Se eu morresse hoje, sairia tão atormentado que a violência da morte me pouparia da violência do arrependimento. Haveriam duas dores: a primeira é a de não ter cumprido existencialmente o que eu deveria ter cumprido; a segunda é eu ter alívio covarde de ter escapado do dever. Duas fraquezas, duas fragilidades, no entanto uma alivia a outra. E uma é certamente contrária à outra. Se assim é, há uma oculta ordem que é superior e abarcante.
"Não podemos pensá-lo eterno e ao mesmo tempo sujeito à sucessão do tempo" (Há um outro mundo, pág. 68 - André Frossard)
O Deus que eu via, o Deus que eu ainda vejo, é condicionado ao passado glorioso e também a um tempo que é tão distante quanto inacessível. Lhe falo sempre, por escrita e por palavra, mas por Ti só tenho um agnosticismo. Como, então, em Ti posso me fiar? Continuo a falar, mas com medo de não falar com ninguém. Persisto com pertinência impertinente, assim fico eternamente procurando ver o que há e espero que um dia a espera acabe. Quero alívio, meu Deus. Só que sei isso não é verdadeira teologia, verdadeira teologia é a superação da incerteza pela fé. Uma fé sólida é uma fé que enxerga além, não por uma crença condicionada pelo mundo inteligível, mas pela capacidade ver além do que é momentaneamente inteligível.
"Vosso retorno será a Deus, porque Ele é Onipotente."
(Surata 11:4)
É um alívio ouvir isso. E também um desafio: conto-lhe, então, a torta questão. Sonhei hoje que estava de volta ao ensino médio. Toda hora tenho o mesmo sonho. Estou sempre de volta ao ensino médio e o pior: estou preso nele. Lembro-me de que, no sonho, disseram que se eu não vencesse o ensino médio, perderia até mesmo a minha faculdade. O sonho era estranho: mesmo tendo faculdade concluída, o ensino médio me exigia completar ele novamente e, dessa forma, era obrigado a fazê-lo de novo e ser reaprovado. Será que estou preso no ensino médio? Será que não amadureci? Será que devo superar esse estágio de minha vida de alguma forma? Sei que estou por conta própria lá e assim me mantenho, só que queria saber a razão de eu estar lá e a causa de assim me manter. Volto-me a Ti em dúvida e remorso por essa causa. Revela-me, Pai, causa das causas, a causa que me é desconhecida.
"De Deus nada se oculta, tanto na terra como nos céus"
"Ele é Quem vos configura nas entranhas, como Lhe apraz. Não há mais divindade além d'Ele, o Poderoso, o Prudentíssimo"
(Surata 3:4-5)
Assim diz um de seus santos livros. E assim é: tudo que o homem vê como desordem, é desordem aparente. Desordem no sentido que o homem vê pouco, já que seu horizonte de consciência é delimitado e o futuro é incerto. Esse aparente caos, no entanto, pra Ti é como o vento: já viu tudo, já sabe de tudo, então não há oscilação e nem angústia. Só que eu, como homem, perco-me nesse mundo que é mutável a minha consciência. E logo vem o meu clamor: "Ó Senhor nosso, não desvieis os nossos corações, depois de nos teres iluminado, e agracia-nos com a Tua misericórdia, porque Tu és o Munificente por excelência" (Surata 3:8). Meu coração oscila conforme a alteridade do mundo, mas há a Ti que está além dessa alteridade.
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