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terça-feira, 31 de maio de 2022

Acabo de ler "Scott Pilgrim Contra o Mundo" de Bryan Lee O'Malley

 



Esse é o primeiro livro da aventura de Scott. Pelo o que me passaram, o livro todo é uma jornada em que Scott vai amadurecendo enquanto pessoa. Nós, leitores, vemos esse amadurecimento acontecendo.

Pensar nesse livro não é tão simples. Existem referências que aparecem o tempo todo e o humor se localiza no universo jovem-adulto e o rumo que a vida toma a partir daí. Scott é, aparentemente, inconsciente da própria idade e um protagonista bem cabeça oca (estilo Naruto? Acho que sim).

No começo, Scott começa a namorar uma garota colegial que parará de namorar mais tarde em virtude de conhecer Ramona Flower. Garota essa que ditará os rumos da moda contemporânea de minha geração. Antes não era "cool" (legal) ser nerd. Depois da HQ de Scott, o mundo geek e sua moda tornou-se inevitável e padrão. O que nos leva perceber que aquilo que era um ultraje pode muito bem virar moda, tal como o cristianismo virou uma religião perseguida ao nascer, virou religião do império e hoje vivemos na época pós-cristã (ou o parto/geração dessa época).

Excetuando as piadinhas nerds e referências ao universo gamer. A HQ trabalha mesmo com o ritmo da vida adulta e o que ela representa. Todas as vivências levam a um gosto de: eu queria ser mais maduro para ter experiências melhores. As piadas são típicas de nossa época e, por isso, o "livro" envelheceu muito bem - talvez por ter moldado a nossa cultura.

Se você ignorar a música do "Negative XP" (procure-a no Google) e todo fuzuê que virou essa coisa de "cultura geek", você poderá apreciar uma obra que, caso não considere muito profunda, ainda será um excelente passa-tempo. Eu mesmo sou um "problematizador" de toda essa cultura geek e como ela vulgarizou a cultura nerd. Embora eu esteja curtindo a leitura e queira ler a continuação assim que eu tiver tempo.

sábado, 29 de janeiro de 2022

Éramos dois, e daí?

 Você me contava do seu desejo de virar socióloga. Era de esquerda juvenil, adolescente lutando contra o tédio. Tão desafiadoramente bonita quanto inteligente e simpática. Revelei a ti o meu amor quando já era tarde, tinha vergonha metódica de mim e não queria lhe envergonhar com minha obscura imagem social. Por um momento, éramos dois, mas depois de alguns meses, já não éramos nada.


Eu te diverti com meu humor adolescente de anarquista niilista e rebelde sem causa. Pagando-lhe bebidas na esperança que transfigurasse a sua lesbicalidade e bissexualidade. Me aproximando com distâncias calculadas e passos patéticos que geraram tragédias insensatas. Eu sumi por sete anos, em crises sem fim, falei-lhe que era teu amigo, mas e daí? Eu sumi. Sumi e voltei transfigurando proximidade em distância abjeta e sem explicação sensata.

Você jogava videogame em minha casa. Na doce infância era tão bom, só que eu era idiota e inadequado demais para a pré-adolescência. Como consequência de meu desenquadro, criei em você a vergonha que lhe permitiu o afastamento adequado. Éramos dois, e daí? Daí que sumi sem nunca mais falar contigo. Daí que lhe achei um cara que preferiu a sociedade a amizade dourada.

Nos pegamos três ou duas vezes. Dormi contigo, em teu quarto. Sua mãe trouxe pizza, sem pensar em sexo homossexual de dois caras bissexuais que não davam pinta de nada. Éramos dois, éramos dois amigos e coloridos adolescentes numa época de liberalidade sexual. Quem você é agora? Você se assumiu ou ainda isola o fato sexual de sua família com ocultamentos constantes de sua inconstância inata?

De pastor você foi a ateu convicto. Íamos ao puteiro em apostasia à faculdade. Conversávamos muito. Você voltou a ser pastor, traiu o puteiro, o anarquismo, o ateísmo e a mim. Éramos dois, e daí? Daí que nunca mais falamos e eu até hoje não me lembro de seu sobrenome.

Eu era tão católico quanto um católico deve ser. Num retiro vocacional buscando irmão ser. Te vi algumas vezes em conversas doutrinais que foram fáceis de esquecer. Lia "Ordem Nova", o reacionarismo era moda, a monarquia voltava em mentes e não em regimes. Sempre quis te comer, sobretudo quando bebíamos na igreja. Eu fiquei sabendo, você beijou garotas e eu beijei rapazes. Éramos perfeitamente heterossexuais e completamente bissexuais.

Em Santa Catarina foi um horror, afastado da família e da cidade que morei com louvor. Identidade em choque em novo mundo cultural. Você foi padre, agora era homossexual e casado. Eu? Eu era o cara que ia em retiros vocacionais e militava no movimento negro. E mesmo você sendo casado com outro homem, desejei que fosse meu próprio homem. Treinamos juntos, sugeri poliamor e um dia no pós-treino você me chupou. Eu fui pra São Paulo, você lá permaneceu. Ficou onde fui, para permanecer de onde era. Eu voltei pra São Paulo, para permanecer de onde vim. Éramos dois, e daí? E daí que ainda penso em você.

Eu lia Olavo de Carvalho, você lia Nietzsche. Eu era Apolo e você era Dionísio. Só que eu tinha um Dionísio oculto e você tinha um Apolo oculto. Pegamos duas mulheres, mas quando a pegamos, uma das duas não estava presente e nem conhecíamos a outra que estava por vir. Pegamos a mesma flor e depois a outra flor, em perfeita conformância com a igualdade do sabor. Você me apresentou a social, eu te apresentei a transexual. Você me apresentou a Dionísio e eu te apresentei ao tradicionalismo. Éramos loucos sem tirar e nem pôr, talvez seja por isso que você foi um dos únicos que ficou.