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sábado, 30 de agosto de 2025

Acabo de ler "Filosofia do Direito" de Miguel Reale (parte 4)

 


Miguel Reale levantará, nesse capítulo, vários questionamentos em relação a afirmação do neopositivismo sobre a função da filosofia de apenas receber os resultados das ciências e coordená-los em uma unidade nova.


1. Com que critério se fará a síntese?

2. Será essa síntese possível, ou necessária?

3. Graças a que faculdade sintetizadora?

4. Em que limites e com quais condições?

5. Quem nos dá o critério de valor para cortejar, para excluir e resumir resultados?

6. Qual será a norma para estimativa da unidade?

7. Quem nos assegura que nos resultados da ciência já esteja iminente a unidade que se busca?

8. Será essa unidade possível?


- Problema do Critério: nas perguntas 1, 5 e 6, o questionamento é como escolher e hierarquizar os resultados científicos sem um critério externo à própria ciência;

- Problema da Possibilidade: nas perguntas 2,7 e 8, a questão é se a unidade total do conhecimento científico é possível ou necessária. E quais seriam os resultados científicos que já contêm em si essa unidade;

- Problema da Faculdade: na pergunta 3, o questionamento é qual faculdade humana (razão ou intuição axiológica) seria responsável por produzir a síntese esperada, já que a ciência em si mesma opera por outros métodos;

- Problema dos Limites: presente na pergunta 4, o questionamento leventado é até onde essa síntese pode ir sem se tornar uma especulação de caráter metafísico, que é a mesma coisa que o neopositivismo se opõe.


Isso tudo sugere que há um prisma ou um valor. Mas retomamos isso mais tarde.


Os resultados possíveis dessa busca, para resolver as questões de Miguel Reale, são:

1. Repetir o que a ciência disse;

2. Elaborar um índice da ciência.


Miguel Reale nos apresenta uma ideia: se é possível confrontar soluções parciais para se atingir uma compreensão total, é porque possuímos a capacidade de considerá-las, elas não são abstratas ou abstraídas do processo espiritual, mas sim referidas a força una e íntegra do espírito. A filosofia, desse modo, é mais uma crítica das ciências do que um compilado das ciências. 


O que Miguel Reale tentará realizar nesse capítulo é trazer uma diferenciação da filosofia e da ciência — além da ciência cultural — para restaurar a autonomia da filosofia diante da ciência.


— Ciência:

1. Explica fatos segundo os seus enlances causais;

2. Estende, desenvolve e torna explícitos os elementos implícitos que observa;

3. Determina relações constantes de coexistência e sucessão.


— Ciência Cultural:

1. Não se limita a explicar;

2. Realiza-se graças a compreensão;

3. Subordina fatos a elementos teleológicos;

4. Aprecia elementos as suas conexões de sentido.


— Filosofia:

1. Compreensão total;

2. Referibilidade axiológica;

3. Unidade do sujeito com a unidade da situação do sujeito;

4. Totalidade de conexões de sentido;

5. Cosmovisão fundamental.


Aqui existe a refutação de que a filosofia é serva da ciência através do escopo e do método. A Ciência (natural) tem como função principal explicar fenômenos, o método visa causalidade e relações constantes, o objeto observado por ela são os fatos mensuráveis e observáveis. A Ciência Cultural tem como objeto compreender fenômenos, tem como método a subordinação de elementos teleológicos e conexões de sentido, tendo como objeto as ações humanas, a cultura e a história. A filosofia, por sua vez, tem como função principal a compreensão total e a valoração, tem como método a referibilidade axiológica e a busca da totalidade, tendo como objeto a unidade do sujeito e do mundo (cosmovisão).


Uma falha positivista que Miguel Reale comentará é a mesma falha apontada por Karl Popper: muitas vezes a ciência apresenta soluções provisórias, precárias e, até mesmo, precipitadas. Segundo Karl Popper, o princípio de verificação dos neopositivistas é uma tautologia analítica — mesmo elemento que os neopositivistas criticavam. Isto é, o princípio de verificação não é empiricamente verificável. Ou seja, ele também seria carente de significação e não científico. Karl Popper, por sua vez, apresentará o critério da falseabilidade para corrigir esse problema.


Miguel Reale, por sua vez, apresentará uma crítica de caráter axiológico. Ele viu no neopositivismo uma inconsistência lógica. Visto que se o princípio central do neopositivismo não pode ser validado por seus próprios métodos, então ele mesmo é um pressuposto valorativo. Se a premissa é que só terá validade o que é analítico ou empíricamente verificável, a crítica é que esse princípio não é analítico e nem empiricamente verificável.


Fazendo uma formulação mais precisa entre os dois:


— Karl Popper:

A crítica de Popper é de natureza lógica-metodológica. Ele observa que o critério de verificação é auto-refutante, visto que o próprio critério de vrificação não é analítico e nem empiricamente verificável. O critério de verificação é, portanto, pela própria regra que impõe, carente de significado. A solução que Popper apresenta é o critério da falseabilidade (ou testabilidade). Ou seja, uma teoria é científica se ela for passível de ser falseada por um experimento observacional.


— Miguel Reale:

A crítica de Miguel Reale é axiológica e fenomenológica. Ele declara que problema é que quando os neopositivistas declaram que apenas o analítico e o empírico têm valor, o neopositivismo esconde o seu próprio pressuposto valorativo — o que Miguel Reale está tentando provar é que os neopositivistas inconscientemente carregam uma axeologia. Eles (os neopositivistas) fazem uma escolha de valor sobre o que é importante para o conhecimento, mas negam à filosofia o direito de examinar valores. A solução seria reconhecer que a filosofia tem uma autonomia baseada na experiência espiritual total do sujeito, cuja a fundação seria a compreensão da realidade através de critérios axiológicos, isto é, de valor, que permitem criticar e dar sentido às conquistas parciais da ciência. 

domingo, 30 de junho de 2024

Acabo de ler "8chan, a Twitter-Fossil" de Susana Gómez Larrañaga (lido em inglês/Parte 1)

 


Nome completo do artigo: 8chan, a Twitter-Fossil: A post-digital genealogy of digital toxicity


É interessante observar que dentro desses "feudos virtuais" vemos um esforço narrativo de caráter sistemático de grupos socialmente excluídos e tóxicos. Quando distintos grupos sociais marginais se encontram, acham um meio de criar um sistematização de sua marginalidade. Essa marginalidade toma um aspecto de "sobrecamadização", adquirindo uma lógica mais estrutural e consistente. Essa "sobrecamadização marginal" vai gerando um sistema. Esse sistema cria um universo paralelo em que só a narrativa do grupo importa. Ou seja, o universo referencial está dentro do grupo e só o grupo se vê como portador da verdade. Uma lógica que remete a "organicidade" das seitas – visto que as seitas criam universos paralelos que possuem a sua própria universalidade. A mentalidade tóxica pode, por sua vez, adquirir o aspecto substancial de uma seita virtual.


Chamo os chans de "feudos virtuais" pois eles unificam uma série de pessoas que foram marginalizadas socialmente e encontraram no chan um universo alternativo longe do mainstream para viverem a sua vida social. É ali que está a unidade da sua formação. E é ali que encontram um meio de criar um rigor sistêmico que dê embasamento as suas crenças.  O fato de suas crenças serem tóxicas e socialmente prejudiciais somado a junção de sobrecamadas de teorias marginais leva, por conseguinte, a uma sofisticação de seu ataque ao organismo social mainstream – que é tido como corrupto – e o aumento do organismo social underground – que é tido como ideal. Esse desenvolvimento, pouco perceptível para a maioria, torna o chan o ponto de encontro estratégico para "intelectuais sombrios" que precisam de maior refinamento de suas teses.


Um grupo marginal precisa se precaver contra a maioria das pessoas. Enquanto a "sociedade mainstream" se organiza através de uma relativização de crenças – ou seja, evita um dogmatismo – para comportar um número de pessoas maior, a "sociedade underground" requer um número de pessoas menor. O princípio de associação majoritária requer um desenvolvimento de uma mentalidade de tolerância para que esses distintos grupos convivam harmonicamente entre si. O princípio de associação minoritária requer um desenvolvimento que vá no sentido oposto, desenvolvendo uma intolerância contra quem rejeita a sua identidade, visto que grupos pequenos que tentam sobreviver em meio a grandes grupos precisam estimular a própria sobrevivência por meio da rigidez – em chans, isso surge a nível identitário. Por outro lado, para fugir da maioria e não se tornar um alvo, se requer uma linguagem e um comportamento linguístico que fuja da maioria da população. É por isso que há um "esoterismo comportamental" nos membros: eles não dão de bom grado a informação necessária para a formação do novo membro, é quase como que se dissessem: "se quer saber de de nós, seja ou torne-se um de nós". Por sua vez, há um "esoterismo funcional", visto que dentro dos chans a informação é deletada de tempos em tempos por causa da estrutura dos fóruns (imageboards).


O fato é que muito dificilmente se poderia juntar todos os dados do mundo – os dados estão fragmentados pelo próprio mundo – sem um grupo de pessoas dedicadas a unificar esses dados. A junção desses dados é chamada de sistemática. O sistematismo é usualmente comum ao exercício filosófico, mas pode ser encontrado em qualquer escola de pensamento e é comum ao âmbito acadêmico. A diferença é que na estrutura universitária o desenvolvimento intelectual envolve uma leitura de mundo mais aberta. No contexto channer, essa formação sistemática não se dá pela assimilação de múltiplas escolas de pensamento através de um esforço dialógico, mas por um número reduzido de formadores – aqueles que foram enquadrados como úteis a causa. Se a universalidade é questionável pois é impossível adquirir todos os dados do universo para se ter uma noção do que verdadeiramente é universal – o universal é incognoscível pois nossa capacidade de adquirir dados e informações (além de compilá-las mentalmente) é contingencial –, o simulacro de universalidade é uma ilusão de que se adquiriu a universalidade. Ora, tal simulacro de universalidade é o jeito com que as seitas e os grupos fechados mantêm controle mental sobre seus partidários. Em seitas e em grupos fechados o que interessa não é o aprimoramento (acuracidade) dos múltiplos objetos e subjetividades de seu estudo, mas a narrativa da própria seita ou grupo fechado. Todavia para que não seja aparente esse desvio informacional deliberado se faz necessário que se creia que o grupo é portador da verdade e que toda verdade emana desse próprio grupo, logo a estrutura alternativa é encarada como a única via de acesso a própria verdade. Uma condição comum em sociedades gnósticas. Um breve adendo: mesmo que existam sociedades fechadas com propósitos psicológicos e psiquiátricos – também militares e religiosos –, estou me referindo a mentalidade de seita.


Não por acaso a cultura channer se tornou, para algumas pessoas, uma forma de escola cybercriminal em que os dados compilados adquirem a forma de uma organização sistêmica. Essa organização sistêmica possibilita uma série de táticas para o contínuo fortalecimento desses grupos marginalizados – excluídos da sociedade – em conjunto aos agrupamentos marginais – que tem uma postura ativamente contrária ao sistema vigente. É evidente que aqui o termo "marginal" tem a "aplicação amoral", podendo ser um grupo que tem objetivos que podem ser vistos como benignos ou malignos, mas o fato é que todo grupo marginalizado que se junta ativamente contra a sociedade é um grupo marginal. Peço encarecidamente que observem que o termo marginal está de forma genérica.

terça-feira, 2 de abril de 2024

Acabo de ler "Apontamentos bibliográficos sobre jogos teatrais no Brasil" de Alexandre Mate

 



O teatro é uma arte de subversão. Em todos os períodos históricos em que regras moralizantes, vindas das elites dominantes, foram postas para cercear a arte teatral, essa se viu privada de sua potência e, de modo inequívoco, tornou-se falha e desvirtuada.


A questão teatral é diferente de outras, existem três estados:

1- Jogo-Educação:

A primeira premissa que nos surge é a radicalidade divergente do método teatral. Seu método se dá muito pelo lúdico, como se estivesse num jogo.

2- Reflexão por Imaginação e Simulação Vivencial:

O teatro reflete por meio de exercícios que treinam a musculatura da imaginação. E é por meio dela que os estudantes vão, pouco a pouco, se reimaginando e se reinterpretando.

3- Provocação pelo Imaginário:

Aquele que se depara com uma narrativa utiliza sua própria memória e vida para refletir as questões existenciais que a obra apresenta. Logo a sua reflexão parte da sua emoção só para depois atingir a razão.


O ato teatral é, em si mesmo, uma postura subversiva. É subversivo em seu método educacional, atacando aqueles metódicos da rigorosidade objetiva que separam a emoção, o eu, o subjetivo. É subversivo na forma com que promove a reflexão, visto que sua reflexão parte de uma brincadeira e adentra em simulações existenciais. É subversivo na forma com que atinge o leitor, visto que o leva a refletir por meio de seu imaginário e coração. Tudo isso demonstra que o teatro está sempre numa posição distinta, de choque, de não-lugar.


O teatro é algo que vai sempre além. É algo que ultrapassa. Algo que esmaga as concepções dos outros intelectuais. Algo que ataca vertical e horizontalmente a tudo que está na sociedade. Rindo enquanto é sério. Chorando enquanto é feliz. Essa é a postura do teatro, é a postura da quebra paradigmática enquanto posição paradigmática.

segunda-feira, 1 de abril de 2024

Acabo de ler "Jogos de Improvisação" de Flávio Desgranges

 



Muitas vezes olhamos as ciências humanas como uma educação baseada na subjetividade, todavia essas exigem uma alta carga de abstração que, apesar de aumentar a objetividade, também tornam o estudante abstraído da própria questão em que se coloca. O teatro, entretanto, age de forma distinta.


Nos jogos teatrais adentramos numa outra forma de colocação, num outro modus operandi, em que o objeto investigado e a vida vivenciada se demonstram complementares. Realidade e imaginação, vida e criação, abstração e real, empirismo e epistemologismo. Tudo se dá de forma conjunta.


No jogo teatral a investigação é a forma com que imaginativamente nos colocamos em cenários, recriando substancialmente, corporificando como se tudo fosse, não um mero jogo, mas a vida que de fato vivemos e os sentimentos que de fato sentimos. O objetivo da investigação teatral é abrir, por meio de um jogo, a percepção daquele que analisa. Só que nessa investigação não há separação entre ser-epistemologizante e objeto-epistemologizado. Ser e objeto não estão separados, estão na mesma condição de subjetividade.


O acadêmico de humanas costuma, em sua prática, separar a sua realidade psíquica para depurar a sua análise da realidade. Assim ele garante a sua objetividade. Já o estudante de teatro faz de outra forma: ele investiga por meio de um contato íntimo com o objeto de sua análise, confundindo a noção entre realidade e ficção, tornando até mesmo ficção em realidade.


Estudar de forma teatral não é apenas ler um livro, ler um artigo. Não é escrever sobre algo que está distante. Estudar teatro é viver o livro, viver o artigo, escrever sobre o que está no próprio coração. É por isso que o estudo do teatro é tão maravilhoso e rico, visto que promove alteridade a cada momento.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Redpill é meu ovo!




Toda ideologia se funda no mesmo elemento gnóstico que se funda a redpill. E esta se deve a falsa resolução do mito da caverna:


O mito da caverna só tem uma "resolução possível", e esta é plenamente negativista. Isto é, a acoplagem de conhecimento aumenta o espaço da caverna, porém sem você sair dela. Quanto mais conhecimento tiveres, menos prisional se torna a caverna. Só que você nunca sairá dela: a aquisição de mais e mais conhecimentos pelo resto da vida é a forma de se lidar com o problema, mas não há como sair dele em absoluto. O mito da caverna só tem solução metafórica, quando o ser se liberta dum aspecto contingencial, cai em outro.


A redpill é literalmente mais um gnosticozinho dizendo: "veja, se você aderiu minha crença, você é livre". Aí você cai alguma bobagem (reducionismo de classes, reducionismo de raças, reducionismo de individualismo) - aquilo que poderíamos chamar de religiões civis. O verdadeiro conhecimento é o aumento contínuo do próprio conhecimento, destruindo as reduções tipicamente gnósticas que dão caráter circular e delimitado. A solução sempre envolve uma complexificação, visto que envolve o aumento de critérios em que se baseia a capacidade de perceber epistemologicamente o real, a ideologia é e vai num sentido completamente oposto: é um aspecto da realidade tomado em sentido absoluto.


Só que a maioria das pessoas não sabe que o absolutismo do real requer a relativização dos critérios unilaterais e/ou monistas. Este não é o relativismo niilista que nega a verdade por ela ser necessariamente múltipla, nem o relativismo sincrético que não se realizou em síntese, mas o próprio relativismo sintético que ampliou a capacidade de inteligir. A maioria das pessoas saem duma caverna e adentram noutra, migrando de religião civil para religião civil (do fascismo ao marxismo, do marxismo ao positivismo, do positivismo ao anarquismo, etc.). A verdade é a aceitação da multiplicidade do real, em que os critérios entram em síntese e, com base nisso, tudo aquilo que era parcial é locupletado, tornando-se relativizado.


Todo esse exercício leva a uma agonia em que o verdadeiro intelectual entenderá, a cada dia mais, que o mundo é complexo demais para ser resolvido via simplificações grosseiras da realidade. Já que afirmações literais tomam cada vez menos espaço e ele vê uma série de exemplos que se juntam, alterando o que parecia grosseiramente simples em algo de intenso aspecto multifacetado. Dito isto, crenças circulares demais e respostas cabais demais importar-lhe-ão cada vez menos.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Kage no Jitsuryokusha - Vol III - Aizawa Daisuke" (lido em espanhol)

 



Existem sutilezas que só uma pessoa habituada aos múltiplos caminhos da inteligência poderiam chegar. Uma dessas capacidades é a capacidade de sintetizar a universalidade de um saber numa única obra. Isto é, traduzir todo seu conhecimento sistemático numa unidade ordenada capaz de abordar múltiplos pontos de forma coesa. Um ponto em que a diversidade heterogênea encontra uma síntese fulminante, em que todas as fragmentárias partes adentram como uma só. Essa seria a unidade do conhecimento, a iteração dos saberes.


Ora, se você se pergunta a razão de eu estar fazendo essa introdução numa abordagem mais ligada à epistemologia em vez duma simples crítica literário, já respondo: esse livro, bastante conexo, demonstra uma inteligência formidável que dificilmente poderia ser apreciada de forma correta por olhos mais desatentos. O autor conseguiu de forma simultânea aplicar toda uma capacidade narrativa, junto a um imaginário fantástico - que demonstra e demanda por sua vez um conhecimento de mitologia comparada - ao lado dum conhecimento de economia.


Nessa história, vemos uma dramaticidade em que Shadow aparentemente trai suas companheiras do Jardim das Sombras. Isso gera um grande conflito psíquico e identitário nas pobres donzelas. No final, tudo se ajeita de forma brilhante. Todavia o objetivo de Shadow, homem ininteligível, era de fato as trair. Só que o autor colocou de forma brilhante toda essa confusão e, mais uma vez numa solução que é boa para os personagens e intrigante para o leitor, deu-nos um show de lore. O personagem central não sabe o que faz, as personagens secundárias também não compreendem e acham que compreendem. Toda essa sutil trama se revela ao leitor como numa quebra sutil de quarta parede em que, no fim de tudo, rimos de tal desfecho e deslumbramo-nos intelectualmente da capacidade do autor.


Com certeza essa é uma das obras mais fantásticas de toda a cultura nipônica e, certamente, uma das que mais me interessei. Tanto que li esse livro inteiro em um único dia. Espero que, se alguém ler essa análise, tenha o coração tocado e também vá ler a pequena novela ou assistir o anime.

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Acabo de ler "Freud para Historiadores (pág 1 a 51)" de Peter Gay

 



O avanço da historiografia depende, tal como doutras áreas, duma amplitude de espírito aberto a outros paradigmas, a outros pontos que, dalguma maneira, entrelaçam-se num salto de qualidade e quantidade epistêmica. Peter Gay apontará, e com bastante razão, a necessidade de ajuda da psicologia, em particular da psicanálise, como disciplina de caráter auxiliar.

A missão do historiador, a análise do espaço-tempo em que ele se insere e propõe-se a resolver, coloca-o numa problemática em que ele terá que desenvolver necessariamente uma maestria em outras áreas do conhecimento. Sem isso, perder-se-á na incompletude que delimitará contingencialmente seu trabalho de forma a torná-lo ineficaz. O historiador precisa, para tal, deixar de ser apenas um psicólogo informal que não domina muito bem o campo de estudo da alma humana.

No estudo das causas que movem o agir humano esconde-se um enigma que, quando não resolvido, obscurece a própria capacidade de inteligir o espírito do tempo. Esse é, de forma espetacular, sempre antigo e sempre contemporâneo: as razões espiritualmente moventes dos corações humanos e nas transfigurações que as ideias, contidas em cada peito, tomam.

Não basta, para Peter Gay, dizer a proporcionalidade objetiva que uma ideia se dá em dada escala de realidade. É preciso saber a razão, a causa, a explicação de como o fenômeno tomou forma no coração de cada agente histórico. Para tal, é preciso ir além do "simples" historicizar. É preciso que se seja capaz de, com arte, perscrutar as sutilezas da psiquê humana.

Creio que, mesmo os opositores mais hostis da psicanálise, acreditarão que a psicologia é uma excelente disciplina auxiliar para fim de tamanha magnitude. Por tal razão, o livro permanece atualíssimo nas questões que levanta e nas soluções interdisciplinares que elenca.