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sábado, 29 de junho de 2024

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 6)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

Drácula é o começo e é o fim. A razão para isso? Talvez seja porquê a pergunta final revela a primeira pergunta. A questão central de Castlevania Symphony of the Night é a questão da moralidade. Richter Belmont, homem que derrotou Drácula, foi enganado pela magia e tornou-se um homem a serviço das trevas. Anteriormente era o próprio Richter que lutou contra o mal no mundo, agora ele mesmo é o mal no mundo. Em primeiro lugar, Richter é apresentado como um herói em seus dias de glória. Depois disso, ele é apresentado como vilão. Posteriormente, ele aparece como alguém que foi controlado pela magia, sendo por isso envergonhado. É interessante observar a lógica da inversão aparece constantemente nesse jogo, muito mencionada nas outras partes dessa análise.

No começo do jogo – que é o final do jogo anterior – temos uma imagem concreta do Drácula. Essa imagem aparece como a figura de um nobre – apesar disso ser uma inversão total de valores –, mas posteriormente revela a sua verdadeira natureza: a de um monstro. Creio que o jogo "brinca" com a imagem do Drácula. O Drácula aparece como uma figura bastante concreta e bem discernível, no final do jogo ele aparecerá como uma mescla de distintos tipos de "criaturas demoníacas". Nem o Drácula, nem o Castelo, apresentam uma solução a questão do mal: o mal pode ser inúmeras coisas, tendo inúmeras formas, podendo se realizar em múltiplas vias, de forma indefinida. Inclusive, o mal pode se realizar no mais nobre dos homens, tal como ocorreu com Richter Belmont.

A inversão que o jogo causa agora é essa: o mal não se apresenta como algo bem discernível e bem catalogável. Muito pelo contrário, o mal é algo que está dentro de cada um de nós e o custo da liberdade é a eterna vigilância, visto que o mal nos espreita a cada momento, a cada batida de nosso coração e, igualmente, em cada uma de nossas intencionalidades. É por isso que a classificação do mal de forma "preconceituosa" leva a ocultação do mal que pode residir dentro de nós. Classificar o mal é desenvolver interior e psicologicamente uma figura externa de mal que pode ser livrada ou estar em outro, mas saber que o mal pode estar em tudo nos revela algo sobre nós mesmos.

Tudo que existe pode ter a sua finalidade desviada e corrompida. Uma ação aparentemente boa pode ter um objetivo escuso. Por exemplo, o marketing moral dos tempos modernos revela uma sociedade narcisista e não uma sociedade caridosa. Estamos sempre sujeitos a sermos veículos do mal. É por isso que o jogo metodologicamente desconstrói a figura do Drácula, colocando-o como uma mescla de múltiplos demônios, como uma mescla de múltiplas intencionalidades sombrias. O mal.escapa a nossa própria compreensão e só pode ser melhor compreendido por um rigoroso exercício da consciência interior, analisando de forma confessional cada memória, num exercício catártico. Não por acaso, uma das principais obras de Agostinho de Hipona é "Confissões". Uma vida não analisada cai muito facilmente na externalização da figura do mal, o mal logo se torna inconsciente e a pessoa se torna má sem perceber. A ausência de autocrítica é uma questão séria.

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Metodologia da Esperança: a profecia primordial da humanidade!



Que das minhas feridas
Saia poder pra curar
Que cada hora perdida
Me lembre que não é pra eu parar
(Rodolfo Abrantes - Até que a casa esteja cheia)

    Existe uma profecia que nunca deixou de ser afirmada, pouco se importando o período histórico. Existe uma profecia primordial que só pode ser intimamente afirmada e não pode ser nunca intimamente negada, pois até o suicida quer uma expansão, pois até o suicida visa se conectar: mesmo que com uma última mensagem. Essa é a profecia da vida. É a vida, a vida imortal, é a profecia primordial da humanidade. A verdadeira profecia não é só verdadeira, como se cumpre. O profeta não é só aquele que diz a verdade, mas aquele com que a verdade concorda e faz cumprir o que ele afirma. No peito de cada homem há um coração que diz: "o ser é". O ser é, o ser não está, o ser é. E a afirmação de que o ser é, é a profecia de que a vida resistirá a morte. É a profecia da esperança. Essa profecia da esperança é sustentada em cada peito humano. Essa profecia é a verdadeira tradição, a tradição das tradições, pois: "Os céus e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão" (Mateus 24:35). É como a música de Rodolfo Abrantes citada no começo dessa postagem: mesmo que eu seja ferido, mesmo que eu perca tempo, eu devo saber que não devo parar. O ser é, mas tudo leva a crer que não pode sê-lo. Só que o ser precisa lutar para ser. Essa é a condição tensional da vida.

    O que nos deprime não é a vida, mas a ausência de vida. Tal como o que nos mata não é a vida, mas aquilo que nos priva dela. O assassino não assassina alguém dando a esse alguém mais vida, mas privando esse alguém de vida. Acreditar que o assassino transmite ao assassinado a vida é o mesmo que pensar que ficamos deprimidos pela vida e não pela ausência dela. O deprimido não está deprimido por causa da vida, mas por causa da ausência de vida: é a incapacidade conectiva e expansiva que lhe deixa deprimido. É a irrealização do ser que deprime o deprimido e não o contrário. Um deprimido é um não realizado, é um ser privado de ser, é um ser que padece do não-ser. É por isso que a frase de Cristo é: "O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância" (João 10:10). A cultura da morte separa o ideal do real. Ela prende o ser no peso do real ou na alienação da pura idealidade.

     Para fins meramente ilustrativos, é preciso dizer certas coisas que podem ser contundentes. Algumas vezes acabamos por nos perder em alguns pensamentos pela falta de parâmetros. Muitas pessoas ficam pensando sobre a idealidade e a realidade, só que elas creem que há uma diferença muito grande entre realidade e idealidade. Sim, eu também compreendo essas duas "condições" como diferentes, todavia creio que há uma terceira forma: a expressão comunicativa do ser. Entre o real e o ideal há um intercâmbio que traz a comunicação entre essas duas condições. Nossa vida é, propriamente, a expressão desse intercâmbio.

    Essa postagem fala da esperança. Esperança que não se finca inteiramente no ideal e nem se esmaga inteiramente pelo real. A esperança é um contínuo caminhar que conecta sempre o real e o ideal. Ela é, propriamente, isso: a tentativa de junção do ideal e do real. Aquele que não caminha, não crê. Aquele que crê, caminha. É preciso crer e caminhar. Creio que poderia dizer que entre o ideal e o real há uma caminhada que une os dois. Há uma tentativa. A esperança é a busca de conectar a realidade com a idealidade. Sem isso, ela é vã. Você não pode tão somente desejar, você precisa buscar o desejo. Buscar o desejo é transformar o desejo em vontade. Conforme o desejo é transformado em vontade, ele se torna mais racional e ao mesmo tempo mais concreto. Visto que se caminha e se pensa como chegar. Cria-se aquilo que chamamos de intencionalidade. 

    O que move o ser é a beleza "tão antiga e tão nova", pois o ser absoluto, o sumo ser, que é Deus: é sempre tão antigo e tão novo. E assim o é pelo fato de que aquilo que temos de Deus é o cumprimento daquilo que será a afirmação mais radicalmente plena do ser: a alma imortal. Caminhamos para o Reino de Deus que cumprirá o fim da escassez e o reino absoluto da plenitude. A suma felicidade é afirmação de que o ser é. "Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti", afirma Santo Agostinho em seu livro "Confissões". O que muitas vezes no segura na Terra é essa parcialidade, essa parcialização, esse constante caminhar por privações. Caminha-se de privação em privação em vez de buscar a plenitude que é mais perfeita, por ser mais plena, que todas essas privações. Deus é a plenitude perfeita de todas as coisas, isso o torna mais perfeito do que todas as partes plenificadas, visto que ele é a união perfeita e plena de todas as partes plenas e perfeitas. 

5. Exalaste Teu Perfume e respirei. Agora suspiro por Ti, anseio por Ti! Deus… de Quem separar-se é morrer, de Quem aproximar-se é ressuscitar, com Quem habitar é viver. Deus… de Quem fugir é cair, a Quem voltar é levantar-se, em Quem apoiar-se é estar seguro. Deus… a Quem esquecer é perecer, a Quem buscar é renascer, a Quem conhecer é possuir. Foi assim que descobri a Deus e me dei conta de que, no fundo, era a Ele, mesmo sem saber, a Quem buscava ardentemente o meu coração. (Santo Agostinho, Confissões)


    Essa série de afirmações brutais e fulminantes caracterizam uma consciência sensata quando encontra o objeto formal de toda consciência sensata: a suma complexidade divina. Visto que tudo que sei de Deus é pouco. Todo conhecimento divino, todo conhecimento teológico é muito pouco: Deus, suma complexidade, nunca será abarcado pelo intelecto humano e por isso é nosso objeto de adoração! Só aquilo que nos ultrapassa transcendentalmente de forma inequívoca é aquilo que pode corresponder a nossa contínua insatisfação. A nossa insatisfação tem o tamanha de Deus, a nossa insatisfação é infinita e só um Deus infinito pode corresponder a essa insatisfação infinita.


13.Respondeu-lhe Jesus: “Todo aquele que beber des­ta água tornará a ter sede, 14.mas o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna”.
São João, 4:13-14 - Bíblia Católica Online

    Se eu falar para você que o fim supremo da vida é a morte, você sentirá uma negativa constante que afirma o contrário: que o fim da vida é a vida. Se vive para se aproveitar a vida. E quanto melhor se vive, melhor é o viver. Já que o fim da vida é a vida. Se eu te falar que a derrota é melhor que a vitória, você também sentirá uma negativa constante, você sentirá algo tão claro quanto o chão que pisa: a derrota é a negação da vida e a vida tem como fim uma vitória constante e afirmativa. Há um saber que sabe que sabe. Um saber que quer superar. Um saber que quer crescer. Um saber que quer viver. E tal saber afirma triunfantemente a imortalidade e o paraíso: o homem não vive pela escassez e nem gosta da escassez, o que o homem quer é perfeição e plenitude. 

    A afirmação do ser perante o não-ser é o dever teológico primeiro. É quando o ser se torna mais pleno, quando o ser se torna mais capaz, que ele se torna mais feliz. A diferença entre o simbólico e o diabólico está no grau de participação. O ser só é ser quando o é em absoluto, logo o ser só é ser quando participante de Deus, que é onipresente. Quando buscamos a sabedoria, queremos ser capazes de responder todas as questões, sobretudo as questões que reverberam na intimidade das nossas entranhas: queremos e buscamos a onisciência de Deus. O objetivo da ciência é a participação na onisciência de Deus. Quando exigimos reformas, quando queremos mais justiça, quando queremos melhoras, queremos a plenitude da onipotência divina. O fim do poder não é a destruição dos sonhos: o fim do poder é a realização de todos os sonhos. Aquele que corrompe o poder é aquele que priva o ser de seu sonho, levando o ser ao não-ser. 

29.Jesus respondeu-lhe: “O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor; 30.amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças. 31.Eis aqui o segundo: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Outro mandamento maior do que estes não existe”.
São Marcos, 12:29-31 - Bíblia Católica Online


    Por que amar a Deus em primeiro lugar? Para que tal mandamento? É pelo seguinte: Deus tudo é. Sendo Deus tudo, conectarmo-nos com ele é estarmos junto de tudo. Sem ele, estamos presos em alguma particularidade que nos prende e nos desconecta da existência. O objetivo de amar a Deus é amar a tudo. E é nesse sentido que vem o "amar o próximo como a ti mesmo": amar a Deus é se abrir, aquele que não ama o próximo, não pode amar a Deus. Se Deus está em tudo, Deus está presente no próximo, negar a amar o próximo é negar a amar a Deus. É por isso que se deve amar primeiramente a Deus. Aquele que ama qualquer outra coisa, ama-a parcializando-se. Parcializando-se, perde a conexão para com a própria vida.


    Essa é a metologia da esperança: crer e caminhar. Caminhar exige realidade. Crer exige fé. É preciso não só crer, mas expressar o que crê na realidade. É preciso não só amar o ideal, mas colocá-lo no real. É preciso ser absurdamente realista para expressar o ideal de alguma forma no real. Ignorar a realidade é incapacitar a expressão do ideal. Aquele que se prende no ideal, torna-se alienado. Aquele que se prende no real, torna-se escravo. Na realidade, o peso nos esmaga. Na idealidade, flutuamos infinitamente, fugindo eternamente da Terra. É preciso estar com os pés no chão e a cabeça no céu. Isso é aquilo que chamo de metodologia da esperança: é preciso crer e caminhar, mesmo que às vezes a caminhada contradiga a fé e que a fé contradiga a caminhada. A doutrina é a expressão da conexão do real com o ideal. Aquele que melhor conectar as duas instâncias melhor se expressará como ser humano. Tudo isso pode ser resumido na frase de Santo Inácio de Loyola: "ore como se tudo dependesse de Deus e trabalhe como se tudo dependesse de você", essa é a metodologia da esperança.