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sábado, 16 de dezembro de 2023

Acabo de ler "Paulo Francis, Polemista Profissional" de Paulo Eduardo Nogueira

 



O que define um intelectual marcado pelo paradoxo? Sua aversão à crescente coletivização da consciência acadêmica em prol duma seitização do debate me encanta. Sabemos que, hoje, há uma tendência perniciosa que confunde escolas de pensamento com unidades doutrinais de sistemas teológicos que só podem ser aderidos por inteiro ou negados por inteiro. Com tal comportamento, vemos a negação sistemática do livre pensamento, do livre exame e, por fim, da consciência individual como consequência lógica deste encadeamento trágico.


Paulo Francis é um homem contraditório, de erros e acertos. Isto não é uma desqualificação: é a própria natureza humana que assim o é. A humanização do debate, se considerada seriamente, começaria pela aceitação da subjetividade humana. Isto é, em vez da classificação e adesão restrita aos conteúdos unitários de escolas de pensamento - tomadas em sentido religioso -, teríamos que considerar a pessoa, sua subjetividade e a individualidade de sua construção intelectual. Atualmente o que temos é um classificacionismo que visa, antes de tudo, transformar o debate em ordens tribais em que as pessoas são justificadas perante a sua tribo e condicionadas a elas.


A própria hipótese de que alguém possa, por livre exame, chegar a uma construção intelectual autêntica soa como uma heresia e é tomada com desdém ou com incredulidade. Em vez de pensar na pessoa em si, pensa ela em relação ao grupo e ao suposto grupo que pertence. O debate sempre terá frases como "isso vai em contradição com o seu grupo" ou "você está em contradição com a sua escola". Aos partidários dessas seitas infernais, uma resposta é necessária: minha escola é o mundo e meu método é o livre exame. Intimamente a consciência individual importa mais do que o (auto)condicionamento irrestrito.


Francis errava, como todo ser humano. E errar é da natureza humana. As críticas a Francis escondem mais do que ao erro "X" ou "Y", escondem uma postura disciplinada de tribalismo coercetivo que condena sobretudo a quem pertence supostamente ao grupo que se odeia ou ao grupo que se deve aderir fielmente como crente.

sábado, 29 de abril de 2023

Acabo de ler "Marx y los socialismos reales y otros ensayos" de Carlos Rangel (lido em espanhol)

 



De onde vem o ódio a personalidade? Provavelmente de um lado primário e pouco desenvolvido dentro de nós. Historicamente - e biologicamente, aposta o autor - estamos mais acostumados com uma mentalidade coletiva do que com uma capacidade de tomar decisões individualmente. A consciência individual é de origem muito recente.


Sendo a humanidade socialmente forjada, a adequação social se tornou um importante mecanismo para a sobrevivência. Essa busca constante por aceitação se liga claramente com um instinto. E é por isso que, ao buscarmos convalidação, caímos numa retórica tribalista e socialmente idólatra, tipicamente mundana.


Internamente, em sua estruturação primária e primitiva, a humanidade buscará um reforço a unidade primordial em que a coletividade se justificava por si mesma. Onde o peso da escolha individual era inexistente. A liberdade agoniza o ser e o faz buscar instintivamente um passado não tão longínquo onde a consciência individual era inexistente. O peso de ser pode ser diluído na tribalização em que a carga da escolha é, por obrigação, socialmente dividida.


Essa asserção, que talvez seja bastante herética para alguns, é o que guia muito do pensamento de Carlos Rangel. E a sua retórica é muitas vezes guiada por uma defesa da liberdade e da consciência individual, indo contra as fantasias reacionárias tribais de direita ou de esquerda, que sempre ameaçam a liberdade em nome duma fuga coletivista e totalitária.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Uma defesa peculiar do livre-exame!

Penso no livre-exame da seguinte forma. Há três formas de se propor uma leitura de forma geral e essas três formas são: 

1- Leitura dogmática ou coletivo-normativa; 

2- Leitura livre-exame; 

3- Leitura livre-interpretação. 


A leitura dogmática não é por mim aplicada tão somente ao domínio das religiões, mas igualmente a qualquer método que leve a compreensão dogmática ou delimitada do pensamento. Creio que, cabe aqui, um adendo: há uma espécie de objetivismo-coletivista na leitura dogmática. Um objetivismo-coletivista está sempre assentado numa tradição de pensamento de determinado grupo, seja esse grupo religioso, ideológico ou filosófico. Assim sendo, toda leitura presumidamente dogmática segue alicerçada por uma mentalidade objetivista-coletivista. Aquele que está inserido formal (conscientemente) ou informalmente (inconscientemente) numa tradição sempre acaba por ter o resultado da leitura pré-modelado pela doutrina em que fixou e delimitou seu pensamento. Existe então uma “inteligibilidade plausível” de interpretação geral sobre todas as coisas sempre correlacionada e subordinada pelo mecanismo de interpretação dado por um grupo determinado. A leitura dogmática é viciada pois seu leitor é viciado numa escola de pensamento, doutrina e ideologia.


Podemos dizer que mesmo no campo ideológico político há uma leitura delimitada que produz resultados delimitados, tal leitura é, para mim, dogmática, pois sempre gira em torno de resultados já predefinidos pela chave de interpretação do texto. O dogmatismo pode estar ligado a algo que não é “uma verdade religiosa”, mas sim a uma “verdade coletiva” de determinado agrupamento social. Tal “verdade coletiva” filtra o pensar através de suas crenças e propõe sempre um resultado enviesado por um vício de pensar.


Leitura livre-interpretação é uma leitura descomprometida com o debate, é uma leitura inteiramente livre de qualquer debate sobre a natureza interpretativa do texto. E nquanto o leitor dogmático quer chegar a uma interpretação predefinida por uma linha de pensamento, o leitor livre-interpretacionista quer chegar a uma conclusão sem qualquer intermediação de ninguém e indo para um caráter individual-subjetivo de interpretação. Podemos ver que daí surge um subjetivismo tacanho que coloca o sujeito leitor como autoridade absoluta. Em vez de subordinar-se a um grupo predeterminado, subordina-se sempre ao próprio leitor e faz surgir uma leitura desinteressada pelo próprio debate acadêmico e impossibilitada de ir além do próprio leitor. 


Leitura livre-exame é uma leitura cuja o fim real é um debate intermediado. Ele não se prende ao subjetivismo-individualista e nem ao objetivismo-coletivista. Em vez disso, ele quer um debate franco que se atenha num número de interpretações razoavelmente possíveis. Diferentemente da leitura dogmatizada, não há um grupo de pensamento que subordina a leitura num resultado ideologicamente presumível. Diferentemente da leitura subjetivista, há uma atenção aos grupos de pensamento e as suas possíveis interpretações. É uma leitura intermediada por não se filiar a nenhuma tradição de pensamento e de interpretação. É uma leitura intermediada por não querer ser uma leitura egoísta, subjetivada por estar subordinada ao sujeito leitor como intérprete absoluto.