segunda-feira, 29 de abril de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 6)

 



Ainda na parte escrita por Emil Ludwig, estamos nas páginas 87 à 108 do livro. Aqui vemos o governo de Lênin e toda a conjuntura de dar forma ao poder revolucionário. Com os poder em mãos, o esforço não era mais o de promover instabilidade ao poder dominante e sim o de criar um novo poder dominante. Ou seja, o de construir a ditadura do proletariado. Um estado diferente de todos os outros: não sendo mais controlado pelo clero (via religião), pela aristocracia ou realeza (via política) ou pela burguesia (via economia), agora cabia ao próprio proletariado e ao seu fiel amigo, o campesinato, o de ditar o rumo de sua própria vida e engendrar as engrenagens da liberdade que sempre almejou.


Só que havia um problema nesse sonho, o problema era que o sonho não era só de um. O sonho era um sonho compartilhado com várias visões que, mesmo que se juntassem com alguma semelhança, apresentavam-se distintamente. Dentro do próprio partido, existiam rupturas. Não só isso: socialistas revolucionários, anarquistas, mencheviques e tantos outros, também combateram a burguesia e seus aliados na revolução. Cada qual queria ter parte nesse poder que surgia, mas cada qual tinha uma visão distinta sobre esse poder. Partidários de uma mesma classe – ou duas classes (proletariado e campesinato) –, divididos por diferentes ideais.


O poder evidentemente caiu nas mãos dos bolcheviques, isto é, dos comunistas. Inicialmente esse poder foi utilizado para reprimir os teóricos e adversários do poder comunista, garantindo a estabilidade do poder com base na repressão. Depois de terem calado os inimigos "extra-doutrinários", cabia-se estabilizar o poder nas mãos dos comunistas. E como é que eles fariam isso? Concentrando-o nas mãos de um grupo de comunistas em vez de reparti-lo nas mãos de todos os comunistas. Esse repetitivo processo de concentração para estabilização do poder e para manter a revolução seria, a posteriori, um grande problema para o Estado Soviético e um dos principais motivos de seu fim.


De qualquer forma, a rivalidade entre Trotsky e Stalin vai se delineando e uma ruptura definitiva vai surgindo pouco a pouco.

domingo, 28 de abril de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 5)

 



Essa parte do livro é referente ao capítulo II, em que o historiador Emil Ludwig, dá continuidade a sua análise sobre a vida de Stalin. Vai das páginas 73 à 86. Conta um pouco mais do período de agitação revolucionária e como Stalin, de forma subterrânea – e sempre obedientemente –, continuou como um disciplinado seguidor de Lênin em seu ofício revolucionário.


Quanto a Stalin observa-se: este queria ser, tão apenas, um seguidor de um grande homem. Este grande homem era Lênin. Stalin era uma mescla: ao mesmo tempo em que era um grande estrategista revolucionário, era calmo e quieto. Tal paradoxidade é, até hoje, um grandioso mistério para as múltiplas análises que aparecem grandiloquentemente nos textos produzidos por intelectuais. Isto é, um homem pode ser quieto e, ao mesmo, um incendiário iconoclasta dum regime opressor? A contradição ainda é uma marca humana e, muitas vezes, até mesmo intelectuais decaem em suas análises perante esse formidável fenômeno. Stalin era tão paradoxal quanto é o mais simples humano, mesmo sendo tão complexo quanto é um grande homem.


Stalin tinha aquilo que muitos dos seus seguidores acreditavam: uma forte intuição revolucionária e uma capacidade de compreender a conjuntura dinâmica do real. Conjuntura marcada por um forte desenvolvimento dialético em que múltiplas forças se alteram em tentativas e erros. Cada uma levantando uma série de hipóteses que podem se provar falhas ou assertivas. Tal qual Hitler acertou ao levantar o sentimento nacionalista ao mesmo tempo que censurava fortemente – por morte até mesmo – os líderes revolucionários para frear o contínuo aumento de poder dos socialistas.


O poder e o bom sucesso de Stalin não veio por acaso, muito pelo contrário: é uma obra dum homem que se pôs inteiramente ao serviço da revolução. É possível falar assim de fé revolucionária. O pensamento de Stalin era, antes de tudo, um modus vivendi que se revelava ontologicamente antes de se revelar como um modus pensandi que se revela filosoficamente. Não compreender isso é não compreender a Stalin e, tampouco, tantos outros revolucionários que incendiaram o mundo.

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 4)

 



Essa parte do livro é escrita por Emil Ludwig, historiador alemão de ascendência judaica. Ludwig tinha uma teoria histórica baseada numa noção muito específica: não eram os povos que tinham missões a serem desempenhadas, mas sim que as grandes individualidades conduziam o fluxo da história. Se Stalin é analisado por ele, então ele crê que Stalin era portador duma grande individualidade e, com essa substancial personalidade, alterou o fluxo da história com a sua marca. Essa análise vai da página 57 à página 72.


É interessante observar que Ludwig não poderia ser classificado como comunista, muito menos como um partidário de Josef Stalin – Ludwig se classifica como "individualista incondicional". E, mesmo assim, na autonomia da criticidade de seu trabalho, foi um admirador expectante da obra de Stalin. A fundação da União Soviética parecia-lhe o maior acontecimento político do século XX. Dizia até mesmo que: "os russos são o único povo a destruir o reinado do dinheiro".


Ludwig demonstra um Stalin diferente da imagem contemporânea: um homem de profundos estudos, metodologicamente disciplinado, apaixonado pela solitude e duma capacidade oratória e retórica fulminante. Sua atividade revolucionária não foi tímida, só foi típica da sua estrutura comportamental de asiático: silenciosa e parcimoniosa, mas, ainda assim, portadora duma fidelidade férrea e absoluta. A índole de Stalin não é a de um homem apaixonado narcisicamente por si mesmo, tal qual era a de Hitler. A índole de Stalin está, como diz seu próprio nome, no aço. "Stalin" designa exatamente isso: Homem de Aço.


O texto é altamente biográfico, explora a infância de Stalin e o princípio de sua atividade revolucionária. Com uma infância marcada pela mazela da pobreza, Stalin viu muitas vezes pessoas ricas abusarem do poder. O que lhe marcou profundamente, causando-lhe um desgosto para com a situação política da Geórgia e também do Império Russo. Sua vida no seminário lhe deu uma instrução privilegiada, mas o que lhe arrebatou o coração foram as atividades revolucionárias e as mensagens políticas incendiárias que circunstancialmente apareciam.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Acabo de ler "Homo Ludens" de Johan Huizinga

 



Essa versão é apenas um recorte que li especialmente para minha licenciatura em teatro. Mesmo não sendo o livro inteiro, deu-me um sabor bastante apreciável e ressignificou muitas de minhas crenças. Creio que até a minha visão de muito sobre "jogos" e "brincadeiras", além de seu funcionamento social e psicológico, foi bastante alterada por essa breve leitura. Pretendo algum dia, quando tiver maior disposição de tempo, ler a versão completa do livro.


Johan trabalha com uma hipótese bem diferente da habitual, mas ela está em paralelo com grandes escritores e intelectuais de sua época. Creio que com a sanha racionalista e o desempenho desmesurado duma crença excessiva pela razão e o seu uso acabamos por perder a própria capacidade do bom uso da razão. Muitos intelectuais levaram os mitos e as religiões para as portas da frente da academia (aqui no sentido de universidade), exemplos esses são:

- Claude Lévi-Strauss;

- Eric Voegelin;

- Johan Huizinga;

- Mircea Eliade.


A sanha racionalista acreditou que poderia desmistificar o homem e traduzir, na Terra, uma forma de homem de razão pura. Um homem absorvido pela atmosfera duma racionalidade objetiva e que encarava o mundo dum modo completamente imparcial. Tal intenção motivou várias escolas de pensamento: positivismo, anarquismo, marxismo, liberalismo, dentre tantas outras. Todavia a ideia de um homem absorvido inteiramente pela potência do intelecto e capaz de dar juízos racionais em absoluta concordância com os critérios da razão suprema nada mais é do que uma construção da própria imaginação humana e, como tal, incapaz de ser realizada na prática – sobretudo tendo-se em conta a própria humanidade inerente ao homem enquanto homem.


Esse texto, por sua vez, apresenta não uma linha de pensamento que defende o aspecto religioso inerente ao pensamento do homem – mesmo que em escala inconsciente –, mas a inerente ludicidade do homem. Ou seja, somos algo além do que seres inconscientemente religiosos, somos seres que brincam inconscientemente. Dar-se conta disso é, mais uma vez, libertador. E espero que um dia que essa percepção seja academicamente mais levado a sério.

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 3)

 


Quem é Josef Stalin? Essa pergunta soa e ressoa, mesmo após um período tão distante. Para responder essa pergunta, debruçamo-nos na visão do primeiro embaixador estadounidense na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas: Joseph E. Davis. Que tipo de visão vocês creem que Joseph nutria acerca de Stalin? Uma péssima, não é mesmo? A resposta é: não. Joseph admirava Stalin e via-o como um homem de notável inteligência e capacidade política. Além disso, acreditava ver nele um excelente homem.


Stalin é aqui relatado como um cavalheiro bastante cordial. Mesmo compreendendo a natureza crua – e por vezes fria – do processo político em sua dimensão real, a famosa realpolitik, Stalin ainda demonstra traços de humanidade e arrependimento dos problemas internos e externos, tentando sempre evitá-los ou atenuá-los na medida do possível. Fora isso, seu contato com os cidadãos da União Soviética é bastante próximo e a sua vida está envolvida numa disciplina que a deixava produtiva e vigorosa.


Hitler também foi analisado, embora numa escala menor, nesse pequeno texto. Hitler é descrito como megalomaníaco e que rouba os créditos do esforço coletivo inteiramente para si. Stalin, por sua vez, demonstra-se mais humilde e compreensivo, valorizando o trabalho coletivo. O único paralelo entre os dois é: a capacidade de realizar grandes planos. Hitler regozijava-se da própria crueldade, Stalin sempre se arrependeu de ter que usá-la.


Um dos pontos sempre falados, mas que hoje salta aos olhos do estudante contemporâneo, ainda mais nessa época de triunfo narrativo do anticomunismo e "antistalinismo": Stalin era um homem bastante metódico, de pouquíssimos prazeres, perpetuamente entregue ao estudo sistemático e ao trabalho contínuo. Ele cumpria ferreamente seus compromissos e estudava os problemas nacionais – além de ter uma compreensão elevada da Europa de seu tempo. Além do mais, admirava os Estados Unidos e não queria um conflito com ele.


Seria um homem assim um monstro tal como hoje se pinta? Talvez os objetivos ocultos da narração contemporânea tenham mais a dizer do que a própria narração que tanto se alardeia.

terça-feira, 23 de abril de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 2)


O que gera um homem tão hipnótico quanto Josef Stalin?   Sua figura é apresentada diversas vezes e nas mais variadas facetas que se alternam ad infinitum. Após tantas e tantas versões, com tantos e tantos detalhes, há uma certa contrariedade narrativa, um sentimento de auto-anulação pela absoluta oposição de diferentes teses e antíteses em efeito cascata. Seja como for, a maioria das impressões históricas se manifestam contrariamente a ele. Todavia, após tantas batalhas narrativas - de esquerda ou de direita -, ficamos no disse-me-disse: sem saber o que dizer ou o que pensar.


Stalin teve uma vida como a de muitos habitantes da União Soviética e, de semelhante maneira, muito próxima ao cidadão de terceiro mundo: moralidade rígida, um pai alcoólatra e de figura turva, pobreza e a noção de que o mundo era como uma profunda inquietação promovida pelas hordas de intempéries que se sucediam dia após dia. Mesmo com toda essa junção de complexidade trágica, Stalin tirava boas notas e isso levou a ele entrar no seminário. Assim feito, esperava-se que ele se juntasse à hierarquia da Igreja Ortodoxa.


Como um menino tão inteligente, de notas tão boas e de comportamento asceticamente exemplar poderia, então, desviar-se dum caminho tão bom e tão bem planejado? As cenas lamentáveis de pobreza que se manifestavam como uma espécie de ritualística da vida cotidiana despertaram em seu peito uma necessidade. Necessidade revolucionária, diga-se de passagem. Stalin não poderia conviver perfeitamente bem com o que via, com o que testemunhava. Isso fez com que o pobre menino da Geórgia se convertesse, mesmo que lentamente, num agitador revolucionário.


Seu comportamento tinha uma natureza dual: ao mesmo tempo em que mantinha o rigor estoico da vida dum católico ortodoxo exemplar questionava a autoridade da estrutura hierárquica da Igreja Ortodoxa e se dispunha mais na leitura da assim chamada "literatura subversiva", gastando o seu tempo em atividades de agitação revolucionária. Seu estudo, por sua vez, foi edificado tendo como base o drama russo e o drama universal.

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 1)

 



Essa análise remete a apresentação (7 a 37). Resolvi fragmentar a análise visto que ando muito ocupado para escrever análises com maior regularidade graças ao pouco tempo para uma leitura mais diversa. Também creio que a análise fragmentária funciona mais no Instagram: os poucos caracteres que a plataforma disponibiliza dão um entrave para análises mais minuciosas, todavia isso pode ser burlado pela fragmentação. A fragmentação da análise, por sua vez, permite uma escrita mais atenta aos detalhes de cada parte do livro.


Quando pensamos em Stalin pensamos não só nele. A imagem de Stalin sempre vem atrelada a uma série de outras imagens. A história da União Soviética, sua ligação com Lênin, as brigas com Trotsky, os sentimentos que provocava em seus adversários, seus críticos de esquerda e de direita, a tradição imperial russa. No meio a tanta ebulição social provocada pela multiplicidade de projeções imagéticas, o que será verdade e o que será mentira? O aumento da acuracidade da história, um olhar crítico ao passado, importa para a humanidade em si mesma. Se a humanidade é incapaz duma correta autocrítica, perdemo-nos no caminho.


Esse livro vai numa linha bastante interessante: em vez de seguir a maioria, vai no fluxo contrário. Atacar Stalin é, hoje em dia, uma tecla tão batida que gera uma monotonia sonora e argumentativa. Quando me deparei com esse livro eu pensei: "por que não?". Sou uma pessoa extremamente curiosa e ver que existe uma sólida defesa ao Stalin - que sempre me pareceu uma figura muito mais interessante que Trotsky - me interessou muitíssimo. E os autores de tais textos já garantem, logo de cara, que muito do que se diz por aí é um fuzuê de desinformação, confusão mental, calúnia ou alteração para atacar tamanha figura.


O quadro que o livro apresenta não é algo que foge muito do discurso padrão? E será o discurso padrão válido? Creio que devemos dar uma chance para que um ponto de antagonismo se estabeleça em prol da saúde da própria discussão. Só assim poderemos adentrar nos confins da história e estabelecer com maior precisão e rigor a veracidade da própria história.

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Acabo de ler "España en los diarios de mi vejez" de Ernesto Sabato (lido em espanhol)

 


Os escritos de Ernesto Sabato são fascinantes. Ele é um grande pensador latino-americano e adentra no ringue com um dos maiores ensaístas do século XX. Sua obra, entretanto, também é marcada pelo tom lírico de sua escrita e pela utilização de múltiplas disciplinas para a criação conteudística.


Ernesto foi um intelectual altamente combativo e erudito. Capaz de prosear sobre os mais diversos assuntos como se estivesse num passeio. Não lhe eram incomuns temas como ciências exatas, humanas, sociais ou artísticas. Até o terreno da psicologia e biologia lhe eram comuns.


Nesse livro, estamos na fase adulta desse grande homem. Percebe-se que nesse período existe um tom mais sereno no escrever, o que é particularmente distinto do tom mais beligerante usado "Uno y el Universo". No livro anteriormente analisado, permanece a crença na ciência e na técnica. Aqui existe o conhecimento de que a ciência e a técnica são boas, mas devem ser utilizadas de modo humanisticamente responsável.


Há também o fato de que Ernesto também comenta assuntos menos abstratos e mais ligados à vida cotidiana. Coisa que lhe seria bastante estranha quando era mais novo. O que demonstra uma apreciação mas multifacetada da vida e menos ligada às altas abstrações da vida acadêmica/intelectual.


De fato, como o livro em si demonstra e pelos discursos apresentados por admiradores da obra sabatiana, Ernesto é um grande pensador e não poderia ser ignorado sem que se perca substancial parte do pensamento latino-americano e mundial. Visto que a obra de Ernesto não é só muito apreciada na América Latina, como em todo o mundo.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Acabo de ler “A Educação para uma compreensão crítica da arte no ensino fundamental" de Dr. Teresinha Sueli e Lila Emmanuele

 


Quando pensamos sobre o ensino de arte no Brasil nos deparamos com um grande problema conjuntural: como podemos nos enquadrar numa sociedade extremamente multicultural - o Brasil é uma união de distintos povos - e, ao mesmo tempo, tão radicalizada em problematicidades oriundas de comportamentos e pensamentos de matriz universalista e pulsões de dominação por grupos majoritários ou minorias poderosas?


Anteriormente a educação no âmbito das artes era abertamente reprodutivista, essencialista e universalista. Sua busca era atender a profissionalização, uma necessidade do mercado de trabalho. Uma importante questão era ignorada no ensino da arte: o pensar criticamente a própria arte. A arte precisa ser pensada além de ensinada e localizar os contextos, questioná-los e até mesmo relativizá-los é de suma importância.


A educação pós-moderna visa uma cidadania responsável. Ela é propulsionadora duma ótica mais multicultural, na defesa duma sociedade mais plural e também questionadora das estruturas de dominação e exploração. As realidades sociais não são tidas como essenciais e tampouco adquirem o status de inquestionabilidade. A lógica ocidental criada por homens brancos não é vista como universal. Muito pelo contrário: a educação pós-moderna visa uma dialogicidade entre as mais diversas formas de se realizar o ato artístico.


Creio que precisamos pensar responsavelmente a arte. E pensá-la responsavelmente requer uma atitude de igualdade entre as diferentes culturas, aceitando - e não apenas tolerando - o outro em sua humanidade. Pensar de forma pós-moderna, no fundo, é isso: pensar humanisticamente. Abrir o diálogo, não querer a submissão de um povo, deixar que cada um possa adentrar no oceano da multicultura e fazer sua arte de forma crítica e responsável.

terça-feira, 9 de abril de 2024

Acabo de ler "Jogos teatrais na sala de aula" de Maria Lúcia de Souza Barros Pupo

 


A anatomia do estudo de teatro, em seu aspecto de encenação, é bastante diferenciada do estudo usual. Visto que seu visar é mais lúdico e menos domesticado por abstrações teoréticas que elevam a imaginação aos céus sem mexer muito com o corpo, levando um desnivelamento entre aquilo que se estuda e aquilo em que o corpo inteiro atua.


Por meio dos jogos teatrais temos o estudo lúdico em uma ficção partilhada. Existem diferentes jogadores que, perto um do outro, traçam linhas atitudinais. Cada um deles faz um personagem-tipo diferente e atua cenicamente de modo experimental. O que dá margem a uma série de problemáticas que são resolvidas durante o jogo e podem ser repensadas.


Por meio desse jogo se desenvolve simultaneamente a expressão corporal e a escuta atenta no sentido mais profundo do termo. Não só aquilo que o companheiro ou a companheira fala verbalmente, mas por meio de sua expressão não verbal. O que a sua vestimenta traz, o que seu posicionamento corporal traduz, o que a sonoridade se sua voz ecoa. Tudo isso leva a uma atenção multicorrelacional em que a percepção da pessoa em si é exercitada.


É nesse brincar que são trabalhados exercícios de alteridade em que nos colocamos e corporificamos na pele do outro. Tentando viver as suas vidas. Tentando entender quais são os problemas que ele tem. Quais são as suas debilidades. E também podemos levantar hipóteses sobre distintos cenários possíveis, reimaginando também as nossas próprias possibilidades enquanto indivíduos portadores de vontades e de liberdades.


Estudar teatro é, seja pelos jogos teatrais, seja pela imersão nos aspectos teóricos, uma forma de repensar a vida em sua totalidade. Visto que tudo é um cenário e tudo exige, de cada um de nós, um modelo de atuação e uma forma de personificar o que queremos com a totalidade de nosso ser.

Acabo de ler "O belo, a percepção estética e o fazer artístico" de Cristina Costa

 



A sociologia da arte estuda as manifestações artísticas através das diferentes sociedades em seus diferentes percursos históricos. Cada qual com gostos diferentes que dão uma mensagem sobre o que se passa nessas sociedades. O artista é tido como um agente social que serve para justificar o poder instituído ou contradizê-lo por meio de sua arte.


Quando pensamos na arte não podemos adentrar numa lógica universal, visto que cada arte representa os valores ou contra-valores dos diferentes grupos que estão em disputa. Sendo que o maior valor apresentado não é do grupo marginal, mas aquele que pertence a classe dominante. Isto é, dos detentores dos meios de produção cultural. Embora seja verdade que os detentores dos meios de produção cultural podem ser a alta burocracia que, nos países autointitulados de comunistas, usurparam o poder do proletariado e campesinato, constituindo assim a nova classe dominante.


O juízo estético é fruto das diversas composições que formam nosso ser: classe social, classe econômica, período histórico, gênero, cultura, geografia, religião, crenças. Tudo isso envolve a forma com que veremos e perceberemos a sociedade. Então não temos juízos imparciais para criar uma universalidade, essa sempre vem dum desejo de dominação e desumanização dos grupos minoritários ou tidos como inferiores. Esse assunto é, na sociologia da arte, palco de inúmeros debates.


A ótica que temos hoje é uma ótica de legitimação da diversidade. A razão disso? A sociedade globalizada sempre nos põe em contato com o outro. Dificilmente um cidadão urbano, em contato com múltiplas culturas e bastante conectado a internet, poderia ter uma lógica não cosmopolita. E é por isso que a pretensão hegemônica de certos grupos é abstrata, visto que eles mesmos são mesclas de vários grupos ou até mesmo visam paralisar esse ambiente por meio dum movimento de censura e paralisação do processo global.


Estudar sociologia da arte é uma forma de aprender mais sobre nós mesmos, de nossa sociedade, de nossa cultura. No entanto, não para nisso: compreendemos mais do outro, do passado e da relatividade.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Acabo de ler "O ensino de arte na educação brasileira" de Rosa Iavelberg

 


O Brasil sofre de enormes debilidades na questão do ensino da arte em suas instituições de ensino. Mesmo após tantos anos e tantos avanços, temos uma generalizada crise e insuficiência no quesito do ensino da arte em nosso país.


Em primeiro lugar, é preciso compreender que "arte" se divide em quatro linguagens:

1- Artes Visuais;

2- Música;

3- Teatro;

4- Dança.


Se existem quatro linguagens, como é que um único professor pode ser capaz de passar essas quatro linguagens de forma igual e com rendimento simétrico com uma formação debilitada e, muitas vezes, não atualizada? Não só a formação do professor é deficiente, a sua atualização como professor também é. Como resultado, o contato dos alunos com as linguagens e expressões da arte é irregular e deficitário.


Corre também outro fato: o professor é muitas vezes obrigado a dar aula em mais de uma escola para sobreviver. Essa característica torna ele incapaz de ensinar, pois o intelectual é um atleta do pensamento. E o atletismo requer um treino constante. A ausência de amparo financeiro - salário adequado - cria uma característica bastante insalubre: professores que não estudam dão aulas sem refletir e sem se aprimorarem enquanto intelectuais.


Questionar sobre o ensino da arte em sua singularidade leva a um questionamento sobre o quadro geral da educação no Brasil. E esse quadro geral também revela as deficiências do Brasil enquanto nação e a linha estratégica de seus projetos de Estado. Falta-nos, como sempre, uma consistência e uma visão. Nosso caminhar é tímido e montado por acasos e tropeços.

Acabo de ler "Proposta ou Abordagem Triangular: uma breve revisão" de Ana Mae Barbosa

 



Quando refletimos sobre a arte devemos refletir de forma contextualizada, relativizadora e desalienante para que possamos ver a nós e aos outros de forma norma, pensando de forma crítica e conscienciosa.


Quando a burguesia criou a sua produção, ela precisava dum público consumidor. Para tal, ela reforçou um modelo de assimilação alienatória. Este modelo tinha muito a ver com a apreensão de objetos culturais - e também normas e valores - produzidos pela burguesia. Criou, com isso, uma dupla condição:

I- A venda de seus produtos culturais;

II- A assimilação de seus valores de forma imperceptível para a maioria das pessoas.


O modelo de cópia ou o mero consumo dos produtos, sobretudo aqueles produzidos pela indústria cultural, pode incorrer numa postura grosseira em que uma série de valores e normas culturais são psiquicamente naturalizadas como a realidade em si mesma e são reproduzidas por uma sociedade de modo acrítico. De tal forma, esse modelo de alienação pode ser aplicado por classes dominantes para arrefecer as classes dominadas ou por países dominantes contra países mais fracos.


A abordagem triangular é um modelo baseado na contextualização, na relatização dos valores e normas que regem o funcionamento das sociedades, na postura que temos diante do outro e de nós mesmos. É um modelo que pensa e age de forma crítica, possibilitando uma percepção social e uma autopercepção. O que vai contra as práticas de alienação e busca uma via de libertação pela arte. Buscando uma vida carregada de sentido, um devir artístico e descobertas múltiplas: sociológicas, antropológicas, geopolíticas, psicológicas, artísticas.

domingo, 7 de abril de 2024

Acabo de ler "O Papel do Encenador: das vanguardas modernas ao processo colaborativo" de Cibele Forjaz

 


Existe uma linha, aqui bastante simplificada, para entender o desenvolvimento do encenador/diretor:

1- A primeira posição seria apenas de uma pessoa que vai ajudando nos ensaios para que se acomodem a concepção artística dum dramaturgo, um papel majoritariamente tomado pela subordinação textocêntrica;

2- Posteriormente há um aspecto de vanguarda na direção teatral. O diretor começa a ser tomado como um artista e autor dum processo próprio: a passagem do texto para a cena. Ele é um adaptador e também um co-autor, visto que dá um sentido próprio;

3- Por fim, instale-se o processo colaborativo em que cada pessoa envolvida na peça do teatro adentra como coautora. Uma descentralização que tem a plena potência do vigor democrático.


Estudar a forma que o teatro passa pelo tempo é interessante. O teatro também faz parte da história humana, visto que a arte é intrínseca à humanidade. E é importante ver que a estrutura descentralizada é muito parecida com uma das principais pautas contemporâneas: o desenvolvimento das múltiplas personalidades em harmonia de reconhecimento mútuo e em conjunto para a instauração dum processo criativo.


Quanto mais o tempo passa, mais a sociedade é plural e maior é a necessidade de questionarmos a questão da autoridade e sua centralização. Visto que uma autoridade irredutível é a negação de outras subjetividades, já que elas teriam que se curvar ante a autoridade central. Nessa questão, é preciso que aprendamos a valorizar a importância de cada vida humana, sempre aprendendo com as diferenças e entendendo que cada um tem a sua singularidade. O teatro é uma arte libertacional e, por isso, adiantou-se nesse processo de aceitação da democratização tão necessário ao mundo atual. 

Acabo de ler "As mudanças do diretor teatral e suas respectivas evoluções" de Carlos Alberto Ferreira Silva



Antes do surgimento da figura do diretor, existia um cargo mais ligado ao ensaiador. A figura consistia no preparo dos atores para a peça. Com o tempo, a mudança tecnológica - como as técnicas de iluminação e sonorização - exigiam um diretor mais atento ao processo geral da peça, o que exigia um cargo de natureza mais sistemática.


A figura do diretor teatral surge lá para o final do século XIX. As necessidades do cargo eram: cuidar do processo teatral para que gere um produto final. Deste modo, o diretor não era, tão somente, uma figura que pegava a dramaturgia e colocava ela em cena de forma despreocupada. Era necessário que essa obra fosse passada teatralizadamente, num processo cênico de qualidade e com todos os arranjos ambientes e sonoros necessários. O diretor era também autor pois era o responsável pela condição cênica que seria passada ao público.


O diretor meio que verticaliza o processo das várias distintas figuras que se unem para o fazer teatral. Ele é influenciado por todas elas e dialogicamente influencia todas em direção do resultado criativo. O que o torna de suma importância. Visto que o diretor é, também, um teórico sistemático do fazer teatral e é responsável pela concepção do teatro na plena expressão de sua totalidade.


O teatro é, certamente, uma das artes mais belas. E compreender a questão da teatralidade e de sua necessidade na vida humana - visto que exercemos através de nossas máscaras sociais papéis distintos em nossas vidas - é libertador e, ao mesmo tempo, extremamente complexo.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Acabo de ler "O que é direção teatral?" de Walter Lima Torres

 


O teatro tem muitas características que são mais complexas do que podem soar inicialmente. Uma dessas características é a direção teatral. Todavia esse pequeno artigo trata de várias delas, de forma bastante interessante e com uma postura histórica apurada.


Um encenador teria que lidar com a ausência de atores e atrizes sem capacidade de leitura, por causa do analfabetismo. O treino das falas se tornava mais difícil. O diretor tinha que se submeter ao textocentrismo, dando margem a uma soberania dramatúrgica. O ator seria de um tipo-personagem só, com base muitas vezes em estereótipos.


Hoje em dia, o que mudou? O ator contemporâneo é camaleônico, mudando e reinventando-se enquanto ator com base num estudo pormenorizado em vários âmbitos. O encenador não pode mais escolher um ator com base em estereótipos de forma doutoral e precisa lidar com a coautoria do ator. O diretor não está mais submetido ao aspecto textocêntrico e tem maior maleabilidade, pensando na estrutura cênica. O dramaturgo precisa compreender que as peças não existem apenas por si mesmo, mas estão dentro duma dinâmica coletiva em que ele faz parte.


É central que hoje existe uma maior descentralização no teatro. Essa descentralização é baseada numa maior dimensão do coletivo enquanto portador de igualdade, inclusive na questão criativa. Logo há uma certa espécie de democratização do teatro. Essa mudança dificilmente veio para ser substituída. Além disso, ela é fruto do próprio aumento da educação.


O teatro, tal qual qualquer outra área, tem lá as suas modificações e o diretor também tem que lidar com essa pluralidade dialógica ao qual está submerso como membro do teatro. Ganhou maior autonomia, mas essa autonomia está enquadrada numa maior igualdade com seus parceiros de trabalho.

terça-feira, 2 de abril de 2024

Acabo de ler "Apontamentos bibliográficos sobre jogos teatrais no Brasil" de Alexandre Mate

 



O teatro é uma arte de subversão. Em todos os períodos históricos em que regras moralizantes, vindas das elites dominantes, foram postas para cercear a arte teatral, essa se viu privada de sua potência e, de modo inequívoco, tornou-se falha e desvirtuada.


A questão teatral é diferente de outras, existem três estados:

1- Jogo-Educação:

A primeira premissa que nos surge é a radicalidade divergente do método teatral. Seu método se dá muito pelo lúdico, como se estivesse num jogo.

2- Reflexão por Imaginação e Simulação Vivencial:

O teatro reflete por meio de exercícios que treinam a musculatura da imaginação. E é por meio dela que os estudantes vão, pouco a pouco, se reimaginando e se reinterpretando.

3- Provocação pelo Imaginário:

Aquele que se depara com uma narrativa utiliza sua própria memória e vida para refletir as questões existenciais que a obra apresenta. Logo a sua reflexão parte da sua emoção só para depois atingir a razão.


O ato teatral é, em si mesmo, uma postura subversiva. É subversivo em seu método educacional, atacando aqueles metódicos da rigorosidade objetiva que separam a emoção, o eu, o subjetivo. É subversivo na forma com que promove a reflexão, visto que sua reflexão parte de uma brincadeira e adentra em simulações existenciais. É subversivo na forma com que atinge o leitor, visto que o leva a refletir por meio de seu imaginário e coração. Tudo isso demonstra que o teatro está sempre numa posição distinta, de choque, de não-lugar.


O teatro é algo que vai sempre além. É algo que ultrapassa. Algo que esmaga as concepções dos outros intelectuais. Algo que ataca vertical e horizontalmente a tudo que está na sociedade. Rindo enquanto é sério. Chorando enquanto é feliz. Essa é a postura do teatro, é a postura da quebra paradigmática enquanto posição paradigmática.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Acabo de ler "Quando o teatro e a educação ocupam o mesmo lugar no espaço" de Flávio Desgranges

 


A arte é educadora enquanto arte, isto é, possibilita uma imersão não só na experiência da vivência da arte, mas abre-se para uma postura de revisão da vida em si mesma. Essa capacidade de gerar uma inquietação prova que a arte tem valor educacional irredutível.


Quando lidamos com uma narrativa temos que usar uma chave para a sua compreensão, usamos essa chave de forma mais ou menos consciente. Essa chave é a de resgatar o material de nossa própria mente, a nossa memória, para entender como a narrativa vai se construindo. A imersão na arte é também um mergulho do ser em si mesmo, sempre e em todo momento.


O teatro moderno registra uma nova ação: ele quer radicalizar esse fenômeno de crítica e autocrítica. Para tal, ele deixa claro que o público está no teatro. Não ocultando a montagem. Isso retira um pouco do processo de imersão na peça que se apresenta, mas acentua a autopercepção. Nesse ponto, o expectador tem mais espaço para a sua intimidade psicológica e até mesmo um diálogo existencial com o que vê.


Existe outro fator no teatro moderno e contemporâneo: ele não quer ser o centro do universo. Ele quer que o universo exista e seja vislumbrado. Quer que a platéia não veja só o teatro, mas as engrenagens do próprio mundo. O que é uma possibilidade enorme de criticar e questionar a sociedade e a cultura dominante.


Sobre o teatro podemos dizer: ou o teatro é questionador ou é questionável. O objetivo do teatro é o de gerar indagação, é o de gerar um questionamento para com o sistema. É levar a uma revisão metódica dos valores que carregamos ou somos obrigados a carregar. Tudo em prol duma mudança qualitativa de nossa própria vida e da sociedade. 

Acabo de ler "Jogos de Improvisação" de Flávio Desgranges

 



Muitas vezes olhamos as ciências humanas como uma educação baseada na subjetividade, todavia essas exigem uma alta carga de abstração que, apesar de aumentar a objetividade, também tornam o estudante abstraído da própria questão em que se coloca. O teatro, entretanto, age de forma distinta.


Nos jogos teatrais adentramos numa outra forma de colocação, num outro modus operandi, em que o objeto investigado e a vida vivenciada se demonstram complementares. Realidade e imaginação, vida e criação, abstração e real, empirismo e epistemologismo. Tudo se dá de forma conjunta.


No jogo teatral a investigação é a forma com que imaginativamente nos colocamos em cenários, recriando substancialmente, corporificando como se tudo fosse, não um mero jogo, mas a vida que de fato vivemos e os sentimentos que de fato sentimos. O objetivo da investigação teatral é abrir, por meio de um jogo, a percepção daquele que analisa. Só que nessa investigação não há separação entre ser-epistemologizante e objeto-epistemologizado. Ser e objeto não estão separados, estão na mesma condição de subjetividade.


O acadêmico de humanas costuma, em sua prática, separar a sua realidade psíquica para depurar a sua análise da realidade. Assim ele garante a sua objetividade. Já o estudante de teatro faz de outra forma: ele investiga por meio de um contato íntimo com o objeto de sua análise, confundindo a noção entre realidade e ficção, tornando até mesmo ficção em realidade.


Estudar de forma teatral não é apenas ler um livro, ler um artigo. Não é escrever sobre algo que está distante. Estudar teatro é viver o livro, viver o artigo, escrever sobre o que está no próprio coração. É por isso que o estudo do teatro é tão maravilhoso e rico, visto que promove alteridade a cada momento.

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 12)

  Essa é a última parte de Emil Ludwig, indo da página 185 à 208. Aqui termina a triunfalmente rica e arguta análise de Ludwig. E talvez sej...