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quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Acabo de ler "200 crônicas recolhidas" de Rubem Braga

 



Se existe um gênero que eu particularmente amo ler, esse é o gênero de crônicas. A leitura desse livro de 488 páginas foi-me um deleite de finíssimo grau, dando a minha vida aspecto suave e mavioso. Sou apaixonado por crônicas desde que o autor Nelson Rodrigues adentrou em minha vida.

Confesso que quando recebi esse livro, logo o estranhei. Não achava que me interessaria por inteiro pelo livro, mas logo fui conquistado pela riqueza do autor. A forma com que a simplicidade e complexidade se engendram harmoniosamente é particularmente espantosa e espetacular. O autor consegue colocar todo simples assunto num altar, exaltando a simplicidade e demonstrando-a grandiosa. Toda essa apoteose deixa a vida mais enriquecida e bela, com Rubem Braga aprendemos a referenciar os pormenores da vida.

Creio que a beleza salvará o mundo. Até certo momento, tinha um grande problema em encontrá-la. O quão cego eu era. A cotidianidade pode ser incrível, o comum e o fantástico podem ser encontrados no mesmo lugar. Rubem Braga é uma espécie de Chesterton em sua apreciação pelo comum. Não por acaso, Chesterton é citado em uma de suas maravilhosas crônicas.

Passei dias lendo o livro lentamente, sempre apreciando meu novo método de leitura. Nunca pensei encontrar uma rica espiritualidade numa obra que me viria por acaso. Sinto-me grato de ter recebido esse livro dum grande amigo.

terça-feira, 12 de julho de 2022

Acabo de zerar "The Legend of Zelda: a Link to the Past" do Super Nintendo

 



Fazem anos que não zero um jogo de Super Nintendo, ainda mais um jogo longo e complicado como Zelda. Pra matar minha nostalgia, resolvi zerar esse grande diamante bruto do SNES. Demorei dias, é claro. Só que finalmente consegui zerar.

É incrível como uma franquia pode marcar a nossa cabeça sem que a gente se dê conta. Lembro-me de que, ao receber meu Wii em casa, eu disse a mim mesmo que zeraria Zelda. Dito e feito: o primeiro foi Wind Waker, o segundo foi Skyward Sword e o terceiro Twilight Princess. Hoje coloca mais um em minha lista: a Link to the Past, que optei por zerar num emulador.

É sempre fantástico entrar no complexo e lindo mundo de Zelda. Tudo no jogo é um gigantesco quebra-cabeças no melhor sentido do termo. E a necessidade de pensar faz parte da magia do jogo. Novamente estive a quebrar a minha cabeça para resolver todos os difíceis calabouços. Agora o que tenho é um recompensado orgulho de ter conseguido, mais uma vez, ter encarado tudo e vencido até o final.

O pensamento que tenho é que a vida, em si, é um grande Zelda - complicada e cheia de quebra-cabeças que te deixam com dor de cabeça. Se encararmos tudo até o final, quiçá Demise apareça, tal como em Skyward Sword e diga: "Você é o melhor de sua espécie". A vida é problemática e nisso concordo com Chesterton em uma frase: “Uma inconveniência é apenas uma aventura erroneamente considerada; uma aventura é uma inconveniência corretamente considerada.”

segunda-feira, 27 de junho de 2022

Acabo de ler "O Napoleão de Nothing Hill" de G. K. Chesterton

 



"E no mais escuro dos livros de Deus está escrita uma verdade que é também um enigma. É das coisas novas que os homens se cansam – modas, propostas, melhorias e mudanças. São as coisas velhas que assustam e intoxicam. São as coisas velhas que são jovens. Não há cético que não sente que muitos duvidaram antes. Não há homem rico e volúvel que não sente que todas as suas novidades são antigas. Não há adorador da mudança que não sente sobre o pescoço o grande peso do cansaço do universo. Mas nós que fazemos as coisas antigas somos alimentados pela natureza com uma infância perpétua"

Eu nunca pensei que me impressionaria tanto com esse livro. Tanto que desisti da leitura umas duas vezes. Só que, dessa vez, resolvi lê-lo do princípio ao fim para ver o que daria. É importante dizer que: Chesterton nunca me decepciona.

O livro se encontra com duas partes dialéticas que descobrimos que se completam. Auberon, um rei que queria apenas rir de tudo. Adam Wayne, que fanaticamente aderia as ideias malucas de Auberon como se fossem verdades absolutas, acreditando que estava cumprindo seu papel com um clássico amor. Auberon é a piada em fatalismo, Wayne é a seriedade em fatalismo. Se você se questiona quem está certo, já errou: o certo é a unidade entre os dois. Para você entender Chesterton nesse livro, terá de sintetizá-los.

Chesterton também traça uma crítica aos intelectuais de seu tempo. Além de nos chamar a sanidade por meio do paradoxo, temos uma crítica bem certeira aos chamados progressistas que, no fim, apenas pegam tendências e dizem que elas vão se radicalizar tenebrosamente. Ele fala sobre a natureza universal do homem, que não é radical quando saudável, mas paradoxal e dialética. O erro do intelectual está em seu fatalismo e em sua crença radicalizada e monótona em algo que se sucederá. E mais uma vez: a humanidade ri do profeta que se acha certo em sua rigorosidade fatálica, já que o paradoxo é a condição do real.

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Um Gorducho com Duas Espadas - Parte 1 (Hereges - G. K. Chesterton, pág. 1 a 33)





Começando - e já amando - a leitura do livro "Hereges" de Chesterton, começo a entender mais do universo do nosso príncipe dos paradoxos. Certos sentidos me escapavam e me feriam a compreensão mais integral de seus escritos.






Uma das principais características a serem observadas é que a palavra senso comum (que seria mais para "bom senso" na língua inglesa) apresenta uma realidade que foge da radicalidade daqueles que têm uma visão um pouco excessiva e acentuada da realidade. O "senso comum" é um parâmetro que delimita as regras da vislumbração da própria realidade na qual nos inserimos.


É importante observar que o termo: "herege" não surge aqui por acaso. "Herege" não está no sentido daquele que compreende e nega a ortodoxia e sim daquele que acentua um ponto e que pode adicionar outros pontos a crença excessivada. Só que o desmembramento de uma crença só faz com que ela se radicalizesse e torne-se tão abstrata a ponto que a realidade mesma se perca. Sendo o real multifacetado, a crença do radical dirige-se contra essa mesma realidade que nega a crença do real: o mundo é muito mais complexo do que uma crença obsessiva e monótona possa comportar.





Chesterton questionava-se como teístas idealistas e ateus militantes encomtravam-se unidos num mesmo propósito e em mesmos locais. A resposta mais direta é: os dois condicionavam-se por uma crença que não era delimitada por nada, a própria radicalidade sem freio de suas ideias ([I] tudo é bom porque Deus existe; [II] tudo é ruim porque Deus não existe) carrega um fator que é igual: o radicalismo bestial na qual se encontram.





Por essa razão, Chesterton não se tornou ortodoxo lendo autores ortodoxos. Tornou-se ortodoxo simplesmente pela necessidade de ver uma razoabilidade plausível entre ideias que, quando extremadas, perdiam o próprio contato com a realidade e tornavam as pessoas cegas a visão da realidade enquanto tal. O pensamento de Chesterton é propriamente esse: o de comportar ideias num plausível para que elas se tornem comportáveis na realidade em vez de agigantar pontos específicos. Dialética pura, meus caros.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Novas Aquisições!



   
    O primeiro livro, "Natureza e Missão da Teologia", é do Joseph Ratzinger. Se o nome lhe soou estranho, distante e meio desconhecido, já lhe explico: trata-se do Papa Bento XVI. Se perguntam qual será a qualidade do livro, Bento XVI era conhecido como: "O Teólogo", basicamente uma das figuras mais ilustres da teologia católica e um dos papas mais inteligentes da história. 

    Já o segundo: "O Clube de Negócios Estranhos", é de Chesterton. Tive pouco contato com a obra literária (aqui no sentido de "ficcional") de Chesterton, mas o contato que já tive - sobretudo em alguns contos do Padre Brown - prima pela mais alta beleza e engenhosidade. Estou doido para ler esse livro, mas ele terá que esperar na longa lista de leituras que o antecedem. De qualquer modo, exímia aquisição

terça-feira, 19 de outubro de 2021

Castrando para não Castrar

 Castrando para não Castrar


    (Esse texto é um texto inspirado em Freud, mas não só nele. Surgiu como ideia enquanto eu estudava sobre a teoria queer e lia um texto chamado "O Estranho" de Freud. É um texto que tende a heterodoxia ideológica e não se prende a um esquerdismo ou direitismo vulgar.)


    É preciso que eu me castre sempre para que não me castrem. A castração social é um mecanismo tão efetivo que adentra na interioridade de minha psiquê. E o que era anteriormente uma proibição social, torna-se uma proibição psíquica. O medo que a sociedade me impõe leva a um automedo autocastrante. A reprovação que vem de outrem, logo vira uma reprovação que vem de meu próprio coração. O medo que a sociedade tinha de mim, logo virará o medo que vem do automedo.


    Eu poderia um belo dia passear tranquilamente com uma saia escocesa num lindo parque, mas uma pessoa como eu não pode, já que o discurso aprioristicamente proibiu: saia é coisa de mulher e homens não usam saias. Em vez disso, jogarei futebol, mesmo que eu tivesse preferido ficar em casa lendo um livro - já que livro algum me proíbe. Só que tenho um compromisso, um compromisso marcado com a agenda que não fiz, é a agenda que tenho que cumprir. Já que a sociedade me diz: você é homem, aja como tal. Se eu for aquilo que alguns chamam de "não-binário", castrar-me-ão, então a solução é eu mesmo me castrar para que a sociedade não me castre.


    Scruton separa o "estar com o outro" do "estar no outro". Já eu, um pouco mais tímido e introvertido. Separo o "estar em mim" do "ser a mim". Já que não sou o que sou.


    Kant fala sobre o a priori e o a posteriori. O a priori é o que não precisa de justificação pela experiência. Já o a posteriori é o que vem com a experiência. Só que o discurso que a sociedade me impõe, o discurso que me regula, ele sempre vem a priori e impede todo o posteriori. Eu aceito o que a sociedade me diz, eu aceito toda a construção social que me precede, já que a construção social que me precede também é a construção social que me prevê. Sem a construção social que me prevê, como poderia andar em segurança? Já que só se anda em retitude de passos passados que marcam mais do que a experiência em si. O que me segura é o que me protege da liberdade, mas a liberdade é tão mal falada que causa mais medo do que a segurança que antecede a liberalidade. E a segurança é sempre normativamente fidedigna e garantidora pela a sua fórmula de sucesso.


    Eu poderia descobrir qual batom fica melhor em minha boca, mas não o farei. Já que a sociedade me disse que eu sou homem e mesmo que eu não tenha experiência própria em ser homem e não saber o que é o "homem em si" para me afirmar como homem, assim seguirei fidedignamente, numa retidão moral neurótica e infeliz, só que garantidamente segura. Já que o caminho da masculinidade já foi previsto, sendo previsto, é inteligível. Tudo que é inteligível é bom e o que não é inteligível é ininteligível e o ininteligível é o que dá medo. Já que o ininteligível é novo e também é o oposto do familiar, já que o oposto do familiar é o ifamiliar.


    Gostando eu de duas pessoas e essas duas pessoas gostando de mim e essas duas pessoas gostando umas das outras, cada uma terá que escolher apenas uma e cada uma sentirá parte de uma tristeza correlacionada a uma monogamia forçada, mas socialmente desejada. Já que o desejo que posso não é o desejo que desejo e sim o desejo que é previamente estabelecido. E tudo que é previamente estabelecido é socialmente trajado, socialmente imposto e socialmente necessário. O necessário antecede o ser e ultraja a minha alma, todavia o necessário é o necessário e o dever é o dever mesmo que o necessário, no fundo de minha alma, seja o imprevisto e não o imposto. Só que o imposto é o imposto, socialmente imposto e o imposto que mais dói não é aquele que com o dinheiro pago e sim aquele que com minha existência pago sacrificando a minha alma.


    Deus é Mamom? Deus é Cristo? Não, Deus é a sociedade. Sendo a sociedade normativamente imposta, tem-se não só a sociedade, tem-se também a idolatria social que confere a sociedade o poder de Deus. Sendo a sociedade Deus, a sociedade é inquestionável. Sendo a sociedade inquestionável, aquilo que é socialmente construído e previamente estabelecido é inquestionável. A única coisa questionável não é a sociedade em seu juízo que me parece hipócrita, a única coisa questionável sou eu e esse mesmo eu deve se curvar eternamente perante o construto social.


    Eu poderia descobrir pontos de convergência teológica entre o Islã e o Budismo, só que a única escolha que se tem no campo religioso é o cristianismo e 50% do judaísmo. Eu poderia juntar Chesterton com Foucault, só que os academicistas me condenariam. Só que, ao menos no fim do texto, quero ousar alguma coisa e dizer algo de original e inesperado. O enigma da prisão de Chesterton diz que os homens preferem escolher a melhor prisão em vez de sair da prisão. Só que há um porém: toda nova casa é uma prisão. Toda nova ideologia é uma prisão. Todo discurso cria uma prisão. Tudo que é antinormativo cria um novo normativo que logo se torna prisional. Então, qual seria a saída da prisão? A saída seria permanecer na prisão, aumentando-a infinitamente até que se torne cada vez menos prisonal. Já que a complexidade da sanidade não é um círculo que apenas dá voltas, mas um círculo que se expande. Nesse sentido, o movimento queer é mais libertário que o movimento gay - já que o movimento queer saiu da criação delimitada e foi para a criação continuamente aberta.


    Já disse demais. Em todo meu texto há contradição, só que o texto que fiz, cheio de contradições, ainda é melhor do que minha mente que está cheia de contradições. Só que que as contradições que carrego são necessárias, já que só a contradição leva a singularidade. E eu já disse isso em outro texto: "eu sou eu e minha contradição, se não salvo a minha contradição, não salvo a unidade de minha consciência". Se junto Roger Scruton com Karl Marx, misturando conservadorismo com marxismo, ou se junto Chesterton com Foucault, misturando tradicionalismo com pós-modernismo, assim o faço porque o próprio Chesterton disse que se um homem visse duas verdades, levaria as duas no bolso e a contradição junto com elas. Se sou contraditório é porque sou sistemático. Sistematização é sistematizar-se, sistematizar-se é pôr-se por inteiro.

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Acabo de ler "Barbaria em Berlim" de G. K. Chesterton



     Acabo de ler "Barbaria em Berlim" de G. K. Chesterton.


    Nesse livro podemos ver o posicionamento de Chesterton na primeira guerra mundial e como as suas previsões serviram até mesmo para se chegar a Alemanha nazista - a qual ele não esteve vivo para ver por completo, mas que antecipou com clareza. Esse livro não demonstra só um mero posicionamento antiprussiano, mas também um posicionamento antirracista.


    Chesterton sempre foi um excelente analista do pensamento. A razão dele ter se colocado como antiprussiano se dá pela incapacidade que a Prússia tinha de adotar padrões necessários a vida civilizada real. Em outras palavras, a Prússia se entregava a parcialismos grosseiros que achavam que era inovações, quando eram, na verdade, apenas uma limitação de uma consciência precária. Um desses era a ideia e o ato constante de fazer promessas e traí-las, encontrando nisso uma suposta compreensão científica e civilizacional. Um desses parcialismos era o teutonismo, teoria pra lá de racista.


    Para Chesterton, havia-se a diferença entre o "bárbaro pré-civilizado" (bárbaro negativo) e o bárbaro que, com suas ideias tortas, poderiam destruir a civilização (bárbaro positivo) com seus modos e pensamentos. Quando a Prússia criou o seu modo de agir grosseiro, ela propriamente criou um patriotismo que queria destruir as outras pátrias por acreditar que só ela mesma era uma pátria. Mais uma vez, noção parcial e bárbara. Mais uma vez, pensamento que gera ação destrutiva, expansionista e belicosa. E a cereja do bolo do pensamento da Prússia nessa época (que também seria a cereja do bolo da Alemanha nazista) era a sua teoria racial que distorcia tudo para "propósitos de raça". Racismo é, propriamente, um reducionismo de raça - bem ao contrário do biopsicossocial e espiritual - e esse parcialismo grosseiro gerou uma série de desastres pelo mundo. É isso que Chesterton sabiamente enfrentou.

sábado, 14 de agosto de 2021

Acabo de ler "O Carisma de São Domingos"

 


"Sua cela é o mundo, e o oceano é o seu claustro"

Mateus de Paris


    Acabo de ler "O Carisma de São Domingos" do Frei M. D. Chenu OP


    Ler um livro - ou, nesse contexto, um livreto - que trata da história da Igreja e a forma como que ela se organiza ou se organizou é sempre um trabalho grato. Já que não ensina tão apenas uma erudição vácua, mas uma possibilidade real de aprendizagem não só histórica, como também evangélica.


    A imagem de Igreja meramente estática é perfeita e cabível para quem não conhece a sua história. Sim, a Igreja é sempre estática, mas também é sempre nova. Ela é algo sempre velha e sempre nova. Já que o Cristo é o mesmo, mas o homem que caminha com ele é sempre outro. Escrevi em uma de minhas anotações acerca desse pequeno livreto que: tradição é caminhada. E creio que essa frase possa dizer que tradição é transmissão e até mesmo expressão. A tradição não é uma mera expressão ritualística, ela é também uma ideia que pode assumir até mesmo outra forma de ritual. Visto que a essência da tradição é a ideia. E o contato e relação da ideia com o mundo é sempre renovado com uma nova forma de expressão.


    Chesterton define o movimento dos frades como algo revolucionário na sua biografia sobre Santo Tomás de Aquino. O antigo religioso construía o seu mosteiro longe do povo para viver em intensidade evangélica e vivia numa rígida hierarquia. O novo religioso viverá ao lado do povo para convertê-lo, o novo religioso será dinâmico e menos hierárquico. O novo religioso acrescentará o voto de pobreza ao lado do voto de castidade e obediência. Coisa que será encarada como uma forma de heresia e tentará até se proibir, mas logo se foi aceita essa "revolução religiosa". Chesterton diz graciosamente que se tornar um frade era como se anunciar comunista - ao menos para efeito cômico, alegórico e poético. Só que tal piada tem um fundo de verdade amplo e histórico. Os frades eram reformadores sensatos e compreenderam a necessidade histórica. São Francisco e São Domingos são sempre exemplos clássicos por sua eternidade e beleza. Sua "revolução" é eterna, já que é assentada em Cristo Rei.

sábado, 17 de julho de 2021

MANODICAS DE NOFAP!

 


1- Ler antes de dormir:
Toda vez antes de dormir, eu leio. Leio e escrevo, pois não sou um leitor vulgar. E esse hábito de ler faz com que os pensamentos diminuam - ter vários pensamentos é não ter ordem e não ter ordem é não pensar - e o cérebro prepare-se para dormir. Isso ajuda muito no nofap, pois priva do contato com o PC e o celular que podem levar ao fap!
2- Ser produtivo nos estudos e descansar corretamente:
Pense antes de estudar que nem um louco. Insira pausas de vinte minutos após 50 minutos. Se você se desgastar muito, não continuará estudando e isso pode levá-lo ao fim do nofap.
3- Desligue o computador e o celular:
Fique longe da "fonte" de toda pornografia. Adquira novos hábitos. Recomendo acentuadamente a leitura.
4- Jogue videogame:
Muitas vezes eu fiquei jogando 2DS em vez de ficar perto do PC ou do celular.
5- Desligue o PC e o Celular CEDO:
A luz do PC e a luz do celular podem deixar seu cérebro ativo por mais tempo. Uma boa dica é: durma mais cedo. E uma dica já dada para dormir mais cedo é: leia livros.
Só para os religiosos:
6- Ore:
Tenha uma vida espiritual e peça a Deus a cura da pornografia. Faça isso todos os dias. Mas siga o conselho jesuítico: "ore como se tudo dependesse de Deus. Trabalhe como se tudo dependesse de você" - se você achou isso um paradoxo, leia Chesterton e irá entender.

domingo, 4 de julho de 2021

O MOMENTO DE MINHA RECONVERSÃO

 



"No entanto, Ele restringiu algo. Digo isso com reverência: havia naquela personalidade perturbadora um fio que deve ser chamado de timidez. Havia algo que Ele escondia de todos os homens quando subia ao monte para orar. Havia algo que Ele cobria constantemente por um silêncio abrupto ou por um isolamento impetuoso. Havia uma coisa que era grande demais para Deus nos mostrar quando andou sobre a Terra, e, por vezes, tenho imaginado que era a Sua alegria". (Ortodoxia, Chesterton).


    Eu tenho há muito tempo negado a me confessar. Chesterton diz que: "Um dos paradoxos da história é que cada geração é convertida pelo santo que se encontra mais em contradição com ela" (Santo Tomás de Aquino, Chesterton). No tempo pós-moderno, ideologicamente moldado no extremo-mundanismo, confessar-se é o oposto de nosso tempo. Tudo é volátil, sem essência e com pouca direção. É por essa razão que o religioso é visto com tamanho desdém. O problema é que eu vi que eu era um hipócrita. O problema é que eu vi que eu era uma pessoa de péssimo caráter. E o pior de tudo: eu vi que era profundamente infeliz. Não confessar é negar-se a ser sincero, é negar-se a ser filósofo, pois não há filosofia sem sinceridade. E quanto mais eu tentei ser sincero, mais vi que desejava ardorosamente a Deus. No livro "Filosofia da Crise", Mario Ferreira dos Santos conta-nos que há um "saber que sabe que sabe". Esse saber é a profunda consciência. É, talvez, a reminiscência do mundo das ideias. Ou, melhor, a recordação do amor divino - que é a transcendência por si mesma:

"Tomamos consciência da nossa individualidade através do eu. Mas acaso o eu não tome consciência de si mesmo quando toma consciência da individualidade? Não há aqui uma consciência da consciência? Um saber que sabe que sabe? E não há em nós algo que sempre se coloca além de todo o nosso conhecimento, algo que conhecemos, sempre distante, sempre cada vez mais distante, que marca uma presença que sempre se separa de tudo quanto delimitamos, pois conhecer é sempre delimitar? E esse saber de um saber que se distancia, logo que traçamos um limite, não é um grande ilimitado, que constantemente evita prender-se dentro dos limites?"

"E dessa forma, entre os limites de todo o nosso conhecer, não há sempre em nós, algo que conhece, que os vence, porque deles não se deixa apreender? E que sempre se separa, distante, sempre o mesmo?"
"Ainda é crisis. Mas é também já um apontar de uma vitória que vivemos em nós."

"O leitor, ao ler estas páginas, pode tomar consciência de que lê estas páginas. Não se desdobrou agora? E não pode tomar consciência de que se desdobrou nesse momento em que toma consciência que lê estas páginas? E que sente em tudo isso? Que algo nele é rebelde a prender-se em limites."

"Algo que os capta, mas que não quer limitar-se, e que sempre escapa a toda limitação, algo que em nós é ilimitado, algo que em nós afirma uma vitória sobre tudo quanto estabelece uma fronteira, porque vence e ultrapassa as fronteiras."

    Eu estava em crise. A minha crise durou anos. Mas nesses últimos dias eu chorei de felicidade. A negação de ser foi superada pelo amor de ser. Eu não estava vivo. Vivia num cadáver. Eu fugia do grito profundo de minha alma. Tal como Gustavo Corção disse no livro "A Descoberta do Outro": "foi preciso que coisas graves acontecessem para que eu me desse conta de estar amarrado ao meu próprio cadáver". Foi preciso um longo período de crises recorrentes para que buscasse uma transcendência que até então negava. Foi preciso que eu me encharcasse no lodaçal para ver que eu era um perfeito idiota. E quanto mais eu estudava, mas percebia o quão longe do Belo, Bom e Verdadeiro estava.

    É engraçado, certas coisas marcam mais a mente do que outras. E, apesar de parecerem desconexas, dão uma iluminação de ordem crescente na razão - e ultrapassam-na gerando aquilo que chamamos de fé. Eu estava num "encontro a dois" com o meu melhor amigo, a ex-namorada dele e uma mulher que acabara de conhecer. E eu fazia uma série de piadas acerca de tudo, visto o perfeito imbecil niilista, liberal e pessimista que era. E, de certa forma, as pessoas curtiam minhas piadas indecorosas, asquerosas, desordenadas e baixas. Só que depois eu disse que lia um livro islâmico e isso, para minha surpresa, causou um tremendo mal estar. Isso lhes soou insuportável. Era-lhes intolerável a religião.
Não me entendam mal, não sou islâmico e no momento em que contava as piadas também não era cristão. Só que sentia solene respeito, um respeito mais amável para com o Islã, para com o cristianismo e para com o judaísmo com o respeito que devotava a qualquer outra coisa. O Islã para eles era mais insuportável que qualquer outra coisa, ao menos eu senti essa atmosfera. E eu já haveria de supor o resto: a religião haveria de ser mais odiável que qualquer outra coisa, a Igreja Católica haveria de ser mais odiável que os mortos pelos sistemas ideológicos que a substituíram. Perdi a conta de quantas vezes neguei-me a dizer o meu amor cristandade, amor que me era quase inconsciente, mas persistente.

    Achava-me numa contradição. Numa contradição brutal. Num mundo líquido, irresponsável por inconsistência lógica, nesse extremo-mundanismo da vaidade e vento que passa, eu sentia respeito venerável por aqueles que tinha na vida uma hierarquia e uma meta. Eu respeitava os muçulmanos, pois sua vida tinha "dirigibilidade". Eu admirava Dugin, por romper com a pós-modernidade ultraliberal. Eu admirava a China por ser ter a sua própria identidade política. E cada vez mais eu via que todos aqueles que estavam ao meu redor nada tinha a ver comigo em minhas crenças e respeitos. Era-me melhor um católico rezando para Virgem Maria do que um liberal hedonista cultuando o Super Mario e autointitulando-se "gamer" - como se jogar videogame fosse o suficiente para se construir uma sólida personalidade. Só que, para a maioria de meus contemporâneos academicizados o suficiente para pensar descompromissadamente, idolatrar um entretenimento deveria ser menos ofensivo do que venerar uma mulher digna, a maior mulher que já andou por esse vale de lágrimas.

    Descobri que minha vida era uma grande caminhada inconsciente. Em um momento, uma mulher que conhecia pouquíssimo tempo perguntou algo mais ou menos assim: "se você tivesse um gênio (leia-se gênio mágico) perante você, o que você pediria?". Essa pergunta infantil, que norteia para o real entendimento da consciência me despertou. Mas, momentaneamente, eu disse que queria pegá-la. E de fato a pegaria. Mas hoje, com sinceridade suficiente, eu diria algo mais que isso. O pensamento daquele momento era desordenado, mas a pergunta era tão real como uma faca no coração. A resposta que eu daria hoje seria: "que eu prefiro o cristianismo a tudo isso". Eu diria que: "um ano de cristianismo é mais louvável que toda a história pós-cristã". Eu diria que: "os dogmas são mais louváveis e livres que todo pensamento supostamente livre". Que "minha vida não faz sentido algum". E que "aderir a essa era me tornou um enfado para mim mesmo e para todos os outros que eu amei". E que Eclesiastes, ao lado de Ortodoxia, encontram-se nas leituras mais prazerosas que já tive em toda minha vida. Diria que amo mais a patrística, que amo mais a escolástica. Que minha disciplina favorita, nesses três anos que estudei filosofia, era a teodiceia. Mas se eu pudesse dar uma resposta cabal, uma resposta como que definitiva, essa resposta perfeitíssima, essa resposta seria a oração do credo:
"Creio em Deus pai todo poderoso, criador do céu e da terra, e em Jesus cristo seu único filho, nosso senhor que foi concebido, pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu a mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia subiu aos céus e está sentado a direita de Deus pai todo poderoso donde há de vir e julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito santo, na Santa igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém."

    Eu não suportava mais acessar mais à internet. Um mundo cheio de pornografistas e palpiterios, vulgarizadores até da vulgarização e o que mais era insuportável era que eu era um desses pornografistas, palpiteiros e vulgarizadores. Meus amigos afastavam-se de mim na medida em que me aproximava da teologia e por devotar-lhe respeito. Percebi que um grande contingente de pessoas me desgostavam por gostar do cristianismo e desgostavam-me por não ser cristão. Desse duplo desgosto, que era encontrado na vísceras do discurso, me revelou um triplo desgosto: "desgostam-me por gostar do cristianismo, desgostam-me por não ser cristão e desgostam do cristianismo!". O que lhes seria mais odiável:
A- achar admirável as respostas cristãs mesmo sendo agnóstico?;
B- achar admirável as respostas cristãs mesmo não as seguindo?;
C- achar admirável o cristianismo?

    Não sou referencial moral para coisa alguma. Na verdade, eu sou o pior dos pecadores. Não sirvo para base de nada. Todos aqueles que se basearem em mim cairão em pecado. Confesso que não levei uma boa vida até o presente momento. Confesso que sou pouco provido de inteligência. Confesso que me falta o dom da escrita. Mas o que sobretudo agora confesso é que se desgostavam de mim por gostar do cristianismo, desgostem de mim agora por ser cristão. E a única afirmação que lhes darei se encontra em 1 Timóteo 1:15: "Esta afirmação é fiel e digna de toda aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior.". A única afirmação real, a única afirmação possível é que sou o pior pecador que vocês conhecem. E a minha única salvação está presente nesse fato agora consciente: a consciência de minha própria ignominia, de toda minha iniquidade, de todo meu mau senso.

    A pergunta sobre qual era o fim último do homem e qual vida vale a pena ser vivida. Esse tipo de dúvida me pegou e refleti. Eu levei o "liberalismo" a sério - entenda-se liberal por "mente aberta". Deveria ler de tudo, ser mente aberta. Eu fui um agnóstico metodológico lendo livros judaicos, cristãos, islâmicos e até budistas. Eu busquei a verdade em diversas doutrinas que mantive recorrente contato. Eu era um ateu prático e um agnóstico imbuído de um amor à literatura religiosa. Eu fui liberal o suficiente para ser superficial o suficiente de não dar rumo a minha vida. E eu admirava aqueles que, a contramão do gosto pós-moderno, deixaram o "mundo líquido" de lado e responderam o que precisava ser respondido. Pois responder é ser responsável e aquele que não responde é quase sempre um depressivo preso na sua própria inconsistência. E eu era um depressivo preso na minha própria inconsistência. Eu vejo mais felicidade num monge "preso" na sua clausura monástica do que no homem preso na liberdade pornográfica. Eu vejo mais realidade no "velho testamento" do que em toda indústria pornográfica. Se um pobre homem disser que está viciado em pornografia, um gentil defensor da liberdade sexual o sondará a acreditar mais fortemente na fé da revolução sexual e da grandeza da indústria pornográfica - essa, claramente, ligada ao tráfico de pessoas - do que com a própria razoabilidade e o bom senso - ou o senso comum: pare de ver pornografia.

    Pensava com meus botões desmiolados e tipicamente desordenados: "quem eu sou?". Toda resposta era subjetiva demais. Era "individualista" demais. Era fraca demais. No fundo, no fundo mesmo: admirava-me com o descomprometimento. Só que eu era vítima e ideólogo de minha própria morte. Todo esse descomprometimento revelava uma patologia deliberativa que só me levava a uma procrastinação vivencial. Essa procrastinação tornava-me débil. Eu me tornei um fracassado na medida em que me tornei um homem conformante ao meu próprio tempo. "Se o mundo é líquido, cabe-me ser volátil". A volatilidade era um de meus principais problemas. Eu me tornei um inútil, um amante de vanidades. Minha vida esbarrava-se em coisas menores, as coisas menores pareciam-me grandes por falta de proporção e hierarquia de valores adequada. Até a vida intelectual tornou-se quase impossível devido a ausência de ordem e disciplina daí decorrentes.

    Fui um desses vulgarizadores da vontade - e usualmente quem vulgariza algo é quem mais pretende defender esse algo como doutrina -, tornei-a uma ideologia. Agora o que me importava era "cumprir". A execução deixou de ser quase que inexistente para se tornar um fetiche. E, de fato, eu cumpria uma série de coisas. Cumpria livros. Cumpria listas. Cumpria jogos. Só que isso era apenas uma forma de viver debilmente, não aparentava direção alguma. Só que havia uma direção inconsciente: era a velha crença liberal, subjetivista, mente aberta e descomprometida. No fundo, no fundo mesmo, eu só falava de uma série de coisas aleatórias e contraditórias para não ter vinculação alguma e, por conseguinte, eximir-me de uma responsabilidade vivencial que desse sentido real a minha vida. O cumprimento de uma vontade era mais uma desordenada forma de ser um idiota, mais uma forma de fugir da verdade. A vontade pela vontade é a negação da própria vontade: uma vontade desordenada é só uma forma bestialógica de um desejo travestido de vontade. É animalesco.

    Eu estive num grande exílio. Um grande exílio em que tudo me era equidistante. Todo passo afastava-me da onde eu queria chegar. Não havia leveza. Não havia amor. Só havia um desespero que fingia ser coragem. E meus únicos momentos de felicidade real encontravam-se na leitura prazerosa de Chesterton, que me fez rir de verdade. Suas eternas palavras gravaram-se em minha mente: "o homem sensato tem a tragédia em seu coração e a comédia em sua cabeça". Eu era um fanático. E toda fanatismo que tinha foi gerado por minha mentalidade antirreligiosa, anticristã e anticatólica. O "credo acadêmico" diz que a "liberdade do pensamento" gerará pessoas críticas, mas o que as escolas formam todos os dias não são socialistas, anarquistas ou liberais, ela gera gamers, quiçá "potterheads" ou algum vulgar amante de futebol. E isso não é estranho, até estranhamente me lembra outra frase de Chesterton: : “Tire o sobrenatural, e o que resta é o antinatural”. Quando eu comecei a orar e pedir a Deus o aumento de minha inteligência, quando eu comecei a amar a ordem, tudo isso propiciou um aumento qualitativo nos estudos - não só qualitativo, quantitativo também. Tornei-me mais inteligente, mais estudioso. Eu estudava agora com confessionalidade, meu estudo era voltado à salvação de minha alma e não ao velho liberalismo descomprometido. Custou-me muito entender que toda linha de estudo segue, consciente ou inconsciente, uma doutrina. Eu estudava de tudo, aleatoriamente, para seguir fielmente a ideia liberal. Como resultado: criei um saber pouco sistemático, desordenado e causador de toda uma série de crises mentais. Agora todo estudo que faço tem como fim a verdade.

    Tudo que antes eu virava contradizia-se vivencialmente, embora houvesse lógica no meu discurso e ele fosse "lindo, democrático e popular": ao virar socialista, odiei a burrice das classes mais baixas; ao virar nacionalista, odiei o Brasil; ao virar anarquista, odiei a forma como os homens gastavam a sua liberdade; ao virar progressista, odeie fortemente as minorias em sua condição alienante; ao virar liberal, matei minha liberdade; ao virar individualista, só via abstrações e não humanos; ao aderir o amor livre, parei de amar. Todo discurso era belo, mas a consciência sempre me alertava que era o contrário. No fundo, bem no fundo, eu sabia que eu era um mentiroso. Essa criticidade que rodeia os meios acadêmicos nunca acaba em autocriticidade e toda ausência de autocrítica leva a consumação de uma vida hipócrita.

    Pensando novamente na frase do Chesterton: "Tire o sobrenatural, e o que resta é o antinatural", parece-me que o mundo moderno segue essa regra a risca. Toda intenção termina num redundante fracasso. Quando os antigos defensores da liberdade sexual pensavam que, com sua doutrina nova e libertária, levariam a um florescimento erótico em que todos conseguissem liberar ao máximo a sua sexualidade, eles não sabiam que posteriormente essa mesma liberdade sexual mataria até mesmo o erotismo - lembre-se: pornografia não é erotismo. Quando os progressos defensores do livre-pensamento acreditavam que iriam gerar a mais fantástica abertura epistemológica da história, eles não sabiam que, num futuro nem tão distante, viveríamos na ditadura da doxa ou "volitiva", em que cada um enclausurar-se-ia em seu castelo opinativo e odiaria qualquer pessoa discordante. A defesa original do livre-exame, em que cada um olharia uma obra e entraria num debate coletivo para entendê-la precisamente, foi destruída: o livre-exame logo se tornou livre-interpretação e a livre-interpretação tornou-se a ditadura da doxa, a unidade perdeu-se.

    Há algo que eu demorei a entender. E essa foi a transdescendência que leva à transcendência. Só que teve um dia que eu compreendi tudo. Foi quando busquei a Deus. Foi no momento que percebi que a autonomia e dependência não são opostas, mas um paradoxo amável que faz com que cada uma seja o que é. E essa transdescendência já estava prevista, filosoficamente, em Sócrates na douta ignorância: "só sei que nada sei". E essa douta ignorância que em humildade busca o conhecimento, sempre sabendo-se ignorante e incompleta, torna-se mais conhecedora na medida em que sabe que não sabe. E isso me remete a Chesterton: "Ele não apenas se sentia mais livre quando se curvava; ele de fato se sentia mais alto quando se curvava; ele de fato se sentia mais alto quando se curvava. Dali em diante qualquer coisa que retirasse esse gesto de adoração acabaria atrofiando-o ou mutilando-o para sempre. Dali em diante ser meramente secular seria servidão e inibição. Se não pode orar, o homem se sente amordaçado; se não pode ajoelhar-se, ele se sente posto a ferros" (O Homem Eterno). Eu aderi a maior tarefa intelectual já concebida: estudar e amar a um Deus onisciente, onipresente e onipotente - perto disso, tudo parece coisa pouca, pois o grau de abstração da teologia está para além do máximo e do possível, a teologia é a ciência do impossível. Ao orar e ao chorar eu compreendia algo: eu sou maior quando me ajoelho a algo que me transborda. O paradoxo é a chave do real, o paradoxo é a condição mesma do real e Jesus mesmo disse: “Eu vim a este mundo para julgamento, a fim de que os cegos vejam e os que vêem se tornem cegos.” (Jo, 9:39). O paradoxo é a condição do real e o cristianismo é a religião do paradoxo. Viro cristão por amor ao real e por amor a verdade.

    Após esse relato, segue-se a oração "Tarde Te amei" de Santo Agostinho, Confissões 10, 27-29:

1. Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova… Tarde Te amei! Trinta anos estive longe de Deus. Mas, durante esse tempo, algo se movia dentro do meu coração… Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava… Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou, porque Tu me deixaste conhecer-Te. Entrei no meu íntimo sob a Tua Guia e consegui, porque Tu Te fizeste meu auxílio.
2. Tu estavas dentro de mim e eu fora… “Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior”. Durante os anos de minha juventude, pus meu coração em coisas exteriores que só faziam me afastar cada vez mais d’Aquele a Quem meu coração, sem saber, desejava… Eis que estavas dentro e eu fora! Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Estavas comigo e não eu Contigo…
3. Mas Tu me chamaste, clamaste por mim e Teu grito rompeu a minha surdez… “Fizeste-me entrar em mim mesmo… Para não olhar para dentro de mim, eu tinha me escondido. Mas Tu me arrancaste do meu esconderijo e me puseste diante de mim mesmo, a fim de que eu enxergasse o indigno que era, o quão deformado, manchado e sujo eu estava”. Em meio à luta, recorri a meu grande amigo Alípio e lhe disse: “Os ignorantes nos arrebatam o céu e nós, com toda a nossa ciência, nos debatemos em nossa carne”. Assim me encontrava, chorando desconsolado, enquanto perguntava a mim mesmo quando deixaria de dizer “Amanhã, amanhã”… Foi então que escutei uma voz que vinha da casa vizinha… Uma voz que dizia: “Pega e lê. Pega e lê!”.
4. Brilhaste, resplandeceste sobre mim e afugentaste a minha cegueira. Então corri à Bíblia, abri-a e li o primeiro capítulo sobre o qual caiu o meu olhar. Pertencia à carta de São Paulo aos Romanos e dizia assim: “Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13,13s). Aquelas Palavras ressoaram dentro de mim. Pareciam escritas por uma pessoa que me conhecia, que sabia da minha vida.
5. Exalaste Teu Perfume e respirei. Agora suspiro por Ti, anseio por Ti! Deus… de Quem separar-se é morrer, de Quem aproximar-se é ressuscitar, com Quem habitar é viver. Deus… de Quem fugir é cair, a Quem voltar é levantar-se, em Quem apoiar-se é estar seguro. Deus… a Quem esquecer é perecer, a Quem buscar é renascer, a Quem conhecer é possuir. Foi assim que descobri a Deus e me dei conta de que, no fundo, era a Ele, mesmo sem saber, a Quem buscava ardentemente o meu coração.
6. Provei-Te, e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me, e agora ardo por Tua Paz. “Deus começa a habitar em ti quando tu começas a amá-Lo”. Vi dentro de mim a Luz Imutável, Forte e Brilhante! Quem conhece a Verdade conhece esta Luz. Ó Eterna Verdade! Verdadeira Caridade! Tu és o meu Deus! Por Ti suspiro dia e noite desde que Te conheci. E mostraste-me então Quem eras. E irradiaste sobre mim a Tua Força dando-me o Teu Amor!
7. E agora, Senhor, só amo a Ti! Só sigo a Ti! Só busco a Ti! Só ardo por Ti!…
8. Tarde te amei! Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu Te amei! Eis que estavas dentro, e eu, fora – e fora Te buscava, e me lançava, disforme e nada belo, perante a beleza de tudo e de todos que criaste. Estavas comigo, e eu não estava Contigo… Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Chamaste, clamaste por mim e rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandeceste, e a Tua Luz afugentou minha cegueira. Exalaste o Teu Perfume e, respirando-o, suspirei por Ti, Te desejei. Eu Te provei, Te saboreei e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora ardo em desejos por Tua Paz!

A Prisão

     


    Apercebo-me, enfim, de minha prisão: ela começou cômoda, abriu-se e tornou-se mais cômoda. Em meu caminho de errático eremita: vi que todo fim era um começo. No fim, encontramos um começo e a escravidão torna-se mais branda até que a suavidade perca-se numa constante norma de sufocamento. Infelizmente, só posso ver paredes quanto estou próximo de me afogar. E quando me afogo, vem-me a necessidade de mudar. Quando mudo, a minha nova prisão me faz relaxar. A pergunta que não tem fim, mas tem metáfora é: qual é a melhor prisão? Essa pergunta descortina-se sempre numa série de mudanças as quais me abro, conquanto que eu ainda esteja peremptoriamente escravizado. De ideologia em ideologia, de música em música, de religião em religião: mudo-me de cárcere em cárcere, pois a próxima cela sempre tem um alvorecer do Sol quadrático ainda mais belo que a cela em que eu era anteriormente escravizado. Nessa eterna desgraça move-se a minha inconstante personalidade outonal. Vem-me sempre o paradoxo: estou preso numa inconstante constância e numa constante inconstância, daí provirá a minha essência: ela é como o Outono, quente no começo e fria no final. Tornar-me doce no começo, agridoce no meio, azedo no final. Sucedem-se colegas que se tornam íntimos, íntimos que se tornam inimigos, inimigos que se tornam passageiros, passageiros que vão-se embora numa foto em preto e branco de uma memória atordoada. Nestes velhos momentos, marcados em minha mente neurótica e delirante, tinha-se primeiro o sentimento e depois só o ressentimento. Tudo vem de uma pureza divina, de um ato de amor em estado de espírito, tornando-se posteriormente impuro, satânico e odiável. Aquilo que é potencialmente belo é potencialmente feio. Só Deus pode converter-se no puro mal, mas não o faz por ser a negação de si mesmo e até a sua onipotência observa a lógica - Deus só faz aquilo que é logicamente possível. E é nas andanças amarguradas que podemos extrair o fel da anti-abelha: um ato de amizade é potencialmente um ato de inimizade até que se torne inimizade. Tudo nasce de uma pureza de espírito para apodrecer na cicatriz da carne de um velho defunto. Todavia estou aberto: meu gosto agora é de plástico, ele não reflete a mim mesmo, visto que é só uma parte de mim. E quanto mais meu ser se recorda de si mesmo, mais ele vai do plástico para a carne e da carne para o espírito. Ainda sou idiota o suficiente para pagar uma passagem para uma nova escravidão: "porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço" (Romanos, 7, 19). Pois como esse ser adâmico estou preso no cadáver de minha carne enquanto relutantemente meu espírito luta para libertar-se do prejuízo da putrefação de seu corpo desajuizado que sempre se mergulha na antiga e nova iniquidade. E, nas palavras de um ex-amigo, que reproduzo mal por ausência de boa memória: "hoje eu vi alguém que só me trás más recordações". Assim eu de fato sou: doce, agridoce e azedo. Sou uma flor bonita até descobrir que sou uma anti-flor atômica parecida com a de Hiroshima. Só espere o Outono reiniciar, pois o começo do fim termina no começo, logo volto a ser doce, para voltar a essência inconstante de minha constância.