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quinta-feira, 21 de março de 2024

Acabo de ler "Teatro Completo: Peças Míticas" de Nelson Rodrigues

 



Com esse texto se encerra, por fim, a mais grandiloquente saga de microanálises desse perfil: um passeio imortal pela obra do homem que se fez eterno pela sua produção teatral. É, para mim, um grande momento. Eu tenho a honra de dizer que sou daqueles que conseguiu ler toda a produção teatral de Nelson Rodrigues. E não só li, como analisei. Talvez não com a grandeza que mereceria um autor de estatura tão universal quanto Nelson Rodrigues, mas ainda assim, em minha pequeneza, pude divulgar as suas obras.


Nelson é um homem sem o qual nada faria sentido. Lembro-me até hoje que estava isolado, numa casa desocupada, lendo Pondé. E Pondé detalhou Nelson com uma infinidade de detalhes, tão belos e tão maravilhosos, que me fez, logo após terminar o seu livro, buscar um livro de Nelson Rodrigues na biblioteca para poder ler. Daí para frente, tudo mudou num absurdismo mágico.


Eu lhes digo orgulhosamente, sem medo de passar uma impressão de monotonia intelectual, que leio Nelson Rodrigues há onze anos. Não houve, desde meus 16 anos de idade, um ano que não tenha pego um livro de Nelson Rodrigues para ler. E isso demonstra todo triunfo de impotência apaixonada que essa obra me causa. Ela é como uma bomba que, ao explodir, causa um choque estremecedor cujo o impacto, na pele, não é o de dor e sim o de espantamento admirativo.


Nelson é, para mim, meu pai espiritual em duas grandes áreas: na dramaturgia e na crônica. Nessas duas áreas, Nelson reina na minha consciência, como uma espécie de imperador ululante e eu sou apenas parte do cenário que existe tão somente para justificar a beleza lírica de sua obra, tal qual a estranha Cabra Vadia que ficava comendo capim ou mato enquanto Nelson realizava suas hilariantes entrevistas imaginárias - dizia ele, em seu saber profético, que essas eram mais verdadeiras que as entrevistas reais.


O tempo passa, leio e leio vários e vários autores, numa maquinal erudição acumulativa. Só que eu tenho a certeza absoluta de que, em toda minha vida, lerei Nelson Rodrigues e/ou escritos sobre Nelson Rodrigues. Nelson Rodrigues é e sempre será isso: o trágico fulminante!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Marcha pela Inglória



Sempre andei de coturno. Faço-o há anos. Para mim, tem múltiplas significações. Ele é:

1. A opressão da sociedade e a idolatria social;

2. O fato de eu nunca ter parado de marchar e minha força de vontade;

3. A necessidade imperativa de continuar existindo, mesmo que as vezes só como um cadáver minimal. 


Qualquer grande filósofo buscava uma síntese e uma capacidade de absorção que compreendesse a engenhosidade da multiplicidade do discurso fragmentário. Isto é, o aumento da inteligência nada mais é do que a capacidade sintética que ele tem para com a realidade, sempre ultrapassando as linhas que lhe eram outroramente delimitantes. Porém esse exercício sempre corre o risco de perder-se, visto que ser em parte é tornar-se. As ideias tornam-se crenças, crenças tornam-se afetos, afetos tornam-se cegueira. Grande parte disso leva a um comportamento de seita, em que o enraizamento é visceral e a defesa é belicosa.


O exercício de buscar absorver múltiplas fontes da realidade, a qual chamei de "agnosticismo metodológico", é um exercício intelectual e catedrático por excelência. Esse exercício aumenta a experiência intelectual, só que não a aumenta de modo determinante. A fragmentariedade do discurso, junto com a incapacidade da reprodução desse discurso de modo pleno, torna o exercício intelectual da engenharia mental reversa insatisfatório. Embora essa seja a própria forma que a inteligência aumenta sem nunca captar em concretude seu alvo. A intelectualidade é sempre vã e sempre se perde na forma, porém seu objetivo não tem forma alguma.


A pergunta que não quer calar:

- Quem está tentando fazer isso no Brasil?

A resposta evidente seria: ninguém ou ninguém que se tenha conhecimento.


Enquanto estudava e criava meu método central, minha técnica intelectual mais potente e original, a qual chamo de neossistemática arquitetônica, deparei-me com minha própria impotência. O objetivo da neossistemática arquitetônica está muito além da neossistemática usual. Ela tem por objetivo pegar vários sistemas de pensamento e sintetizá-los artisticamente num todo coeso. Técnica que usei em meu TCC, Sanidade em Chesterton, pegando pensadores cristãos de todos os portes. Porém aí estava já o seu principal problema: a técnica neossistemática requer uma erudição ímpar de seu usuário. Quanto maior for a sua erudição, maior é a capacidade de usá-la. Não por acaso busco hoje uma dieta intelectual variada que dê a possibilidade de usar essa técnica com maior maestria.


Para Marx, por exemplo, o socialismo era superior ao capitalismo por ser uma síntese mais cabal que o próprio capitalismo. O socialismo seria a superação do capitalismo, não um sistema meramente diferente do capitalismo. Esse dado de fundamental importância poderia dar o entendimento do socialismo de mercado chinês, que mescla vários fenômenos distintos que confundem pessoas vulgares a quais chamamos de ideólogos. Esses preferem buscar validar suas premissas inquestionáveis e psiquicamente inquebrantáveis. Um exemplo claro disso é: já li um autor liberal que analisava o regime de Stalin, na falecida URSS, e dizia que todo crescimento dela se justificava única e exclusivamente graças ao mercado noutro; já li autores "comunistas" que diziam que o sucesso se dava apesar do mercado negro e graças ao planejamento estatal. A frase "não importa se o gato é branco ou preto, o que importa é que ele pegue o rato" é uma frase fantástica e sintetizadora, superadora do ruído dogmático das seitas ideológicas.


A China atual tem vários aspectos. Um deles é a união entre o marxismo e a doutrina de Confúcio. Isto é, a China poderia ser a união entre o aspecto marxista-progressista com o aspecto confuciano-tradicionalista-conservador. Sendo assim, a China não pode ser encarada como um país unicamente afetado pela mentalidade marxista. Há uma questão sintética nesse conjunto, porém esse é muito maior do que aquilo que sou capaz de analisar graças ao meu desconhecimento no assunto. Embora eu sempre passe um tempo lendo sobre a China.


A ideia sintetizadora, omniabarcância da inteligência, a capacidade transcendente para com àquilo que se delimita/determina. Tudo isso é o que se constitui uma civilização de fato. Civilizar-se é compreender como tudo que está ao nosso redor se faz. O exercício civilizacional é o exercício da própria inteligência. A civilização é o aumento da capacidade da própria civilização se compreender. E dessa compreensão multifatorial há o aspecto de antecipação que possibilita seu próprio progresso intelectual ou material. Ora, a inteligência só aumenta quando se cala. Já que inteligência é, evidentemente, percepção. Não estou dizendo que tenho essa faculdade, é precisamente o contrário: a inteligência é uma virtude negativa. No momento que se abriu, engoliu um dado. Esse dado torna-se razão. Quando a inteligência torna-se razão, não é mais inteligência. Temos a inteligência quando estamos praticando a inteligência, logo "estamos", não somos. Também sou condicionado pelos aspectos satúrnicos de crenças passadas que impossibilitam o aumento de minha inteligência, embora eu tente superá-los. Toda vez que reajo agressivamente e rápido, sei que fui rude e burro. Sei que minha vontade devorou meu pensar.


A grande problemática é que o intelectual moderno confunde razão com inteligência. Na verdade, a razão é apenas uma faculdade inferior. A razão é a aplicação daquilo que a inteligência já captou. Isto é, a razão é o horizonte que é possível no momento. A inteligência é o aumento dessa próprio horizonte. O objetivo da inteligência não é o próprio gosto ou crença, é a absorção universal. A inteligência não tem forma, antes modifica todas as formas. Quando a inteligência aumenta, a própria faculdade da razão aumenta. A razão aplica a inteligência que se tem. A inteligência aumento conhecimento que se tem. Para se tornar mais racional, é-se necessário se tornar mais inteligente. Já que a razão subordina-se a inteligência, visto que essa é faculdade dessa.


Mario Ferreira dos Santos falava que uma civilização que sempre busca transcender os fatores que lhe eram limitantes. Em vez disso, o brasileiro médio e a elite do Brasil acreditaram piamente que superaram todas as realidades antecessoras apenas as olhando com um ar de arrogância desmedida. "Minha ideia veio depois, logo é melhor". Dizem que, como vieram posteriormente, já apresentam um aspecto superior e sintetizador do que anteriormente se era. Porém a verdade é que a história não é um processo que se reduz numa linha direta, o processo histórico é pluricircular e expansivo - uma teoria histórica que tardarei muito a desenvolver e nem sei se estarei vivo para dar a ela aspectos caminhantes para pesquisadores posteriores. Tratam-se de vários círculos que se expandem. E esses círculos geram novos círculos que usualmente usam outros círculos e crescem ao lado dos círculos antecessores e posteriores. Exemplarmente: o catolicismo não se tornou luteranismo. O cristianismo nasceu dum círculo que se dividiu em vários que, mesmo ligados com traços em comum, trazem um desenvolvimento próprio e de características diferentes. Estão desenvolvendo-se e aprimorando-se. Disso que se trata minha teoria histórica. E a principal crítica é: o imperativo histórico-categórico - de que certas ideias aparecem como sínteses absolutas e superadoras das outras - é falsa. Porém isso se trata de outro livro que espero um dia ter o prazer de lançar.


A ideia de agnosticismo metodológico surgiu no momento em que tentava compreender o paradoxo da prisão de Chesterton. Nela encontrei a epistemologia chestertoniana, trabalho esse que um dia também terei de dar forma. O paradoxo da prisão, tal como tudo em Chesterton, requer uma síntese. O próprio livro Ortodoxia, que pode ser interpretado sobre o viés da saúde mental, é uma grande síntese entre vários dados dispersos que criam forma de corpo estrutural quando conjuntados. A saída da prisão não é uma mudança de local, mas a acoplação de infinitos novos locais para que a prisão deixe de ser uma prisão. Não se trata de ser marxista ou conservador, trata-se de ser os dois. E depois disso: três, quatro, cinco, seis, sete. Em certo sentido, essa dialética chestertoniana, essa epistemologia sintética se encontra em mim mesmo que eu não possa me dizer cristão. E queria um dia escrever mais sobre isso, num livro detalhado, espero que encontre tempo.


Quanto a questão do abarcar o universal pela delimitância-indelimitada, essa é uma questão de profundo valor para mim. Já devem notar que, pelo rumo da conversa, ele não é simples de se resolver e traz uma luta eterna em seu seio. Buscar acolher e sintetizar diferentes movimentos dentro de si é muito bom e traz um grande problema. O grande problema disso é que: religiões, ideologias, doutrinas e métodos não podem ser inteiramente abarcados e superados - a teoria pluricircular e expansiva da história trará mais luz a esse problema profundamente epistemológico. Tudo está num processo evolutivo próprio, dialogante ou nascente. A descoberta do videogame não matou a arte e a computação, embora tenha nascido, em parte, dessas duas. Compreender a multicirculariedade e expansividade não é achar um jeito de a tudo sintetizar. Todos esses círculos estão em processo evolutivo e sempre demonstram-se capazes de transcender o que anteriormente eram - isso se reflete igualmente no próprio tradicionalismo religioso. Além de que a informação dos vários componentes é tão fragmentária que se é impossível absorvê-las sem uma postura radicalmente eruditiva, e mesmo numa abertura radical se é impossível capturar todas as informações e subjetividades que a compõem. Schuon não errou a dizer que existe um componente especial na religião, que é a própria busca pelo universal. Embora essa busca universal se concretize num objeto particular que redireciona ao universal. Essa busca é o abstrato por absoluto. Deus nada mais é, compreendendo aqui como um fenômeno puramente psíquico, que uma crença metodológica para relativizar dada situação e ir além dela - a superação das adversidades que presentemente se apresentam. Não estou aqui para apontar a superioridade ou inferioridade desses círculos. As ideologias não comportam tal capacidade, um verdadeiro exercício intelectual requereria uma busca tão abstrata quanto a  própria busca religiosa. Só que ao buscar o universal, a própria ideologia se perdeu. Já que ideologias são fórmulas que retiram o peso monumental que é a tensão psíquica do ser frente a universalidade esmagadora que é o próprio universo que não pode abarcar. Graças a isso, o comportamento ideológico tem como método a redução da realidade a uma parcela que lhe é verdadeira, conquanto que não absoluta. Disso o comportamento ideológico pegará um dado (raça, classe, nação, gênero, qualquer parcialismo) e aplicá-lo-á até a exaustão. Dessa forma, veem o universo com uma lente reduzida que tira grande parte de sua complexidade e, de tal modo, tornam-o mais falsamente inteligível. Essa segurança confere a mente um grande relaxamento, que é também razão central do academicismo moderno. É graças a isso que acadêmicos vulgares dão show de vergonha alheia ao repetir tautologicamente termos mais do que batidos achando que estão acima de qualquer compreensão ao povão e aos seus rivais.


Em vez de se dar por vencido, um gigante do pensamento busca apreender tudo e apreender infinitamente. Saber-se limitado e que nunca corresponderá ao esforço que se entregou é uma loucura. Numa postura de humildade que beira ao extremismo mais fanático, porém possibilitadora duma real mudança paradigmática e, igualmente, de capacidade inovativa real. Visto que a síntese é o exercício supremo da inteligência. Esse será meu doutorado: "A Condução do Inconsciente como Metodologia Epistemológica das Ciências Humanas". Em que defenderia uma ideia mais ou menos artística de se pensar as ciências humanas, recorrendo muitas vezes ao acaso para a superação dos fatores condicionadores. O que me é hoje, na altura que me encontro, tarefa por demasiado difícil.


Um homem será glorificado por dominar múltiplas línguas. Só que não será glorificado por dominar múltiplas ideologias, doutrinas ou religiões. Isso cria uma grande problemática na capacidade de pensar e reduz em muito a qualidade e conteúdo do próprio pensamento.  Esse é o drama central da mentalidade ideológica, que propõe dogmas de pensamento como realidade última e premissas inquestionáveis, voltando a própria teologização do debate que lutou contra, porém aderiu inconscientemente. O tema que quero tratar em múltiplas obras para maior concretude. Um deles no âmbito da teologia política em que falarei do fenômeno da demiurgação do homem. Queria ilustrar mais a questão da teologização inconsciente, a raiz antropoteísta do problema e a superação dessa não por um retorno ao campo religioso, mas uma abertura ao absoluto e aceitação da própria contextualidade, porém sempre alcançando vôos mais coesos pela busca da superação das contingencilidades que regem o pensar.


Um verdadeiro intelectual não é aquele que é de esquerda, direita ou centro. É aquele que absorveu tudo isso - embora tal absorver nunca se concretize de fato. Porém não só isso: é aquele que busca a delimitância ilimitada, isto é, o delimitar-se por aquilo que não pode delimitar. É abertura ao absoluto enquanto absoluto. Um esforço supremo e catedrático em que há um espaço para a apreensão do "céu inabarcável". A capacidade de aceitar e, com isso, produzir não um relativismo niilista que se vê impotente. Nem um relativismo sincrético e desordenado, com partes que não são coesas entre si. Mas sim um relativismo sintético e simbólico, num parcimonioso devir em que a conexão com o próprio mundo aumenta conforme a integração da mente-mundo aumenta. O verdadeiro intelectual está para aquém de todas as coisas, de todas as ideias, de todas as contingências do mundo pré-inteligíveis. Ele é um homem neossistemático, visto que cria um novo sistema. E é um homem neossistemagógico, visto que se conduz não por uma estrutura já montada, conduz-se pela criação pautada na erudição absoluta. A minha técnica central, minha assinatura intelectual, a neossistemática fala sobre isso. O que resultaria mais num sistema de pensamento que funciona como um Linux, em que vários usuários ajudam criando componentes que elevam a qualidade do sistema.


Poderia falar que o método neossistemático é a superação do método mineral, forma predecessora que usava enquanto ainda era channer. Seria melhor dizer, hoje, que o método neossistemático é a continuação necessária do método mineral. Porém há a forma mais cabal que o neossistemático arquitetônico, em que usamos toda nossa intelectualidade numa única obra. E por falar em chans, falta ainda um livro que termine a saga de livros sobre chans, na qual eu falarei da Hipótese Feudal e a origem da nova direita (altright - direita alternativa). Pretendo começar a escrever esse livro daqui a cinco anos. Até lá eu (acho) que vou ter me apoderado do trivium e do quadrivium, além de outras áreas que quero ter um conhecimento mais notório. Pretendo demonstrar um pouco da teoria pluricircular e expansiva da história de forma apequenada, demonstrando a história dos chans nacionais nessa obra. Esse livro terminará a fase 2.


- Arco 1: Sapo Lunático

Manifesto Mineral ao Sage é Super Like;

(Livros experimentais em locais fechados de público restrito)

Arco 2: Batalha da Serpente

Termina no Harmonia da Dissonância (obra em que darei minha última contribuição ao estudo dos chans);

(Aqui haverá uma revisão de vários erros das obras predecessoras e adição de novo conteúdo);

Arco 3: Príncipe Pirata Palhaço

- Cartas de Missionários Burguês a um Ditador Puritano;

- O Imperialismo Acadêmico e o Fim da Inteligência;

- Obras do Apocalipse;

- A Demiurgação do Homem.

(Foco na desconstrução niilidionisíaca do discurso, não sei quando chegarei nela, talvez mais cedo, talvez mais tarde)


Os arcos terminam no número sete. Porém o arco sete terá três livros que espero lançar ainda vivo. E um quarto que será póstumo, este sintetizará absolutamente tudo. O objetivo da obra é criar uma catedral conexa em que tudo fará sentido.


É óbvio que não poderia dizer aqui tudo que é ou não é. Tudo que almejo, visto que são várias coisas:

- Construção e Aprimoramento da Neossistemática;

- Explicações mais detalhadas de termos como "coletivo-normativo", "inversão ritualística", "princípio da intimidação-excitação", "abraço satúrnico", "epistemologia simbólica", "epistemologia chestertoniana", "fascismo/nazismo como respostas doentias ao mundo líquido", etc;

- Uma série de obras literárias;

- Microlinguística para compreensão de autores e para tratamento psíquico;

- Meditação Ouroboros;

- Desconstrução niilidionisíaca do discurso;

- Condução Inconsciente como método intelectual;

- Etc.


É uma longuíssima batalha pela frente. Porém na busca pela universalidade real, transcendência absoluta, o saber adentrar no não-saber, num exercício de douta ignorância - termo paradoxal, porém o paradoxo é a condição do real -, superando a contigencialidade que o contextualiza espaço-temporalmente. Métodos são mais importantes que fórmulas, já que fórmulas são aplicadas a uma realidade líquida que sempre nos escapa. O método deve visar o universal e apreensão do universal relativiza toda e qualquer crença, visto que o aumento do horizonte de consciência supera as formas delimitantes da razão. A razão é forma, a inteligência é informe. Ela é informe pois, quando adquirida, modifica as formas (razão). Informe também o é por ser absoluta, e a captação do absoluto é objetivo da delimitância-indelimitada, onde vontade e inteligência já se harmonizam (mesmo que só efemeramente).


De qualquer modo, é um gigantesco esforço. Ninguém busca isso no Brasil. É sempre a baboseira de gente que repete clichês mentais como fórmula de onissapiência - drama esse falado nos aspectos coletivos-normativos que regem o pensar ideológico, nas quais tinha tratado em textos anteriores. A inteligência é uma virtude. Só que a própria inteligência é uma virtude negativa, está sempre para além de si e sempre busca o que está fora de si. A inteligência é a destruição de si mesmo, para a absorção do outro, para o aumento de si mesmo, para o estar além de si mesmo. Ser em parte é tornar-se. Porém aquele que visa o absoluto, condiciona-se para absolutizar-se. Esse exercício eterno, penoso, que sempre que alcança se perde, é o rumo inglório que ninguém está a altura de realizar ao todo. Só que quem não o faz, igualmente não capaz de ser um autêntico intelectual. Não saberia dizer se isso é pretensioso, porém é o que propus a partir de minha interioridade. Só espero não morrer antes de tudo isso...

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Esse pobre burocrata...




Enquanto olho pra minha roupa social e meus olhos semicerrados - que, por rotina, estão sempre cansados e quase dormentes -, penso nos dias de outrora em que a primaveril aurora ainda em meu peito estava. Quando cada batucar de meu coração era doce e tinha o som tenro e terno duma vida adocicada, eu era uma criança feliz. Agora não mais, agora tudo leva prazo, tudo se cumpre com através de metas de produtividade. Talvez houvesse, em tempos passados, uma simplicidade que coadunasse com a felicidade. Hoje em dia tudo é tão formal que me enoja.


Em alguma forma de delírio, não consigo tirar a imagem de um homem redundantemente burocrático. A imagem de estar preso num paletó e formando par com o governo mundano é o que de há de mais nítido e desprazeroso em minha cabeça. A ausência de transcendência que dê uma coloração, textos que se formam em formas deformadas sem vida, quase nada com um ar de inspirado. É como se não mais houvesse ligação espiritual e afetiva alguma em meus projetos. Embora eles estejam brotando com mais frequência do que nunca. Saindo por aí, como uma série de monstros desalmados, trazendo a feiúra que lhes marca e a desgraça que se encontra em minha alma.


Teve um dia que eu acreditei, antes de virar um pobre burocrata, que eu poderia algum dia ser grande. Vão otimismo adolescente, otimismo criado entre livros e jogos, único contato afetivo real que eu tinha, já que não cheguei a ter um único verdadeiro amigo nessa fase. Pelo contrário, minha vida era ditada por uma solidão quase cruel, uma solidão impenetrável graças o mais retumbante fracasso social. Em meu período de estudante de jornalismo, tive alguns amigos rasos, mais para colegas do que amigos. Na faculdade de filosofia, enquanto suportava uma tensão antiafrodisíaca e esmagadoramente depressiva, tive amigos mais palpáveis do que tive em todo restante de minha vida. O que me sobrou depois de tudo isso? A solidão logo voltou a me acompanhar, como que num casamento intermitente em que há uma separação só para descobrir que, por triste acaso, a pessoa que mais nos cabe é aquela que mais desprezamos - e espero que a solidão não me despreze de volta, já que só tenho a ela. Também tenho um bom bocado de arrependimento. Todos se foram, alguns até mesmo passando por graves transtornos, outros chegando ao suicídio, outros indo para tão longe quanto deploravelmente longe. Até nos momentos de brilho, o brilho foi sempre lunar. O Sol nunca abrilhantou minha vida em nada. Toda glória que tive, ao menos até estes momentos reflexivos e meditabundos, foi a de um fracasso. 


Após uma longa vida, que não é tão longa assim, frequentando os mais diversos meios. Indo da extrema-direita para a extrema-esquerda e depois da extrema-esquerda para a extrema-direita. Passando pelos confins do anarquismo, da social-democracia, do socialismo democrático, do nacionalismo conservador, da quarta teoria política, por uma espécie de getulismo sem Getúlio, creio-me hoje inteiramente órfão de ideologias. E, não, não me venha com essa baboseira de "ideologia é visão de mundo". Existem várias formas de se analisar o que são ideologias. Os conservadores veem como uma espécie de religião política, de caráter imanentista e que busca trazer o paraíso pra Terra (imanentização escatológica). E os comunistas veriam mais como uma espécie de discurso gerado pelas classes dominantes para alienação das classes subalternas - o que não deixa de ter a parcela da verdade que lhe cabe. Particularmente acredito nas duas hipóteses e não dou a mínima para nenhuma delas. Sou fraco demais para crenças que mexem com uma mudança radical de modus vivendi. 


Quando criança, via que no mundo havia uma união simbólica que tornava tudo fácil. Lembrando que simbólico é, na verdade, tudo aquilo que une. Hoje não saberia apontar o quanto esse simbolismo era realidade concreta ou mero simplismo mental duma criança inexperiente e incapaz de adentrar nas sutilezas da vida enquanto tal. A vida até a quarta-série é um carnaval gratuito e open bar (que, para efeito poético, também será gratuito). Ao menos foi assim até aquele estágio no inferno chamado de quinta série. É lá que todos os problemas humanos prefaciam. (Sim, preciso fingir que meu discurso pequeno burguês, típico de uma pessoa que pertenceu a uma espécie de classe média baixa, e pseudouniversalista tenha proporção de universalidade ao menos para gerar uma boa impressão no leitor  - a não ser que esse seja um cavaleiro branco da justiça social e que ficou com olhos esbugalhados ao pensar na absurdidade que é considerar tamanhas vanidades infantis-infames como conflitos existenciais de proporcionalidade cósmica). Aqui tudo se encaixa, mesmo que debilmente, como efeito cascata (mesmo que dentro duma lógica falha e ginasiana - mentalidade essa que eu, homem-criança, nunca consegui fugir ou superar de fato -):

1. O halls é a porta de entrada para o cigarro ou para maconha (quiçá os dois);

2. As discussões sobre heróis da Marvel e da DC te tornarão apto para as discussões de esquerda e direita (discussões bem idiotas e pouco sintéticas, tão idiotas quanto discussões sobre heróis, como quase tudo nesse país de bárbaros);

3. O Nescau, com sua imagem radical e jovem, preparou-lhe para integrar o quadro da Juventude do Partido Comunista do Brasil (ou do Partido Comunista Brasileiro, caso você queira pagar de underground do underground e viver dentro duma panelinha que está dentro de outra panelinha);

4. A pornografia fez morada em sua casa como uma penetra persistente graças aos conselhos de seus "amiguinhos" - que, no geral, você sequer lembra o nome - pré-adolescentes (conselhos de merda, porém ainda conselhos);

5. Todo o restante da sua vida social rodará no discurso básico de ser "radical", "cool", "maneiro", " popular", pouco importando o quão pedante, acadêmico ou intelectual seja o seu discurso - e disso surge a postura revolucionária vista no ambiente acadêmico (e a onda reacionária, imersa também na radicalidade discursiva, é subproduto igual - porém de substância diferente - e deuteragonista).

 

Fui um adolescente deslocado que fracassou em ser descolado. Um drama tão genérico que, bem ou mal, poderia servir de plano de fundo para um típico besteirol americano - como quase tudo nessa vida de pessoa medíocre. Por algum momento tentei colocar adornos para fingir que eu não era tão mesquinho e vazio quanto parecia, uma forma de blindagem que ao menos mentalmente significava que eu estava fora do resto do gado, que eu era exclusivo, singular, importante e desmerecidamente irreconhecido, quase que inteiramente ininteligível. Nessa jornada de "autodescoberta" - melhor termo seria "autoilusão" -, busquei na internet as raízes conteudísticas em que a minha personalidade se basearia. O que não é o mesmo que ter uma personalidade, já que isso é só uma máscara para disfarçar a vacuidade existencial em que me encontrava e ainda me encontro. Naquele tempo, estava na moda um reacionarismo aristocrático de ralé (ou de "baixo clero"). Pensamentos como: "eu tenho cultura pois ouço rock" ou "eu leio livros enquanto você vê BBB" permearam a minha adolescência, fizeram morada em minha cabeça que, não admitindo a própria impopularidade, criou a imagem da suposta pertença a uma elite como forma de compensação - uma racionalização que, no mais íntimo, era profundo ressentimento carcomido pelas trevas do alternativismo. Graças a isso, li livros centrais da literatura nacional, ainda bem moço, e sem a intenção de estudar para o ENEM - que, para ser franco, nunca dei a mínima foda. Li também todo tipo de assunto que, em minha cabeça de jovem introvertido revoltado e pseudoelitista - depois me tornei pseudoantielitista -, parecia maneiro: Marx, pensadores iluministas, autores liberais (que na época chamava de burguesia revolucionária - eu era um protoleninista inconsciente -), livros jornalísticos, literatura internacional, autores anarquistas, livros de história, livros de geopolítica, livros sobre ler livros, sociologia, ateísmo militante, filosofia, livros sobre videogame, etc. Por algum motivo, acreditei que eu era radical por ler esse tipo de coisa - uma das questões base da vida é "ser maneiro para ser aceito" (e, novamente, meu caro amiguinho: pouco importa o que você elabore em sua cabecinha oca pra provar o contrário). Essa minha tentativa frustrada de radicalismo, ainda que inserida num contexto pequeno-burguês de intelectualismo academicista, era tão exitosa quanto jovens maneiros andando de skate e tomando Nescau: só um imbecil ter-me-ia com uma figura contestatória e permeada por uma conflitualidade real com o mundo. Uma jornada de um jovem cuja a única função era racionalização do real desejo de ser aceito. Hoje sei que eu era apenas chato e entrava em tópicos que ninguém na Terra tinha saco pra ouvir além de um dos piores tipos de humano da face da Terra: um palestrinha - que é o povoado geral das academias, sobretudo as públicas ou das melhores academias privadas. Tão logo percebi que, na realidade, estava tão apenas imerso naquela eterna roda idiota de pessoas que masturbam umas outras, num estranho narcisismo coletivo, enquanto repetem nomes consagrados tautologicamente como se fossem conseguir incorporar a inteligência e originalidade dos que são citados copiosamente. Um processo que talvez remeta uma certa espécie de sessão espírita. Mesmo que, na verdade, as pessoas saíam tão genéricas, improdutivas, sem originalidade artística tanto quanto entraram.


De qualquer forma, hoje percebo que não preciso estar preso na ferocidade ou forçar a minha singularidade como se ela fosse mais esplêndida do que de fato é. Além de que, mesmo que tardiamente, percebi que meu radicalismo era típico de (pequeno-)burguês. Sempre circunscrito a um espaço passível de falsa radicalidade. Sempre direcionado no espaço discursivo acadêmico. Não quis mais fingir até a exaustão mais completa que estava fazendo algo que mudava realmente o mundo. Despi-me, com as punhaladas do tempo, de meu revolucionarismo ou reacionarismo. A academia virou um lugar onde todas as teorias nunca se confrontam com a realidade da vida. Parte do discurso revolucionário e reacionário é, em muito, ditado pela pseudouniversalidade da diversidade marginal: um grupo reduzido de pessoas pensa ter encontrado um padrão universal - que logo se torna para elas um padrão coletivo-normativo - e ficam presas nas mazelas de suas bolhas.


No fim, enquanto me encontrava nas angústias faraônicas do radicalismo burguês, acabei por me tornar um imbecil hedofarisaico: "sou automaticamente bom, inteligente e livre por manifestar alguma crença que me justifique em alguma estrutura social nessa estranha Torre de Babel". Termo esse que cunhei na única arte que conheço bem: aporrinhação de saco - embora eu não tenha elevado isso na condição de maestria. Parece até mesmo um processo gnóstico que segue o seguinte esquema básico:

1. Adquire a crença X;

2. Ao adquiri-la, você magicamente saiu do ilusionismo da caverna platônica (termo esse tão mencionado e tão pouco compreendido, já que quando você sai da caverna você entra imediatamente em outra e a saída da caverna é um processo acumulativo em que você assume a própria prepotência e busca sempre sair do seu novo círculo escravizatório ["só sei que nada sei"]);

3. Todos que não compactuam com nosso coletivismo-normativismo são literais animais que não encontraram a verdade, puros alienados presos num sistema de opressão, incapazes de ver a obviedade mais ululante;

4. Agora entre em nossa roda, pegue no pau ou na boceta do amiguinho ou da amiguinha, masturbe-o(a) eternamente enquanto repete: "eu sou livre", "eu sou bom", "eu conheço a verdade", "todos os outros estão presos num sistema de engodo".


O que é trágico e, ao mesmo tempo, engraçado. A ideia de que dadas ideias suplantam outras de forma obrigatoriamente necessária cria um mito que costumo chamar de "imperativo histórico categórico". Dessa, por sua vez, instala-se na psiquê do indivíduo uma presunção em que ele se sente automaticamente superior, sobretudo com quem ele discorda. Que pode muito bem ser compreendida nesse esquema:

1. O ateísmo/marxismo/liberalismo/tradicionalimo é uma fase superior da humanidade;

2. Eu sou ateu/marxista/liberal/tradicionalista;

3. Logo sou superior a Tomás de Aquino/Adam Smith/Karl Marx/Sartre.


Graças a esse simplérrimo truque de bunda-moles, qualquer um pode ser superior a qualquer pessoa do passado, do presente e até mesmo do futuro bastando aderir um determinado tipo de pensamento. É uma (auto)consagração automática, uma promoção altíssima  um acirrado curto-prazismo. Um processo muito similar a de seitas gnósticas, não muito similar: é o mesmo processo traduzido em forma política - já que os imbecis de ontem acreditavam numa religião espiritual supersticiosa e hoje acreditam numa religião política supersticiosa. É desse tipo de gente que falo quando escrevo o termo "hedofariseu" - mesmo que esse seja apenas uma desconstrução niilidionisíaca do discurso (vulgarmente é utilizar o academicismo para caçoar de academicistas) em que dadas palavras são usadas apenas para tirar o sarro. E, caso o leitor ou a leitura se pergunte se sou cristão e/ou tomista (ou ateu militante, ou liberal ou marxista), digo-lhes logo que sou tão cético quanto o homem líquido de nosso século é cético - só que estou mais para um cético global e não um cético parcial, cético o suficiente para questionar a mim mesmo. A diferença precisa está na dose de ironia e ausência de doses cavalares de arrogância combinada com um esquematismo de autoengodo - como um tão bom, embora eu já não beba, gin com tônica.


Da presunção gnóstica moderna, mesmo que essa se proclame na maioria das vezes atéia, vemos um teologismo inconsciente. Quando um intelectual moderno se dispõe a analisar a algo, narra todos os acontecimentos como um narrador onisciente. É como se ele fosse onipresente na história, gozasse de todos os dados do mundo e pudesse alterar o curso da humanidade de forma onipotente devido a sua (auto)glória. Em meio a esse teologismo às avessas, em um processo inconsciente e antropoteísta, prefiro ficar a me autocriticar do que a me pôr no pódio das pessoas bem pensantes e julgar a humanidade toda com a minha miséria. Sei-me miserável. Não tenho contribuição alguma a acrescentar, todos os meus escritos cairão inevitavelmente na "lixeira da história" e, se alguém perder tempo lendo-os, rirá de minha cara - e eu lhe agradeço. Talvez eu vá soar, para os mais distintos leitores, um subversivo, um reacionário, um revolucionário, um homem perdido ou qualquer coisa que seja. O fato de eu puder ser identificado com os quadros mais distintos só demonstra que, no fundo - quiçá talvez em substância -, eu não pertenço a quadro algum. E, não, não sou melhor e nem pior por causa disso. Nem acho que se houver alguma originalidade nisso, a originalidade seja boa por ser originalidade. Não sou superior a ninguém, pior que isso: sou inferior por vocação (quase suicida).


Minha vida sexual nesse período - torno a falar da adolescência -, e no restante de minha vida, se deveu mais a minha imoralidade do que a minha capacidade de ser atraente ou interessante. Nunca fui atraente e nunca fui interessante, também nunca fui inteligente e nunca joguei bem - mesmo que eu seja um acadêmico e um gamer (e sou um acadêmico medíocre e um gamer medíocre). Aprendi desde cedo que ser acessível era a melhor forma de conseguir sexo. Estratégia essa usada a rodo por fracassados impopulares e pseudoantissociais - pessoas que viraram antissociais não por escolha, mas por chatice (e que usualmente adquirem pensamentos chaves de visões políticas extremadas como forma compensatória para a própria impopularidade: "vocês não gostam de mim por eu ser superior intelectualmente, há há há há"). A obscenidade luxuriosa é um caminho alternativo para quem não consegue ser popular, mas ainda preserva o gosto de querer comer/dar para alguém. É graças a isso que literais batatas sociais e feiosos, nas quais evidentemente estou incluído, conseguem foder - e, sim, eu sei que sou feio e falho. Embora que, atualmente, eu não chamo mais meus hábitos (ou seriam vícios) de "experiências de alteridade", "desconstrução da ditadura monogâmica" ou "orientação romântico-sexual pós-cristã, libertária e antiburguesa". Usualmente eu penso numa lógica mais amoral quanto a minha posicionalidade sexual: "transei porquê quis transar". É simples, é em boa parte consciente de sua própria primatividade, é um tanto animalesco e bestialógico, porém não falhei na minha autotribuna.


Meus contemporâneos adoram dizer: "o padrão de beleza é uma enganação". Eu concordo, uma onerosa enganação que, por tempo demasiado, condenou qualquer beleza que estivesse de fora do padrão eurocêntrico. Só que há um grande problema aí: considerando os novos padrões, eu continuo sendo um homem execrável. Só posso esperar virar um modelo no mundo em que haja como padrão um antimodelo - o que me é sedutor sexualmente, pois tornar-me-ia um predador em potencial como bom corrupto e mau-caráter que sou; conquanto que ser-me-ia atípico demais viver numa sociedade com tamanha inversão de valores. Sou um parasita, vivo de sugar os sulcos da sociedade, da cultura - ou o que restou dela -, então creio que deve haver um ordenamento mínimo e um padrão aristocrático básico; porém não alicerçado nos parâmetros tradicionalistas. A minha prepotência sempre me levou a perceber instintivamente quando uma pessoa era demais para meu caminhãozinho. Tão logo percebi que só sou bom em lugares ocupados por fracassados. A ideia de que eu só pego gente feia e maluca tem um quê de veracidade: não sou bom o suficiente para um cardápio melhor. Não luto batalhas que estou condenado a perder, só boto fogo no parquinho e não me atrevo a acender sequer um fósforo no STF. O contentamento com uma vida mediana, de pequenos sucessos, é melhor do que partir para grandes ataques, isto é sobrevivência básica. Não sou um gavião, sou um urubu e minha essência é comer lixo.


As pessoas costumam ler meu blog ou minhas postagens no perfil do Facebook e pensar: "vejam só que homem estudioso". Faço três faculdades, participo de um podcast sobre saúde mental, tenho um canal de narrações de textos intelectuais, escrevo análises de livros e jogos, trabalho com pesquisa. Uma rotina intelectual elevada, bastante diversificada e com capacidade de aumentar continuamente o parâmetro técnico. Só que parou por aí. Se me comparar com qualquer pessoa que tenha inteligência de fato, como Aristóteles, é impossível presumir que eu não seja mais do que medíocre.


O nome de meu blog, por nenhum acaso, é "Cadáver Minimal". Há uma simbologia, bem medíocre - como quase tudo em mim -, nisso: declaro-me morto e mínimo. O significado do blog é exatamente esse: um homem que se sente morto fazendo o mínimo para ter um nexo conexual com ambiente dos vivos. Se você lê esse blog há muito tempo, o que é bastante improvável, verá que nos momentos em que "eu sou mais eu" se verificará um perpétuo pessimismo, ceticismo e autodesgosto. Não estou dando o melhor de mim, nunca dou. Sempre aumentei meu nível intelectual e, em todos os estados (também medíocres) que ele teve, nunca ousei usar toda a sua potência. Exigiria demais e eu gosto de coisas exigem pouco. É por isso que, como escritor preguiçoso e vazio, prefiro escrever pequenas análises e nunca uma exposição sistemática, metódica e cabal. A única coisa que me alegra medianamente é o fato que fiz o mínimo. Não posso alegar - e nenhuma outra pessoa também - que não fiz o mínimo. Embora eu mesmo possa dizer que com meu miúdo talento há grande desperdício no pouco que se tem.


Outro fato redentor nisso é que não poupo palavras para dizer o quão insatisfatório e fraco eu sou:

- Não sou cristão e nem marxista por ser fraco e covarde.

Não tenho a capacidade de morrer por Cristo. Não tenho a capacidade de morrer por uma revolução. Eu não abandonei as crenças por não achá-las boas o suficiente e nem por não serem razoáveis ou credíveis. Abandonei-as por ser um fracassado. É uma situação desgostosa, é uma situação até temível pelo grau de sua decadência; porém é uma sensação melhor do que a mentira. Eu prefiro dizer que não tenho força para crer nos grandes ideias da humanidade do que fingir que tenho só para pagar de boa pessoa ou simplesmente para enganar as outras pessoas. Seria muito cruel de minha parte, e eu não tenho energia o suficiente nem para ser cruel.


Também é o fator energético que é crucial para o desempenho desse papel que se assume. Poderia eu me importar realmente com outras pessoas e correr o risco de sofrer por causa disso? A resposta é, novamente e sem surpresa, um sonoro e bem audível não. Como minha energia mental é a de um fracassado, perdê-la-ia bem rápido numa situação de real perigo. Logo aderi a economia da poupança mental - que é um reducionismo charlatânico para indiferença e mau-caratismo - e investemento mental em objetos de prazer mais imediato, individuais e de menor risco. Pra mim é infinitamente mais prazeroso ler sobre os infinitos problemas sociais - da humanidade em geral - do que lutar ativamente para resolvê-los. O que é uma postura melhor assumir a indiferença do que fingir-se de bom moço, de consciente ou simplesmente mascarar o mau-caratismo com a chamada consciência crítica. Não creio em salvação pela fé e tampouco obrarei para ser salvo. Minha condenação é ao inferno ou à lata de lixo da história. Acredito que o direito à indiferença é crucial, já que sou um fracassado, mas não um mentiroso.


Quando foi que tudo deu errado? Quando eu me tornei esse Cadáver Minimal? Tenho mais de mil livros arquivados e disponíveis em minhas reminiscências - planos de leitura que, traçados, levam a entender que sei alguma da vida; porém que trazem uma receita segura para a mais plena incapacidade artística e fraqueza experimental e criativa. Nenhum desses livros explica a mediocridade que carrego. Talvez eles só existissem para me dar mais minuciosamente a agônica sensação de que, pelo menos, eu tenho uma cultura privilegiada. Mesmo que tal cultura, capaz de pormenorizar uma série se esquemas civilizacionais e abarcar altos vôos abstrativos, não enriqueçam tanto a minha vida. Creio que tudo que me sobra é de forma estética e estilisticamente pedante colorir minha infelicidade com referências sem fim que dão a aparência duma unidade e sistematicidade. O pedantismo confere uma condecoração a toda essa fragilidade que chamo de eu. Há um esteticismo, que dá beleza ao decadente, nisso tudo. Um outro homem, despido de tal (van)glória, não poderia ser encontrado por acaso por algum rato de academia que preferirá que seu "objeto de análise" tenha lido Nietzsche e Dostoiévski - o que é francamente desumano, desumanizador, extremamente elitista, abstrato-utilitarista, mas muito e essencialmente acadêmico (arrisco a dizer que o academicismo é pequeno-burguês ou muito burguês). Um homem que tenha sido alcoólatra é uma coisa, um homem que tenha sido alcoólatra e escreve "êle" como se ignorasse as mais novas regras da ortografia é outra coisa - mesmo que, no fim, a pesquisa se dê nos meandros da alcoolicidade. O costume acadêmico é ignorar as grandes massas que, por um acaso bem hipócrita,  maioria dos acadêmicos diz defender e representar - e talvez um dia representasse, se saísse de sua bolha, é claro. Tenho uma série de vivências que poderiam ser psicodelicamente classificadas como atípicas e, de estranho modo, interessantes. Interessantes para pessoas que amam coisas tediosas, nauseabundas e deformadas. Hoje em dia, a tragédia e a ausência de ordem servem como um bom enredo para os meus conterrâneos. E minha vida é cheia de tragédia e ausência de ordem. Só que, ao final, tudo isso se mistura no caldo comum da infelicidade - para o homem que Karl Marx ou para aquele que nem sabe o que vem a ser o "proletariado".


Não consigo compreender como que uma mera adição leva a uma investigação interessada de algo que, no fundo, nada tem além do costumaz banal. É fruto, evidentemente, dum diletantismo abstrato-utilitarista: alguém só é analisável e objeto de academicistas, e intelectuais no geral, quando essa pessoa tem cultura acadêmica ou intelectual. Um acadêmico que pega a sua metralhadora verbal para condenar o utilitarismo é sempre vítima de sua própria percepção isolacionista. Posição atutidinal essa que só descrevo e não condeno, já que igualmente sou assim. O enredo é mais ou menos o mesmo:

- Conheço a história dum homem que se matou jogando-se do décimo nono andar dum prédio - digo esperando uma reação receptiva do meu ouvinte.

- Ah, legal... - diz ele embaraçado, cansado de tantos suicídios que preenchem em seu cérebro uma nauseabunda estatística.

- Ele era leitor assíduo de Blas Roca - revelo minha carta na manga. 

- O secretário geral do Partido Comunista de Cuba? 

- Exato!

- Conte-me mais agora mesmo.


Há um livro que diz que a maioria dos latino-americanos só são radicais dentro da academia - prova de sua radicalidade burguesa. Também é normal isso: ser radical dentro dum parquinho é uma coisa, no mundo real é outra. O que demonstra que eu sou um decadente até no meio da atividade acadêmica, já que estou na vasta maioria daqueles que preferiu se calar. O que, para ser franco, não é meu caso também, eu não me calei: eu sou indiferente. Não vou escrever textos fingindo que realmente me importo com o estado do capitalismo, da humanidade ou do planeta. Torno-me cada dia mais misantropo para não me importar, porém também acho que o capitalismo falhou. Não importa, no final eu também sou como o capitalismo: eu sou um fracassado.


Se não me engano, há um livro de Chesterton que fala dum funcionário público ascendente. Um burocrata típico, genialmente típico, cuja o excelente intelecto flamejante ascende vôo de repartição a repartição - um alpinista social consagrado. Um homem cuja capacidade transcende os seus conterrâneos e, por um engano, sua sabedoria destacada nunca alcança o coração de um único homem que seja. É uma ironia tipicamente encontrada no paradoxo da vida: existem uma série de intelectuais, a absoluta maioria deles, incapazes de se traduzirem em algo de apaixonado. Com o caminho atual de minha vida, torno-me a cada dia mais parecido com eles - e se inconscientemente me importo com isso, conscientemente sou falho e sem vontade demais para mudar isso. Há gente que nasceu para mediocridade, podem-se encher de títulos sem nunca terem levado uma única pessoa a refletir profundamente sobre si. Isso nos desanima até percebermos que estamos no lado da maioria absoluta de esquecidos e futuros esquecidos, quando aceitamos o fato de que nenhuma marca nossa permanecerá, assumimos a mediocridade com um orgulho meio avergonhado, porém ainda satisfatório. Quando olho para uma série de artigos acadêmicos que leio, todos eles me remetem genericamente ao tédio. Poder-se-ia criar um novo slogan que trocasse a frase "todos os caminhos levam à Roma" para "todos os caminhos (acadêmicos) caem no tédio". Nenhum nome me encanta e mais me parecem com a prática da fossilização como esporte, mesmo que os esportistas do tédio não saibam que são bons em produzir tédio e lixo descartável. Se eu escrever qualquer coisa que possa cair dum burocrata tipicamente acadêmico, sairá como genuinamente chato e acadêmico (e espero que não cite um artigo existente por mero acaso):

- O machismo como invenção neoliberal;

- A infelicidade como criação fascista;

- Homossexualidade e Arte no Grajaú;

- A gestão psdbista e suas consequências;

- Progressismo e Esperança no governo Dilma;

- Neogolpismo e democracia;

- O valor do amor em tempos reacionários;

- Pela normalização do poliamor;

- Por uma esquerda autenticamente revolucionária;

- Revolução e Reação nas Boates LGBTQIA+ Paulistanas;

- Por uma política radicalmente ambientalista;

- Neomarxismo e Revolução;

- Feminismo e Cyberpunk.


Foda-se, cansei - canso-me rápido, eu sei. Os acadêmicos se diferem do povo, mas quase não se diferem entre si. Sua diferença está para com a maioria do povo, não para a maioria dos outros acadêmicos. O que não é bom, só que também não é ruim: o destino do homem - ou, se preferir numa linguagem menos machista, "a humanidade" - é a mediocridade perante seus pares. Eu já aceitei a mediocridade que me cabe. 


Não sei a razão que leva a tantos acadêmicos optarem por títulos que já indicam o grande sonífero em forma prosa que certamente virá quando o leitor - que na maioria das vezes sequer existe por causa da gigantesca produção burocrática que é a produção acadêmico - terá que dar conta. Quase ninguém lê conteúdo acadêmico, eu leio para ter alguma base na minha produção acadêmica. E minha base também é medíocre e genérica. Sou o exemplo do antiexemplo que se tornou padrão. Se bem que, sendo sincero, sei que a média de pessoas que se interessará pelo que escrevo é equitativamente a mesma média de neandertais cantores de pagode vivos nesse exato momento: nenhuma, absolutamente ninguém, zero à esquerda de zero à esquerda. Só que não me iludo com isso: este meu blog existe apenas para eu dizer a mim mesmo que existe (precariamente, minimamente, porcamente).


Muitas vezes olho ao espelho, para me deparar com uma horripilante imagem de uma triste figura e pergunto: "quem eu estou tentando enganar?" Usualmente chego a fase posterior: "se é a mim mesmo, falho miseravelmente". Meu caderno se enche de notas, minhas leituras se acumulam e em minha mente mofam. Algum dia sonhei a hipotecar que a rotina cria deuses ou escravos. Também cheguei a achar credível que, sendo produtivo, poderia ser alguém vivo. Os compromissos acadêmicos e a sucessão de análises só existem para disfarçar o abismo em que me encontro. Além do fato de que cada análise, sucedendo a outra, não trazem uma vida pujante: representam sempre, nada mais nada menos, que uma maquinalidade formalesca. De certo não venho me sentido feliz com o rumo que a minha vida tomou: não consigo ver um grande salto qualitativo entre a fase anterior e a fase atual, mesmo que o nível técnico tenha aumentando: a escrita atual parece carecer de alma. Queria cuspir na imagem desse pobre burocrata toda vez que o olho no espelho. Eu odeio esse pobre burocrata. Esse pobre burocrata... que me tornei.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Agradecimentos

 



Fui buscar meu diploma hoje. Várias memórias se passaram dentro de minha cabeça, era como um episódio de flashbacks. Até aquele período em que estudei depressivamente, desmoronando pela submersão de vários sentimentos, tornaram-se alegres. Uma sensação, um sentimento de conquista justificado pelo esforço e a capacidade de não desistir.


Passei 3 anos em uma labuta, indo quase toda semana pegando livros da biblioteca em paralelo às aulas diárias que tinha. Durante o curso, frequentei duas bibliotecas para complementar a minha formação literária, fora alguns cursos que executava em paralelo. A formação se deu pelo esforço, muitas vezes foi uma batalha de vitalidade e persistência para dar continuidade a uma série de estudos privados e de ordem curricular. De qualquer modo, sempre decidi ir além. Eu tentei conciliar e fiz, na medida do possível, uma série de estudos que complementavam o curso.


A faculdade foi-me mais do que um compromisso burocrático. Era-me um mundo inteiro. As disciplinas - nem todas, mas a maioria - me encantaram. Os assuntos tratados, na sala de aula ou fora dela, foram-me de máxima importância. Em pouco tempo, eu, garoto revolto, tornei-me tão acadêmico quanto poderia ser. Embora eu sempre tenha mantido um olhar para aquelas questões e autores pouco olhados, visados ou admirados. A vida me foi como um grande pancânon dialético e ainda o é. A dialogicidade e a necessidade de negar-se para ir além do aceitável para mim mesmo me foi compromisso antes, durante e depois do curso.


Agradeço aos carinhosos professores, amigos e companheiros que, durante esse trajeto, acompanharam-me e ajudaram-me. Espero sempre estar, mesmo que espiritualmente, ao vosso lado. Foi difícil a minha trajetória, já que além de autista eu sou bipolar e tudo se atrapalha no meu autocentramento e mudanças de humor. Só que consegui superar isso e ir além graças a vocês. Também sou grato imensamente a minha família que esteve ao meu lado em todas essas múltiplas crises que se apresentaram em meu caminho. Espero um dia ser digno do amor que recebi de todos vocês.


Ao terminar essa postagem, sinto que estou mais velho e, quiçá, mais sábio também.

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Acabo de zerar "The Legend of Zelda: Ocarina of Time" no 3DS

 



"O fluxo do tempo é sempre cruel, sua velocidade é distinta para cada pessoa, mas ninguém pode mudar isto..."

Há muito tempo, há uma frase que é dita para cada um que se interessou apaixonadamente por videogames. Uma estranha frase. Dizem as lendas que havia um jogo que era considerado a maior obra prima dos jogos - recomendado a cada gamer e programador. Esse jogo era como as sinfonias de Mozart, ele era como "Crime e Castigo" de Dostoiévski, ele era o "Dom Casmurro" de Machado de Assis. A frase dizia que "jogue Ocarina do Tempo, o melhor jogo de todos os tempos".

Jogo videogame desde meus 5 anos de idade. Não demorou muito para que eu entrasse em contato com uma série de análises e dicas de jogos. Aliás, é graças aos videogames que peguei gosto pela literatura e pela carreira de escritor e intelectual. Um mundo inimaginável construía-se perante mim e eu ia crescendo ao lado das obras que jogava. Como num passe de mágica, interessei-me por ficção, filosofia, teologia, psicologia, jornalismo. Todo esse amadurecimento foi criado pela beleza dos jogos que me marcavam na cabeça e faziam-me desejar mais ardentemente a filocalia da vida intelectual.

Tardei anos para zerar esse jogo. O menino tolo e autista que vos fala passou por várias dificuldades na vida real. Só que sempre encontrei refúgio nos livros e nos jogos, por causa disso livrei-me da pulsão suicida. Só que havia a hora de me abrir ao melhor jogo de todos os tempos, era chegada a hora de apreciar a máxima iguaria. Quando esse tempo chegou, já tinha me formado em filosofia e publicado mais de dez livros anonimamente. O menino se tornou um homem.

Joguei Ocarina do Tempo como homem feito, mas com alma daquele menino que aos 5 anos de idade jogava Sonic no Mega Drive. A experiência foi fantástica, um retorno à infância mágica dos tempos de outrora. Muitas vezes, eu terminei jogos dizendo "fantástico". Só que dessa vez, digo outra frase: "muito obrigado". Eu agradeço pela fantástica experiencia que tive. Sou eternamente grato.

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Melhores áudios virão!

 



Agora que estou com um computador novo, com uma caixinha de som e um microfone, poderei fazer áudios maiores e com mais qualidade no projeto Latir Contra os Grandes (YouTube, Anchor e Spotify).

Os próximos passos são mais ousados que os que estavam sendo feitos até agora:
- Narrações de Livros;
- Artigos;
- TCCs;
- Contos.

Tudo focado em pequenos autores ou do meio underground, praticando uma forma de democratização de acesso.

Fora isso, o blog Cadáver Minimal terá maior integração com o projeto Latir Contra os Grandes, contando com postagens mais focadas em contos e crônicas. Todo treinamento e preparo tem valido a pena. Ter treinado para esse momento de forma meio "quieta" com textos meus foi fantástico, pude rever vários escritos anteriores. A saga "Prelúdios do Cadáver", textos de quando eu tinha mais ou menos 21 anos, está chegando ao fim. Pretendo terminar de narrar os textos da Fase 1 (24 e 25 anos) posteriormente.

Fora que estou criando uma fórmula para uma série de áudios que manifestam uma meditação que eu mesmo estou inventando (Meditação Ouroboros), um grande passo para mais uma técnica criada por mim - ao lado de outras como a neossistemática, salto de fé simbólico, abraço satúrnico, inversão normativa e inversão ritualística, epistemologia chestertoniana e desconstrução niilidionisíaca do discurso.

domingo, 14 de agosto de 2022

Quando ela caiu...

 



Passei a maior parte da vida pensando que minha morte não causaria problema algum. Joguei-me numa série de situações de risco relativizando a importância de minha vida e, igualmente, o amor que as pessoas que me acompanhavam tinham por mim. Desde meus 17 anos sofro com episódios de depressão recorrente, quiçá pela minha bipolaridade que se acentua pela vida desregrada que levo. Nesses últimos tempos, só posso pensar em aumentar a qualidade de minha vida, retirando velhos vícios e conquistando o poder da vontade.

Recentemente uma mulher que amei se jogou no meio de vários carros. Só consigo conjecturar que ela se encontra desfigurada. E toda vez que penso nisso só consigo ter vontade de a tudo quebrar. Como não percebi a vocação suicida de minha amada? A forma enfadada com que falava, a sua boca a sempre demonstrar cansaço contínuo, a imagem autodepreciativa que nutria de si, a ideia constante de que estava no final de sua vida e que tudo nela gerava desinteresse global. Eu deveria ter juntado as peças desse estranho enigma, todavia estava ocupado em só prestar atenção em mim mesmo. Sou condenado pelo egocentrismo autocircular que carreguei.

Nos últimos tempos, conheci três pessoas que se mataram. Até hoje há um pingo de esperança meio tresloucada que as verei participando das atividades desse mundo. Eu até agora não pude aceitar a morte delas. A morte é a maior das certezas, porém é psicologicamente inaceitável. Meu antigo psiquiatra também faleceu, uma mulher que se perdia em suas deliberações e indecisões que conheci durante anos também bateu as botas. O trágico era a minha noção infantil de que todos eram imortais. A noção de que as pessoas poderiam morrer me era inconcebível e quanto mais as mortes são engendradas nesse roteiro paranoico, mais me causam suspeita e incredulidade em vez do contrário. A morte é a única certeza da vida, conquanto que uma certeza inaceitável. Quanto mais o tempo passa, mais percebo que a realidade é inevitável para todos.

Ainda vivamente me lembro de meu pescoço na barra de ferro do metrô. Lembro-me de quanto eu tive que meditar para aceitar a minha morte e o quanto eu recuei temerosamente com a aproximação do veículo. Depois disso, mais uma internação que gerou outra e mais outra. Por isso, afastei-me das drogas, das bebidas, das antigas amizades, ideias e sites. A luta pela sanidade se configura apaticamente: ela requer que se afaste daquilo que tensiona e o espírito corrói. Por muito tempo, fui completamente agnóstico e hoje creio em Deus - de tal modo que nunca acreditei. Toda essa monumental tragédia que se repetia circularmente numa roda gigante aproximou-me Dele.

Uma amiga que se afasta, um amigo que vai morar longe, um casal que concebe um filho. Uma pessoa pela qual se enamora e depois se afasta. Tudo isso impacta no eixo vivencial e na debilidade a qual se encontra o meu pensamento. Eu não estou preparado para isso, só que não estar preparado não é o mesmo que impedir que isso ocorra. A dor simplesmente virá e não poderei impedi-la. Talvez isso signifique crescer. Eu posso sentir da densidade da crueza do real.

Quando ela caiu, precisamente eu pude sentir. Eu também cai. Eu senti todo meu ser quebrar-se. Todas as antigas convicções e amizades espatifaram-se como vidro caindo no chão. O mundo de cristal, imaculado pela sua infantilidade, quebrou-se pela pedra da realidade que lhe acertou. Os cacos de vidro cortaram a minha pele. Agora só me resta sangrar, tirar os cacos fragmentários de ilusões e ver todas essas feridas cicatrizarem-se com o tempo. Andarei, daqui pra frente, com o corpo maculado de cortes. Nunca poderei esconder a armagura que meu coração partido lega. 

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Prelúdios do Cadáver #10 - Bissexualidade, Conservadorismo e Cristianismo

Texto publicado em 30/08/2018


Estou no Contra os Acadêmicos desde que vi o Vitor Matias anunciar o grupo. Quando entrei, em meu perfil antigo, o grupo não tinha nem cem usuários se não me engano. Vejo que a sexualidade é um importante assunto no grupo, quase nunca comentei nada nesse longo tempo que estou aqui e, então, agora resolvi falar um pouco de minha orientação sexual, de minha religião (cristã) e do movimento LGBT.

Esclareço, desde já, que isso não é uma apologética ao movimento LGBT e também não é uma apologética ao movimento anti-LGBT. Essa minha "argumentação" mais parece uma confissão de uma pessoa enlouquecida com a própria condição que lhe foi posta e que fica oscilando entre o bissexualismo e o heterossexualismo forçado. E ficando-se com a questão: é mais natural seguir meus impulsos e ser plenamente bissexual ou viver numa luta interna para reprimir meu lado homossexual e viver numa heterossexualidade forçada?

Sou bissexual. Minha orientação sexual é motivo de angústia para mim e para meus familiares. Meu desejo sexual é, para mim, um pecado que não consigo me retirar. Resumidamente: minha sexualidade é uma maldição. Muitas vezes, caio numa contradição brutal: quero e não quero ser bissexual. Por vezes, tomo a minha orientação sexual por natural; por outras, como inatural e pecaminosa. Sei que nasci com ela, não sei o que fazer com ela. É-me uma sorte ser bissexual, pois assim posso ignorar uma “parte de mim” e ter uma “vida normal”. Todavia estou sempre em contradição comigo mesmo: nunca sei o destino que tenho que dar a minha orientação sexual.

Como disse, eu oscilo demais. Muitas vezes, há um instinto que me leva a pensar que devo achar a minha orientação sexual normal e cometer atos sexuais que me são, ao mesmo tempo, uma gratificação e um pecado mortal. Noutras vezes, uma razão ressoa alertando-me para que eu não pratique a sodomia. Vivo na constante exitação, ora achando o bissexualismo normal, ora achando-o doentio.

Sou bissexual e quem está a me acompanhar há um bom tempo sabe disso. Houve um tempo em que eu falava de minha sexualidade abertamente, hoje quase nunca falo – falei recentemente, mas para atacar argumentativamente um militante LGBT. Isso, minha omissão a respeito de minha sexualidade, acontece por causa de meus desentendimentos para com a “tribo urbana LGBT”. Não quero ser associado a superficialidade e militância que ela, a tribo urbana LGBT, faz. Então prefiro não falar de minha orientação sexual pois evita qualquer tipo de estereotipação.

Escrevi “tribo urbana LGBT” ao invés de “comunidade LGBT”. Há uma razão para isso: existe dentro da comunidade LGBT uma tribo urbana LGBT que tem a sua própria gíria, a sua própria pauta e o seu próprio modo de ser e de se vestir. Como acho tosco a tribo urbana LGBT e odeio as suas imposições, prefiro não tomar partido falando de minha sexualidade abertamente. O fato é que, como toda tribo urbana, ela é uma seita composta por uma microideologia.

Por que uma seita e por que uma microideologia? Fácil. Uma seita pois ela isola-se em si mesma, não permitindo o contato com pessoas fora de sua bolha. Como toda bolha, ela é agressiva com desertores e contra pessoas que não se encaixem nela. Uma microideologia pois a mesma releva-se em sua particularidade, a pauta LGBT, e tenta suas ações baseadas nesse microcosmo. Tal como o movimento negro é uma microideologia, o movimento feminista também é uma microideologia, o movimento LGBT também deve ser considerado uma microideologia.

O pecado distorce a visão. Como cristão, não sei como enxergar a minha orientação sexual. Sei que, desde novo, tenho-a como fiel acompanhante. Se a minha orientação sexual de fato é um pecado e o pecado corrompe a visão, como posso enxergar a Verdade? Sempre acabo caindo instintivamente no desejo pelos dois sexos. Sempre que penso em combater o LGBTismo, penso que estou a combater a mim mesmo. No fim, sempre acabo por realizar a minha perversão.

Como cristão, não sei qual argumentação teológica devo seguir. A minha orientação sexual é um dos motivos pelos quais oscilo entre o catolicismo e o protestantismo, aplicando ora uma modelo tradicional, ora um modernista que compactue com a minha sexualidade. Frequento a missa semanalmente e ainda fico para o grupo de jovens. Sinto-me, então, um hipócrita perdido na tibiez. O fato é que nunca poderei ser plenamente católico se eu continuar assim.

Sobre a “cura gay”, já ouvi relatos de homossexuais que queriam ser, no mínimo, bissexuais para poderem engravidarem uma mulher e terem filhos. Também vi muitos que queriam serem heterossexuais pois não gostavam do comportamental dos outros homossexuais.

Os chamados “grupos homossexuais ou LGBTs”, sejam eles virtuais ou reais, são imersos numa promiscuidade, numa liberalidade e numa superficialidade que faz com que certos membros da comunidade LGBT sintam-se enojados consigo mesmos e com o restante da comunidade. O sexo fácil é, para todo integrante da comunidade LGBT, não um mero jargão e sim uma prática incrivelmente documentada pela internet indicando vários “points de pegação”; tal liberalidade sexual é muito equidistante da liberalidade heterossexual. Dito isso, é natural ficar enojado com tamanho indiferentismo para com o afeto. O sexo puro não é sinal de liberdade, mas sim dum impulso bestialógico que escraviza corpos e almas. Então, em minha sincera opinião, querer ver-se livre duma comunidade tão bestializada pelos impulsos é muito natural e, até mesmo, uma virtude.

Se eu pudesse escolher, não seria bissexual. Sempre tratei a minha parte homossexual com uma profunda angústia e arrependimento. Sempre que praticava a sodomia, sentia-me abismado e cortado ao meio. Minha consciência moral diz-me que estou a praticar um ato criminoso, um ato imoral. Para mim, minha sexualidade não é motivo de orgulho e sim de dor e sofrimento.

Já tentei falar com minhas psicólogas sobre a sexualidade, elas tomaram como algo natural e que devo agir “naturalmente” com a minha orientação sexual. Muitas vezes, como já escrevi, entro por essa linha de raciocínio. Por outras, culpo-me.

Dito tudo isso, esse é um dos meus maiores dramas existenciais. Uma questão que resumir-se-ia no “Ser ou Não-ser: eis a questão!” de minha existência. Deixo, convosco, as admoestações e argumentações a respeito disso. Agradeço, antecipadamente, a todos que lerem e que responderem essa publicação.

sábado, 16 de julho de 2022

Falas Provisórias

Eu tive que encontrar alguém, com dúvidas e penúrias, fui lá e encontrei.

Depois que acordei, me banhei, me arrumei. Naquele dia andei de metrô e andei de trem.

Não ter medo tentei,  e expectativa criei,
Mas no trem lotado me irritei.

Enfim cheguei, comi, bebi e brindei

Um presente ganhei, e um livro lerei,
E durante a bela canção eu jurei, e
Despertar eu irei.

Desapaguerei, compartilharei e ensinarei, mas também também aprenderei.

Do mato a cidade eu andei e vários sabores provei, e saio certo que bons ventos encontrarei.

Dionísio ou Apolo eu não sei.


Falas provisórias.

 É certo e incerto o que é o certo.

terça-feira, 12 de julho de 2022

Acabo de zerar "The Legend of Zelda: a Link to the Past" do Super Nintendo

 



Fazem anos que não zero um jogo de Super Nintendo, ainda mais um jogo longo e complicado como Zelda. Pra matar minha nostalgia, resolvi zerar esse grande diamante bruto do SNES. Demorei dias, é claro. Só que finalmente consegui zerar.

É incrível como uma franquia pode marcar a nossa cabeça sem que a gente se dê conta. Lembro-me de que, ao receber meu Wii em casa, eu disse a mim mesmo que zeraria Zelda. Dito e feito: o primeiro foi Wind Waker, o segundo foi Skyward Sword e o terceiro Twilight Princess. Hoje coloca mais um em minha lista: a Link to the Past, que optei por zerar num emulador.

É sempre fantástico entrar no complexo e lindo mundo de Zelda. Tudo no jogo é um gigantesco quebra-cabeças no melhor sentido do termo. E a necessidade de pensar faz parte da magia do jogo. Novamente estive a quebrar a minha cabeça para resolver todos os difíceis calabouços. Agora o que tenho é um recompensado orgulho de ter conseguido, mais uma vez, ter encarado tudo e vencido até o final.

O pensamento que tenho é que a vida, em si, é um grande Zelda - complicada e cheia de quebra-cabeças que te deixam com dor de cabeça. Se encararmos tudo até o final, quiçá Demise apareça, tal como em Skyward Sword e diga: "Você é o melhor de sua espécie". A vida é problemática e nisso concordo com Chesterton em uma frase: “Uma inconveniência é apenas uma aventura erroneamente considerada; uma aventura é uma inconveniência corretamente considerada.”

terça-feira, 28 de junho de 2022

Um ano de Cadáver Minimal

 


O blog tá fazendo um aninho e eu nem tenho o que falar. Infelizmente, não tenho nada de especial para lhes dar. Ao menos não agora. Só que para felicidade geral da nação, não venho de mãos vazias. Trago-lhes o meu canal do YouTube em que realizo narrações de textos, alguns encontrados nesse mesmo blog e outros de outras pessoas!

https://youtube.com/channel/UChS1QmDXtyHvJktE9NlwAYw

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Carta a Fada Azul

Enquanto vejo o Sol surgir após essa noite tardia. Busco conciliar a angústia que até agora dominou meu peito com o alvorecer da nova manhã. Só que depois de tanta escuridão, a claridade que me ficou desconhecida agora queima meus olhos. O calor que tanto esperei me queima e, após tanta melancolia meditabunda, pergunto-me se não morrerei pelos raios solares que ao meu peito invadem.


A paradoxidade do que sinto: buscar a luz, mas estar habituado a escuridão. Eu nasci do primeiro princípio, Deus mesmo, só que meu corpo recobriu-se de satânica canção. O que fazer agora que a obscuridade me evade e a claridade me queima? Conciliar o degosto com o gosto para que o bom gosto não mate toda toxina que carrego? Toxina essa que lentamente me mata, porém é o veneno a qual estou habituado.

O problema do tumor que carrego é que ele foi alimentado, muito bem alimentado, pela minha vida perversa. De perversidade em perversidade, corrompia-me a cada página. Meu caderno é cheio de rabiscos ininteligíveis. Meu braço é cheio de riscos que outrora sangravam. Machucava-me para que, no mínimo, sentisse qualquer coisa em vez de nada. O vazio, a privação, o niiliabsorto: tudo isso dói mais do que a sensação amena de parca felicidade.

Confesso que não sou feliz há oito anos. Só que nesses oito longo anos, tive momentos de felicidade em tempo raso. Só que nessa mesma rasura encontrei boêmia longevidade. Uma pena: agora só sobrou a dor. Sou como o Papa Gregório em "Vida de São Bento": "Estou, pois, avaliando o que sofro, avaliando o que perdi; e, enquanto considero o que perdi, pesa-me ainda mais o que suporto".

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Acabo de ler "A sexualidade segundo a teoria psicanalítica freudiana e o papel dos pais neste processo" de Elis Regina e Kênia Eliane

 



Estudar psicanálise não é algo fácil e demora a vida toda. Como não sou nenhuma espécie de ser com aprendizado linear, resolvi complementar a leitura. Fora que ler artigos acadêmicos aprimora a capacidade de fazer bons artigos acadêmicos - o que pra mim é essencial.


Esse livro aborda as cinco fases do desenvolvimento: oral, anal, fálica, latência e genital. O interessante é que elas são explicadas tendo como objetivo de ser usadas na pedagogia e no aconselhamento dos pais. A razão é de que não de quer uma pessoa que cresce com traumas e complexos. Ver a psicanálise como uma ferramenta do desenvolvimento infantil é fantástico e muito útil, sobretudo pelo fato de que demonstra a amplitude da psicanálise.


Outro fato importante a ser comentado: as fases do desenvolvimento psicossexual são bem interessantes de serem analisadas. Aprendemos que a sexualidade é muito mais genitalidade e que somos seres sexuais desde o início de nossas vidas. Fora que temos que nos lidar com os nossos desejos e aprendendo como são, aprendemos a mesurá-los.