Mostrando postagens com marcador Drácula. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Drácula. Mostrar todas as postagens

domingo, 30 de junho de 2024

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 11 Final)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

É muito bom chegar até aqui. Castlevania foi um dos jogos que mais marcou a minha vida de jogador e eu sempre quis trazer algo de mais profundo acerca das reflexões que o jogo em si mesmo me causava. Escrever esse texto foi uma forma de me recordar de quando tinha onze anos de idade e jogava aquele glorioso clássico em meu PlayStation 1. Desde que o joguei, o gênero metroidvania se tornou um dos que eu particularmente mais gosto.


Escrever essa pequena saga de análises foi uma das formas de demonstrar o quão impactante, interessante e curiosa foi a minha experiência com o jogo. E também quis abri-los a uma percepção mais elevada das questões morais, psicológicas, literárias, filosóficas, sociológicas, mitológicas e até mesmo religiosas que rondam o jogo. Não sei se isso será de "grande utilização" para vocês, mas uma coisa é certa: Castlevania Symphony of the Night é um marco e será para sempre lembrado como um dos melhores jogos da história, mesmo que poucos deem o devido valor – inclusive valor intelectual – que ele merece.

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 10)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

No trecho anterior da análise citei que o Castelo de Drácula poderia ser uma representação do "inconsciente coletivo sombrio" da humanidade – existe também o inconsciente pessoal sombrio. Nesse trecho, ressalto esse ponto. Dois bons exemplos disso são Belzebu e Legião que aparecem como chefes dentro da estrutura do jogo. Esses dois seres aparecem na Bíblia, mas é evidente que outros monstros surgiram de outras referências literárias, mitológicas, religiosas e também do cinema.

Dentro do jogo, tudo aquilo que Alucard vivência é real na possibilidade do seu universo. Mas na vida real, o mundo no qual vivemos, podemos levantar o questionamento do que há por trás de toda essa narrativa. Todas as figuras excêntricas, sombrias e misteriosas concentradas naquele imponente castelo, representam um antagonismo notório ao que a humanidade espera e verdadeiramente quer. Isso apenas em sentido aparente. Drácula menciona que muitos homens esperam se tornar seus servos, logo esse antagonismo (humanidade vs monstruosidade) é meramente aparente. Por outro lado, o antagonismo na estrutura da análise psicológica não é tão evidente quanto se espera em uma análise rasa. Se a humanidade possui um inconsciente coletivo sombrio, esse pode facilmente um objeto de autonegação dessa mesma humanidade.

Quando escrevo sobre inconsciente coletivo sombrio e inconsciente pessoal sombrio, as referências que existem negativamente dentro de nós, o poder das nossas sombras, revelo algo que vai contra aquilo que a maioria das pessoas que conheço acredita: a hipótese de que o homem é essencialmente bom, mas está corrompido por algum fator de ordem social, econômica, algum distúrbio psíquico ou algo do tipo. O homem não aceita o Castelo de Drácula pois não aceita que em sua essência, em sua ação, em seu pensamento, exista algo de mal, algo de defeituoso, algo se ofensivo. O homem não quer olhar para o espelho e ver uma cicatriz em seu rosto. Ele quer se ver como "puro", porém essa mesma forçação de querer ser puro e se ver como puro o leva a ser incapaz de ver o mal que existe dentro de si. Quando algo é abolido do terreno do consciente, torna-se inconsciente. Logo o homem esconde o mal dentro de si e começa a praticá-lo sem perceber. Uma das razões pelas quais vivemos numa sociedade tão violenta talvez seja essa: esquecemos que existe em cada um de nós um mal que se esconde dentro de nossa interioridade e está presente inclusive em nossas melhores intenções.

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 9)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

Uma observação notável, e talvez pouco compreensível, para os amantes de Castlevania, é que o seu Castelo é uma forma de "inconsciente coletivo sombrio" dos mais profundos medos da humanidade. É no Castelo de Drácula que os medos da humanidade – e de quem particularmente entra ou entrou nele – se manifestam, são imanentizados, de forma sólida. Aliás, quando mais se avança dentro do Castelo, mais se depara com figuras grotescas e perigosas. Não seria o "passeio" dentro desse Castelo uma revelação do inferno que existe dentro da "alma" de cada homem?

Estamos acostumados a pensar a "alma" em uma esfera predominantemente judaico-cristã. Aqui utilizo a ideia de "alma" para dizer "psiquê". A "psiquê" não pode ser guiada por padrões bons ou maus, visto que o ser humano não é bom ou mau, ele pode estar momentaneamente em uma ação correta ou uma ação incorreta. Além disso, a moralidade se altera de acordo com o espaço-tempo, isso também afeta o julgamento da moralidade. Mas creio que o jogo vai um pouquinho mais longe: o inconsciente coletivo do ser humano não é um local inteiramente amigável, mas também reserva toda uma série de monstruosidades que para o bem do nosso egoísmo, preferimos não encarar.

Eu vejo o Castelo do Drácula, em Castlevania, não só como uma forma de demonstrar uma síntese de uma série de monstros reunidos por um brilhante senhor das trevas. Eu vejo que é a manifestação do inconsciente sombrio, a parte negativa da nossa alma que negamos e não queremos ver. Entrar no Castelo de Drácula também pode ser encarado com olhar para toda aquela série de demônios que guardamos inconscientemente dentro de nós. A perversidade, o mal, a monstruosidade: tudo isso está dentro de nossa própria natureza e, às vezes, oculto para nós mesmos em nossos atos  e práticas mais banais. O Castelo não é só assustador por ser cheio de monstros, o Castelo é assustador por revelar parte da natureza que queremos esquecer.

Outro ponto interessante: quanto mais o jogador adentra a esse castelo, mais ele vai tendo que se lidar com uma série de monstros e mais poderoso ele vai ficando. Os monstros, anteriormente elevados e ameaçadores, tornam-se mais fracos conforme o protagonista se fortalece. Se o Castelo é uma analogia ao campo do inconsciente pessoal sombrio e do inconsciente coletivo sombrio, temos aqui um desenvolvimento de raciocínio inesperado: o fato de que devemos adentrar ao abismo de nossa pessoalidade e humanidade para nos fortalecer em nosso autodomínio.

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 8)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

Simbolicamente temos a sobreposição do vampiro glamuroso ao vampiro satânico. A razão para isso? Creio que a imagem do lado oposto ganhando da humanidade representa um ataque ao orgulho da própria humanidade, mesmo em território ficcional. O vampiro satânico é uma negação da humanidade, ele representa também um vampiro que se entregou a sua vampiridade. Como escrito na parte anterior da análise: será que o ponto de vista do Drácula poderia ser considerado moralmente incorreto considerando que a sua visão não é a visão de um humano e sim a de um vampiro? Se tratarmos com o ponto de vista de Drácula, a história assume outro rumo narrativo, visto que se trata de uma moral humana contra uma moral vampírica, as duas se opondo uma a outra.

Sabe-se que o Drácula possuía, em seu universo, muito conhecimento das artes das trevas. No universo de Castlevania, arte das trevas envolvem conhecimento avançado. Drácula não é um sujeito inculto. Não poderíamos classificá-lo em qualquer sistema moral padrão e falta-nos uma "moral vampírica" para termos como base. Todavia se consideramos que a moralidade vampírica há se ser no mínimo diferente da moral humana, não temos o Drácula como um vilão, mas apenas uma espécie de antagonista existencial da humanidade. A razão é muito mais "essencial" e "crua" do que moralizada. Não se trata de pontos de vistas opostos, mas de existências opostas. A humanidade estaria correta em ser humana e Drácula correto em ser um vampiro. E estão lutando pois os dois não conseguem viver juntos no mesmo território por serem diferentes e sempre serão necessariamente diferentes por questões intrínsecas de suas próprias naturezas.

A vitória de Alucard, o vampiro glamuroso e humanizado, representa também uma vitória da normalidade e talvez uma inconsciente tentativa de normalização. Gostamos de Alucard por ele se aparentar e representar mais daquilo do que somos. E queremos que o mundo seja mais daquilo do que amamos e somos. Ora, há um egoísmo e intolerância nisso. Não estou querendo afirmar que a tolerância é boa por si mesma e que a intolerância é boa por si mesma, só estou deixando uma lacuna para levantar um questionamento: seria a complexidade dessa questão algo simplesmente solúvel? A dimensionalidade dela, pelo o que vejo, está acima do que era inicialmente esperado.

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 7)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

O que faz dum vampiro um vampiro? O arquétipo vampírico é extremamente interessante. Se, por um lado, ele é extremamente poderoso, ele também sofre com as condições da sua própria natureza. A dualidade vampírica está entre o que ele era (humano) e o que ele se tornou (vampiro). A sua antiga vida sempre lhe marca e lhe dá um forte tensionamento psíquico. Há uma moralidade e existem aqueles que preferem não abandonar a sua moralidade humana, negando assim a sua própria natureza vampírica. E existem aqueles que abandonam a sua humanidade, tornando-se ainda mais "vampíricos". Quando falamos que existem vampiros bons e maus, tratamos usualmente a partir de um ponto de vista humano. Se vampiros de fato existissem, deveríamos partir do ponto de que existe uma modalidade de moral vampírica e essa não estaria dentro dos parâmetros da humanidade.

Alucard representa um outro vampiro. Um menos entregue a escuridão e mais atrativo e palatável aos humanos. Ele representa uma reinvenção da imagem arquetípica do vampiro: a do vampiro glamuroso. Ele é forte, encantador e pode cuidar dos humanos. Ora, a imagem do vampiro glamuroso não é uma ameaça a humanidade, muito pelo contrário: ela traduz um anseio humano. Seja por se tornar algo além de humano (transcendência), seja pelo encanto estético que apresenta (algo mais romântico e sexual). De qualquer forma, a humanidade criou um outro vampiro baseada nos seus próprios gostos. Um vampiro é bom na medida em que serve e se adapta a sua mesma moralidade. E não só isso, ao gosto estético da humanidade. Os humanos, no geral, gostam de borboletas e odeiam baratas.

No geral, temos as seguintes linhas: um vampiro é bom pois serve a humanidade e um vampiro é ruim pois é inimigo da humanidade. Só que esse questionamento está circunscrito a própria humanidade. Se pensarmos numa vampiridade, a própria adesão restrita a estética humana já é, por si mesma, uma negação da vampiridade. Para os humanos, um vampiro deve negar a sua própria natureza e servir aos homens. O que parece bem alienante e, até mesmo, intolerante. Mesmo que um vampiro seja um inimigo da humanidade, tentar convencê-lo a ser humano não é uma forma de castração? Esse questionamento também deve ser levantado.

Quando pensamos em Alucard, ele representa mais do que um "vampiro glamuroso". Ele é um ser que é criado a partir da união de um vampiro com um ser humano. É por isso que existe uma contradição: ele é um ser de dupla natureza. E essa duplicidade carrega um aspecto pendular. Se não há uma plenitude desses dois lados – um reconhecimento identitário –, o próprio sentido existencial se perde e o personagem precisa escolher entre duas vias (a humana e a vampira). A existência de Alucard é, para si mesmo, uma incógnita. Ele é um eterno paradoxo e está numa posição limítrofe na qual deve se posicionar existencialmente sem ter um bom parâmetro comparativo e sem nunca ser totalmente uma coisa ou outra.

sábado, 29 de junho de 2024

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 6)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

Drácula é o começo e é o fim. A razão para isso? Talvez seja porquê a pergunta final revela a primeira pergunta. A questão central de Castlevania Symphony of the Night é a questão da moralidade. Richter Belmont, homem que derrotou Drácula, foi enganado pela magia e tornou-se um homem a serviço das trevas. Anteriormente era o próprio Richter que lutou contra o mal no mundo, agora ele mesmo é o mal no mundo. Em primeiro lugar, Richter é apresentado como um herói em seus dias de glória. Depois disso, ele é apresentado como vilão. Posteriormente, ele aparece como alguém que foi controlado pela magia, sendo por isso envergonhado. É interessante observar a lógica da inversão aparece constantemente nesse jogo, muito mencionada nas outras partes dessa análise.

No começo do jogo – que é o final do jogo anterior – temos uma imagem concreta do Drácula. Essa imagem aparece como a figura de um nobre – apesar disso ser uma inversão total de valores –, mas posteriormente revela a sua verdadeira natureza: a de um monstro. Creio que o jogo "brinca" com a imagem do Drácula. O Drácula aparece como uma figura bastante concreta e bem discernível, no final do jogo ele aparecerá como uma mescla de distintos tipos de "criaturas demoníacas". Nem o Drácula, nem o Castelo, apresentam uma solução a questão do mal: o mal pode ser inúmeras coisas, tendo inúmeras formas, podendo se realizar em múltiplas vias, de forma indefinida. Inclusive, o mal pode se realizar no mais nobre dos homens, tal como ocorreu com Richter Belmont.

A inversão que o jogo causa agora é essa: o mal não se apresenta como algo bem discernível e bem catalogável. Muito pelo contrário, o mal é algo que está dentro de cada um de nós e o custo da liberdade é a eterna vigilância, visto que o mal nos espreita a cada momento, a cada batida de nosso coração e, igualmente, em cada uma de nossas intencionalidades. É por isso que a classificação do mal de forma "preconceituosa" leva a ocultação do mal que pode residir dentro de nós. Classificar o mal é desenvolver interior e psicologicamente uma figura externa de mal que pode ser livrada ou estar em outro, mas saber que o mal pode estar em tudo nos revela algo sobre nós mesmos.

Tudo que existe pode ter a sua finalidade desviada e corrompida. Uma ação aparentemente boa pode ter um objetivo escuso. Por exemplo, o marketing moral dos tempos modernos revela uma sociedade narcisista e não uma sociedade caridosa. Estamos sempre sujeitos a sermos veículos do mal. É por isso que o jogo metodologicamente desconstrói a figura do Drácula, colocando-o como uma mescla de múltiplos demônios, como uma mescla de múltiplas intencionalidades sombrias. O mal.escapa a nossa própria compreensão e só pode ser melhor compreendido por um rigoroso exercício da consciência interior, analisando de forma confessional cada memória, num exercício catártico. Não por acaso, uma das principais obras de Agostinho de Hipona é "Confissões". Uma vida não analisada cai muito facilmente na externalização da figura do mal, o mal logo se torna inconsciente e a pessoa se torna má sem perceber. A ausência de autocrítica é uma questão séria.

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 5)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

Drácula surge contextualmente numa Inglaterra em modernização. Nele temos a figura do estrangeiro, do estranho, do invasor. Ele representa o mundo que "vem aí", o mundo da modernidade burguesa, em que os velhos valores são pouco a pouco destruídos e a ciência e a racionalidade adentram em seu lugar. Todavia temos uma questão: como ficam os velhos valores, encarnados sobretudo pela doutrina cristã, que anteriormente vigoravam? O desapego a essa cosmovisão que representava a estabilidade, consistência e garantia da própria ordem até então instituída levam a uma perda da unidade interna da nação e, ao mesmo tempo, uma desintegração do "eu plural" e da harmonia daquela antiga unidade que até era indissolúvel.

A figura do vampiro aparece de forma parasitária, como uma figura corrompida e corruptora, que vive na noite, em estranhas festas luxuosas, sempre fugindo da vida habitual e dos valores comuns ao povo. Seus estranhos negócios não aparecem como as virtudes militares da nobreza ou o trabalho duro do artesão e do camponês. Suas festas e o fato dele dormir durante o dia são demonstrações de que ele não vive na labuta. O fato dele viver seduzindo mulheres casadas demonstra uma contradição a moralidade sexual monogâmico vigente. O Drácula é, em vários pontos, o oposto dos valores sociais, a negação sistemática que surge para se insurgir contra o sistema.

É evidente que com a modernização do mundo, não só no âmbito tecnológico e científico, mas também no social, com a sua laicização e a maior aceitação da classe burguesa/comercial, temos uma relativização dessa imagem do vampiro. E o vampiro moderno é apresentado mais como um marginalizado e até mesmo como uma vítima das circunstâncias do que um inimigo que faz contraponto a cosmovisão duma comunidade bem estabelecida. Entender essa troca acerca da imagem do vampiro é crucial para compreender o desenvolvimento do imaginário social e, igualmente, as relativas mudanças de valores que não são fixos e eternos, mas sujeitos a processos de construção e desconstrução.

quinta-feira, 27 de junho de 2024

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 4)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

Em que se fundamenta a imagem do Drácula e a sua contraposição ao Alucard? A imagem do Drácula é a imagem de um vampiro que crê na superioridade da "raça" vampírica e menospreza a "raça" humana. Já a imagem de Alucard é a de um semi-vampiro (dampiro), que carrega contradições, sendo metade humano e metade vampiro, todavia a sua força reside no fato de que é filho do maior vampiro da história. Ao mesmo tempo em que vê uma bondade nos humanos e uma maldade nos vampiros, tal fato lhe encarrega duma autocontradição vinda duma autopercepção negativa. Alucard está ao lado dos humanos – em vez de estar com o seu pai – para condenar algo que também é parte da sua própria natureza. Algo que, inclusive, deve alimentar e fortalecer para condenar. Essa marca, embora não muito explorada, aparece latentemente.

O Drácula representa a figura de um vampiro clássico, vítima da circunstância da sua própria natureza corrompido. Quando Drácula aparece no começo que é contradictoriamente o fim, visto que o conflito com o Drácula é o fim, temos a alegação de que a humanidade sempre busca a dominação dos seus semelhantes por meio da geração de um conflito que geralmente leva a possível destruição da própria humanidade. Não só o vampiro, como igualmente o homem é vítima da própria natureza. O homem busca um poder que, no fim, será usado para a sua própria escravidão. Nesse ponto, o Drácula pode ser encontrado como uma analogia ao "inferno da história", isto é, tudo aquilo que é idealizado fortemente numa época (ideologia, religião, ciência, descentralização, centralização, liberdade, segurança) torna-se prontamente a escravidão em outra época.

Esse conflito existencial é a fonte do ataque de Drácula: não é o próprio Drácula que ressuscita, de tempos em tempos, sozinho. É a própria humanidade que não consegue viver sem acreditar no pleno domínio e no pleno poder. Para justificar o seu poder, cria de tempos em tempos "encarnações malignas do Drácula" – cada geração tem o Drácula da sua história e é vítima do seu próprio Drácula – para adquirir o que quer e, então, é condenada pelo próprio anseio que legitimou. Talvez se pode dizer que o Drácula é o próprio anseio perverso do homem pelo poder e é por isso que aparece e reaparece historicamente em cada período com uma nova face.

Alucard, por sua vez, representa a dualidade humana: ele tem algo de "muito bom" e algo de "muito mal". A sua natureza humana e a sua natureza vampírica. Ele precisa, nesse paradoxo existencial que é colocado contra a própria vontade, evoluir em sua natureza vampírica (maligna) ao mesmo tempo em que mantém a humanidade. Defender a humanidade é defender quem matou a sua mãe, visto que é revelado que ela foi crucificada. Essa experiência poderia muito bem colocá-lo na própria disposição de ajudar o seu pai ou se tornar ele mesmo o próprio Drácula. Tudo estava encaixado para isso, mas foi a sua retidão moral que o fez não ceder diante desse conflito. Todavia também é a retidão moral que faz reconhecer que existe um mal dentro de si e que os milagres que opera são realizados a partir da utilização desse próprio mal. Tal correlação é extremamente tensional e o "custo da liberdade é a eterna vigilância".

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 3)

 



Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

Qual seria a ambientação que o Castlevania tem? Em suas mecânicas, temos um excelente jogo de plataforma que lembra bastante o Mario, mas não é só isso. Se falarmos de sua estética, a produção lembra bastante a literatura e a cultura geral horror. A sua música, por sua vez, apresenta algo mais agitado, se furtando a típica ambientação sonora do horror. Por outro lado, o desenvolvimento do personagem que se dá gradualmente lembram as mecânicas de um jogo RPG. A forma em que o mapa se altera e depende de elementos predecessores lembra as mecânicas de Metroid.


Castlevania representa um universo que se furta a interpretação e inteligibilidade imediata. Ele é uma mescla de conjuntos que escapa ao simples controle e adentra a um território bastante indefinido. Visto que a mesclagem de elementos não é algo sintético, visto que encontra uma harmonia. Pode-se dizer que a síntese está acima do sintético pois a síntese é a perfeita união harmônica entre as partes. Logo, sendo uma síntese, Castlevania só poderia – no período em que foi lançado – ser pensando por si mesmo. Hoje em dia, temos a definição "metroidvania" – gênero criado sobretudo por Super Metroid e Castlevania Symphony of the Night.


Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 2)

 



Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

A fórmula habitual dum Castlevania é: adentre no corpo de um humano, usualmente da família Belmont, pegue a sua "vampire killer" (chicote) e, posteriormente, saia na porrada com toda uma série de monstros inebriantes que ameaçam a existência humana. Symphony of the Night não é, entretanto, a história de um humano superando seus próprios limites para vencer o ser mais forte do universo. A história vai num caminho alternativo: é a de um vampiro utilizando dos poderes que ele mesmo crê como fundamentalmente questionáveis para derrotar o próprio pai. E, para concluir a sua missão, ele mesmo precisa evoluir os poderes vampíricos que ele crê questionáveis. Essa missão, autocontraditória psiquicamente, dá um bom tom ao game.

Não é, todavia, a primeira que Alucard se empenha em derrotar o seu próprio pai. Ele já ajudou nessa tarefa antes, durante o jogo "Castlevania 3". O motivo dele não ter aparecido em outros eventos, foi pelo fato de que ele queria adentrar num sono perpétuo para esquecer de si mesmo e também da sua própria natureza. A dualidade que o Castlevania Symphony of the Night apresentará também é essa: o protagonista fortalece o que mais odeia em si mesmo para derrotar o mal do qual faz parte. Há também o fato de que o protagonista do jogo anterior, Richter, está dentro do castelo e ele é um dos antagonistas do game.

O jogo também faz uma série de referências as inversões. O jogo começa na luta final de Richter contra Drácula, ou seja, começa no fim da fórmula do Castlevania padrão, em que o Drácula é sempre enfrentado por último. O jogo tem um vampiro como protagonista, o que é exatamente o contrário do que se espera, visto que os vampiros representam o maior mal possível em Castlevania. O jogo apresenta um final falso em que o vampiro (Alucard) pode matar um humano (Richter). É o humano Richter, embora manipulado, que controla o castelo do "rei vampiro". É um vampiro que odeia ser vampiro que fortalece seus poderes vampíricos para derrotar o vampirismo. Um castelo reverso aparace se você seguir a linha correta da história e explorar curiosamente os recursos – narrativos e de gameplay – ofertados pelo próprio jogo.


Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 1)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night


O que há de tão interessante em Castlevania? Talvez seja o fato de você lutar contra criaturas malignas e salvar a Terra. Talvez seja porquê é legal chicotear monstros num Castelo Metamorfo. Talvez seja simplesmente porquê violência simulada em um ambiente virtual fantasioso seja divertido. Talvez seja a própria ambientação louca do Castlevania, o fato do Castelo ser a imanentização dos medos da humanidade, do inconsciente de todos que passam e vivem lá, de como ele se altera e adapta conforme o psiquismo humano coletivo e pessoal. De qualquer modo, Castlevania fornece múltiplas possibilidades, não só narrativas, como estéticas, como de gameplay.


A autora estabelece que fará uma distinção: existem dois vampiros centrais dentro do jogo. Um é um semivampiro, o Alucard. O outro é um vampiro muito específico, visto que é o vampiro central e "pai" de todos os outros vampiros, o Drácula. A linha narrativa de cada um desses vampiros segue em linhas opostas. O que demonstra que não há um "modelo universal de vampiridade". Essa contradição já se observa no nome: Alucard é Drácula de trás pra frente. O que significa não só uma coincidência, como uma contradição entre visões de mundo e até mesmo um conflito existencial que se projeta em cada momento do jogo.


O mais interessante disso tudo é o fato de que Alucard tem os mesmos poderes básicos do Drácula. Até porquê ele é filho do próprio Drácula. A questão familiar é bastante interessante, visto que o mais natural seria que o Alucard fosse do "mal" e se aliasse ao próprio pai em sua luta contra a humanidade. Tal não é o caso observado. O que se observa é o conflito entre o rei dos vampiros e o princípe dos vampiros. O jogador encarna e aprende a ser um vampiro pouco a pouco. E essa linha contraditória leva ao próprio Alucard entrar num questionamento existencial: ele é o legado direto do rei dos vampiros e são os poderes vampíricos que ele usa para derrotar o rei dos vampiros. Isso fornece uma tensão que não escapa ao senso de observadores atentos.

domingo, 27 de novembro de 2022

Acabo de zerar "Castlevania Portrait of Ruin" (modo Richter) no DS (pelo 2DS)

 





Ah, lá estamos nós com mais uma análise de Castlevania. Dessa vez, zerei novamente o Portrait of Ruin, todavia no modo Richter. Sim, o mesmo Richter que aparece no Castlebania Symphony of the Night e Rondo of Blood. Nesse jogo, você poderá também jogar com Maria Renard - ela é criança.


Para ser bem sincero, o modo Richter foi mais divertido e desafiante. O modo irmãos usa e abusa da tela de toque do DS, mas devido a capacidade delas atacarem a longa distância, perde-se a dificuldade do jogo - que não é tão alta quanto a do Order of Ecclesia. Além disso, cada uma das irmãs tinha um único ataque e a jogabilidade era pouco variada. Nesse modo, pode-se aproveitar mais do jogo.


O melhor de tudo mesmo é desbravar o castelo do Drácula com personagens diferentes. Apesar de não ter tido uma história a ser contada, o acréscimo nunca é desvantajoso. O jogo está mais para um bônus recompensatório que aumenta em muito o fator replay. Dessa vez, upei meus personagens até o nível máximo (99).


Jogar Castlevania é sempre adentrar num universo a parte. Eu tenho honra de dizer que não só zerei esse jogo, como o platinei. Até agora não conheci ninguém que odeie ou desgoste do Castlevania como franquia, muito pelo contrário: todos se enchem de brilho nos olhos para comentar sobre essa gigante franquia do mundo dos games.

domingo, 18 de setembro de 2022

Acabo de zerar "Castlevania Symphony of the Night" no PlayStation 1

 



"A única coisa necessária para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada"
Edmund Burke

"Pois, que adiantará ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou, o que o homem poderá dar em troca de sua alma?"
Matheus 16:26

"O que é um homem? Uma pequena pilha de segredos miserável!"
Drácula

Poucos jogos chegam ao grau de maestria de Castlevania Symphony of the Night. Um jogo de PS1 em 2d, saindo duma geração que focou quase inteiramente no 3D - com exceção do Sega Saturn, mesmo que isso o tenha feito fracassar em vendas. De qualquer modo, esse jogo é uma obra prima e assim deve ser considerado.

Quando joguei esse jogo pela primeira vez, tinha 11 ou 12 anos. Foi paixão a primeira vista. Quando descobri que zerei ele de forma errada, visto que só tinha feito metade do jogo, foi outro choque. Além de todo o Castelo, tinha um castelo reverso. Ou seja, zere o primeiro castelo e vá pro segundo que está inteiramente de ponta cabeça.

Nesse jogo, ao contrário dos outros, você joga com o filho do Drácula. Esse que tem o nome de seu pai de trás pra frente: Alucard. É uma jornada de uma briga familiar, onde um filho confrontará a alma corrompida do pai. Uma luta que se define pelo poder do amor, já que o homem que não mais ama perdeu sua alma.

Uma jornada de purificação estóica em que o protagonista junta poderes para ser capaz de derrotar seu pai. Esse que é ressuscitado de tempos em tempos pelos miseráveis homens em sua ânsia por poder. Com gráficos exuberantes e polidos que, até hoje, demonstram extremo vigor e são compatíveis com um olhar despido de falhas.

Jogar esse jogo novamente não é só um retorno nostálgico a uma infância. É toda uma apreciação artística de um jogo que criou o gênero metroidvania. Jogo esse que se encontrará sempre em meu top 10.

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Acabo de ler "Drácula" de Bram Stoker, versão adaptada por Leonardo Chianca e ilustrada por Rogério Borges.



    Acabo de ler "Drácula" de Bram Stoker, versão adaptada por Leonardo Chianca e ilustrada por Rogério Borges.


    Uma fantástica curiosidade é que Bram Stoker passou os primeiros oito anos de sua vida deitado na cama por uma doença que não pôde ser diagnosticada pelos médicos. E sua mãe lhe lia contos de fadas, histórias de fantasma e apavorantes histórias de epidemias. Creio que tal experiência lhe proporcionou o corpo de sua obra literária.


    O que é o vampiro? Segundo a própria definição encontrada no livro após o final dele é: "uma alma aflita de um suicida, de um criminoso, ou de um herege, que saí de sua sepultura à noite, em geral sob a forma de um morcego, para beber o sangue de seres humanas". Imaginem uma figura conturbada pelas ideações suicidas, pela sua ideias heréticas e pelos crimes que lhes são inescapáveis devido a sua natureza corrompida. O vampiro é vítima de seu vampirismo e seu vampirismo é uma condição agônica que lhe faz fazer mal a sociedade como um todo. Sofrimento inescapável, vítima e algoz. 


    O vampiro é, sempre, uma pessoa ilustre que, por sua condição "demoníaca", escora-se em sua própria "arte das trevas" e sofistica-se no mal. O vampiro é aquele que adquiriu erudição nas "artes sombrias". Só que ele não faz isso por querer, mas pelo erro que lhe é inerente pela sua condição amaldiçoada. O vampiro é, como já dito, vítima e algoz. Vítima da sociedade, que não o compreende. Algoz dessa mesma sociedade, a qual parasita.


    Sendo um ser eminentemente sedutor, seduz as pessoas incautas e leva-lhes para roubar o sangue. O vampiro seduz, depois parasita. A sua chave de viver é o parasitismo a qual não pode fugir. Só acorda nas trevas e só vive nas trevas, seja nas trevas da noite e em seu coração. A luz, seja a luz do dia ou a luz do bem, o queima e mata-o. Logo, só pode ser um ser da noite, sempre fugindo eternamente da luz. Como tal, vive numa eterna noite sem paz. Talvez, intimamente, desejando o bem que não pode ter e aperfeiçoando-se nas "artes das trevas". Criatura fantástica, demoniacamente fantástica, vítima de sua própria natureza e perpetuadora do mal que é vítima.


    O vitimado é, também, um eterno algoz. Preso eternamente num mal.