Mostrando postagens com marcador loucura. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador loucura. Mostrar todas as postagens

domingo, 4 de maio de 2025

Acabo de ler "American Psychosis" de David Corn (lido em inglês)


 

Nome:

American Psychosis: a historical investigation of how the Republican Party went crazy


Autor:

David Corn


O estudo da queda da hegemonia americana levanta questões profundas sobre o que podemos aprender acerca do florescimento, desenvolvimento e queda das nações. Estudar tudo isso vem sido uma tarefa graciosa e de crescimento intelectual contínuo para mim. Espero que os leitores desse blog também possam sentir o mesmo. Se não pela leitura dos livros, talvez pela leitura das análises que venho feito.


A metodologia empregada para essa série de análises foi uma contínua exposição e abertura ao debate público americano. Não li só livros, também vi vários vídeos e, inclusive, assisti a documentários para empreender essa tarefa de modo mais razoável. O método analítico empregado é o agnosticismo metodológico em que concordo com o que é expressado em cada livro, tendendo a ser de direita quando ele é de direita e de esquerda quando ele é de esquerda — mesmo que eu recorrentemente saia dessa tendência em múltiplas análises. Evidentemente dei uma predileção especial aos livros conservadores no início dessa empreitada, mais pelo fato de eles estarem no poder e por toda a história envolvendo o Project 2025 do que por alguma outra razão específica.


Em primeiro lugar, qual é um dos fundamentos da mentalidade americana? Qual fundamento é recorrentemente lembrado e que está sempre marcado no debate público? Os Estados Unidos tem uma aliança histórica com uma dada concepção de liberdade. Essa concepção de liberdade aparece historicamente sendo interpretada e reinterpretada de várias formas por diferentes por figuras que se deslocam pelo tempo-espaço dessa nação. Muitas vezes, são amadas. Outras vezes, são rejeitadas. Apesar disso ocorrer em diferentes períodos e a análise dessas figuras e feitos serem passiveis também de reinterpretação de múltiplos grupos ao sabor de cada momento.


A liberdade, tal como se pode pensar erroneamente, não é algo tão simples de se conceituar, a liberdade é passível de discussão. Por exemplo, a liberdade é algo que é dado ou é algo que temos naturalmente? Se ela é dada, quem garante que essa figura que dá a liberdade não possa outorgá-la posteriormente? O Estado deve garantir um direito a algo para que essa pessoa tenha liberdade (exemplo: saúde, educação e segurança) ou o fato de ser o Estado o garantidor dessa liberdade que essa liberdade não é confiável? Várias questões poderiam ser levantadas.


O que deixou, por exemplo, que o Partido Republicano empregasse vários métodos corrosivos dentro dos Estados Unidos sem uma punição clara? Aliás, o que garantiria essa punição? Será que todas as ações historicamente feitas pelo Partido Republicano não se enquadrariam como a propagação estratégica de tribalização, seitização e utilização massiva de fake news e teorias da conspiração como ferramentas de controle e poder social e político? As consequências disso não são atualmente nefastas e colocam em risco a própria experiência americana? Como se lidar com a necessidade de se manter uma sociedade aberta e temente do crescente poder do Estado ao mesmo tempo que se lida com a necessidade de frear uma série de grupos que se utilizam dessa liberdade provinda dessa mesma sociedade liberal para promover o ódio e a divisão?


No Brasil, vivemos aumentando o poder regulador do Estado sobre o discurso na esperança de que possamos dar um basta nessa onda de utilização de desinformação como metodologia política. O Brasil, digamos a verdade, é bastante acostumado com uma ideia burocrática na regência da sociedade civil. Só que isso também leva uma dúvida: o poder do Estado sobre o discurso não cria uma necessidade de uma burocracia especializada na análise do discurso para ver qual é correto e qual é falso? Se sim, isso não implicaria na criação de uma tecnocracia que decide qual discurso é verdadeiro e qual é falso? Se a primeira hipótese é verdadeira, então a própria tecnocracia diria o que o povo pode crer e o que o povo não pode crer. Isso levaria ao fim da própria democracia. Embora hoje já se possa falar dum regime híbrido entre a tecnocracia e a democracia (democracia vertical).


Numa democracia — em que há a necessidade de um autogoverno — há a necessidade de que os discursos sejam livres para que as propostas possam ser lidas, ouvidas e/ou assistidas para serem publicamente analisadas. Uma tecnocracia cria camada, essa camada separa o tecnocrata do restante da população civil e caberia a esse tecnocrata, que está acima do povo, o de agir paternalmente. A necessidade constante de controlar o aspecto discursivo da população para impedir que a desinformação se espalhe abre margem para a criação de uma nova população que se distinguiria da população primária e seria não uma igual perante a lei, mas acima da lei ou sujeita a leis especiais. O que leva a própria corrosão da liberdade — visto que sujeita a uma decisão superior — e a democracia — visto que cabe a um tecnocrata decidir e sua decisão está acima da maioria constituída.


A mentalidade americana surge duma suspicácia do poder constituído e da capacidade desse poder de se sobrepor aos interesses orgânicos dos indivíduos. Em outras palavras, a ideia de uma hierarquização social traz o retorno de uma aristocracia — algo que remete ao Antigo Regime, o mesmo regime que o americano surgiu para ser contra. A identidade americana é uma identidade que nega o Antigo Regime e surgiu para afirmar um mundo que vem após esse regime. É por essa razão que mesmo com tantos feitos na sociedade, muitos deles absolutamente negativos, o americano teme ainda mais a possibilidade de ser controlado. Se assim não fosse, ele estaria, de certo modo, contrário a própria identidade americana.


O livro American Psychosis, em sua compilação histórica, levanta esse dilema mesmo que não diretamente: como viver num momento histórico em que os Estados Unidos acumulou múltiplos grupos que possuem uma mentalidade autoritária/totalitária e que visam substituir a própria sociedade liberal por uma mais fechada ao mesmo tempo em que não se pode acabar com a própria sociedade liberal? Muitos americanos têm uma noção muito forte de liberdade e preferem tolerar grupos indigestos do que tolerar uma ação direta do Estado (mesmo que dentro do Paradoxo da Tolerância de Karl Popper). Como os americanos resolverão tudo isso? É algo que só os capítulos da história poderão mostrar.

sábado, 13 de agosto de 2022

Acabo de ler "O alienista" de Machado de Assis

 



Quando nos deparamos com um clássico, dependemos de um espírito que a ele se abra e entregue-se. Por muito tempo, o humor de Machado de Assis foi-me estranho. Hoje, com maior maturidade do espírito, dou-me a vôos mais altos e constantes. Sinto-me feliz por ter compreendido e rido bastante com essa pequena obra.

A questão fundamental é a definição da loucura. O alienista busca uma "explicação cabível" ao entendimento da loucura. Hipoteca-se sobre a proporcionalidade, depois desenvolve-se na argumentação contrária. A trama se desenvolve como uma arguta crítica ao senso de sanidade e insanidade, além da mediocridade do senso comum e da idolatria científica dos pedantes. Gerando casos extraordinários de comicidade mórbida. A surpresa é característica presente dum roteiro que se engendra tendo como inimigo a monotonia e a padronicidade. Nota-se que Machado de Assis não era outra coisa se não um gênio.

É incrível como surge a "Casa Verde" e qualquer motivo leva ao encarceramento da pessoa. Todos eram alvos. Todos eram tidos como patológicos em dados comportamentos. Chega-se até num ponto em que a grande maioria da população da cidade estava internada. Só que toda essa incomensurável jornada termina com o alienista descobrindo que, em todo esse tempo, o louco era ele e não o outro - nesse caso, todos os outros.

A enunciação duma política experimental totalitária que cultua a ciência e a ausenciação de um ajuizamento da maioria é uma temática interessante. O livro poderia ser facilmente enquadrado nos grandes livros de distopia. Pode-se falar que o livro que tenho em mãos é um clássico da distopia da saúde mental. E, vejam só, é um clássico inigualável em sua riqueza. Termino o livro maravilhado com a agudeza do espírito do autor. Deu-me boas risadas e um bom entendimento crítico que me será útil até a consumação de minha vida.

sábado, 11 de junho de 2022

Acabo de ler "Violent Cases" de Neil Gaiman e Dave Mckean

 



Essa HQ é bem diferente das que estou acostumado a ler. Para ser mais exato, propus-me a uma pequena loucura quando decidi lê-la: pegar uma HQ aleatoriamente, sem ler a sua sinopse e curtir essa experiência do acaso tal como alguém que abre um livro religioso aleatoriamente esperando uma resposta da providência divina. E não me decepcionei em momento algum, muito pelo contrário.

Essa revista em quadrinhos é meio confusa, já que o conto é narrado no presente, mas a história se passa na percepção meio infantil duma criança. Fora isso, há outro fator que complexifica a leitura da obra: a mistura entre realidade e fantasia dentro da mesma narrativa, o que leva a múltiplos caminhos interpretativos. Damo-nos conta de que estamos numa memória meio confusa que está sempre sincretizando múltiplos eventos.

A sensação de confusão que temos ao ler a HQ não é ruim, ela é prazerosa e dá-nos um quê de misticismo. Essa sensação mística se mistura com a própria beleza artística a qual somos expostos. A beleza e a confusão nos transbordam de sentimentos indescritíveis durante todo no intercurso de leitura. E mesmo não chegando a compreensão literal, compreendemos que ela não é necessária: trata-se, antes de tudo, de uma estranha experiência maravilhosa que joga o leitor numa penumbra lunática e maviosa.

Ao terminar de ler, sinto-me dado a grandes mistérios da vida, não concluindo logicamente sobre eles. O que tendo é entender que existem coisas que escapam as nossas mesquinhas definições.