se encontra a raiz das ações de nossos personagens, que lutam para ter alguma significação num mundo que, não estruturado para lhes satisfazer, atua antagônica e estruturalmente contra eles.


Quem, em sua humanidade, não se depara com os afetos transviados que se conduzem não a realização do desejo, mas a negação triunfal de suas expectativas mais tenras? Aqui temos personagens que são movidos pelas vísceras, sentindo-se traídos pelas dinâmicas psicossociais que sempre geram conflitos. O desejo de ser desejado é um dos aspectos mais determinantes da obra.


Boca de Ouro, personagem mitologizado ao limite, traz consigo uma mensagem: a pessoa que se marca para ser afetivamente marcada, seja no sentido bom ou mau. E é nisso que suas desventuras levam: a tragicidade do ser humano em seu ofício de ser querido. Já foi dito que o âmbito da cultura é o espetáculo do homem para o homem, visto que o homem quer mais do que um objeto, ele tem por objetivo ser amado.


Se tudo isso só leva a uma série de ações que visam demonstrar potência, temos uma série de fios que enforcam o personagem central da mitologização no momento em que ele se julgava mais poderoso. Tal lição, demonstrando a penosa realidade da vida, é uma verdadeira odisseia para quem se aventura na vida como ela é: um vaivém da potência e da impotência.

terça-feira, 17 de outubro de 2023

Acabo de ler "Os Sete Gatinhos" de Nelson Rodrigues

 



Nelson Rodrigues é um autor difícil de digerir. É como se tivéssemos uma doença mortal e, de repente, a cura fosse anunciada com um custo: um remédio tão desgostoso que nos fizesse chorar tamanha amargura. Um remédio tão amargo quanto a nossa própria enfermidade.  Mas um remédio que cura nossa doença mortal. E essa doença mortal é nossa vida de mentiras.


Com uma brutal hostilidade, Nelson Rodrgues é o profeta do óbvio ululante. É o reacionário que reage contra tudo que não presta. É o libertário libertino. É aquele que, no auge de sua padecida humanidade, resolveu revelar aquilo que há de mais misterioso, oculto e mentiroso em nós: nossa alma em sua essência.


Adão e Eva, na tragédia cristã, ao comerem o fruto proibido colocaram roupas. A roupa não é uma roupa física, mas a própria moralidade. A moralidade nada mais é que uma ilusão, uma mentira, um acobertamento de nossas vaidades. Ela é o fenômeno da racionalização: a justificação triunfal de nosso autoengano. Colocar-se nu perante Deus é dizer o que pensamos, tal como de fato pensamos, não a partir duma justificação social, dum enquadramento performático, mas da realidade nua e crua de nossa miserável e pusilânime subjetividade.


Quando a humanidade se defrontará perante Deus em si mesmo, face a face, revelando não a sua filosofia, porém a teologicidade de sua esperança? Este é o sentido profundamente cristão e moralista da obra de Nelson Rodrgues: a revelação da alma humana, a vida como ela é. Nelson não era tarado, a humanidade o é; Nelson não era louco, a humanidade o é; Nelson era um ex-covarde, a humanidade não.


Enquanto não ouvirmos a crueza da sinceridade confessional rodrigueana, seremos como uma gigantesca Israel: matando profetas para matarmos a própria possibilidade de nossos erros serem revelados. Pois há, em cada abismo humano - e todo homem carrega um abismo do tamanho de Deus -, um inconsciente que se esconde e um pecado que não quer se revelar. Neste sentido, tão podre quanto nossa própria essência incorruptível, Nelson era profundamente cristão.

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Acabo de ler "Perdoa-me por me traíres" de Nelson Rodrigues

 



"Amar é ser fiel a quem nos trai!"

Gilberto (personagem de Nelson Rodrigues"


Nelson Rodrigues é um dos maiores escritores brasileiros, ele sentiu no âmago a alma do povo brasileiro e soube como trazê-la com todo o vigor dum artista genial. Sua obra é trágica, sua obra é visceral, não é para pessoas fracas. Ele detona o senso comum, ele desafia os deuses e sai invicto.


Uma obra teatral recheada por tragédias, por mentiras, por partes não abordadas pelas pessoas mais usuais. Sempre trazendo vários planos de consciência - de inconsciência e inconsistência também - e dando substância a cada fala, como numa pulsão lírica e altamente poética que daria inveja aos maiores poetas.


Nesta obra, uma das mais fantásticas que já li, muitos assuntos que até hoje são tabus são apresentados de forma trágica. Às vezes indo para o terreno do comédia sem, no entanto, sair da linha geral da miséria.


Recomendo que o leitor esteja acostumado à literatura rodrigueana antes de entrar em contato com ela. É uma obra que abordará o ser humano naquilo que, em sua sombra, mais esconde e mais quer ocultar. Desvela aquilo que temos de pior numa sordidez reversa que visa, antes de qualquer coisa, expor a verdade da natureza humana em seu descomunal abismo.

terça-feira, 10 de outubro de 2023

Acabo de ler "Kage no Jitsuryokusha - Vol V - Aizawa Daisuke" (lido em espanhol)

 



Faz muito tempo desde a última análise, mas o anime até o presente momento não chegou a este ponto em que se encontra a pequena novela. Então tome cuidado com os possíveis spoilers.


Neste capítulo, vemos desenvolvimentos interessantes na condução da história. Aqui se entra num possível racha futuro do Jardim das Sombras (Shadow Garden) e as inovações tecnológicas que esta misteriosa organização pensa em introduzir ao mundo, vindas diretamente da Terra.


Também descobrimos mais dos objetivos da Seita que o Jardim das Sombras combate, embora o autor não tenha introduzido claramente quem são os maiores nomes, deixando a surpresa para depois. Embora esteja claro que Culto Diablos e o Jardim das Sombras disputarão o governo secreto do mundo de forma cada vez mais intensa.


O volume não deve em nada aos seus predecessores. O nível de seriedade e humor continuam a encantar do mesmo modo que encantavam nos primeiros volumes. O autor tem sido bastante capaz de dar um bom rumo a história e deixar o leitor ansioso com este mundo que ele cria e que nos conduz.


Espero que a adaptação do anime chegue logo neste volume e que mais pessoas adentrem em contato não só com o anime, mas com a Light Nível.

sábado, 7 de outubro de 2023

Acabo de ler "A Falecida" de Nelson Rodrigues

 



Todo povo tem uma forma de encarar o mundo. Existem povos que estão imersos em eternas lutas que justificam a sua existência enquanto povo e lhe conferem dignidade. Cada alma nacional traz uma literatura nacional que revela a cada estudioso algo do país que lê.


Machado de Assis escrevia cinicamente. Nelson Rodrigues, de igual modo. A razão para tal produção cínica que apresenta continuidade lógica através dos tempos? O brasileiro não luta por nada. A vida é, para tal povo, um eterno vaivém de vaidades que se alternam e pequenos prazeres que se sucedem. Neste sentido, a alma mais arguta não se apaixona: se ressente. Para se proteger do ressentimento, ri e faz humor.


O Brasil chega a ser trágico e cômico: a grandeza de sua pequenez e a pequenez de sua grandeza revelam a face dum gigante adormecido. E aqueles que ousam sonhar estão condenados a serem maltratados: no Brasil, sucesso é ofensa pessoal.


A literatura moralista, ao apresentar personagens falhos que não são exemplo algum para serem seguidos, é uma das mais propícias. Escritor moralista desnuda a alma para mostrá-la no lodaçal que se encontra. E, em nosso país, lamas não faltam, pecam pelo excesso de oferta e sobrecarregam o mercado. E, não, não sou exemplo algum para nada e minha vantagem moral está em reconhecer-me como parte endógena deste esgoto.


Nesta grande peça, Nelson demonstra, fio a fio, as vaidades que se alternam de personagem em personagem. Cada qual reduzido pela miudeza de sua deformação de caráter. E se o leitor ler e ver algo de sujo, saiba que esta é a intenção central de seu brilhante autor.

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Acabo de ler "A Mentira" de Nelson Rodrigues

 



Ler Nelson Rodrigues é um hábito que tenho desde o ensino médio. Leio-o há dez anos e é um de meus autores prediletos. Poucos autores me fascinam tanto assim. Lê-lo é uma mescla de nostalgia e espanto.


Como de costume, e não no mau sentido, Nelson trabalhará com vários planos de consciência que se intercalam dando complexidade narrativa e psicológica nesta obra. Pouco a pouco, vemos as mazelas morais dos personagens sendo esmiuçadas. O que garante a habitual substancialidade que os personagens de Nelson carregam.


A trama diverte a cada passo. Você realmente fica atento e, até mesmo, ansioso para descobrir o que se sucederá e qual é a verdade por trás da mentira. O livro garantirá vários desdobramentos que prenderão o leitor por um bocado de tempo durante a leitura e, quiçá, por toda a vida.


O livro trabalha com a ideia de pecado e a ideia de mentira. Aqui a mentira é sempre presente e todo ato gerará uma consequência que se diversificará em várias ações paralelas, porém sincrônicas, dos personagens envolvidos. Desvendar essa teia de aranha através da leitura atenta é o dever do leitor. E ele terá uma grata e espantosa surpresa no final.


Fazia tempo que um livro não me divertia tanto e valeu muito a pena alugá-lo na biblioteca municipal. Recomendo-o fortemente para quem almeja um bom suspense com altas doses de boa psicologia, algo que Nelson Rodrigues tem de melhor.

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 12)

  Essa é a última parte de Emil Ludwig, indo da página 185 à 208. Aqui termina a triunfalmente rica e arguta análise de Ludwig. E talvez sej...