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segunda-feira, 12 de maio de 2025

Acabo de ler "My Gender Is Bisexual" de Gadea Méndez Grueso (lido em inglês)

 


Nome:

My Gender Is Bisexual: Bisexuality, Trans Politics, and the Disruption of the Western Gender/Sexuality System


Autora:

Gadea Méndez Grueso


Faz um tempo que estudo a teoria queer. Tenho um foco especial pela teoria queer bissexual. Essa predileção se dá pelo fato de eu mesmo ser bissexual. Sempre vejo que posso aprender algo de extremamente interessante nessa investigação. Por exemplo, eu nunca estudaria tanto as teorias do marxista italiano, Antônio Gramsci, se não fosse pela leitura salutar da teoria queer. O mesmo pode ser dito em relação ao feminismo, quase tudo que aprendi a respeito do feminismo vem de uma fonte indireta — a teoria queer é, em parte, baseada nela.


A teoria queer é muito especial para a compreensão dos jogos sociais e de como as relações entre gênero e sexualidade perpassam por uma série de hierarquizações e repressões. Também é a teoria queer que nos faz pensar e repensar todos os papéis de gêneros que são passados e repassados. Muito do que temos por natural, foi na verdade uma construção social que foi naturalizada. E aprendemos por meio da teoria queer a não respeitar aquilo que é um papel social que é imposto para nós como um destino social. A teoria queer é, por assim dizer, uma teoria bastante libertária no sentido que nos leva a repensar o papel social que desempenhamos na sociedade.


A questão da teoria queer é que ela é sempre multidisciplinar. Podemos ver vários setores que perpassamos. Os estudos de gênero, os estudos de sexualidade, as questões históricas, as análises sociológicas, as questões psicológicas, as questões filosóficas, muitas vezes passamos pelo estudo biológico, por outras nos enveredamos no estudo do Direito e por aí vai. Esse ecletismo é extremamente interessante e fascinante. Creio que hoje eu posso afirmar que sem a teoria queer, não seria a mesma pessoa que sou hoje.


Achei esse documento quando estava no Google Scholar procurando algo para ler — sim, estudar arquivos acadêmicos é um hábito meu. Quando eu li o título, achei interessantíssimo. A teoria por traz dele é que a bissexualidade também tem algo a ver com o gênero. Não só isso, a pessoa em questão deixa claro que o gênero dela é bissexual.


Você já percebeu que muitas vezes homens homossexuais performam de maneira efeminada e mulheres lésbicas performam de maneira masculinizada? A questão é, segundo Judith Butler: sexo, gênero e sexualidade são processos co-constituintes. É por esse mesmo motivo que muitos bissexuais adentram a formas andróginas de expressão. Parece estranho, mas esse é um padrão largamente observável.


A conexão com a bissexualidade envolve a entrada e ruptura de mundos. Adentrar diferentes mundos e aderir traços desses múltiplos mundos. Quanto mais uma pessoa se conecta com a sua bissexualidade, mais ela se habitua a quebrar os padrões estabelecidos pelos múltiplos agrupamentos que participa. A personalidade bissexual encontra-se na passagem de múltiplos mundos, na absorção desses múltiplos mundos e na expressão desses múltiplos mundos. Então evidentemente a própria postura em relação ao gênero muda.


Creio que, para todos que se identifiquem como bissexuais e que estudem a teoria queer há um bom tempo, mais linhas são cruzadas conforme o tempo passa. A entrada ao estudo e a aceitação da própria sexualidade leva a um desenvolvimento de uma nova percepção de ser e estar no mundo. E bissexuais mais epistemologicamente consistente são mais bissexuais na sua forma de expressão.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Acabo de ler "INVISIBLES: PROBLEMÁTICAS DE SALUD-ENFERMEDAD-ATENCIÓN DE PERSONAS BISEXUALES" de Osmar e Edgar (lido em espanhol/Parte 4 Final)

 


Nome:

INVISIBLES: PROBLEMÁTICAS DE SALUD-ENFERMEDAD-ATENCIÓN DE PERSONAS BISEXUALES 


Autores:

Omar Alejandro Olvera Muñoz;

Edgar Carlos Jarillo Soto.


Nota:

Essa pesquisa foi feita no México.


Deslocar a saúde do âmbito do sujeito histórico e espacial é deslocar a saúde da própria existência concreta enquanto tal. Haja em vista que os sujeitos não estão alheios a historicidade que lhes molda. A intersubjetividade – relações sociais – impacta na intrasubjetividade – psiquismo – e esse fator não deve ser desconsiderado.


A existência psicológica do ser também é a existência social do ser. Existência social e existência psicológica coexistem e influenciam uma na outra. É necessário compreender as práticas sociais – formação sociológica – que fomentam um indivíduo. Nisso entramos até nas práticas de institucionalização. O estudo da psicologia e da sociologia é, então, um compromisso que nenhum profissional poderia ver como isolado, mas como componente teórico vital. Todo indivíduo é fruto de processos sociais, todo indivíduo é fruto de acontecimentos histórico-sociais e esses mesmos acontecimentos criam nele práticas e construções subjetivas. Nenhum ser é uma ilha, mas está integrado numa estrutura e não pode ser abstraído por completo dela sem se tornar uma abstração.


No que tange a formação de pessoas do curso de psicologia, não há uma formação qualitativa para abordar questões de gênero e sexualidade. Tal debilidade é muitas vezes correspondida por duas vias: o estudo particular ou o conformismo diante dessa situação. O tratamento empático – que é central na saúde – não pode cair no "freestyle" e tampouco no "conformismo" sem levar a uma perda da qualidade técnica da própria prática dessas profissões. Também é necessário reconhecer que historicamente a psicoterapia teve um papel de patologização de pessoas não heterossexuais. 


É preciso uma formação sobre gênero e sexualidade para uma melhor atuação dos profissionais de saúde, só assim será possível que cada um reconheça a situação adversa que se encontram pessoas de gêneros e sexualidades distintas da maioria. Isso ajudaria a erradicar a desigualdade. 

domingo, 29 de setembro de 2024

Acabo de ler "INVISIBLES: PROBLEMÁTICAS DE SALUD-ENFERMEDAD-ATENCIÓN DE PERSONAS BISEXUALES" de Osmar e Edgar (lido em espanhol/Parte 2)

 


Nome:

INVISIBLES: PROBLEMÁTICAS DE SALUD-ENFERMEDAD-ATENCIÓN DE PERSONAS BISEXUALES 


Autores:

Omar Alejandro Olvera Muñoz;

Edgar Carlos Jarillo Soto.


Nota:

Essa pesquisa foi feita no México.


Existe uma importância na sexualidade e no estudo da sexualidade. O estudo da sexualidade envolve um autoconhecimento e, também, uma desconstrução das ideias preconcebidas. Além disso, ajuda-nos a compreender toda uma série de transtornos que surgem por causa da sexualidade. Ademais, a sexualidade não é um adorno superficial, ela também molda parte da forma com que vemos o mundo. Todas as partes de nós – e de nossa sociedade – são relevantes na formação de quem somos e nossa sexualidade faz parte de nós.


Como já escrevi em múltiplas análises anteriores, o principal problema da pessoa bissexual é o da sua identidade. O movimento bissexual ainda não conseguiu estabelecer uma "identidade bissexual" e, em uma significativa parte da sociedade, pessoas bissexuais são simplesmente esquecidas ou atacadas. Isso gera efeitos deletérios na saúde mental das pessoas bissexuais, tornando-as mais mentalmente instáveis, mais propícias para doenças e colocando-as em situação de risco.


A questão é: bissexuais não contam com figuras identificáveis para um reconhecimento. Não há uma ampla "cultura bissexual". Com base nisso, só existem exemplos pejorativos e invisibilização. Quando você é uma pessoa bissexual, o mundo não te reconhece e você muito provavelmente também não sabe quem você realmente é. Com heterossexuais e homossexuais negando a sua existência, existe um forte rechaço social que lhe faz sofrer e negar a sua própria orientação sexual.

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Acabo de ler "INVISIBLES: PROBLEMÁTICAS DE SALUD-ENFERMEDAD-ATENCIÓN DE PERSONAS BISEXUALES" de Osmar e Edgar (lido em espanhol/Parte 1)

 


Nome:

INVISIBLES: PROBLEMÁTICAS DE SALUD-ENFERMEDAD-ATENCIÓN DE PERSONAS BISEXUALES 


Autores:

Omar Alejandro Olvera Muñoz;

Edgar Carlos Jarillo Soto.


Nota:

Essa pesquisa foi feita no México.


A problemática da saúde da pessoa bissexual se insere em um contexto bastante específico. Esse contexto específico é um processo sociohistórico em que a invisibilização e valoração negativa operam como mecanismos antagônicos para regular o exercício da sua sexualidade. O que faz com que indivíduos bissexuais apresentem maiores danos mentais a sua saúde mental que gays e lésbicas.


Os problemas advindos da bissexualidade são particulares. Se a invisibilização das pessoas bissexuais implica em problemas de saúde específicos, então essa deveria ser tratada a partir de um cuidado com a consciência social. Essa questão deveria entrar no âmbito da psicoterapia. O reducionismo nas práticas dos profissionais de psicoterapia pode levar a um agravamento da questão, levando ao fortalecimento das situações de crise.


Os profissionais de saúde devem compreender que estão dentro de uma estrutura social. Essa estrutura social dá suporte a comportamentos adoecedores. Não tratar essa questão de fundamentação sociológica pode fazer com que os adoecimentos continuem por motivos sociais, levando a um empobrecimento das técnicas e avanços dos próprios profissionais de saúde. O profissional de saúde tem, para si, um dever dentro da sociedade. E esse dever não é puramente biológico, mas também sociológico, psicológico e filosófico: o de combater efeitos sociocolaterais de dados comportamentos sociais. A neutralidade – se furtar ao combate intelectual numa sociedade marcada pela injustiça – é uma forma de fugir do próprio dever enquanto profissional. Em outras palavras, a compreensão sociohistórica da formação patológica e seu combate as desigualdades e opressões reinantes não é um mero acessório ou um esforço adicional, mas deve ser uma prática dentro do próprio ofício do profissional de saúde.


Um olhar de ahistoricidade da formação patológica pode fazer com que se preserve uma sociedade adoentada e adoecedora, levando a inutilidade do próprio exercício e função da saúde. É combater os efeitos e não as causas – e grande parte delas são sociais.  A saúde é uma necessidade humana, e essa necessidade de saúde não é só física, ela também é mental. É por isso que a saúde tem que ter um esforço para compreender e assimilar explicações sociohistóricas do estado mental das pessoas. 


A questão da saúde da pessoa bissexual se aprofunda em múltiplas vias, são essas:

– Invisibilização:

Bissexuais são tratados como inexistentes, o que impossibilita uma identidade socialmente reconhecível. Sendo julgados como homossexuais ou heterossexuais. 

– Rechaço na comunidade heterossexual e LGBT:

Bissexuais são atacados por héteros e outros integrantes da sigla LGBT. Seja sendo vistos como traidores, seja sendo vistos como incapazes de um relacionamento monogâmico, seja sendo considerados como "instáveis" por não entrarem no sistema binário (monossexual).

– Inferiorização e Sexualização:

A mulher bissexual corre o risco de entrar na "caçada aos unicórnios" – casais procurando uma terceira pessoa para ménage – ou homens procurando uma "mulher liberal". O homem bissexual pode ser enquadrado como gay ou ser tido como "menos homem" – a masculinidade hegemônica é um esforço contínuo para reforçar a masculinidade o tempo todo, mas essa masculinidade hegemônica é heterossexual, ativa e "macho" (estereótipo) –, o que pode levar a complicações sociais.


A saúde mental das pessoas bissexuais é atacada sempre. Todos os dias. Em todos os locais. Seja no hegemônico (heterossexual), seja no não-hegemônico ou contra-hegemônico (LGBT). A não compreensão desse fator, além de casos mais graves como tentativa de "cura", pode levar ao desencadeamento de crises. 

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Acabo de ler "Militância enquanto Convite ao Diálogo" de Dani Vas e Danilo (Parte 7)

 


Nome:

Militância enquanto Convite ao Diálogo: o Caso da Militância Monodissidente


Autores:

Dani Vas;

Danilo Silva Guimarães.


Dizer que não há nenhuma relação entre o campo de pesquisa e o pesquisador seria uma afirmação estranha e errônea. Toda ciência apresenta um ponto de vista e um enquadre normativo, logo é evidente que não há uma neutralidade. Muitos questionam a pesquisa militante tendo como base o seguinte argumento: "a pesquisa militante não é pesquisa por não ser isenta de imparcialidade". Esse argumento só poderia ser falso: nenhuma pesquisa apresenta isenção completa de parcialidade. Toda pesquisa é motivada por conta de uma experiência sentida como inquietante. Logo há sempre um movimento afetivo na natureza do pesquisador.


O que move a pesquisa, se não o inquietante? Para muitos brasileiros, dizer isso pode até mesmo soar contraditório. Muitas vezes a realidade da vida de estudos, sobretudo nas instituições de ensino, ocorre de uma forma impessoal. Somos obrigados a digerir uma série de conteúdos que, em grande parte das vezes, não está correlacionado ao nosso âmbito de interesses. Essa ausência de conectividade usualmente gera um desinteresse geral pela vida intelectual. O que explica, em parte, a ausência de mais intelectuais no Brasil e o fato do Brasil não ser intelectualmente mais ativo – refletindo em nossas pontuações gerais.


O mundo sempre nos surge através da alteridade. Há sempre uma experiência de ruptura ou de descontinuidade em nosso horizonte. Essas rupturas que vão surgindo criam em nós uma experiência afetiva de inquietação. Há, então, uma lacuna entre a expectativa e a experiência (expectativa-experiência). O movimento do pesquisador pode ser encarado como um meio de reduzir esse desconforto e essa angústia. O pesquisador  tenta reorganizar o significado da experiência, para que possa reduzir a tensão por meio de confirmações e encaixes.


A pesquisa não é e nunca será neutra. A pesquisa é uma participação observante. Quem pesquisa, insere-se no meio da sua pesquisa. Não só se insere, atua e modifica o meio de onde de inseriu. A ideia de pesquisa neutra, a chamada neutralidade, não passa de uma forma de imposição narrativa. Vindo de um "ponto imparcial", há a justificação soberana de algo. Logo, vem para o "terreno da inquestionabilidade". Se alguém quer ser inquestionável, sua ação em si mesma já é questionável e parcial. 


Só que restará ainda uma dúvida: se é impossível uma imparcialidade, o que ditará a pesquisa? E dessa dúvida surge outra: a pesquisa não corre o risco de se tornar uma narrativa de dominação? A resposta é: a militância dialógica tem como ferramenta teórica-metodológica a multiplicação dialógica. É a interação de um self com o outro que possibilita vislumbrar as lacunas existentes. É compreendendo a dinâmica do eu e do outro. 

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Acabo de ler "Militância enquanto Convite ao Diálogo" de Dani Vas e Danilo (Parte 4)

 


Nome:

Militância enquanto Convite ao Diálogo: o Caso da Militância Monodissidente


Autores:

Dani Vas;

Danilo Silva Guimarães.


Muito tem se falado sobre militância na sociedade contemporânea. Alguns são contra, outros são a favor. Seja como for, não é possível ser generalizadamente contra a atividade militante e nem generalizadamente a favor da atividade militante. Tampouco se pode ser favorável ou contrário a todas as pautas defendidas por uma militância. Todavia o cerne da questão é: o que é a militância? A militância é, na verdade, um fenômeno que surge da realidade sociocultural na qual ela se insere.


A militância pode ser encarada como uma tentativa de abertura. Uma tentativa de abertura sempre incorre em uma problemática: a experiência sempre possui uma alteridade e a alteridade sempre implica em angústia e inquietação. Essa angústia, essa inquietação, sempre leva a um questionamento acerca da vida em si mesma. Além disso, a um questionamento sobre nossas preconcepções. É um tema complexo e, por gerar tantos efeitos sentimentais, bastante escorregadio.


Existe uma problemática na militância enquanto atividade. Essa problemática está no nível psicológico e pode ter efeitos sociais. O militante, querendo mudar a realidade existente, pode acabar se fechando a realidade que julga como injusta. Desse modo, a sua própria personalidade se torna estática – tal como aqueles que o militante usualmente critica. O militante corre no risco de cair num "reacionarismo atitudinal". É evidente que o termo reacionário está na aplicação mais pura do termo, isto é, aquele que reage. Logo a própria militância se perde, visto que deixa de ser um esforço ativo (afirmação de um mundo mais adequado) e se torna um esforço negativo (negação de um mundo injusto).  Essa negação fecha o horizonte vivencial do militante, encarcerado-o numa bolha. O militante, então, torna-se desprovido de criatividade e passa a frequentar os mesmos círculos, passa a falar com as mesmas pessoas, passa a ter ideias muito semelhantes – e cada vez mais fixas – aos seus semelhantes e, por fim, a habitualidade tribal e ritualística torna o grupo militante em um agrupamento fechado, estéril e, também, inútil. Essa é a militância monológica.


É interessante observar que a militância não é uma atividade esvaziada de sentido e que mesmo que não se encontre uma justificação geral das suas teses, ela ainda é um importante comportamento em nossa sociedade. A militância é um diagnóstico da estrutura e funcionamento de uma sociedade. Também é impossível que uma militância seja inteiramente fechada, visto que a militância sugere um comportamento social característico e todo comportamento social revela uma teia relacional. Pouco importa o tamanho de uma teia social, ainda há uma sociabilidade e essa sociabilidade se dá comunicacionalmente. Mesmo que dado grupo se demonstre como socialmente hostil, ele ainda é um grupo em coconstrução de sentido e ainda apresenta significados compartilhados. O ethos da militância é exatamente esse: criação de sentido, significado e experiência comum.


A militância deve ser dialógica, aberta, lacunar, capaz de significação e ressignificação. Ou seja, a militância deve ser uma atividade viva. E, para tal, deve ter uma "pulsão experiencial", uma capacidade de encontrar na alteridade uma possibilidade interagente. A militância aponta para uma possibilidade de mudança social, mas essa possibilidade é sempre marcada com o encontro com o desencontro. Foi a militância que levou a importantes conquistas de direitos no passado e é ela que determina a conquista de direitos no presente. Ela é sempre um convite, um convite ao diálogo com a sociedade e também um convite ao autoquestionamento do militante e do grupo militante. Logo ela não é uma espécie de "autocentramento", mas uma forma de praxis que afetam a própria militância em sua forma de agir com o mundo e pensar no próprio mundo.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Acabo de ler "Militância enquanto Convite ao Diálogo" de Dani Vas e Danilo (Parte 2)

 


Nome:

Militância enquanto Convite ao Diálogo: o Caso da Militância Monodissidente



Autores:

Dani Vas;

Danilo Silva Guimarães.

O eu se constrói com o outro e em relação a esse outro. O processo da construção da subjetividade é relacional, isto é, se dá em relação ao outro. Só existe o "eu" por existir o "outro". A percepção do "eu" e do "outro" estão intrinsecamente conectadas. É a intersubjetividade – compartilhamento do espaço em meio ao diálogo, diferenças e contrastes – que determina quem somos.

A relação com o outro se dá no tempo-espaço. Essa relação é marcada por uma tensionalidade. Essa tensionalidade delimita quem pode fazer e o que pode fazer. Grupos hegemônicos estão sujeitos a crítica por terem maior detenção dos meios de produção cultural, podendo assim moldar a cultura e a aceitação dessa cultura.

Há quem reclame da militância por ela partir de um grupo particular e esse grupo particular estar longe da universalidade. A questão é: qual grupo humano não apresenta uma tendência universalizante para  com o próprio anseio? A realidade, para começo de conversa, não é encarada de forma objetiva. A realidade, e a percepção dessa mesma realidade, sempre implica em uma relação afetiva. Isto é, encaramos a realidade com doses de sentimentos pois essa mesma realidade dita a nossa sobrevivência. A realidade da sobrevivência não pode ser encarada como algo puramente objetivo, temos sentimentos para com a distribuição de recursos dentro da nossa sociedade. Tampouco a realidade cultural pode ser encarada de modo objetivo, visto que a marginalização de certos grupos leva a um sentimento de rancor e revolta – com implicações sociais tremendas.

É graças a essa influência sentimental do meio que todo pensamento é afetivo-cognitivo e que todo pensamento filosófico é, no fundo, psico-filosófico e não é possível chegar a um nível de objetividade completa. Toda análise fenomenológica revela, por mais denso que seja o esforço de quebrantar a sombra do "eu", uma subjetividade que constrói essa mesma análise fenomenológica. Ou seja, o desenvolvimento de algo está atado ao desenvolvedor desse algo em sua desejabilidade e toda argumentação surge com a coparticipação de um afeto. Não somos, e talvez nunca seremos, seres de julgamento imparcial. Visto que todo julgamento implica em nossa sobrevivência e em como seremos julgados – martizados, esquecidos ou aceitos – por nossa sociedade.

A relação de uma militância – um grupo desejante e epistemologizante – se dá por meio de uma série de trocas, tensões e negociações. Toda militância envolve poder, envolve política, envolve cultura, envolve economia, envolve igualdade, envolve justiça, dentre tantas outras questões. Essas relações se dão por meio de um conflito ou semelhança de interesses. Conflitos e semelhanças que surgem da relação com os "outros". É por isso que as pautas muitas vezes não avançam, visto que sempre estamos lado a lado com esse absurdo inigualável que é o outro.

terça-feira, 17 de setembro de 2024

Acabo de ler "Militância enquanto Convite ao Diálogo" de Dani Vas e Danilo (Parte 1)

 


Nome:

Militância enquanto Convite ao Diálogo: o Caso da Militância Monodissidente


Autores:

Dani Vas;

Danilo Silva Guimarães.


Em primeiro lugar se faz necessário compreender o que é monodissidência. A palavra "mono" se refere a um só. A militância bissexual, enquanto movimento político e social organizado, se refere a heterossexuais e homossexuais como "monossexuais" – atração por um único gênero. Já a ideia e/ou teoria de que só existe uma única forma de atração como "monossexismo". E o comportamento de apagar a existência de bissexuais como "monossexismo". É daí que vem a luta bissexual, ora direcionada aos heterossexuais, ora direcionada aos homossexuais. Um bissexual seria um "monodissidente", isto é, uma pessoa que está contra o padrão estabelecido de atração por um único gênero e todas as consequências disso.


A militância bissexual surge num momento histórico em que há a proliferação das doenças sexualmente transmissíveis. Nesse contexto, a maioria das pessoas homossexuais – lésbicas e gays – tomam uma ação de normatização, se assemelhando aos padrões de exigência de heterossexuais. Eles criavam a chamada cultura homonormativa, em que os padrões do mundo LGBT deveriam se enquadrar nos padrões do mundo heterossexual. Os bissexuais, em sua revolta, criam um avanço teórico da teoria queer: uma espécie de radicalização que iria contra os padrões de normatização.


O principal combate do movimento bissexual é contra à bifobia e ao monossexismo. O monossexismo é um sistema que privilegia, antes de tudo, pessoas monossexuais (heterossexuais e homossexuais). É claro que existe uma hierarquia nesse privilégio, heterossexuais estão no topo e homossexuais precisam se virar com a pouca soma de políticas públicas que conseguem adquirir. Depois disso, surge a invisibilidade bissexual e a negação visceral de pessoas transexuais.


A militância é um trabalho de transformação da realidade. A razão pela qual se quer uma transformação se dá pelo seguinte fato: a realidade é, muitas vezes, injusta. O mundo bissexual é marcado por uma impenetrável rede de exclusões, negações sistemáticas, vedações e defesas psicológicas em relação ao ambiente. A militância bissexual visa transformar o mundo num local mais aberto e livre a própria existência das pessoas bissexuais.

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Acabo de ler "Queering Queer Theory" de Laura e Jennifer (lido em inglês/Parte 3)

 




Nome completo do artigo: Queering Queer Theory, or Why Bisexuality Matters

Autoras: Laura Erickson-Schroth e Jennifer Mitchell


A primeira utilização do termo bissexual era no sentido morfológico e não a uma prática sexual. Naquele período, em 1866, o termo "bissexual" era o que hoje seria chamado de hermafrodita. Só posteriormente o termo bissexual se referiria a uma prática.

O desenvolvimento da "bissexualidade moderna", conceitualmente falando, passa por alguns entraves. Anteriormente se especulava que o desenvolvimento do homem era superior ao da mulher e que homens passavam por uma fase feminizada antes de adentrarem na fase masculina. O desenvolvimento insuficiente causaria um aspecto feminizado, isto é, causaria uma vida sexual com pessoas do mesmo sexo (homossexualidade). Um feto imaturo produziria um adulto bissexual.

Avançando mais pelo tempo, chegou-se a conclusão de que homens e mulheres são gêneros opostos e que bissexuais não saberiam vislumbrar a diferença – o antagonismo – entre esses dois gêneros. O que levaria a percepção de que bissexuais estão internamente em conflito, emocional ou psicologicamente imaturos, além de qualquer outra forma de instabilidade. O desenvolvimento teórico diria aos bissexuais que eles deveriam "se decidir". Alcançar a "maturidade", seja pela via heterossexual, seja pelo via homossexual, mas preferencialmente pela vida heterossexual. Bissexuais deveriam receber suporte para "compreender" as distinções entre os "dois sexos" e "seus antagonismos".

A ideia era levar bissexuais a compreenderem as distinções entre "os dois sexos" para que eles se tornassem adultos saudáveis. A ideia de que a preferência pelos dois sexos era contraditória, levando a cisão interna, era o norte da antibissexualidade: o bissexual está eternamente dividido, incapaz de ter relacionamentos e estabilidade mental, até que se cure da bissexualidade. Um pouco dessa mensagem ainda ressoa em tempos modernos.

sábado, 29 de janeiro de 2022

Borboletas no Estômago e Esqueletos no Armário

Todo dia que desfilo, lembro de esqueletos gritando e batendo no meu armário. Na performance contínua, extraío o que é do outro, extraío o absorvido e não absolvo meu espírito acorrentado. As eternas borboletas que estão no meu estômago não encontram espaço além do interior de meu interior, clamam por ajuda de meu corpo que resiste a corrente de meu pensar preservado. É sempre essa confusão, num rolo de constante desilusão. A vida virou um teatro em que sou ator. Sempre ator. Nunca autor ou autora. Sou o imaginado, não sou nunca a imaginação. Já que a imaginação não tem limite concebível e adentra no não-inteligível. Um imaginário é aquele que internamente sofre dentro da coisa imaginada. Imaginar-se é construir-se em desconstrução, ser imaginado é ser marginalizado pelo dedo do criador precário.


Sigo sempre triste ao saber, que não sou o que sou, sou o enquadro teatral de um pensamento outrora forjado. Os esqueletos de meu armário, batem todas as noites, nunca me deixando dormir com profunda tranquilidade. Até quando eles me recordarão que em mim há menos espaço para as borboletas do que para o outro? O outro que adentra pela noite, o outro que esmaga a borboleta imaginária. Ressentidas caveiras, não se esquecem nunca da tenra mocidade que era ingênua o suficiente para não ser teatralmente vivenciada, eles não vão sempre me dizer que o imaginário é o que sou e que não sou o objeto imaginado.  Minha atitude prostituta de forma oculta, oculta as borboletas que gritam silenciosamente em meu útero. Meu ser fálico faliu dentro do caixão que lhe deram aos poucos para que eu soubesse: serei sempre morto-vivo, já que quem vive dentro do caixão não vive. Eterno zumbi a caminhar nos limites inteligíveis e pré-ordenados pelas elites grã pensantes numa tradição atroz e retrógrada que confronta a liquicidade condenando o mundo a se congelar numa nova Idade de Gelo.


Minha expectativa não é o ideal, é um sonho socioeconômico realizável. É o que espero todos os dias ao voltar de meu trabalho performático é um pouco de respeito a minha atitude condicionada. Eu espero respeito por não ser quem sou, espero respeito por obedecer o limite da faixa. Trabalho alienantemente de me configurar ao meu enquadro. E é por isso que toda vez que adentro em meu quarto, esqueletos batem em busca de sair de meu armário. Tudo é performance, tudo é socialmente calculado. Em todo cálculo, viso privar a liberdade da borboleta que vive no armário de meu estômago nauseado. O que tenho que confessar, o que tenho que verdadeiramente falar, é sempre cortado pelo limite do enquadro.


A regra máxima é sempre econômica. É sempre mais austera que a própria austeridade. É a privação do ser para a prostituição do ser. É buscar o viável. É buscar sempre o viável e esquecer o inviável. Esquecendo-se de si em busca do pré-configurado. O preconceito contra si é a segurança de uma prisão preventiva que se molda dentro do molde do corpo, para que a alma psíquica não se exploda em imaginatividade manifesta.

sábado, 6 de novembro de 2021

Acabo de ler "Teoria Queer" de Richard Miskolci.




    Acabo de ler "Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças" de Richard Miskolci.

    Se anteriormente eu compreendia muito pouco da Teoria Queer, agora compreendo alguma coisa ou outra - mesmo que isso seja ainda insuficiente (e o saber nunca é suficiente). Também é incrível como a teoria queer me leva entender mais a obra de Judith Butler e a obra de Judith Butler me leva a Freud e Foucault com mais profundidade.

    Voltando ao livro, creio que esse livro apresenta uma criticidade fora do comum, visto que ele vai além do que usualmente se questiona. Muitas vezes, temos várias coisas como "dadas" e tomamos essas coisas por naturais. Todavia muitos "dados" nos são dados através de uma construção social que nos precedeu e tomamos essa mesma construção social como natural.

    O livro questiona a padronicidade de gênero que é tida por natural e é "naturalmente imposta". O livro visa desconstruir o discurso que quer legitimar uma uniformização da humanidade por padrões binários que não são tão naturais quanto se pensa, mas sim sujeitos à condicionalidades do espaço-tempo - só que quem pensa nesses padrões binários, crê neles de forma extremista, mesmo que nenhum deles seja tão natural quanto se especula.

    É importante observar que a verdadeira educação não pode ser, tal como tem sido, uma mera engenharia para reproduzir uma série de produtos construídas anteriormente. Isso é, na verdade, um processo condicionante e não um processo investigativo. Reproduz-se papéis bem delimitados de gênero no âmbito educacional tal como um condicionamento pavloviano. Logo a vida passa a se tornar uma performática para o enquadramento social, a vida deixa de ser vida e vira uma mera reprodução vivencial de um padrão que é reproduzido ad aeternum.

    É preciso relativizar o padrão hegemônico, é preciso expandir os horizontes através de relativizações constantes que elevem a liberdade humana em sua mais justa dignidade ilimitada. É preciso que a única delimitância seja indelimitada.