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quarta-feira, 10 de abril de 2024

Acabo de ler “A Educação para uma compreensão crítica da arte no ensino fundamental" de Dr. Teresinha Sueli e Lila Emmanuele

 


Quando pensamos sobre o ensino de arte no Brasil nos deparamos com um grande problema conjuntural: como podemos nos enquadrar numa sociedade extremamente multicultural - o Brasil é uma união de distintos povos - e, ao mesmo tempo, tão radicalizada em problematicidades oriundas de comportamentos e pensamentos de matriz universalista e pulsões de dominação por grupos majoritários ou minorias poderosas?


Anteriormente a educação no âmbito das artes era abertamente reprodutivista, essencialista e universalista. Sua busca era atender a profissionalização, uma necessidade do mercado de trabalho. Uma importante questão era ignorada no ensino da arte: o pensar criticamente a própria arte. A arte precisa ser pensada além de ensinada e localizar os contextos, questioná-los e até mesmo relativizá-los é de suma importância.


A educação pós-moderna visa uma cidadania responsável. Ela é propulsionadora duma ótica mais multicultural, na defesa duma sociedade mais plural e também questionadora das estruturas de dominação e exploração. As realidades sociais não são tidas como essenciais e tampouco adquirem o status de inquestionabilidade. A lógica ocidental criada por homens brancos não é vista como universal. Muito pelo contrário: a educação pós-moderna visa uma dialogicidade entre as mais diversas formas de se realizar o ato artístico.


Creio que precisamos pensar responsavelmente a arte. E pensá-la responsavelmente requer uma atitude de igualdade entre as diferentes culturas, aceitando - e não apenas tolerando - o outro em sua humanidade. Pensar de forma pós-moderna, no fundo, é isso: pensar humanisticamente. Abrir o diálogo, não querer a submissão de um povo, deixar que cada um possa adentrar no oceano da multicultura e fazer sua arte de forma crítica e responsável.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Acabo de ler "Jogos teatrais na sala de aula" de Maria Lúcia de Souza Barros Pupo

 


A anatomia do estudo de teatro, em seu aspecto de encenação, é bastante diferenciada do estudo usual. Visto que seu visar é mais lúdico e menos domesticado por abstrações teoréticas que elevam a imaginação aos céus sem mexer muito com o corpo, levando um desnivelamento entre aquilo que se estuda e aquilo em que o corpo inteiro atua.


Por meio dos jogos teatrais temos o estudo lúdico em uma ficção partilhada. Existem diferentes jogadores que, perto um do outro, traçam linhas atitudinais. Cada um deles faz um personagem-tipo diferente e atua cenicamente de modo experimental. O que dá margem a uma série de problemáticas que são resolvidas durante o jogo e podem ser repensadas.


Por meio desse jogo se desenvolve simultaneamente a expressão corporal e a escuta atenta no sentido mais profundo do termo. Não só aquilo que o companheiro ou a companheira fala verbalmente, mas por meio de sua expressão não verbal. O que a sua vestimenta traz, o que seu posicionamento corporal traduz, o que a sonoridade se sua voz ecoa. Tudo isso leva a uma atenção multicorrelacional em que a percepção da pessoa em si é exercitada.


É nesse brincar que são trabalhados exercícios de alteridade em que nos colocamos e corporificamos na pele do outro. Tentando viver as suas vidas. Tentando entender quais são os problemas que ele tem. Quais são as suas debilidades. E também podemos levantar hipóteses sobre distintos cenários possíveis, reimaginando também as nossas próprias possibilidades enquanto indivíduos portadores de vontades e de liberdades.


Estudar teatro é, seja pelos jogos teatrais, seja pela imersão nos aspectos teóricos, uma forma de repensar a vida em sua totalidade. Visto que tudo é um cenário e tudo exige, de cada um de nós, um modelo de atuação e uma forma de personificar o que queremos com a totalidade de nosso ser.

Acabo de ler "O belo, a percepção estética e o fazer artístico" de Cristina Costa

 



A sociologia da arte estuda as manifestações artísticas através das diferentes sociedades em seus diferentes percursos históricos. Cada qual com gostos diferentes que dão uma mensagem sobre o que se passa nessas sociedades. O artista é tido como um agente social que serve para justificar o poder instituído ou contradizê-lo por meio de sua arte.


Quando pensamos na arte não podemos adentrar numa lógica universal, visto que cada arte representa os valores ou contra-valores dos diferentes grupos que estão em disputa. Sendo que o maior valor apresentado não é do grupo marginal, mas aquele que pertence a classe dominante. Isto é, dos detentores dos meios de produção cultural. Embora seja verdade que os detentores dos meios de produção cultural podem ser a alta burocracia que, nos países autointitulados de comunistas, usurparam o poder do proletariado e campesinato, constituindo assim a nova classe dominante.


O juízo estético é fruto das diversas composições que formam nosso ser: classe social, classe econômica, período histórico, gênero, cultura, geografia, religião, crenças. Tudo isso envolve a forma com que veremos e perceberemos a sociedade. Então não temos juízos imparciais para criar uma universalidade, essa sempre vem dum desejo de dominação e desumanização dos grupos minoritários ou tidos como inferiores. Esse assunto é, na sociologia da arte, palco de inúmeros debates.


A ótica que temos hoje é uma ótica de legitimação da diversidade. A razão disso? A sociedade globalizada sempre nos põe em contato com o outro. Dificilmente um cidadão urbano, em contato com múltiplas culturas e bastante conectado a internet, poderia ter uma lógica não cosmopolita. E é por isso que a pretensão hegemônica de certos grupos é abstrata, visto que eles mesmos são mesclas de vários grupos ou até mesmo visam paralisar esse ambiente por meio dum movimento de censura e paralisação do processo global.


Estudar sociologia da arte é uma forma de aprender mais sobre nós mesmos, de nossa sociedade, de nossa cultura. No entanto, não para nisso: compreendemos mais do outro, do passado e da relatividade.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Acabo de ler "O ensino de arte na educação brasileira" de Rosa Iavelberg

 


O Brasil sofre de enormes debilidades na questão do ensino da arte em suas instituições de ensino. Mesmo após tantos anos e tantos avanços, temos uma generalizada crise e insuficiência no quesito do ensino da arte em nosso país.


Em primeiro lugar, é preciso compreender que "arte" se divide em quatro linguagens:

1- Artes Visuais;

2- Música;

3- Teatro;

4- Dança.


Se existem quatro linguagens, como é que um único professor pode ser capaz de passar essas quatro linguagens de forma igual e com rendimento simétrico com uma formação debilitada e, muitas vezes, não atualizada? Não só a formação do professor é deficiente, a sua atualização como professor também é. Como resultado, o contato dos alunos com as linguagens e expressões da arte é irregular e deficitário.


Corre também outro fato: o professor é muitas vezes obrigado a dar aula em mais de uma escola para sobreviver. Essa característica torna ele incapaz de ensinar, pois o intelectual é um atleta do pensamento. E o atletismo requer um treino constante. A ausência de amparo financeiro - salário adequado - cria uma característica bastante insalubre: professores que não estudam dão aulas sem refletir e sem se aprimorarem enquanto intelectuais.


Questionar sobre o ensino da arte em sua singularidade leva a um questionamento sobre o quadro geral da educação no Brasil. E esse quadro geral também revela as deficiências do Brasil enquanto nação e a linha estratégica de seus projetos de Estado. Falta-nos, como sempre, uma consistência e uma visão. Nosso caminhar é tímido e montado por acasos e tropeços.

Acabo de ler "Proposta ou Abordagem Triangular: uma breve revisão" de Ana Mae Barbosa

 



Quando refletimos sobre a arte devemos refletir de forma contextualizada, relativizadora e desalienante para que possamos ver a nós e aos outros de forma norma, pensando de forma crítica e conscienciosa.


Quando a burguesia criou a sua produção, ela precisava dum público consumidor. Para tal, ela reforçou um modelo de assimilação alienatória. Este modelo tinha muito a ver com a apreensão de objetos culturais - e também normas e valores - produzidos pela burguesia. Criou, com isso, uma dupla condição:

I- A venda de seus produtos culturais;

II- A assimilação de seus valores de forma imperceptível para a maioria das pessoas.


O modelo de cópia ou o mero consumo dos produtos, sobretudo aqueles produzidos pela indústria cultural, pode incorrer numa postura grosseira em que uma série de valores e normas culturais são psiquicamente naturalizadas como a realidade em si mesma e são reproduzidas por uma sociedade de modo acrítico. De tal forma, esse modelo de alienação pode ser aplicado por classes dominantes para arrefecer as classes dominadas ou por países dominantes contra países mais fracos.


A abordagem triangular é um modelo baseado na contextualização, na relatização dos valores e normas que regem o funcionamento das sociedades, na postura que temos diante do outro e de nós mesmos. É um modelo que pensa e age de forma crítica, possibilitando uma percepção social e uma autopercepção. O que vai contra as práticas de alienação e busca uma via de libertação pela arte. Buscando uma vida carregada de sentido, um devir artístico e descobertas múltiplas: sociológicas, antropológicas, geopolíticas, psicológicas, artísticas.

domingo, 7 de abril de 2024

Acabo de ler "O Papel do Encenador: das vanguardas modernas ao processo colaborativo" de Cibele Forjaz

 


Existe uma linha, aqui bastante simplificada, para entender o desenvolvimento do encenador/diretor:

1- A primeira posição seria apenas de uma pessoa que vai ajudando nos ensaios para que se acomodem a concepção artística dum dramaturgo, um papel majoritariamente tomado pela subordinação textocêntrica;

2- Posteriormente há um aspecto de vanguarda na direção teatral. O diretor começa a ser tomado como um artista e autor dum processo próprio: a passagem do texto para a cena. Ele é um adaptador e também um co-autor, visto que dá um sentido próprio;

3- Por fim, instale-se o processo colaborativo em que cada pessoa envolvida na peça do teatro adentra como coautora. Uma descentralização que tem a plena potência do vigor democrático.


Estudar a forma que o teatro passa pelo tempo é interessante. O teatro também faz parte da história humana, visto que a arte é intrínseca à humanidade. E é importante ver que a estrutura descentralizada é muito parecida com uma das principais pautas contemporâneas: o desenvolvimento das múltiplas personalidades em harmonia de reconhecimento mútuo e em conjunto para a instauração dum processo criativo.


Quanto mais o tempo passa, mais a sociedade é plural e maior é a necessidade de questionarmos a questão da autoridade e sua centralização. Visto que uma autoridade irredutível é a negação de outras subjetividades, já que elas teriam que se curvar ante a autoridade central. Nessa questão, é preciso que aprendamos a valorizar a importância de cada vida humana, sempre aprendendo com as diferenças e entendendo que cada um tem a sua singularidade. O teatro é uma arte libertacional e, por isso, adiantou-se nesse processo de aceitação da democratização tão necessário ao mundo atual. 

Acabo de ler "As mudanças do diretor teatral e suas respectivas evoluções" de Carlos Alberto Ferreira Silva



Antes do surgimento da figura do diretor, existia um cargo mais ligado ao ensaiador. A figura consistia no preparo dos atores para a peça. Com o tempo, a mudança tecnológica - como as técnicas de iluminação e sonorização - exigiam um diretor mais atento ao processo geral da peça, o que exigia um cargo de natureza mais sistemática.


A figura do diretor teatral surge lá para o final do século XIX. As necessidades do cargo eram: cuidar do processo teatral para que gere um produto final. Deste modo, o diretor não era, tão somente, uma figura que pegava a dramaturgia e colocava ela em cena de forma despreocupada. Era necessário que essa obra fosse passada teatralizadamente, num processo cênico de qualidade e com todos os arranjos ambientes e sonoros necessários. O diretor era também autor pois era o responsável pela condição cênica que seria passada ao público.


O diretor meio que verticaliza o processo das várias distintas figuras que se unem para o fazer teatral. Ele é influenciado por todas elas e dialogicamente influencia todas em direção do resultado criativo. O que o torna de suma importância. Visto que o diretor é, também, um teórico sistemático do fazer teatral e é responsável pela concepção do teatro na plena expressão de sua totalidade.


O teatro é, certamente, uma das artes mais belas. E compreender a questão da teatralidade e de sua necessidade na vida humana - visto que exercemos através de nossas máscaras sociais papéis distintos em nossas vidas - é libertador e, ao mesmo tempo, extremamente complexo.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Acabo de ler "O que é direção teatral?" de Walter Lima Torres

 


O teatro tem muitas características que são mais complexas do que podem soar inicialmente. Uma dessas características é a direção teatral. Todavia esse pequeno artigo trata de várias delas, de forma bastante interessante e com uma postura histórica apurada.


Um encenador teria que lidar com a ausência de atores e atrizes sem capacidade de leitura, por causa do analfabetismo. O treino das falas se tornava mais difícil. O diretor tinha que se submeter ao textocentrismo, dando margem a uma soberania dramatúrgica. O ator seria de um tipo-personagem só, com base muitas vezes em estereótipos.


Hoje em dia, o que mudou? O ator contemporâneo é camaleônico, mudando e reinventando-se enquanto ator com base num estudo pormenorizado em vários âmbitos. O encenador não pode mais escolher um ator com base em estereótipos de forma doutoral e precisa lidar com a coautoria do ator. O diretor não está mais submetido ao aspecto textocêntrico e tem maior maleabilidade, pensando na estrutura cênica. O dramaturgo precisa compreender que as peças não existem apenas por si mesmo, mas estão dentro duma dinâmica coletiva em que ele faz parte.


É central que hoje existe uma maior descentralização no teatro. Essa descentralização é baseada numa maior dimensão do coletivo enquanto portador de igualdade, inclusive na questão criativa. Logo há uma certa espécie de democratização do teatro. Essa mudança dificilmente veio para ser substituída. Além disso, ela é fruto do próprio aumento da educação.


O teatro, tal qual qualquer outra área, tem lá as suas modificações e o diretor também tem que lidar com essa pluralidade dialógica ao qual está submerso como membro do teatro. Ganhou maior autonomia, mas essa autonomia está enquadrada numa maior igualdade com seus parceiros de trabalho.

terça-feira, 2 de abril de 2024

Acabo de ler "Apontamentos bibliográficos sobre jogos teatrais no Brasil" de Alexandre Mate

 



O teatro é uma arte de subversão. Em todos os períodos históricos em que regras moralizantes, vindas das elites dominantes, foram postas para cercear a arte teatral, essa se viu privada de sua potência e, de modo inequívoco, tornou-se falha e desvirtuada.


A questão teatral é diferente de outras, existem três estados:

1- Jogo-Educação:

A primeira premissa que nos surge é a radicalidade divergente do método teatral. Seu método se dá muito pelo lúdico, como se estivesse num jogo.

2- Reflexão por Imaginação e Simulação Vivencial:

O teatro reflete por meio de exercícios que treinam a musculatura da imaginação. E é por meio dela que os estudantes vão, pouco a pouco, se reimaginando e se reinterpretando.

3- Provocação pelo Imaginário:

Aquele que se depara com uma narrativa utiliza sua própria memória e vida para refletir as questões existenciais que a obra apresenta. Logo a sua reflexão parte da sua emoção só para depois atingir a razão.


O ato teatral é, em si mesmo, uma postura subversiva. É subversivo em seu método educacional, atacando aqueles metódicos da rigorosidade objetiva que separam a emoção, o eu, o subjetivo. É subversivo na forma com que promove a reflexão, visto que sua reflexão parte de uma brincadeira e adentra em simulações existenciais. É subversivo na forma com que atinge o leitor, visto que o leva a refletir por meio de seu imaginário e coração. Tudo isso demonstra que o teatro está sempre numa posição distinta, de choque, de não-lugar.


O teatro é algo que vai sempre além. É algo que ultrapassa. Algo que esmaga as concepções dos outros intelectuais. Algo que ataca vertical e horizontalmente a tudo que está na sociedade. Rindo enquanto é sério. Chorando enquanto é feliz. Essa é a postura do teatro, é a postura da quebra paradigmática enquanto posição paradigmática.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Acabo de ler "Quando o teatro e a educação ocupam o mesmo lugar no espaço" de Flávio Desgranges

 


A arte é educadora enquanto arte, isto é, possibilita uma imersão não só na experiência da vivência da arte, mas abre-se para uma postura de revisão da vida em si mesma. Essa capacidade de gerar uma inquietação prova que a arte tem valor educacional irredutível.


Quando lidamos com uma narrativa temos que usar uma chave para a sua compreensão, usamos essa chave de forma mais ou menos consciente. Essa chave é a de resgatar o material de nossa própria mente, a nossa memória, para entender como a narrativa vai se construindo. A imersão na arte é também um mergulho do ser em si mesmo, sempre e em todo momento.


O teatro moderno registra uma nova ação: ele quer radicalizar esse fenômeno de crítica e autocrítica. Para tal, ele deixa claro que o público está no teatro. Não ocultando a montagem. Isso retira um pouco do processo de imersão na peça que se apresenta, mas acentua a autopercepção. Nesse ponto, o expectador tem mais espaço para a sua intimidade psicológica e até mesmo um diálogo existencial com o que vê.


Existe outro fator no teatro moderno e contemporâneo: ele não quer ser o centro do universo. Ele quer que o universo exista e seja vislumbrado. Quer que a platéia não veja só o teatro, mas as engrenagens do próprio mundo. O que é uma possibilidade enorme de criticar e questionar a sociedade e a cultura dominante.


Sobre o teatro podemos dizer: ou o teatro é questionador ou é questionável. O objetivo do teatro é o de gerar indagação, é o de gerar um questionamento para com o sistema. É levar a uma revisão metódica dos valores que carregamos ou somos obrigados a carregar. Tudo em prol duma mudança qualitativa de nossa própria vida e da sociedade. 

Acabo de ler "Jogos de Improvisação" de Flávio Desgranges

 



Muitas vezes olhamos as ciências humanas como uma educação baseada na subjetividade, todavia essas exigem uma alta carga de abstração que, apesar de aumentar a objetividade, também tornam o estudante abstraído da própria questão em que se coloca. O teatro, entretanto, age de forma distinta.


Nos jogos teatrais adentramos numa outra forma de colocação, num outro modus operandi, em que o objeto investigado e a vida vivenciada se demonstram complementares. Realidade e imaginação, vida e criação, abstração e real, empirismo e epistemologismo. Tudo se dá de forma conjunta.


No jogo teatral a investigação é a forma com que imaginativamente nos colocamos em cenários, recriando substancialmente, corporificando como se tudo fosse, não um mero jogo, mas a vida que de fato vivemos e os sentimentos que de fato sentimos. O objetivo da investigação teatral é abrir, por meio de um jogo, a percepção daquele que analisa. Só que nessa investigação não há separação entre ser-epistemologizante e objeto-epistemologizado. Ser e objeto não estão separados, estão na mesma condição de subjetividade.


O acadêmico de humanas costuma, em sua prática, separar a sua realidade psíquica para depurar a sua análise da realidade. Assim ele garante a sua objetividade. Já o estudante de teatro faz de outra forma: ele investiga por meio de um contato íntimo com o objeto de sua análise, confundindo a noção entre realidade e ficção, tornando até mesmo ficção em realidade.


Estudar de forma teatral não é apenas ler um livro, ler um artigo. Não é escrever sobre algo que está distante. Estudar teatro é viver o livro, viver o artigo, escrever sobre o que está no próprio coração. É por isso que o estudo do teatro é tão maravilhoso e rico, visto que promove alteridade a cada momento.

sexta-feira, 29 de março de 2024

Acabo de ler "A Criança e o Teatro na Escola" de Claudia Damasio

 


A arte teatral pode ser uma das formas centrais de aprendizagem. E há uma razão para tal: ela correlaciona o sentimento na sua forma de educar, o que demonstra um desenvolvimento distinto e mais integral em sua abordagem pedagógica.


Um dos grandes problemas da educação atual é o fato de que ela vai por uma via muito objetiva. A objetividade em si mesma é louvável, mas há um questionamento inserido nela: como algo que se apresenta tão distante pode ser sentimentalmente atraente? Dependemos sempre de que algo nos impulsione. Para estudar é preciso gostar.


Quando adentramos no seio da educação infantil a problemática é apresentada de forma maniqueísta num dualismo estéril: lúdico x didático. O terreno acadêmico é, por sua vez, enquadrado como que numa soberania científica em que a frieza e o calculismo - altamente idealizados e criados pela própria imaginação, visto que inexistentes no mundo real - são valores absolutos e devem reinar universalmente. Só que o conhecimento deve ser atraente, se não o seu estudo é ignorado ou, até mesmo, torna-se incompreensível.


O drama do teatro nas instituições de ensino é exatamente isso: a imagem duma educação séria contra a imagem duma educação lúdica, além da ausência duma aproximação entre as duas. A escola não é local para o sentimento. Todavia essa crença gera um estado inversamente proporcional ao que almeja: em vez de aumentar a eficácia da educação, diminui.


Para amadurecermos nas metas na educação do Brasil temos que alterar não só a forma com que ensinamos, temos que mudar a forma com que pensamos a educação. E também a forma com que lidamos com nossos sentimentos e nossa imaginação. Não mais criminalizando ou oprimindo cada qual que imagine e sinta, mas criando uma síntese entre o racional e o emocional. Nisso o teatro, como arte, tem muito a contribuir.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Acabo de ler "O Teatro Infantil na Década de 1980: Um olhar para o universo infanto-juvenil" de Carolina Castenheda Moura

 



É preciso criar uma apologética da baderna. Construir uma grossa bandalheira que, num passe iconoclasta, sirva para um desenvolvimento do tônus muscular da mentalidade democrática. O questionamento dos valores, a afirmação da identidade dos excluídos, o grito poético dos atormentados: é nisso que deve estar a arte teatral.


O teatro pós-ditadura se ampliou nas gamas de assuntos: adentrou nos debates da política, em prol da democracia; no campo da sexualidade, para combater os estereótipos de gênero; dialogou amplamente com a cultura circense, em prol da abertura para o questionamento dos valores enraizados. O fazer teatral não é, nem poderia ser, uma aceitação dos valores estabelecidos e tidos como referência. Ele é, antes de tudo, um questionamento e a tentativa de gerar uma possibilidade: a de um novo mundo.


O teatro para a criança tem uma necessidade, tem uma especificidade. Nela se encontra um problema de monumental importância: que tipo de ser queremos formar? Uma síntese entre o campo da educação e da psicologia se faz necessário. E a mera repetição de fórmulas não adianta. É virtuoso que o teatro gere uma postura de inquietação e de questionamento para os problemas sociais e individuais, mesmo que essa virtude consista na quebra do que é padrão.


O teatro para a criança traz sempre dualidade: ludicidade X didatismo; questionamento dos valores vigentes X passagem de valores. É preciso que se brinque ao educar. É preciso que se questione ao mesmo tempo em que se busque algo mais desejável. É preciso caminhar com fé nas próprias dúvidas e rejeitar o conforto dos rituais que a sociedade nos apresenta.


Creio que o artigo apresenta, acima de tudo, uma importante questão: de que o teatro é um caminhar contínuo em corda bamba. E de que os seus defensores são, antes de qualquer colocação de ordem social, questionadores confessos que podem estar sempre na mira dos cultuadores de vaidades.

Acabo de ler "Teatro Infantil: um olhar para o desenvolvimento da criança" de Sandra Márcia Campos Pereira

 



O teatro é a arte da expressão. A sua importância está em ensinar as pessoas a se expressarem. Isto é, num mundo que constantemente nos afronta, é necessário uma posicionalidade. A capacidade de agir dentro do mundo, de chegar onde quer chegar, de ter até uma resistência para com o apagamento da própria identidade em um mundo que constantemente busca uma normalização esvaizadora da potencialidade ontológica de cada alma humana.


Por meio do teatro temos a possibilidade de expressar uma mensagem e, ao mesmo tempo, de entrar em contato com essa própria mensagem que é parte de nós. O processo de construção da teatralidade é o processo de vivência da própria mensagem que se encontra dentro do texto. É dar vida, é dar voz, é dar palpabilidade ao que representamos. Encontrando sempre um nexo de conexão ao que está dentro do texto, visto que o que está ontologicamente escrito também se encontra dentro de cada um de nós.


E é a partir dessa linha que podemos compreender a importância do teatro para cada criança, não só no Brasil, como também no mundo: a capacidade de uma vivência simulada e aproximativa dos grandes dramas da vida humana. E, por meio dessa, o desenvolvimento de sua personalidade para agir em meio ao jogo de conflitos em que está imersa a própria realidade de nossa existência.


É por meio do teatro que somos sensibilizados e podemos novamente ter um reassombramento: é onde há uma construção do mundo não como uma realidade que devemos nos curvar, mas como algo que podemos nos emancipar e reconstruir. Quando ensinamos teatro, nas escolas ou faculdades, queremos que o aluno possa aprender pela alteridade e pela criatividade.


A criança ao estudar e ao praticar o teatro adentra num campo artístico em que o aspecto do diálogo com o outro é salutar, visto que a maior beleza do teatro é dar voz ao outro por meio de si e, com isso, descobrir que também somos parte do outro. O teatro é perigoso pois humaniza e pela humanização faz a sua crítica.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Acabo de ler "Teatro para crianças: dramaturgia e encenação" de Raimundo Matos de Leão

 



Qual seria o posicionamento quanto a produção teatral voltada ao público infanto-juvenil? Um ar adocicado, distante das questões da vida em si mesma, para fazer rir e promover um encantamento pelo esvaziamento da criticidade ante a angústia do mundo em si mesmo? Talvez não.


Nesse artigo há um conflito: muitas vezes se visa dar às crianças ares doces, de modo a não conectar a vida delas a construção usual - e, por vezes, deplorável - da vida no geral. Elas cresceram protegidas e frágeis para um mundo que posteriormente as esmagará. Essa condução não é só estranha, como se revela sempre ingênua.


A questão teatral é um mergulho do ser na conflitualidade. Seja esse conflito de ordem pessoal, de ordem social, de ordem política. Não há qualidade em obras que se esgueiram sorrateiramente num esvaziamento do próprio mundo, do ser e dos conflitos. O teatro é uma arte que agoniza, é uma arte que sangra pois o humano mesmo sangra.


É necessário municiar a pessoa de sua humanidade: ensiná-la sobre a vida e sobre a morte. Mesmo que por uma obra dedicada ao público infanto-juvenil. Um trabalho crítico, no âmbito teatral, é infinitamente mais proveitoso a longo prazo. Ensina, desde cedo, um desenvolvimento do raciocínio e da capacidade de compreender o mundo e a si mesmo.


Esse artigo nos demonstra exemplos fantásticos de como fazer isso. E a sua leitura é de natureza salutar para quem busca bons artigos para melhor entender a dramática processual do teatro infanto-juvenil em sua devida especificidade e proporcionalidade.

terça-feira, 26 de março de 2024

Acabo de ler "A Aprendizagem do Ator" de Antonio Januzelli

 



O teatro é uma arte diferente da arte filosófica. Se a filosofia atua de forma apolínea, o teatro tem, por sua essência, uma raiz que lhe é dialeticamente contrária: a sua imersão dionisíaca. E essa contradição, entre áreas, faz com que eu tenha que me reinventar enquanto intelectual para que eu me sintetize em meio a essa contradição que me conflita.


Quando Antonio Januzelli traz uma argumentação pautada na libertação por meio de atos, em vez de ser por meio do pensamento, e uma vida pautada num constante desnivelamento das diferenças por meio da aproximação gradual de vivências que destoam da minha... Ele traz uma mensagem que ao mesmo tempo encanta - pela poeticidade da ontologia da vida que traz - e afasta - pelos riscos inerentes de adentrar nos territórios desconhecidos.


O que é um ator? É alguém que treina corpo e mente. Só que esse treinamento é um treinamento que exige uma dedicação de quebra. O teatro é a existência que não se iguala, pois está sempre agindo contra os regimentos de uma sociedade normalizadora e ritualística. O teatro é a continuidade da quebra dos dogmas, e vivemos numa sociedade dogmatizada.


A vida teatral não é apenas um modus pensandi que atua ao modus vivendi. No teatro, o modus pensandi e o modus vivendi se colocam par a par, o tempo todo, um deve existir para locupletar o outro. E tal complementariedade existe só quando os dois atuam ao mesmo tempo e no mesmo lugar.


Estudar teatro vem sido, para mim, uma experiência de enriquecimento qualitativo. A possibilidade de me reimaginar e de projetar aquilo que quero dentro de mim para realizar meus sonhos me vem sido de gigantesca potencialização. O teatro é mais do que um local para uma apresentação, é uma apresentação da vida em si mesma.

quinta-feira, 21 de março de 2024

Acabo de ler "Teatro Completo: Peças Míticas" de Nelson Rodrigues

 



Com esse texto se encerra, por fim, a mais grandiloquente saga de microanálises desse perfil: um passeio imortal pela obra do homem que se fez eterno pela sua produção teatral. É, para mim, um grande momento. Eu tenho a honra de dizer que sou daqueles que conseguiu ler toda a produção teatral de Nelson Rodrigues. E não só li, como analisei. Talvez não com a grandeza que mereceria um autor de estatura tão universal quanto Nelson Rodrigues, mas ainda assim, em minha pequeneza, pude divulgar as suas obras.


Nelson é um homem sem o qual nada faria sentido. Lembro-me até hoje que estava isolado, numa casa desocupada, lendo Pondé. E Pondé detalhou Nelson com uma infinidade de detalhes, tão belos e tão maravilhosos, que me fez, logo após terminar o seu livro, buscar um livro de Nelson Rodrigues na biblioteca para poder ler. Daí para frente, tudo mudou num absurdismo mágico.


Eu lhes digo orgulhosamente, sem medo de passar uma impressão de monotonia intelectual, que leio Nelson Rodrigues há onze anos. Não houve, desde meus 16 anos de idade, um ano que não tenha pego um livro de Nelson Rodrigues para ler. E isso demonstra todo triunfo de impotência apaixonada que essa obra me causa. Ela é como uma bomba que, ao explodir, causa um choque estremecedor cujo o impacto, na pele, não é o de dor e sim o de espantamento admirativo.


Nelson é, para mim, meu pai espiritual em duas grandes áreas: na dramaturgia e na crônica. Nessas duas áreas, Nelson reina na minha consciência, como uma espécie de imperador ululante e eu sou apenas parte do cenário que existe tão somente para justificar a beleza lírica de sua obra, tal qual a estranha Cabra Vadia que ficava comendo capim ou mato enquanto Nelson realizava suas hilariantes entrevistas imaginárias - dizia ele, em seu saber profético, que essas eram mais verdadeiras que as entrevistas reais.


O tempo passa, leio e leio vários e vários autores, numa maquinal erudição acumulativa. Só que eu tenho a certeza absoluta de que, em toda minha vida, lerei Nelson Rodrigues e/ou escritos sobre Nelson Rodrigues. Nelson Rodrigues é e sempre será isso: o trágico fulminante!

Acabo de ler "Teatro Completo: Tragédias Cariocas II" de Nelson Rodrigues

 



(Texto publicado atrasado. Já havia sido lançado do Instagram e Facebook)

Ler Nelson Rodrigues é um ato de ex-covardia. O homem expôs para nós o que escondíamos em nossos corações amaldiçoados pela falsificação contínua do discurso para negação continuada de nossa realidade psíquica. A sua obra é um contínuo enfrentamento da condição perfomática que a sociedade nos insere.


Nelson quis deixar a sociedade nua. Talvez por uma forma de vingança, talvez uma forma de ser um professor moral, talvez pelo simples desejo de ver a verdade sendo pouco a pouco revelada. A sua obra é duma somatória de confissões e revelações que dão os contornos das almas humanas e brasileiras em toda a sua veracidade trágica.


E, no fim, não é na confissão em que se reside a verdadeira postura filosófica e psicológica? Só nos damos por conhecer quando somos verdadeiros, só alcançamos degraus mais altos de filosofia quando expressamos nossas ideias de fato como elas são. Criar adornos verbais imposibilita a própria capacidade evolutiva e prende a vida num ciclo de mentiras ilusórias que fazem com que percamos o nosso tempo de vida vivendo uma vida falsa.


A intenção do moralismo mortal de Nelson Rodrigues é que a ontologicidade humana não se autodevore em nome duma adequação social de caráter puramente normativa e perfomática, o moralismo de Nelson Rodrigues é daquele que confessa a radicalidade de sua subjetividade. O moralismo rodrigueano é o moralismo confessional. Porém a confissão é um dos maiores atos de coragem, ela é pressuposto e antecedente de toda autenticidade.


Nelson Rodrigues deve ser estudado como um filósofo, como um poeta, como um psicólogo, mas sobretudo como um verdadeiro mestre da ciência ontológica. É ele que nos ensina que devemos voltar a estar nus perante Deus sem a falsidade do discurso moral.

quarta-feira, 20 de março de 2024

Acabo de ler "Senhora dos Afogados" de Nelson Rodrigues

 



Essa peça é bastante misteriosa. Muitas vezes, vemos cenas de personagens que possuem gradações em suas percepções da realidade. Ora se encontram numa realidade plenamente fática, por outras se encontram num pequeno estado de desequilíbrio poético. É como se a fala deles anunciasse uma outra realidade, uma que viesse do próprio inconsciente.


É interessante ter lido de forma plena cada fase da obra dramatúrgica de Nelson Rodrigues. E ver como ele foi, pouco a pouco, construindo a obra que lhe consagrou como um autor que estava acima da média. E como ele conseguiu se tornar o maior dramaturgo brasileiro. 


Quando pensamos na frase "por antonomasia" queremos dizer alguém que represente algo por substituição. Quando dizemos isso queremos dizer que existe uma perfeição na capacidade de uma pessoa representar algo. É por isso que quando dizemos "O Filósofo" referimo-nos a Aristóteles. É por isso que quando dizemos "O Teólogo" referimo-nos a Paulo de Tarso. Agora, ao dizermos, "O Dramaturgo Brasileiro" referimo-nos a Nelson Rodrigues.


A beleza da sua obra demonstra uma grandeza que transcende, em muito, a própria qualidade de obras de pessoas de países mais conhecidos como referência em produção cultural. Ele se ergue, junto com a sua percepção trágica e mística da vida, num patamar deixado apenas aos maiores intelectuais da história.


Louvado seja, senhor Nelson Rodrigues, por ter uma obra que consagrou o Brasil na história do teatro universal. Louvado seja, senhor Nelson Rodrigues, por ter nos presenteado num quadro de perfeição as misérias humanas para que nos purifiquemos em processo catártico.

terça-feira, 19 de março de 2024

Acabo de ler "Arte-educação no Brasil" de Marcia Polacchini

 



A situação do ensino e do estudo no teatro avançou muito, mas ainda existem uma série de lacunas a serem preenchidas. Uma das mais requisitadas, como não poderia deixar de ser, é o estudo individualizado das matérias artísticas para um desenvolvimento mais global na prática na arte e, igualmente, na possibilidade de especialização conforme a individualidade do aluno.


Veja que o teatro sempre leva ao questionamento: é por meio do teatro que a pessoa vivencia de forma simulada uma vivência real ou ficcional. Ou seja, a atuação é, em si mesma, uma forma de potencialização educacional. O que leva necessariamente a um aumento da capacidade de aprender. Ao simular um texto teatral, o aluno adentra numa espécie de vivência simulada que corporifica o conteúdo da mensagem e o dá uma forma singular de aprendizagem.


Pode-se dizer que a literatura já é, em si mesma, uma forma de passar simuladamente uma espécie de vivência. E o leitor, ao adentrar no texto por meio da leitura, já consegue efetivamente simular em sua cabeça o conteúdo daquela experiência. É por isso que a ficção é mais assimilável que o conteúdo filosófico em estado puro. Todavia existe algo que vai além: é a interpretação de um texto por meio da atividade de atuação. E é por causa disso que o teatro é importante.


A compreensão de que a literatura ajuda ao estudante ao lhe dar possibilidade de uma afetividade com o conteúdo de estudo, deixando-lhe mais propício ao conteúdo da mensagem já é um fator crucial para compreensão do estudo literário. Saber que o teatro ajuda nessa linha, mas intensificando o lado da simulação, ajudando o desenvolvimento mais pleno da expressão corporal no processo, também ajuda a compreender a importância crucial do teatro na formação humana.


No Brasil, com o avanço duma educação tristemente focada em "funcionalidade" laboral e extremamente produtivista - própria do ideário neoliberal - nos falta a compreensão do teatro e da literatura. Visto que qualquer coisa é pensada como "exacerbação da imaginação", sendo que a própria ideia de um ser humano completamente maquinal e racional é produto do imaginário.