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terça-feira, 23 de setembro de 2025

Contos e Crônicas de um Cotidiano (In) comum

 

  E é com muito gosto que  eu, Clarice L. M., agradeço o espaço aberto pelo Cadáver Minimal. Com isso, poderemos assistir juntos aos desenrolares das tramas na série Contos e Crônicas de um Cotidiano (In) comum, onde o cotidiano se mostra não só ele como um todo, mas que também respira, observa, age e nos suga, instiga, e nos obriga a seguir por essas andanças 'desbundadas' que chamamos de sobreviver. 
Acontece que a existência é uma desgraça que nos é dada como uma dádiva  feita por Força Maior mas, na real, é apenas um selo obrigatório que nos e forjado sem nosso consentimento, nos fazendo viver e sofrer para, dessa forma, encontrar sentido no sofrimento. E é seguindo esse jeito niilista  e puramente brasileiro de ver as coisas que nossos camaradas vão nos guiando. 

  Bem, caro leitor, creio que pouco lhe importa quem é essa pessoa que lhe escreve, mas creio que há de ser de muito gosto para seus olhos e mente o que escrevi aqui. Talvez tenha 'escrevido' com tal carinho, ou como quem sangra tinta. De certo, deixo os entendimentos com você.

Boa leitura. Ou nem tão boa assim. 


‘’Remendado”


Capítulo 1: Quid pro Quo


—  Já vou, deu 18H já. Amanhã venho mais cedo, seu  Ruy. Fica na paz. 

—  Falou. Até amanhã. ‘Tamo’ junto!

 

Ouço as palavras daquela figura, e bato meu ponto. Desço as escadas, e alcanço as pedras da calçada desgastada. Ventava bastante, e as demais lojas do calçadão já estavam fechando-se.


 E, assim, eu encerrava mais um dia de trabalho numa fábrica de tecidos em Duque de Caxias.


Numa dessas noites abafadas do verão da Baixada Fluminense, me peguei deitado no chão do quarto encarando o teto. Meu dia havia sido cansativo e, na noite anterior, mal preguei os olhos para uma boa soneca. Andava eu, dessa forma, vivendo de forma autômata: casa/emprego – estudos–  emprego/casa. Pensar em um relacionamento se tornou algo incomum para mim, visto que as pessoas se tornaram mais exigentes e, no mercado, o meu modelo ultrapassou. No emprego que eu nunca quis, me paga razoavelmente bem; suficientemente bem para sobreviver – afinal, o nome é salário mínimo por isso. Se fosse salário máximo se chamaria Subsídio Parlamentar. 


 Eu sou um alguém de 27 anos; estudante, sozinho, trabalho como almoxarife em uma fábrica de tecidos,  cansado da minha própria essência e cheio de perguntas. Nas horas vagas, escrevo coisas – tais como esse relato do emplastro de impropérios que é o que chamamos de vida. Ao meu ver, claro; não faça de minhas palavras as suas, o que uma pessoa louca diz não se escreve, é o que dizem por aí. O que chamam de loucura, chamo de enxergar além da bolha que nos rodeia cronicamente. Noutro dia, em minha rotina diária de retorno para casa no ônibus Caxias-Magé, o motorista teve de parar pois – vejam só; um idoso fumava no banco dos fundos e ‘’não sabia dessa proibição’’ – o que atrasou a viagem em 36 minutos apenas por conta das negativas do mesmo em apagar o fumo, ou deixar o veículo. Haviam placas, avisos, etc. E o nosso saudoso senhor resolveu-se por ele mesmo que era de bom tom acender o bendito fumo… Ao fim das contas, apagou o fumo e… desceu um ponto depois. Enfim, casos do acaso.


Observando esses pequenos atos, vejo que nada sei da vida. Atitudes, falas, lugares. Porque as pessoas se permitem levar pelas emoções? Falando assim, até parece que não sou um humano, não é, caro leitor? Tenho endereço, mas minha alma não tem CEP. Mas o fato é que intriga-me a vida; com ela, tive as mais diversas prosas acerca do existencialismo:


– E o que fazer quando se sente uma dor que uma aspirina não cura? Basta chorar? Basta que eu inunde minha alma com minha dor, e lave minha pele com as lágrimas que produzo ao exaurir de minha existência todas as lamúrias que me assolam? Devo deixar que meu corpo reverbere meus sentimentos? Ah, se eu quisesse ficar triste, estaria lendo Schopenhauer – ou apostando na bolsa de valores.


 A verdade é que eu sou uma pessoa sem passado, e não me importo.  Por muito custo, trabalhei meu cérebro para que ele me fizesse lembrar apenas dos bons momentos da minha existência desde então; os resultados foram que apenas tenho vagos destes flashes e, em um desses, eu era recebido com um sorriso por um rosto feminino. Vendo tal face, tentava eu então sorrir e retribuir o gesto, mas eu só chorava. Não conseguia falar nem me mexer por conta própria, mas eu estava feliz. Foi o único momento da minha vida em que senti a felicidade verdadeira, sem sofrimentos, sem dor. Acho que é por que eu tinha acabado de chegar, e não me explicaram o que ocorreria após aquele primeiro choro.

Creio que, na próxima vez que eu sentir tais sentimentalidades, será em meu leito final, com um verme que me narra ao pé do ouvido minha vida para, ao fim da estória, me roer da carne aos ossos. 


Mas, ah… Esses não são assuntos niilistas ou depressivos, não… 


Prezado (a), busco aqui esclarecer o que levaram aos fatos da minha prosa, da minha narrativa. Aos fatos que se sucederam, devo afirmar que foi de uma total falta de decoro do Destino. 


 Em primeiro, venho de uma família cheia de percalços e ignorâncias. Minha mãe teve filhos cedo, e achou ser de bom tom ter mais filhos para segurar o relacionamento com seu primeiro esposo, meu finado pai. Mal sabia ela que ela estava apenas produzindo herdeiros de sua pobreza geral. Após suas desilusões, casou-se com meu padrasto, e teve mais dois filhos, as joias de sua coroa. Após isso, foram muitas águas a rolar nos rios da vida e, eu, marinheiro de primeira viagem,  entrei de bucha nessa empreitada que chamamos de ‘’viver’’ – e sem bote, sem  saber nadar. Já fui muito traído: Há, há! Se o chifre fosse dinheiro, seria eu uma criatura abastada! Eu apenas tiro risos desses casos, pois de nada me adianta remoer essas coisas. Mas também traí. Tão pouco quanto acho que deveria, mas… enfim. Não me cabiam mais e, nas épocas, não estavam sob meu controle. Nada nunca está sob controle. Não temos controle de nada, afinal. 


 Por exemplo: minha amiga da escola, Eloísa, tem 27 anos, como eu, e vem de uma família que também não tinha a estrutura familiar sólida, tampouco a estrutura educacional. Ela foi expulsa de casa pela mãe  e vivia sendo perseguida pela mesma, e viveu com seu primeiro namorado dos 16 até os 24. Nesses tempos, separaram-se e ela teve um filho fora do relacionamento. Depois dessas idas e vindas, teve mais um filho com seu primeiro ex… separou-se e agora vive com seu terceiro ‘’amor’’.  Ela é a prova viva de luta, sucesso e retrocesso. Contando mais sobre essa bela amiga, após muito sofrer em sua humilde vida, voltou a estudar – coisa que havia deixado para trás desde seus 14, que foi quando sua mãe a expulsou de casa. Estudou, formou-se no ensino médio e conseguiu a bolsa de estudos que tanto havia tentado… tudo parecia perfeito. Exceto pelo fato de que caiu em um imenso ócio, a levando a viver de bicos: desde trabalhos simples  aos mais elaborados. Às vezes, me pede dinheiro emprestado, quase implorando. Ela não está assim por falta de oportunidades, mas por sabotagem da vida e da sociedade.


Dia desses, vinha eu pelo meu caminho quando resolvi ir até sua humilde casinha para tomar um café e ver como anda sua vida. Caminho pelas ruas de terra batida, e paro em frente ao seu portão. Chamo, e pouco tempo depois, ela me atendeu com um sorriso. 


– Boa noite! Entra, vou passar um cafezinho. Tá quente, né? Entra aí, senta na varanda. 


Ela me cumprimentava com felicidade; poucas das visitas que ela recebia eram da agente de saúde do postinho e minhas. Assim como eu, ela era sozinha no mundo – não por ser ‘’sozinha’’, mas por não ter os totais apoio e visibilidade que merece. Sento-me na varanda, e observo enquanto ela retorna, e senta em uma cadeira em minha frente.


– O outro está no quarto, as crianças estão vendo TV. Colei o ABC nas paredes do quarto deles, é bom que, dessa forma, vão aprender um pouco vendo as imagens. Vão ficar curiosos e vão querer saber mais e… 


 Ela iniciava sua fala enquanto acendia um cigarro feito de tabaco e maconha. As olheiras em seus olhos lhe davam uma estranha beleza, e seu sorriso amarelo era tal como o de Gioconda. Pela forma com que seu corpo se comporta na cadeira, é de bom tom afirmar que está há algumas boas horas sem dormir – o que lhe era comum desde a época de nossa mocidade, tendo em vista que são anos de amizade com tal criatura e acabei reparando, em todos esses anos, em seus trejeitos. Convivência é isso. Eu dou um gole seguido de outro no café, que já estava morno, enquanto ela me contava suas novidades com alguma empolgação. Dando uma pausa para respirar e falar entre uma tragada e outra, ela se  levanta, e vira-se em direção à cozinha para pegar mais café.


– Já volto, fuma um cigarro também. E, quando eu voltar, você me conta suas novidades. Eu só falei até agora, e você apenas escutou. 

– Sou um bom ouvinte, não gosto de interromper ninguém enquanto a mesma fala, você sabe. Disse-lhe, lançando um sorriso sonso em sua direção enquanto sigo seu ‘conselho’ e acendo um cigarro.


– Você sempre foi esquisito. Bem, já volto. Ela se vira, e some através da porta. E apagando as luzes ao passar pelos cômodos, encostou a porta da cozinha ao sair, retornando com mais cigarros de maconha e café. Ao que parece, teríamos uma longa conversa. Ah, não que eu não goste de uma boa prosa, fora que o clima está ótimo pra isso.


– Pelo visto a conversa vai ser boa. Falo, sorrindo, ao notar sua aproximação. Ela senta novamente na cadeira de praia, e acende um cigarro. Bebe um grosso gole de café e, por fim, desaba:


– Estou cansada de lutar por um bem maior, sabe? Tento ajudar, mudar o mundo e os meus problemas e, ao fim, retorno ao começo. Sinto-me tão forte, mas tão impotente ao mesmo tempo. O outro não gosta de conversar sobre os temas que estudei; geralmente ele leva um assunto como culinária, sociologia e comunismo para o lado pessoal. Tudo o que se fala sobre quaisquer temas tem de se filtrar, pois ele se sensibiliza á ponto de afetar nossa convivência. Ou seja: casei-me com um indivíduo sem um pingo de inteligência emocional. Eu converso sobre tudo um pouco, e ele não demonstra interesse algum, assim como a grande maioria.


Eu me inclino à frente e trago o cigarro, logo encho meu copo com café;


– E você, do jeito que é, já sabia bem o quão ignorante é aquele homem, e a sociedade em si também. Você bem sabe disso, não é cega. Hoje, no trabalho, seu Ruy veio comentar sobre o tal novo zagueiro do Flamengo, sendo que estou eu pouco me lixando para o futebol e seus ‘‘heróis’’ – ouvia e concordava apenas para não perdurar o assunto, caso expusesse minha devida e real opinião acerca do mundo futebolístico. A sociedade é assim:  exaltam algo que não irá mudar em nada as suas vidas, e sensacionalizam os que ainda possuem o mínimo de consciência de classe, do lugar de onde veio e para onde vão. Por fim, nosso país é um retrato de insoberania –  de futilidades, de uma massa emburrecida, vilipendiada, ignorante e entorpecida pelo boçal, drogados pelas grandes mídias e pelas culturas de retrocesso. Uma nação completa sofrendo lavagem cerebral em simultâneo, silenciosamente. 


Ela suspira, e traga mais uma vez o cigarro. Estica as pernas e engole o resto de café frio da velha caneca de alça quebrada que segurava:


– Deus, perdoai-nos. Não sabemos o que fazemos mesmo com o óbvio estando tão claro diante de nossos olhos. Mesmo com toda a clareza, fazemos o velho quid pro quo. 


 Seguimos nossa conversa afiada acerca da sociedade e da vida até umas 23h e pouca da noite, que foi quando achamos de bom tom irmos cada qual para seus cantos e, assim, tentarmos dormir enquanto idealizamos uma sociedade sem tanto proselitismo e hipocrisia velados de ajuda e complacência (...).





Continua na próxima Terça-feira, às 23h.


sábado, 4 de janeiro de 2025

Acabo de ler "Cuba: restructuración económica, socialismo y mercado" de Vários Autores (lido em espanhol)


Nome:

Cuba: restructuración económica, socialismo y mercado


Autores:

- Julio Carranza;

- Pedro Monreal;

- Luis Gutiérrez.


Adentramos numa época em que vemos o fim do socialismo clássico como modelo. Adentramos numa época em que se fala de um novo socialismo, muito inspirado no socialismo chinês.


O que seria ou, melhor, o que foi o socialismo clássico? O socialismo clássico foi um socialismo que se norteava muito pelo papel protagônico do Estado como principal planejador e distribuidor dos recursos. Ou seja, é o Estado que toma o papel de construir o processo econômico. Essa política vigorou por muito tempo, até entrarmos na construção de um novo projeto econômico socialista.


Os autores definem bem: o socialismo é um regime em que o sistema de propriedade, é um sistema de propriedade em que a sociedade controla genuinamente os meios de produção fundamentais e se beneficia do uso desses meios de produção. Ou seja, a aplicação do regime econômico socialista é a propriedade social dos meios de produção fundamentais e não de todos os meios de produção.


Uma reforma econômica em Cuba seria uma reforma que tivesse os seguintes critérios

  • Recuperação do crescimento econômico;
  • Justiça social;
  • Independência nacional;
  • Redefinição das bases sociais de acumulação;
  • Reinserção na economia internacional;
  • Reforma do sistema econômico.
Os países e as experiências que foram observados como base para essa reforma foram:
  • Novo Mecanismo Econômico (Hungria);
  • Reforma Econômica Vietnamita (Vietnã);
  • Reformas de Deng Xiaoping (China);
  • NEP (União Soviética);
  • Perestroika (União Soviética);
  • Transições pós-comunistas (União Soviética e Leste Europeu).

A reforma abarcaria uma redução do papel do plano como instrumento central da assignação de recursos e coordenação econômica.


quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Acabo de ler "How Marxism Works" de Chris Harman (lido em inglês/Parte 2)


Nome:

How Marxism Works


Autor:

Chris Harman


O desenvolvimento do capitalismo industrial trouxe enormes conflitos sociais. Todavia ele veio acompanhado de ótimos benefícios sociais também: pela primeira vez na história poderíamos nos defender de calamidades naturais. O problema é que esses benefícios sociais não estavam disponíveis para a ampla maioria da população. Muito pelo contrário, grande parte dos recursos e melhorias não foi só destinada a parcela mais rica da população, como em vários casos a vida dos trabalhadores piorou muito.


O desenvolvimento da civilização deveria trazer aumento do bem-estar geral, ampliando na vida de todas as pessoas a possibilidade de uma vida permeada de felicidade. Em vez disso, o capitalismo industrial brindou o mundo como uma gigantesca miséria e distorção social. O que era uma contradição: a maior salto de produção de riqueza veio acompanhado do maior salto de miséria.


Marx teve muitos contrapontos, seja na esquerda ou na direita. Muitos dos seus contrapontos de esquerda eram chamados de "idealistas" pelo próprio Marx. Marx chamava-os assim pelo fato de que as suas ideias estavam desvinculadas das condições de vida que as pessoas viviam. Suas propostas não estavam completamente erradas, mas eram isoladas da realidade e isso tirava a substancialidade e possibilidade de concretização real de seus propósitos.


A alienação pode ser descrita como muitos fenômenos. Creio que uma forma de definir a alienação é como uma incapacidade de compreender o processo socioestruturante em que a realidade se move. Para compreender uma estrutura, faz-se necessário uma sistematização do pensamento. Ter vários pontos isolados nos torna incapaz de ver a totalidade de fenômenos que se movem. É preciso um pensamento que se amplie, amplie-se no processo sistematizante duma compreensão cada vez mais rica dos fenômenos sociais. Desalienar-se seria um processo sem fim, tal como uma discussão aporética.


Essa elucubração acerca da alienação não explica a razão do surgimento da alienação. Onde surgiria esse fenômeno? Em que ponto ele surgiria? A alienação é um "ponto" em que a experiência real é ignorada em prol de um prazer momentâneo que não muda a condição precária da vida em si mesma. Ela pode ser forjada socialmente por meio da educação, da mídia, dos influenciadores. Ela pode ser forjada por uma vida dedicada a drogadição como escape da realidade. Estamos imersos num corpo social e esse corpo social determina, em parte, naquilo que creremos.


A última afirmação do parágrafo anterior é, no entanto, inconclusiva. Todos temos uma formação social e estamos dentro de uma sociedade, isso soa determinista. Se estamos determinados sociologicamente, como podemos, então, ter um pensamento fundamentalmente diferente da sociedade que nos originou? A resposta para essa pergunta é: aquilo que nos é passado por meio de uma série de propagandas e aquilo que ocorre na vida do dia a dia sempre se encontram em choque. É por isso que começamos a imaginar e a teorizar um mundo diferente do nosso e das crenças que nos passam.

Acabo de ler "How Marxism Works" de Chris Harman (lido em inglês/Parte 1)


Nome:

How Marxism Works


Autor:

Chris Harman


Qual a necessidade de uma teoria? Quando falamos da necessidade de uma teoria, embora tenhamos que pensar na prática, temos um grande problema em mente. Hoje em dia se acredita que o marxismo é uma teoria obscura deixada apenas para alguns poucos intelectuais privilegiados que possuem uma capacidade intelectual suficientemente forte para compreender toda a sua estrutura em um nível suficientemente claro. Também existe o caso contrário que afirma que o socialismo falhou e falhará, que é um terraplanismo econômico e que está viciado numa mentalidade reacionariamente burocrática e totalitária.


O socialismo é descrito como muitas diferentes coisas. Uma das principais é a de que o socialismo está certo na teoria, mas falha na prática ou no dia a dia. Suas ideias seriam boas, até mesmo bem intencionadas. Só que a sua aplicação seria na melhor das hipóteses complicada e na pior das hipóteses uma loucura que nos colocaria no inferno terrestre.


Estamos envoltos em teorias sociais, algumas com esboços mais complexos em nossas mentes e outras com esboços menos complexos. Não há uma pessoa que tenha uma teoria acerca do funcionamento da sociedade. Todavia quando entramos em um debate nos separamos com aquela velha frase: "ah, mas isso é teoria". Chegamos a conclusão de que ter "teorias" é algo ruim e que deveríamos nos entregar a prática da vida real. Só que toda vida real está permeada por teorias. A diferença é que, na maioria das vezes, não percebemos que existem teorias dentro de nós. Meio que estamos socialmente criminalizando algo que nos é inato, deixando que tudo fique inconsciente e inconcludente dentro de nossas cabeças.


Os meios midiáticos têm, dentro de si, um escopo teorético que norteia o seu agir ideológico. Isto é, os meios comunicacionais não atuam por uma mera prática qualquer. Eles atuam tendo uma visão. Essa visão é, na maioria das vezes, não muito clara. Apresentam-nos visões sem pingos nos "is" como "o mercado reagiu mal", "temos que nos aliar ao Ocidente", "a educação deve ser mais voltada as demandas do mercado para que haja maior garantia de emprego". Tudo isso tem uma teoria por trás, mas esse debate nunca é esmiuçado e é sempre passado com a notoriedade de um bom especialista que diz tudo sem dizer a razão integral que move o seu dizer.


Qualquer pessoa que quer uma sociedade melhor, seja qual for a sua linha de pensamento, precisa de uma teoria. Essa teoria pode se aperfeiçoar com a prática, mas ainda assim se faz necessário uma teoria. Não reconhecer a necessidade de uma teoria é uma falha e impede o desenvolvimento do pensamento para uma condição de melhoramento social. Tudo ficaria como um monte de peças soltas espalhadas em nossa mente.


Quando pensamos no socialismo e em seu desenvolvimento, pensamos no surgimento do capitalismo industrial. Nele várias pessoas foram reduzidas a uma condição precariedade laboral. Dali surgiram uma série de lutas para a melhoria das condições de trabalho. Vários teóricos começam a esmiuçar as questões sociais e a contribuir, pouco a pouco, ao desenvolvimento de uma sociedade socialista em que poderíamos todos ter acesso a condições melhores de vida. Muitos dos nossos direitos foram conquistados com esses desenvolvimentos.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Acabo de ler "The Agony of the American Left" de Christopher Lasch (lido em inglês/Parte 6 - Final)

 


Os Estados Unidos se tornou um local mais radical e dividido. Olhando as condições dessa sociedade já fragmentada e com problemas sempre crescentes, não era de se duvidar que tal problemática uma hora crescesse. A ausência de resolução para problemas estruturais foi se acumulando, tempo após tempo, ano após ano. O que sobrou? Uma mentalidade cada vez mais repressiva de um lado, uma mentalidade cada vez mais radical de outro lado.

O contato dos antigos liberais com os chamados "liberais radicais" nos Estados Unidos é meio tenso, para não dizer ingrato. A realização das pautas dos liberais radicais requer que se faça algo contra grandes corporações estadounidenses. Incapazes de resolverem a questão, aumentam o Estado de bem-estar social como forma de paliativo. Eles não podem simplesmente não manterem o contato com os radicais, visto que a base social dos antigos liberais não mais existe e eles dependem dessa nova base.

Em relação ao socialismo ou da possibilidade socialista, o americano médio não se vê "tentado" a essa hipótese. Ele vê o socialismo como uma série de ditaduras burocráticas em países pobres de terceiro mundo. É evidente que não existe base para o socialismo em um país avançado, visto que o socialismo se instalou em países pobres e subdesenvolvidos.

A nova esquerda, por assim dizer, crê num socialismo descentralizado e fragmentado. Todavia não apresentou ainda uma solução satisfatória que consiga suprir os problemas sociais de forma geral. Não há um sistema que seja "bom o suficiente" para substituir o atual – inclusive sem falir os Estados Unidos no processo.

Os Estados Unidos, sendo uma nação avançada, poderia ter as condições necessárias para um socialismo democrático. A questão que entra é: como apagar da memória dos americanos as noções do socialismo autoritário do século XX? Ademais, como criar uma nova cultura que absorva a antiga cultura, mas que também supere essa antiga cultura? Talvez essa seja a grande questão da nova esquerda.

sábado, 16 de março de 2024

Acabo de ler "Antes del Fin" de Ernesto Sabato (lido em espanhol)

 


Ernesto Sábato é um dos maiores intelectuais da história da Argentina. Esse livro é escrito como uma forma de atenuar a dor dos jovens que lhe mandavam cartas. E também como uma forma de autobiografia antes de morrer. Um testemunho corajoso de um homem que superou várias decepções e manteve a sua consciência individual apesar de tudo que se sucedesse.


De experiência bastante diversa, Ernesto Sábato sabia sobre arte, ciências exatas e humanas. Foi um literato e, também, um filósofo. Manteve contato com vários intelectuais importantes. Estudou de forma aproximada autores anarquistas e comunistas (de índole marxista). Também teve um período de conversão ao marxismo, porém se afastou do movimento graças a rigorosidade dogmática que esse apresentava.


Ernesto fala-nos da decepção que tem para com o mundo pós-guerra fria. Não que acreditasse na monstruosidade totalitária que se tornou o regime soviético, mas sim que o mundo que surgiu após o fim da União Soviética não era aquilo que foi prometido e sim algo bastante inumano, irresponsável e até destrutível.


A destruição dos recursos naturais, o perigo nuclear, a exploração de massas inteiras de pessoas, a quantidade gigantesca de pessoas morrendo de fome, o contingente populacional de excluídos. Como permanecer otimista nesse mundo? Ou o mundo muda, num radicalismo humanizante, ou morremos todos.


Ernesto, por fim, deixa-nos com a consciência de que temos um mundo a cuidar e um fluxo de ações irresponsáveis a impedir. Isto é, temos que impedir certas ações e mudar de rumo. Sem perder nossa fé utópica na construção dum mundo melhor. No fim, o "fim da história" é uma ilusão propagandisticamente criada para que nos calemos. 

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Acabo de ler "El tercermundismo" de Carlos Rangel (lido em espanhol)

 



O que faz um país ser de "terceiro mundo" ou adotar uma ideologia terceiro mundista? Um livro, escrito quando a União Soviética ainda existia, tenta responder essa questão pela visão de mundo liberal. A forma com que ele encara é distinta: em sua visão, o capitalismo é sempre uma revolução permanente nos meios de produção, muito mais radical que a do socialismo.


Já tinha lido anteriormente um livro de Carlos Rangel, todavia este se encontrava em português. Resolvi ler um livro em que o autor escreve em sua língua nativa. É até estranho pensar que Carlos Rangel, Nicolás Maduro e Hugo Chávez nasceram no mesmo país: a Venezuela. Como uma terra, hoje conhecida por seu socialismo bolivariano, criou esse liberal? Quiçá uma ironia da vida. 


Segundo o autor, o socialismo surge da mentalidade coletivista e tribal anterior ao pensamento individualista atual. Isto é, o socialismo seria uma forma de retornar ao estado primário em que a individualidade ainda era inexistente. As pessoas buscam apenas subterfúgios sociais para não encarar o peso de sua própria existência e caem em tribalismos coletivistas (socialismo e fascismo), desta forma: o socialismo seria uma fantasia reacionária.


Segundo Rangel, o capitalismo é ditado por círculos - e isto também acreditou Marx - e quando esses chegam em sua saturação, faz-se necessário uma revolução brutal na forma com que se produz. Essa seria, por sua vez, a forma com que o capitalismo revoluciona permanentemente a forma de produzir. Isto é, não há e nem haverá capitalismo afastado da revolução. Desta forma, o capitalismo será uma mentalidade eternamente revolucionária.


Um livro bastante interessante que não poderia ser inteiramente captado por uma análise tão diminuta, recomendo a leitura do livro. Gosto muito da forma com que Rangel escreve.

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Acabo de ler "Ecocidio, crimen capitalista" de Fidel Castro, Hugo Chávez e Evo Morales (lido em espanhol)

 



Pouco importando onde estivermos, é muito provável que a gente esteja no planeta Terra. Esse nexo ligacional não pode ser quebrado, ao menos não por agora, e dependemos duma ação organizacional conjunta para que possamos conviver no mesmo espaço - nosso planeta - sem que o levemos a destruição e aniquilação da humanidade.


Uma espécie corre risco de extinção, esta é a espécie humana. É necessário que alteremos nossas ações e estabeleçamos um novo tipo de direito: os Direitos da Mãe Terra. Um tribunal comum: o Tribunal Internacional da Terra. Sem isso, é provável que a biocapacidade de suportar a raça humana se perca ou se torne altamente desfavorável a nossa existência.


Não podemos pensar, não podemos nos enganar, que podemos manter uma engenharia econômica que tenha como base o uso radicalizado de recursos numa lógica ilimitada, visto que vivemos num mundo de recursos limitados. Em lugares desenvolvidos, há padrão de consumo excessivo de recursos. Em lugares não desenvolvidos, há um padrão de baixo consumo. Se juntarmos isso ao fato de que temos uma cultura econômica de obsolescência programada: a extinção da humanidade bate em nossa porta.


Precisamos de uma conscientização urgente e coordenada para uma melhor distribuição dos recursos e de combate ao padrão vigente. Uma forma de responsabilizar aqueles que, sozinhos ou em grupo, destroçam a perpetuidade de nosso planeta e espécie. Não podemos destruir o planeta e deixar para resolver os problemas que acumulam só depois, não haverá depois.


É disso que esse livro trata. É por isso que é razoável, e não só razoável, estabelecer um sistema de acordo com a extremidade apocalíptica em que nos encontramos. Sem isso, a espécie humana certamente deixará de habitar a Terra, já que não mais existirá.

Acabo de ler "A Escola Islâmica" de Mártir Ayatullah Al-Odhma Assayed Mohammad Baquer Assadr

 



Quando se trata do tradicionalismo, sobretudo onde mais se concretiza - isto é, nas grandes tradições religiosas milenares -, falar duma posição de "esquerda" e "direita" é sempre errôneo. Por terem surgido anos antes desta definição e por terem pautas que se confundem com os mais diversos aspectos, classificá-las como aderentes ao "socialismo", "liberalismo", "social-democracia", "fascismo" ou o que quer que seja, é aplicar um parâmetro alienígena.


Os socialistas, focando na tradição marxista, tem em comum a defesa prioritária da propriedade coletiva como fator impulsionante do progresso. Já os liberais, e a maioria dos conservadores, defendem a propriedade privada como motor do desenvolvimento. O Islã tem como proposta a propriedade coletiva e a propriedade privada, não podendo ser classificado como capitalista e nem socialista.


A maior questão para os muçulmanos, durante um largo tempo, foi em que se deveria basear sua economia. Respostas alienantes foram tomadas: alguns se posicionavam a favor do capitalismo e outros a favor do socialismo. Com o fim da União Soviética e um modelo de socialismo exemplar, a opção socialista - que chegou a ser um movimento orgânico - deixou de ser considerada com o mesmo enfoque que tinha antes.


Com uma argumentação bastante explicativa e apresentando críticas aos dois lados (socialismo e capitalismo), o autor trata com maestria duma via islâmica para os islâmicos. O livro conta com uma linguagem bastante clara, técnica, precisa e didática. O autor realmente consegue estabelecer pressupostos para uma alternativa ao capitalismo e ao socialismo dentro das sociedades islâmicas, sendo bastante assertivo em seus posicionamentos.


Recomendo a leitura para quem tiver interesse em compreender mais a economia e para quem quer compreender mais sobre o Islã.