Mostrando postagens com marcador gênero. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador gênero. Mostrar todas as postagens

sábado, 4 de outubro de 2025

Memória Cadavérica #10 — Questões de Gênero

 


Memórias Cadávericas: um acervo de textos aleatórios que resolvi salvar (no blogspot) para que essas não se perdessem.


⁨Clarice, devo confessar que acho grande parte dessa questão de gênero uma abstração tremenda.


O modelo de masculinidade da Atenas Clássica, o modelo de masculinidade romana, o modelo de masculinidade cristã, o modelo de masculinidade islâmica, o modelo de masculinidade atual... tudo isso é altamente variável.


Li bastante teoria queer, confesso que aprendi bastante de Gramsci indiretamente por essa via. Leio com grande prazer o Journal of Bisexuality. Foi dali que fui aprendendo modelos contrahegemônicos de masculinidade. Também tenho lá as minhas múltiplas fontes conservadoras.


Posso lhe dizer que a teoria bissexual, isto é, a forma com que bissexuais encaram a produção epistêmica dentro da academia é extremamente interessante. Podendo até mesmo adquirir a rigorosidade de uma escola de pensamento se bem estruturada e sistematizada.


O que posso dizer é que tem muita gente pegando a anatomia masculina e a anatomia feminina e, a partir disso, concluir que mulheres usam saias e homens usam calças ou que meninos vestem azul e meninas vestem rosa. Isso é uma conclusão estapafúrdia. Ademais, há gente que não sabe sequer diferenciar gênero de sexo. Não sabendo o que é uma questão biológica e o que é uma questão sociológica.


Muito do que chamamos de masculinidade e de feminilidade é uma questão de construções sociais. Isto é, como foram construídas sociologicamente certos comportamentos e vestimentas que consideramos como masculinas ou femininas.


Se tudo fosse tão estático como se supõe, não existiriam tantas variações históricas e temporais no tratante a questão de gênero.


Quando namorava uma mulher que fazia teatro, era mais comum eu usar saia e ela usar calça, por exemplo. Muitas vezes, achavam que ela era lésbica e eu era gay, sobretudo quando cruzávamos o Centro de São Paulo.


Eu não costumo me importar muito com as condições de gênero. Não sei como os outros veem pessoalmente essa questão. Creio que as pessoas criam alardes e regras demais para manter padrões historicamente construídos, mas que diferença faz uma mulher usando terno e um homem usando saia? Num país em que o saneamento básico é precário e que as ferrovias são quase inexistentes, as preocupações deveriam ser de outra ordem.

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Acabo de ler "My Gender Is Bisexual" de Gadea Méndez Grueso (lido em inglês)

 


Nome:

My Gender Is Bisexual: Bisexuality, Trans Politics, and the Disruption of the Western Gender/Sexuality System


Autora:

Gadea Méndez Grueso


Faz um tempo que estudo a teoria queer. Tenho um foco especial pela teoria queer bissexual. Essa predileção se dá pelo fato de eu mesmo ser bissexual. Sempre vejo que posso aprender algo de extremamente interessante nessa investigação. Por exemplo, eu nunca estudaria tanto as teorias do marxista italiano, Antônio Gramsci, se não fosse pela leitura salutar da teoria queer. O mesmo pode ser dito em relação ao feminismo, quase tudo que aprendi a respeito do feminismo vem de uma fonte indireta — a teoria queer é, em parte, baseada nela.


A teoria queer é muito especial para a compreensão dos jogos sociais e de como as relações entre gênero e sexualidade perpassam por uma série de hierarquizações e repressões. Também é a teoria queer que nos faz pensar e repensar todos os papéis de gêneros que são passados e repassados. Muito do que temos por natural, foi na verdade uma construção social que foi naturalizada. E aprendemos por meio da teoria queer a não respeitar aquilo que é um papel social que é imposto para nós como um destino social. A teoria queer é, por assim dizer, uma teoria bastante libertária no sentido que nos leva a repensar o papel social que desempenhamos na sociedade.


A questão da teoria queer é que ela é sempre multidisciplinar. Podemos ver vários setores que perpassamos. Os estudos de gênero, os estudos de sexualidade, as questões históricas, as análises sociológicas, as questões psicológicas, as questões filosóficas, muitas vezes passamos pelo estudo biológico, por outras nos enveredamos no estudo do Direito e por aí vai. Esse ecletismo é extremamente interessante e fascinante. Creio que hoje eu posso afirmar que sem a teoria queer, não seria a mesma pessoa que sou hoje.


Achei esse documento quando estava no Google Scholar procurando algo para ler — sim, estudar arquivos acadêmicos é um hábito meu. Quando eu li o título, achei interessantíssimo. A teoria por traz dele é que a bissexualidade também tem algo a ver com o gênero. Não só isso, a pessoa em questão deixa claro que o gênero dela é bissexual.


Você já percebeu que muitas vezes homens homossexuais performam de maneira efeminada e mulheres lésbicas performam de maneira masculinizada? A questão é, segundo Judith Butler: sexo, gênero e sexualidade são processos co-constituintes. É por esse mesmo motivo que muitos bissexuais adentram a formas andróginas de expressão. Parece estranho, mas esse é um padrão largamente observável.


A conexão com a bissexualidade envolve a entrada e ruptura de mundos. Adentrar diferentes mundos e aderir traços desses múltiplos mundos. Quanto mais uma pessoa se conecta com a sua bissexualidade, mais ela se habitua a quebrar os padrões estabelecidos pelos múltiplos agrupamentos que participa. A personalidade bissexual encontra-se na passagem de múltiplos mundos, na absorção desses múltiplos mundos e na expressão desses múltiplos mundos. Então evidentemente a própria postura em relação ao gênero muda.


Creio que, para todos que se identifiquem como bissexuais e que estudem a teoria queer há um bom tempo, mais linhas são cruzadas conforme o tempo passa. A entrada ao estudo e a aceitação da própria sexualidade leva a um desenvolvimento de uma nova percepção de ser e estar no mundo. E bissexuais mais epistemologicamente consistente são mais bissexuais na sua forma de expressão.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Acabo de ler "Militância enquanto Convite ao Diálogo" de Dani Vas e Danilo (Parte 2)

 


Nome:

Militância enquanto Convite ao Diálogo: o Caso da Militância Monodissidente



Autores:

Dani Vas;

Danilo Silva Guimarães.

O eu se constrói com o outro e em relação a esse outro. O processo da construção da subjetividade é relacional, isto é, se dá em relação ao outro. Só existe o "eu" por existir o "outro". A percepção do "eu" e do "outro" estão intrinsecamente conectadas. É a intersubjetividade – compartilhamento do espaço em meio ao diálogo, diferenças e contrastes – que determina quem somos.

A relação com o outro se dá no tempo-espaço. Essa relação é marcada por uma tensionalidade. Essa tensionalidade delimita quem pode fazer e o que pode fazer. Grupos hegemônicos estão sujeitos a crítica por terem maior detenção dos meios de produção cultural, podendo assim moldar a cultura e a aceitação dessa cultura.

Há quem reclame da militância por ela partir de um grupo particular e esse grupo particular estar longe da universalidade. A questão é: qual grupo humano não apresenta uma tendência universalizante para  com o próprio anseio? A realidade, para começo de conversa, não é encarada de forma objetiva. A realidade, e a percepção dessa mesma realidade, sempre implica em uma relação afetiva. Isto é, encaramos a realidade com doses de sentimentos pois essa mesma realidade dita a nossa sobrevivência. A realidade da sobrevivência não pode ser encarada como algo puramente objetivo, temos sentimentos para com a distribuição de recursos dentro da nossa sociedade. Tampouco a realidade cultural pode ser encarada de modo objetivo, visto que a marginalização de certos grupos leva a um sentimento de rancor e revolta – com implicações sociais tremendas.

É graças a essa influência sentimental do meio que todo pensamento é afetivo-cognitivo e que todo pensamento filosófico é, no fundo, psico-filosófico e não é possível chegar a um nível de objetividade completa. Toda análise fenomenológica revela, por mais denso que seja o esforço de quebrantar a sombra do "eu", uma subjetividade que constrói essa mesma análise fenomenológica. Ou seja, o desenvolvimento de algo está atado ao desenvolvedor desse algo em sua desejabilidade e toda argumentação surge com a coparticipação de um afeto. Não somos, e talvez nunca seremos, seres de julgamento imparcial. Visto que todo julgamento implica em nossa sobrevivência e em como seremos julgados – martizados, esquecidos ou aceitos – por nossa sociedade.

A relação de uma militância – um grupo desejante e epistemologizante – se dá por meio de uma série de trocas, tensões e negociações. Toda militância envolve poder, envolve política, envolve cultura, envolve economia, envolve igualdade, envolve justiça, dentre tantas outras questões. Essas relações se dão por meio de um conflito ou semelhança de interesses. Conflitos e semelhanças que surgem da relação com os "outros". É por isso que as pautas muitas vezes não avançam, visto que sempre estamos lado a lado com esse absurdo inigualável que é o outro.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Acabo de ler "What Is Hegemonic Masculinity?" de Mike Donaldson (lido em inglês/Parte 3)

 


Em relação ao hétero-patriarcado se pode afirmar que a hegemonia é marcada por uma superioridade, essa superioridade recompensa quem é (heteronormativos) ou quem se assemelha (homonormativos) ao padrão de masculinidade hegemônica. A homossexualidade é condenada em três vias: o homem heterossexual vê como fundamental odiar o homem homossexual; a homossexualidade está ligada a efeminização e vivemos numa sociedade machista; o desejo homossexual é considerado subversivo por si mesmo.


O comportamento homofóbico, bifóbico, lesbofóbico e transfóbico provindo de homens heterossexuais é comum e, até mesmo, recompensado. Desde criança, o homem heterossexual é ensinado que será recompensado por ser hétero e atacado se desviar desse padrão. Ser hétero é uma forma de autojustificação e esse comportamento deve ser ressaltado o tempo todo. Não por acaso, uma das principais brincadeiras é acusar outro homem de não ser "homem suficientemente", acusação do qual o homem acusado deve imperiosamente se livrar. Esse mecanismo, feito a exaustão e todos os dias, leva a um condicionamento mental em que o homem deve ter uma vigilância constante em relação a própria masculinidade – e não uma masculinidade qualquer, mas sim a hegemônica.


O comportamento homossexual é considerado um desvio duplo. Um desvio se encontra no gênero (homossexuais são considerados efeminados) e outro na sexualidade (homossexuais possuem relação com o mesmo sexo). O antagonismo entre heterossexuais e homossexuais é claro: se o poder heterossexual advém do hétero-patriarcado, advém por sua vez da masculinidade e heterossexualidade. O homem homossexual é a antítese do homem heterossexual, ele representa a negação sistêmica dos seus valores e modo de vida. Tal radicalidade, sobretudo em nosso meio cultural, leva a um choque óbvio.


A cultura do homem heterossexual é uma cultura da exaltação da força e do domínio. Essa cultura, nociva e tóxica por si mesma, requer uma constante descarga energética entre si e em outros grupos. A "descarga interna" é um meio de regulamentação comportamental entre os próprios heterossexuais, para reforçar o comportamento hétero-patriarcal. Já a "descarga externa" é correlacionada a demonstração de superioridade do homem heterossexual em relação aos outros grupos, sobretudo mulheres e LGBTs.

domingo, 1 de setembro de 2024

Acabo de ler "What Is Hegemonic Masculinity?" de Mike Donaldson (lido em inglês/Parte 2)

 


A natureza da hegemonia é cruel. É a partir dela que a maioria das opressões sociais se estrutura e se aplica. É o grupo hegemônico que pode, com sua força, definir até o que é normalidade. É ele que pautas as relações sociais, culturais e, até mesmo, econômicas. E é a partir dele que vemos o surgimento de vários papéis que devem ser desempenhados por nós performaticamente. A normalidade, em grande parte do tempo, é criada por uma estrutura de poder. Ela é produzida por uma narrativa, por um discurso. O reforço a normalidade em conjunto com a patologização são ferramentas coercitivas para preservar.


A hegemonia é criada pela intelectualidade, criada pela cultura. Ela é mantida pelos padrões culturais. No fundo, são as organizações intelectuais que mantêm ou destroem um determinado padrão. É evidente que isso depende da capacidade de dadas organizações intelectuais. Meios undergrounds não conseguem facilmente penetrar a massa e redefinir conceitos. Quem tem tal domínio, tem para si os chamados "meios de produção cultural". Para detê-los, se faz necessário grande poder financeiro ou o suporte do grande poder financeiro.


Em relação a hegemonia na esfera da masculinidade e do gênero, há uma correlação entre "poder masculino" e "heterossexualidade". Existem aqueles modelos de masculinidade que visam preservar as estruturas de dominação hétero-patriarcais e aqueles outros modelos de masculinidade que atuam contra essa estrutura. A grande maioria desses modelos de masculinidade são violentos, dominadores e agressivos. Visam, antes de tudo, a superação pela conquista, pela imposição e uma perpétua luta dos homens pela hierarquia. É absolutamente infeliz que a maioria dos modelos de masculinidade reinantes sejam sobre dominação e subordinação, isto leva a conflitos sociais perpétuos e rodas tautológicas de tortura sociopsicológica.


A estrutura hegemônica da masculinidade é tecida dia após dia. Regulada e gerida para articular: as experiências, as fantasias e as perspectivas. É a partir dela que as relações de gênero e sexualidade são refletidas e interpretadas. Ou seja, é a partir da matrix (homem, hétero, macho e ativo) que se inicia a reflexão do gênero e da sexualidade. Todos os outros pontos são ignorados ou violentamente censurados, seja pela força da lei jurídica, seja pela força da lei social – que, convenhamos, muitas vezes não são o mesmo. É dessa forma que vemos a natureza do movimento queer e do movimento heterossexual. Sendo o que o queer parte do estranho – contra-hegemônico – e o heterossexual parte daquilo que foi naturalizado – polo hegemônico.


São os ideias culturais os reguladores e gerentes, são os ideias culturais que criam e perpetuam. Para encontrar o modelo de homem reinante, basta ler a maioria dos livros, ver a maioria dos filmes, ouvir a maioria das músicas, assistir a maioria dos programas. O mesmo modelo – homem, hétero, macho e ativo – se repete exaustivamente, como num mantra imagético, adentrando imaginários e servindo como base inspiracional. É assim que se mantém, que se preserva, pela moldagem do imaginário, a hegemonia heterossexual. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Acabo de ler "What Is Hegemonic Masculinity?" de Mike Donaldson (lido em inglês/Parte 1)

 


A formação social é diferente da formação biológica. Muitas das formas sociais se confundem com realidades naturais, quando na verdade muito do mundo que temos ao redor foi construído pela sociedade em que vivemos ou que existia anteriormente a nossa existência concreta. A percepção que as pessoas têm, sobretudo quando estudam pouco sobre o assunto ou possuem pouca ou baixa possibilidade de encontrar outras realidades, é a de que o universo existente e o universo natural são o mesmo. Desse modo, realiza-se uma naturalização do universo existente, vendo como essência imutável o que é uma realidade mutável e móvel. Tal movimento cria aquilo que chamamos de "pacto silencioso".


Existe hoje um crescente debate entre a relação de masculinidade, sistema de gênero e formação social. Em tempos anteriores, muitos trabalhos exigiam força física e homens possuíam mais dela. Como resultado, criou-se uma mentalidade de que o homem tinha mais capacidade que a mulher. Essa crença de maior capacidade foi permeando muitas outras crenças, até que se delimitou cada vez mais a autonomia feminina. Com o processo industrial e relativa capacidade cada vez maior de exercer funções sem a necessidade de poder físico, a mulher foi sendo inserida, pouco a pouco, nos universos anteriormente dominados por homens. A autonomia crescente levou a reflexões cada vez maiores e o poder masculino se torna cada vez mais questionável.


Hoje não questionamos só o poder masculino, questionamos também a própria masculinidade hegemônica ("macho, hétero e ativo"). Sabe-se que o sistema de determinações de gênero e sexualidade estabelece uma série de papéis que devem ser cumpridos para a aceitação social. Todavia essas determinações estão sofrendo dia após dia com uma onda contra-hegemônica que questiona os papéis atribuídos pela sociedade. O que queremos não é cumprir papéis pré-determinados na sociedade, queremos descobrir quem somos e agir conforme a autenticidade de nossos espíritos. Se não, estaremos vivendo uma vida falsa, em que atuamos conforme um roteiro, de forma performática.


Vários intelectuais – e pessoas menos profissionalmente intelectualizadas – buscam a construção de uma outra masculinidade e uma outra feminilidade. Não uma hegemônica que sirva como parâmetro ou que seja paradigmática. E sim uma masculinidade e feminilidade que tenham autonomia frente aos sistemas de gênero e sexualidade. Ou seja, a ordem que queremos é uma ordem em que cada pessoa tenha a possibilidade de determinar o tipo de masculinidade e feminilidade que quer expressar e que seja correlacionada ao próprio gosto e subjetividade sem a imposição de um modelo sobre outro.



domingo, 25 de agosto de 2024

Acabo de ler "Reflexiones sobre el feminismo y la diversidad de género" de Villón e Cedeño (lido em espanhol/Parte 3 Final)




Nome do Artigo: "REFLEXIONES SOBRE EL FEMINISMO Y LA DIVERSIDAD DE GÉNERO: EL PODER DEL DISCURSO EN LA POLÍTICA PÚBLICA"
Escritores:

Villón Rodríguez Nadia Wendoline

Cedeño Astudillo Luis Fernando

Falar sobre gênero e sexualidade é bastante complexo. Ainda mais na América Latina, onde o atraso impera em conjunto a ignorância generalizada. Tivemos e temos uma série de conflitos sociais e teorizações que nos levaram até o momento presente. Apesar disso tudo, vivemos na angústia de um processo histórico que ainda não terminou. O que quero dizer é que: o resultado de tantas lutas ainda se revela incompleto. Assim o é em toda instância o que se determina como "histórica", história (existência) e determinação (essência) estão sempre contrapostas e confusas.

O poder depende da legitimidade e a legitimidade é assegurada através de uma conformância social. Essa conformância social depende da aceitação da maioria. As práticas institucionais estão correlacionadas a uma construção hétero-patriarcal – também chamada de hétero-matrix  –, desconstruí-lo depende de um desenvolvimento das forças sociais em direção a outro sentido. Essas forças sociais, de impulsos transformadores, precisam construir uma nova hegemonia para a consolidação de um novo rumo político. Todavia não é possível pensar nisso sem conquistar a maioria social. Essa mesma maioria está extremamente correlacionada a um processo de endoculturação hétero-patriarcal que estabelece o gênero masculino e a sexualidade heterossexual como dominantes – e veem ambos como corretos.

Na prática, o ambiente em que vivemos é tomado como normal, sendo naturalizado como única realidade possível. Essa naturalização se torna uma espécie de "imperativo oikocrático". As pessoas não compreendem que, muitas vezes, a sociedade em que vivemos são construções históricas e não construções essenciais. O meio serve como mecanismo de validação da hegemonia existente e forças antagônicas devem lutar para a validação das suas teses contra as práticas sociais existentes.

A conclusão que podemos chegar é que os movimentos sociais (sejam feministas ou LGBTs) se encontram em estado incipiente e ainda não conseguem fazer um desenvolvimento social que contraponha a hegemonia hétero-patriarcal e a hétero-matrix. As mulheres e as comunidades LGBTs ainda não conseguiram criar um sistema novo que possa fazer frente, suas tentativas ainda são "marginais" e não adentram ao espaço público com toda potência necessária para se tornar "o novo sistema".

domingo, 18 de agosto de 2024

Acabo de ler "Hegemonic Monosexuality" de Angelos Bollas (lido em inglês/Parte 5 Final)

 


O movimento bissexual surge para atacar o binarismo. Binarismo de gênero, binarismo de sexualidade. Não só isso, o movimento bissexual muitas vezes se opõe a pautas do próprio movimento de lésbicas e homossexuais, visto que muitas vezes esses dois movimentos – mesmo quando unificados – decaem num simulacro dos padrões heteronormativos.


É preciso compreender que os padrões de gênero e sexualidade criam padrões hierárquicos no âmbito sócio-cultural. Os padrões dominantes são naturalizados e normalizados, interiorizados e colocados como  superiores. Essa hierarquização desvaloriza a existência de muitas pessoas. Sejam de mulheres masculinizadas ou de homens efeminados. Seja de homossexuais, seja de bissexuais. Compreender que existem condicionantes sociais que não são naturais, mas construções sociais que pautam nossas vidas é se libertar duma matrix que não pode ser aceita sem que exista a negação sistemática de várias pessoas diferentes por serem diferentes.


A compreensão das pautas bissexuais é de suma importância para os próprios bissexuais, mas também para o movimento LGBT como um todo. Muitos bissexuais falham enormemente em compreender a complexidade do que são e quais são as suas pautas. Ter um movimento bissexual organizado ajuda, em primeiro lugar, os próprios bissexuais e, depois disso, a comunidade LGBT. Não só isso, a própria sociedade ganha em expressar o seu gênero e a sua sexualidade de forma mais livre.

Acabo de ler "Hegemonic Monosexuality" de Angelos Bollas (lido em inglês/Parte 4)

 


A hegemonia é intrinsecamente uma tática de estratificação social. Isto é, ela serve para que o grupo dominante e/ou majoritário mantenha o seu poder e o seu posicionamento. Muitos dos pontos defendidos pelo grupo dominante foram socialmente construídos e não são naturais, mas o próprio domínio do grupo dominante se confunde com a naturalidade. Essa confusão, forjada ou inconsciente, traduza-se em efeitos materiais que beneficiam o próprio grupo dominante.


É o grupo dominante que cria até mesmo o discurso do outro. O outro é obrigado a ser inorgânico. Incapacitado de expressar o que ontologicamente é. A forma expressiva – seja sexual, de gênero, religiosa, racial, cultural – é subjugada e regulamentada pelo grupo dominante. A ausência de poder simetricamente oposto faz com que as normas do grupo dominante regulem sobretudo aquilo que chamamos de espaço público. Em outras palavras, fora dos poucos polos normativos, há o script social que deve ser seguido.


Um grupo que ganhou força ao se adaptar ao script da sociedade foi o grupo "LG" (lésbicas e gays). Que criaram a cultura homossexual de consumo. A mulher e o homem homossexual normal. Essa figura ilustre – o gay e a lésbica normal –, era monogâmica, tinha uma vida estável, uma reverência aos papéis de gênero instituídos por heterossexuais e uma certa docilidade perante os valores reinantes.


O movimento bissexual, pipocando nos anos 90, começa a questionar os valores instituídos e o simulacro desses valores. O que o movimento bissexual queria era basicamente duas pautas: respeito pelas diferenças e aversão a assimilação. O respeito pelas diferenças surge pela própria questão da invisibilidade bissexual, que é até hoje apagada pela cultura monossexista. Já a questão da aversão a assimilação surge pelo esvaziamento do potencial de real oposição política a heterossexuais por causa da assimilação à hétero-matrix por grupos homossexuais.


Para o movimento bissexual, a discussão acerca do desejo sexual ou romântica não era produtiva e, ainda por cima, era ditada por um binarismo antagônico que jogava as pessoas em padrões heteronormativos ou homonormativos. A discussão naquele período era: você pode se relacionar com um homem ou uma mulher. Com alguém do mesmo sexo ou do sexo oposto. Essa binariedade antagônica era marcada por uma autoexclusão das possibilidades de afeto (ou "x" ou "y"). 

sábado, 3 de agosto de 2024

Acabo de ler "Queering Queer Theory" de Laura e Jennifer (lido em inglês/Parte 5 Final)

 


Nome completo do artigo: Queering Queer Theory, or Why Bisexuality Matters


Autoras: Laura Erickson-Schroth e Jennifer Mitchell


Falamos sobre a possibilidade da estranheza. Isto é, um mundo que transcende a normalidade e vai aquém dos domínios delimitados pelas vias usuais. A possibilidade queer, a possibilidade estranha, se choca sempre com o discurso normativista e a imposição normativa. As pessoas confundem a estranheza ou o diferente como uma espécie de doença. Toda anormalidade é tratada como doença. A normalização muitas vezes vem carregada de patologização.

Quando falamos sobre movimento queer queremos falar sobre a possibilidade de escolha. A liberdade atitudinal. A liberdade sobre o próprio corpo, sobre a própria vestimenta, sobre a própria utilização da sexualidade, sobre a própria capacidade de decidir. O movimento queer é sobre não ser condicionado por construções sociais que são postas como indiscutíveis. A discussão de gênero e sexualidade muitas vezes se pauta dogmaticamente por construções históricas e sociais que não são essenciais e muito menos absolutas.

A luta da orientação sexual começou com a construção de uma orientação oposta a heterossexualidade. A identidade homossexual foi posta, assumida e levada a cabo. Porém é preciso pensar na identidade bissexual e como ela se manifesta. É preciso que os bissexuais estejam em diálogo com o movimento queer, mas também pensem acerca da sua orientação sexual em particular.

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Acabo de ler "Queering Queer Theory" de Laura e Jennifer (lido em inglês/Parte 4)

 



Nome completo do artigo: Queering Queer Theory, or Why Bisexuality Matters


Autoras: Laura Erickson-Schroth e Jennifer Mitchell


A realidade bissexual é a realidade da deslegitimação e apagamento. Muitos creem que a bissexualidade pode ser conquistada ou superada, isto é, adaptando-a a uma via monossexual (hétero ou homo), levando a aguardada "estabilidade". Esse comportamento social é descrito como parte da ideologia monossexista, seja ela provinda do meio homossexual ou do meio heterossexual. Esse dualismo, o maniqueísmo sexual de dois antagonismos que se chocam (heterossexualidade e homossexualidade), levam a uma tensão constante entre esses dois grupos (heterossexuais e homossexuais) e os dois grupos de voltam contra bissexuais (bifobia).

A bifobia também está entrelaçada a performática de gênero. A performática é a arte de cumprir – e de forçar – papéis sociais determinados. Um homem deve agir como um homem e uma mulher deve agir como uma mulher. Todavia muitas das questões de gênero são confusas: muito daquilo que é encarado como propriamente masculino ou feminino está ligado a uma construção histórica ou cultural determinada, não sendo essencialmente contínua. Isto é, se um comportamento é essencialmente masculino ou feminino, verificar-se-ia universalmente e não em contextos históricos e/ou culturais. A incapacidade de ir além dos limites sociológicos torna a maior parte do discurso normativo uma mera forçação que se justifica como coação.

Na bissexualidade, a realidade do gênero e do sexo se perdem. A performance – seja em grupos héteros ou homos – não pode ser ao todo acolhida ou suportada. A pessoa bissexual, seja quem ela for, está além das barreiras das contingencialidades heterossexuais ou homossexuais. Delimitar-se comportamentalmente por esses dois meios é uma forma de redução da sua personalidade e identidade. A possibilidade bissexual é a possibilidade de ir além dos limites contingenciais dos mundos heterossexuais e homossexuais, cortando não só para os dois lados, como para as duas possibilidades existenciais.

sábado, 6 de novembro de 2021

Acabo de ler "Teoria Queer" de Richard Miskolci.




    Acabo de ler "Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças" de Richard Miskolci.

    Se anteriormente eu compreendia muito pouco da Teoria Queer, agora compreendo alguma coisa ou outra - mesmo que isso seja ainda insuficiente (e o saber nunca é suficiente). Também é incrível como a teoria queer me leva entender mais a obra de Judith Butler e a obra de Judith Butler me leva a Freud e Foucault com mais profundidade.

    Voltando ao livro, creio que esse livro apresenta uma criticidade fora do comum, visto que ele vai além do que usualmente se questiona. Muitas vezes, temos várias coisas como "dadas" e tomamos essas coisas por naturais. Todavia muitos "dados" nos são dados através de uma construção social que nos precedeu e tomamos essa mesma construção social como natural.

    O livro questiona a padronicidade de gênero que é tida por natural e é "naturalmente imposta". O livro visa desconstruir o discurso que quer legitimar uma uniformização da humanidade por padrões binários que não são tão naturais quanto se pensa, mas sim sujeitos à condicionalidades do espaço-tempo - só que quem pensa nesses padrões binários, crê neles de forma extremista, mesmo que nenhum deles seja tão natural quanto se especula.

    É importante observar que a verdadeira educação não pode ser, tal como tem sido, uma mera engenharia para reproduzir uma série de produtos construídas anteriormente. Isso é, na verdade, um processo condicionante e não um processo investigativo. Reproduz-se papéis bem delimitados de gênero no âmbito educacional tal como um condicionamento pavloviano. Logo a vida passa a se tornar uma performática para o enquadramento social, a vida deixa de ser vida e vira uma mera reprodução vivencial de um padrão que é reproduzido ad aeternum.

    É preciso relativizar o padrão hegemônico, é preciso expandir os horizontes através de relativizações constantes que elevem a liberdade humana em sua mais justa dignidade ilimitada. É preciso que a única delimitância seja indelimitada.