sexta-feira, 1 de novembro de 2024
Acabo de ler "Anatomy of the State" de Murray N. Rothbard (lido em inglês/Parte 3)
domingo, 27 de outubro de 2024
Acabo de ler "Campus Battlefield" de Charlie Kirk (lido em inglês/Parte 14)
Nome:
CAMPUS BATTLEFIELD
HOW CONSERVATIVES CAN WIN THE BATTLE ON CAMPUS AND WHY IT MATTERS
Autor:
Charlie Kirk
A academia não é formada por sentimentos, embora eles façam parte dela. A academia é formada por uma série de pessoas que, ao debaterem livremente, possuem uma possibilidade maior de compreensão dos fatos. As diferentes escolas de pensamento, os seus diferentes pontos de vista, enriquecem o debate e as informações e compreensões que existem nele. É a liberdade de expressão, além de um olhar cauteloso perante sistematismos dogmáticos, que forma o debate.
Atualmente muito se fala sobre a organização do sistema econômico. Só que essa argumentação tem sido pautada por um excesso de moralismo para que não se veja os diferentes lados dessa história. A grande maioria chega a supor que os intelectuais de esquerda querem grandes burocracias pois seriam os beneficiários primários do poder político e econômico que essas grandes burocracias teriam. A outra grande maioria crê que os intelectuais de direita defendem a iniciativa privada por supostamente odiarem os pobres e o acesso que eles teriam a maiores oportunidades de vida. É evidente que isso descarta o debate a priori, já que as argumentações acerca da produtividade econômica – o que é mais favorável para a distribuição de recursos sociais – é amplamente ignorada.
A argumentação da direita acerca da economia tende a ser a de que um sistema descentralizado, onde as pessoas podem tomar diferentes iniciativas e testar diferentes fórmulas, é melhor do que um sistema centralizado, visto que esse impossibilitaria a possibilidade daquilo que poderíamos chamar de "feedback". Quando essa crítica é ignorada, como o é na maioria dos casos, o debate é simplesmente blindado.
sábado, 26 de outubro de 2024
Acabo de ler "Campus Battlefield" de Charlie Kirk (lido em inglês/Parte 11)
Nome:
CAMPUS BATTLEFIELD
HOW CONSERVATIVES CAN WIN THE BATTLE ON CAMPUS AND WHY IT MATTERS
Autor:
Charlie Kirk
Uma das palavras mais constantemente ditas é "trigger", essa palavra representa o "gatilho". Esse "gatilho" é o comportamento, a palavra, que leva a um grande devastamento social a partir do que é dito ou feito. O que, por sinal, demonstra como vai a nossa sensibilidade social e o rumo da opinião pública – visto que sempre nos baseamos no que é feito nos Estados Unidos da América.
A tese é que somos vítimas de uma cultura. E se uma cultura nos vitimiza, devemos depor essa cultura. A cultura deposta será... A cultura ocidental. E o que virá depois dela? Uma cultura inclusiva – ou algo que ninguém sabe exatamente ao certo, visto que os resultados não vem sido animadores até o presente momento.
Em classes de aula, os professores não sabem muito bem como executar uma educação que não ataque os sentimentos dos seus alunos. Até o presente momento, entramos em discussões prolongadas acerca do legado ocidental e como o estudo dele pode levar a um ataque das pessoas não brancas – que sofreram a agressão ocidental. A partir disso, o ponto epistêmico deve ser trocado e dar lugar a um estudo não colonialista ou perpetuador da superioridade do homem branco.
É um objetivo nobre a expansão da atividade acadêmica, visto que há uma necessidade dessa expansão para o seu aprimoramento. Só que há um vício que manipula conceitualmente o debate. Esse vício afirma que toda forma ocidental é inerentemente ruim, ao mesmo tempo que impõe categoricamente uma série de vítimas e uma série de algozes em sentido absoluto sem que exista um enquadramento mais complexo.
Não há como fazer uma academia onde as pessoas sempre se sintam confortáveis em todas as instâncias. Isso não é só humanamente impossível, é também academicamente irrealizável, visto que a realização acadêmica só existe com base numa confrontação dialética entre diferentes ideias. O debate não pode ser ditado pelos ventos da sentimentalidade e por um esquerda autocrática.
sexta-feira, 25 de outubro de 2024
Acabo de ler "Campus Battlefield" de Charlie Kirk (lido em inglês/Parte 10)
Nome:
CAMPUS BATTLEFIELD
HOW CONSERVATIVES CAN WIN THE BATTLE ON CAMPUS AND WHY IT MATTERS
Autor:
Charlie Kirk
Anteriormente, os estudos liberais queriam que tivéssemos uma perspectiva de enriquecimento cultural coletivo. A perspectiva ocidental é fundamentalmente uma perspectiva da liberdade de consciência. Hoje em dia, temos uma cultura que vê na chamada "cultura liberal" como apenas uma cultura de velhos homens brancos que defendiam a dominação. O que entrou no lugar foi uma crítica sistemática a forma antiga de ver o mundo. Essa nova forma de ver o nosso legado vê todo nosso legado como ruim, de forma sistematicamente dogmática – e sem uma análise parcimoniosa acerca de cada ponto, como exige o rigor filosófico.
Hoje em dia, os novos estudos levam a crer num extremismo criticista que vê tudo que lhe é anterior de forma pejorativa. De forma maniqueísta se assume que éramos maus e estávamos imersos numa rede de ignorância sem fim até que se reinou, por fim, uma elite iluminada que condena todos os erros do passado. Esse passado não tem acertos, é evidente. Em meio a isso, uma série de figuras se destacam pela defesa dos "velhos pontos" e são caçadas por "defenderem o mal".
O problema da cultura acadêmica é que ela tem as afastado do seu propósito. O problema não é o debate ou o questionamento, mas a ausência de debate ou questionamento. Tudo aquilo que aparece como um ponto fora da curva é, então, tratado como uma espécie de heresia contra os mais novos avanços da humanidade. Um passo para trás que é injustificável, visto que estamos avançado para o paraíso terrestre em que a igualdade e a prosperidade geral finalmente se firmam. O problema não é o acúmulo de novos estudos de gênero, sexualidade, raça e de crítica ao sistema capitalista, mas a impossibilidade de ter estudos que vão além disso ou de estudos mais clássicos. Além da impossibilidade de crítica as teorias desses novos estudos, já que toda crítica é vista como um retorno à barbárie.
Toda essa criticidade vem se mostrado mais como uma espécie de criticar tudo o que existe do que em positivamente construir algo que seja um novo paradigma. A crítica não é, em si mesma ruim, só que é necessário um equilíbrio e um ponto de funcionalidade – mesmo que mínima.
Acabo de ler "Campus Battlefield" de Charlie Kirk (lido em inglês/Parte 9)
Nome:
CAMPUS BATTLEFIELD
HOW CONSERVATIVES CAN WIN THE BATTLE ON CAMPUS AND WHY IT MATTERS
Autor:
Charlie Kirk
Quem há de definir onde e quando falar? Para determinar isso, uma série de consagrados burocratas têm trabalhado ardorosamente para definir quem poderia, em tese, pronunciar um discurso dentro de uma universidade e em qual contexto. Além disso, uma enorme lista de termos permitidos e proibidos, uma enorme lista de classificações sociológicas e psicológicas, além de uma lista de prioridades relacionadas a cor, gênero, sexualidade, classe.
A universidade não deveria ser, antes de um tudo, um local em que há uma discussão civilizada entre as mais diferentes ideias? Não é fundamentalmente a discussão civilizada que forma a ideia central de universidade? Tal como a democracia é essencialmente dialógica, a universidade é dialógica ou escapa a sua missão fundamental.
Um argumento que vem sido usado ao longo do tempo é que precisamos distinguir o que é uma simples troca de diferentes pontos de vista do que é uma troca de ofensas. Anteriormente, isso era possível. Hoje em dia, estamos saindo da classificação de falas proibidas – que são cada vez maiores – e adentrando nas ideologias proibidas – que, também, são cada vez maiores.
É evidente que existem grupos que são notoriamente contrários a democracia e ao debate livre, querendo destruir a própria possibilidade de que esses debates ocorram e que o sistema democrático funcione. Há, no entanto, um porém: o ataque e proibição dos grupos antidemocráticos se tornou uma carta coringa que faz com que diferentes grupos sociais acusem uns aos outros de fascistas para que o grupo opositor seja caçado. A relativização terminológica, junto a noção de que grupos antidemocráticos são proibidos, leva a um desenvolvimento em que todo mundo pode ser acusado de fascista por parte de uma manobra.
Acabo de ler "Campus Battlefield" de Charlie Kirk (lido em inglês/Parte 7)
Nome:
CAMPUS BATTLEFIELD
HOW CONSERVATIVES CAN WIN THE BATTLE ON CAMPUS AND WHY IT MATTERS
Autor:
Charlie Kirk
O estudo psicológico revelou uma série de termos que serviam para o ataque de grupos socialmente desfavorecidos e como esses termos eram usualmente utilizados para o ataque desses grupos. Além disso, demonstraram o impacto psicológico das assim chamadas "micro-agressões" – termos pejorativos rotineiramente utilizados – e como elas influenciavam a vida das minorias ou grupos desfavorecidos.
O problema é que essa boa intenção inicial trouxe uma outra série de termos. Alguns faziam bastante sentido, outros perderam o significado inicial. Isto é, alguns termos já não estavam mais no sentido histórico em que anteriormente eram encarados. Outros representavam algo diferente. Pode-se dizer que quase ninguém em sã consciência utilizaria a palavra "denegrir" no sentido racista no século XXI, mesmo com todo o alarde que se faz acerca desse termo. Além do termo "esclarecer" num sentido eugenista.
Se os termos passados no parágrafo anterior poderiam ser "questionáveis", embora objeto de uma discussão sobre a sua natureza racista ou não, outros termos surgem. Esses termos são frases como "acredito que todo mundo que se esforce consegue ascender socialmente". Essa seria uma frase racista? Onde está, dentro dessa frase, uma colocação racista? Aí é que está: há toda uma teoria que afirma que a sociedade não tem uma igualdade de oportunidades suficientemente boa entre pessoas de diferentes raças para a meritocracia ser considerada como algo justo – o que, de fato, é uma verdade –, mas julgar essa frase como racista exige um esforço teórico muito grande.
quarta-feira, 23 de outubro de 2024
Acabo de ler "Campus Battlefield" de Charlie Kirk (lido em inglês/Parte 6)
Nome:
CAMPUS BATTLEFIELD
HOW CONSERVATIVES CAN WIN THE BATTLE ON CAMPUS AND WHY IT MATTERS
Autor:
Charlie Kirk
Um dos principais debates que rolam no ambiente acadêmico americano – e também no Brasil, que importa o conteúdo da nova esquerda – é o chamado "safe space". O "safe space" seria um local seguro, longe de toda e qualquer opressão. Uma frase maravilhosa e, tal como toda e qualquer frase maravilhosa, esconde algo por trás.
É interessante como a distorção narrativa apresenta muitas finalidades. Hoje em dia, até mesmo um discurso liberal – o antigo liberalismo, não o novo –, pode ser censurado com a premissa de que ele é um discurso "fascista, misógino, racista". Por mais que eu discorde prontamente da meritocracia, apontá-la como um discurso "neofascista" é o extremo que ocorre em alguns campos universitários. Além disso, a própria relativização terminológica do fascismo coloca uma série de discursos não fascistas como algo fascista.
Tal como toda política e ação política, existe um planejamento por trás disso. Uma simples ação esconde uma estratégia sutil, deliberadamente provocada, para a construção de longo prazo de um objetivo concreto. Por exemplo, a ausência de proporções, a rigor, beneficia aquele que distorce as proporções para a justificação narrativa. A relatividade ambigua de certas palavras constrói, pouco a pouco, uma possível ação estratégica. Tudo atua, por fim, como numa esoguerra – uma mescla de um esoterismo comportamental e atitude guerreira.
Todo objetivo, supostamente simples em sua criação, pode ser distorcido por uma tática de manipulação sutil. Se anteriormente os "safe space" serviam para o encontro de minorias marginalizadas, hoje o "safe space" tem o objetivo de calar toda e qualquer oposição. Como já foi esmiuçado, o sentimento que define se algo é politicamente incorreto ou politicamente correto. Basta alguém "se sentir" ferido. Só que, bastando alguém se sentir ferido, há todo um pretexto para que isso seja usado para criminalizar, dentro do campo universitário, toda uma série de posicionamentos com base nesse sentimento.
Um exemplo disso é: o que de fato faz alguém ser verdadeiramente ofendido e até que ponto ser ofendido deve ser uma preocupação séria? Todos estamos sujeitos a sermos ofendidos. Só que há um porém: se um estudante se sente ofendido por um professor que, numa aula sobre o liberalismo, passa pensadores liberais no período da ascensão e concepção do movimento liberal, o que podemos fazer? O aluno pode alegar que isso é uma redução eurocêntrica, que marginaliza as suas visões ao não contemplar uma série de outros movimentos históricos em outros locais do mundo. Ora, é um fato que o estudo deve estar aberto e esmiuçar toda uma série de complexidades, só que isso não abre contexto para uma outra posição? A partir de uma perspectiva histórica de que o liberalismo é, em si mesmo, um movimento de exploração e destruição, então o próprio liberalismo, em sua forma clássica, pode ser proibido para não "ofender" os sentimentos subjetivos de ninguém.
Uma alegação provável, conforme uma série de estudos, pode nos fazer crer que não deveríamos estudar a história européia ou norte-americana. Já que essa seria a visão histórica dos opressores e colonizadores. O correto seria, por sua vez, estudar a história da África. É evidente que os fatores de exploração, além do colonialismo, deveriam ser abordados em sala de aula. Só que não é estranho quando essa visão decai num maniqueísmo? Hoje em dia, estudar a história das assim chamadas "grandes civilizações" pode ser interpretada como uma espécie de "apito de cachorro" e uma comprovação, por si mesma, de uma mentalidade colonialista. A visão da história americana deve ser, por exemplo, ruim em todos os pontos possíveis. Não há momentos de glória e nem de avanço em liberdades hoje tidas por primordiais. O próprio fato de que os Estados Unidos da América terem inaugurado o que seria uma "nação moderna", com aquele progressismo liberal, é desconsiderado.
É evidente que garantir a segurança na faculdade é uma parte importante. Só que a segurança física, um local acolhedor, está servindo junto com um outro propósito: o de proteger as pessoas do debate entre diferentes ideias. A faculdade deve proteger as pessoas dentro dela, só que ela deve proteger o debate até mesmo assegurando que ele ocorra para o seu próprio bem. Somente assim poderemos ver a frutificação da verdadeira democracia: o espírito do debate entre diferentes ideias de forma metódica e civilizada.
Acabo de ler "Campus Battlefield" de Charlie Kirk (lido em inglês/Parte 4)
Nome:
CAMPUS BATTLEFIELD
HOW CONSERVATIVES CAN WIN THE BATTLE ON CAMPUS AND WHY IT MATTERS
Autor:
Charlie Kirk
Se houvesse uma palavra que definisse a retórica das universidades americanas e o seu programa, essa palavra seria: diversidade. Evidentemente não é uma "diversidade" de pensamento. A diversidade são entre as diferentes colorações de vermelho e as diferentes versões de liberalismo. Sem nunca adentrar, é claro, numa tonalidade mais azul ou conservadora.
Quando John Stuart Mill falava de liberdade, ele falava de uma liberdade diferente. Essa liberdade seria uma liberdade em que a própria liberdade do outro, apesar de indigesta para nós em muitos casos, era considerada. Já que a liberdade também é a liberdade de antagonismo, embora não seja a liberdade de destruição. O debate, quando saudável, aprimora os dois debatentes mesmo quando não há um consenso sobre determinado ponto.
Em vez do livre-exame e da livre argumentação, temos o exato oposto. Pessoas esperando para serem ofendidas e, logo que ofendidas, esperando a oportunidade para a destruição do adversário. Seja por meios legais, seja por meio do grito e da violência das hordas. Esse desenvolvimento pareceria improvável num ambiente ditado pelo debate como é a academia. A mesma academia que fala sobre a "cruel censura" da Igreja Católica nos tempos da Idade Média e da "mentalidade repressora" da inquisição.
O fundamento da democracia não é o que consideramos mais puro e belo em nosso próprio coração. O fundamento da democracia é aquilo que está dentro de nós em diálogo com o outro. A sociedade aberta, por assim dizer, prospera quando estamos numa posição dialógica e dialética. É o debate e a fala que constituem, a rigor, a democracia. A democracia é um esforço de abertura, não um conjunto de pessoas esclarecidas que se creem abertas e, por tal razão, não se abrem ao debate.
Anteriormente se havia estabelecido o que seria uma linguagem de ódio e o que seria uma linguagem mais "comum". Hoje temos uma abordagem que fica a mercê de um mero sentimento. Todo discurso, a depender do grupo favorecido, pode ser encarado como "ofensivo" a depender não mais de classificações precisas, mas de prosaicos sentimentos.
terça-feira, 22 de outubro de 2024
Acabo de ler "Campus Battlefield" de Charlie Kirk (lido em inglês/Parte 3)
Nome:
CAMPUS BATTLEFIELD
HOW CONSERVATIVES CAN WIN THE BATTLE ON CAMPUS AND WHY IT MATTERS
Autor:
Charlie Kirk
O movimento da nova esquerda americana começou com a defesa da liberdade de expressão. Isso pode parecer errado ou, no mínimo, irônico. Hoje em dia, a nova esquerda americana vai se tornando, pouco a pouco, uma traidora de todos os valores que a fundaram. A nova esquerda começou com pautas envolvendo a descentralização, a liberdade de expressão, a busca por uma sociedade menos autoritária. Hoje em dia, ela caminha lentamente para o oposto disso.
Estamos caminhando para um ponto em que um discurso descaradamente racista e um discurso meramente "liberal" – não no sentido americano, mas no sentido geral – não apresentam diferença alguma em "ofensividade" para certos grupos. Pode ser que, num futuro, a própria criminalização prévia de emissão de opinião seja uma prática comum.
Se torna cada vez mais comum atos de violência dentro do ambiente universitário. Esses atos de violência usualmente são cometidos por pessoas que se creem, notoriamente, contra todo tipo de violência e a favor do amor e da empatia. Todavia é muito difícil crer em tal crença, haja visto a própria neoinquisição que surge nos centros mais supostamente civilizados do planeta – as universidades.
A última missão da universidade é a exposição as mais diversas formas de pensamento. Ao proibirmos os mais diversos pontos de vista em virtude de uma crença que acreditamos ser melhor, decaímos enquanto acadêmicos. Ademais, sem uma abertura epistemológica, não se é possível aumentar a liberdade de escolha. As universidades correm o risco de se tornarem estéreis em nome das boas intenções.
A educação em país livre requer uma liberdade discursiva. O livre debate é um dos requisitos fundamentais do autogoverno. Sem ele, é impossível falar de liberdade e de democracia dentro de um país. Em que país há democracia efetiva sem que exista, por assim dizer, um livre debate que possibilita a própria escolha democrática? Dentro dos academias, o livre debate é essencial. Não há pesquisa real sem liberdade de investigação, de pensamento, de debate.
segunda-feira, 21 de outubro de 2024
Acabo de ler "Campus Battlefield" de Charlie Kirk (lido em inglês/Parte 3)
Nome:
CAMPUS BATTLEFIELD
HOW CONSERVATIVES CAN WIN THE BATTLE ON CAMPUS AND WHY IT MATTERS
Autor:
Charlie Kirk
Em primeiro lugar, se exige que todo mundo tenha uma "opinião". Depois disso, se ataca quem tem uma "opinião" contrária aos que exigiram, em primeiro lugar, que todo mundo tivesse uma opinião. Em todos os tempos, existem períodos de relativa liberdade e tempos de relativa censura. Os tempos de relativa censura precedem usualmente um período de estagnação.
O fundamento do autogoverno é a mútua liberdade expressiva e a mútua compreensão de que o outro não pode cessar de existir. O fundamento da autocracia, pelo.contrário, é a inexistência do outro. Se não há o outro, há o império de algum grupo. Esse grupo, para obter todo poder, precisa do controle da "emissão de opinião".
O objetivo de destruição sistemática se torna cada vez mais presente. Hoje em dia, pouco se vê que a crítica sistemática não é uma forma saudável de democracia e tampouco é uma forma saudável de crítica. Quando pessoas se juntam para criticar toda a matemática por ser supostamente branca temos uma forma de histeria coletiva. Podemos aprimorar conceitos, negar parcialmente ideias, alterar algumas formulações de pensamentos, mas a negação sistemática de algo é uma forma por demasiado tola e irracional de se pensar.
Quando um grupo se torna hegemônico e manipula a sociedade para que ela seja modelada aos seus gostos, interesses e ideias, esse mesmo grupo comete um crime contra a sua própria inteligência. Ao longo prazo, a própria capacidade desse grupo de ter ideias críticas se perde. A ausência de divergência também é a ausência de aprimoramento no próprio pensamento, pois é o pensamento que nos move para o desenvolvimento. A ausência de antagonismo também é a ausência de dificuldade. Hoje em dia, podemos ver um mundo sem grandes debates ou com diferentes seitas tendo "ideomonólogos" entre si.
Ora, se a verdade está fragmentada e espalhada pela realidade, são os diferentes pontos de vista que possibilitam uma visão parcialmente mais correta. A ausência de diferentes visões contrárias não significa a unidade perfeita das ideias e um mundo melhor, o que se sucede é o autoritarismo e, depois disso, o início de uma sociedade totalitária.
quinta-feira, 17 de outubro de 2024
Acabo de ler "The Agony of the American Left" de Christopher Lasch (lido em inglês/Parte 3)
Naquela altura do campeonato, vendo o triste fim da União Soviética que estava embebida no totalitarismo, a ideia de uma construção social lógica e perfeita era impossível. Logo a possibilidade mesma de um mentalidade revolucionária era impossível. Era preciso ir além dos limites de "esquerda", "direita" e "centro". Se fazia necessário uma visão de mundo mais modesta, menos baseada em abstrações e mais pragmática em seus meios e fins.
A ideia de liberdade total ao indivíduo ou segurança total ao indivíduo eram duas totalidades opostas, uma defendida pelo liberalismo e outra defendida pelo socialismo. Essas duas abstrações marcavam a ferro e fogo o mundo. Era uma pauta muito "tolerante" para a animosidade polarista que tomava o mundo na Guerra Fria. O mundo estava dividido entre "dois grupos" e os grupos opostos tomavam todo e qualquer discurso do lado oposto como uma espécie de propaganda. A neutralidade, advogada por muitos intelectuais, parecia uma espécie de reforço a um dos lados – mesmo que essa não fosse, muitas vezes, a intenção.
O anticomunismo tinha algumas vias. Uma dessas vias era o anticomunismo reacionário, um anticomunismo mais à direita. Só que esse anticomunismo não era a única via anticomunista. Havia – e há – um anticomunista humanitário e mais ao centro ou à esquerda do espectro político. Esse anticomunismo é, muitas vezes, objeto de escárnio ou descrença. Muitos ex-comunistas eram anticomunistas e muitos deles não eram propriamente defensores do "capitalismo", mas sim de uma visão mais equilibrada de mundo, onde o dualismo ficava de fora.
A responsabilidade intelectual, em nome da busca sincera pela verdade, deveria ser maior que o otimismo e o grupalismo. O intelectual deveria estar acima dos interesses mais viscerais e dos grupos mais autolisonjeiros. Em vez disso, muitos buscavam soluções fáceis e tribalizadoras. É por isso que os intelectuais americanos queriam uma vigilância constante para não cair no atavismo. Prescrição essa muitas vezes ignoradas por tribalistas de direita ou de esquerda.
Tal situação de extremismo se tornou ainda pior quando o macarthismo se tornou a palavra de ordem dos Estados Unidos. O comportamento de Joseph McCarthy se tornou algo visceralmente doentio e a mentalidade conspiratória acusou sumariamente várias pessoas. Em nome da liberdade que era atacada pelos países comunistas, criou-se uma censura – muito semelhante a comunista – para acabar com... A conspiração comunista. Os Estados Unidos acabou cerceando a liberdade para acabar com aqueles que supostamente atacavam a liberdade.
A defesa da cultura livre, isto é, a livre discussão, a livre investigação, o livre-exame e o livre debate, eram mais do que nunca atacados numa era de extremos. Além disso, a consciência dos estados em relação aos intelectuais aumentava dia após dia. Os intelectuais são parte fundamental da sociedade, são eles que moldam a forma com que vemos o mundo e profissionalizam uma série de pessoas para várias tarefas. Os Estados queriam que os intelectuais fossem subservientes aos seus propósitos propagandísticos, deixando o "povo" mais dócil aos seus interesses. Só que há diferença entre o "intelectual puro" e o "intelectual propagandista". Um intelectual pode chegar a muitas conclusões, teses, ideias... Mas se seu dinheiro depende se algum grupo, as suas investigações são menos livres e mais condicionadas a interesses que escapam ao livre curso de seus exames.
A questão que aparece é: como que um intelectual mantém a sua vida intelectual? O exercício da sua intelectualidade requer um amparo financeiro. Esse amparo financeiro usualmente vem da burocracia e a burocracia geralmente se correlaciona ao governo – ou é o próprio governo. A ligação cada vez maior de intelectuais com o governo se demonstra mais alta. Essa correlação cria uma dependência e, quiçá, engrandece na medida em que corrompe a própria inteligência.
Vivemos no mais espetacular e grandiloquente processo de fusão entre o "intelectuariado" e a burocracia. Essa fusão está criando um elitismo acadêmico cada vez maior. Alçando o voo de uma classe que toma consciência corporativa cada vez maior. Os frutos dessa relação – além da ausência de uma cultura livre – é o engrandecimento de um poder estranho e invasivo.
quinta-feira, 15 de agosto de 2024
Acabo de ler "Hegemonic Monosexuality" de Angelos Bollas (lido em inglês/Parte 2)
A compreensão da produção científica e acadêmica sobre a bissexualidade ajuda a ampliar o conhecimento geral acerca da sexualidade humana. O problema é que a produção generalizada acerca da homossexualidade e heterossexualidade apaga, em muito, a produção sobre a bissexualidade. Ademais, reforça estereótipos binários, reforçando uma percepção monossexista e excludente, na qual as próprias identidades plurissexuais se perdem. A teoria bissexual – produção epistemológica bissexual – corre o risco de se ancorar muito na teoria queer e na teoria feminista, sendo um grupo sem vida e sem representação teórica própria.
Ao mesmo tempo que se reconhece a bissexualidade como uma expressão legítima de desejo, se reconhece a ausência de protagonismo e autonomia do movimento bissexual. A luta bissexual se dá em várias frentes, mas a principal é contra o monossexismo dominante. Essa luta não coloca bissexuais apenas contra heterossexuais, como muitas vezes coloca o movimento bissexual contra homossexuais – embora essa luta se dê numa escala menor. Essa segunda luta, contra monossexistas homossexuais, é uma que se dá não só argumentativamente, mas "identitariamente". O movimento bissexual não pode se diluir inteiramente no movimento LGBT sem se alienar, visto que a identidade homossexual não é e nem pode ser a identidade bissexual.
A bissexualidade, e os bissexuais – nos quais estou incluído –, vem compreender que a bissexualidade não é só um acessório. É a natureza mesma de suas vidas. O ponto de partida de suas visões e construções teóricas em quase todos os temas de suas vidas. Quando a bissexualidade for encarada, dentro de cada bissexual, como um modus vivendi e um modus pensandi, aí que teremos a verdadeira dimensionalidade da bissexualidade. É a construção de uma identidade bissexual pulsante que se situa a luta bissexual. Ou seja, a bissexualidade só poderá ser reconhecida e lutar contra seus inimigos socio-historicamente determinados através duma postura combatente, militante e ativa, construindo a sua própria cultura e desvendando as suas próprias pautas.
Hoje em dia se fala muito da noção de que a monossexualidade (heterossexualidade e homossexualidade) são socialmente forjadas em ampla parte dos casos. Isto é, dependem mais de condicionamentos sociais do que aspirações orgânicas ou naturais – sua natureza normativa é fundamentalmente ancorada na submissão ao jugo social e as suas implicações. Bissexuais são forçados a serem heterossexuais ou homossexuais, este é o lado totalitário da cultura monossexista. A cultura monossexista força o condicionamento do desejo a uma binariedade antagônica em que cada um escolhe um ou outro. Quando bissexuais se voltam contra a cultura monossexista lutam uma luta libertacional em prol da liberdade humana, atacando a idolatria social – valores dominantes – em voga. Idolatria social que aparece reconstruída nas políticas homonormativas, que nada mais que são adaptações inconscientes da cultura hétero-patriarcal. Querendo ou não, a homonormatividade é uma adaptação da hétero-matrix. E a hétero-matrix apresenta ordenamentos de gênero (homem/mulher) e de desejo (hétero/homo), regulando atividades não só de heterossexuais, mas como de homossexuais e de bissexuais – que adequativamente devem se curvar a um ou outro grupo. É preciso abrir um "ponto rupturístico". Esse ponto escaparia da regulação binária de gênero (homem/mulher) e de desejo (hétero/homo).
Os bissexuais, em sua militância, são convidados a quebrar a hétero-matrix e as normas homossexuais. Em primeiro lugar, demonstrando a própria existência por meio de uma vida pública. Em segundo lugar, assumindo uma autonomia identitária frente o próprio movimento LGBT. A fixação por um maniqueísmo binário no âmbito do desejo (o maniqueísmo sexual hétero-bi) reduz o desejo num aspecto matematizável, onde um exclui necessariamente o outro. Essa é a marcação social – a hegemonia hierárquica monossexista – na qual plurissexuais estão sujeitos. A hétero-matrix, onde heterossexuais se impõem como modelo existencial. A homonormatividade, onde homossexuais criam regras, espelhados na hétero-matrix, para reger o comportamento da comunidade LGBT como um todo.
São dois elementos que se reforçam estruturalmente: a monossexualidade hegemônica e a monossexualidade forçada. É graças a monossexualidade compulsória que bissexuais se ausentam em se autodeclarar. Visto que a autodeclaração implica cair no jugo – usualmente heterossexual, mas também homossexual – da monossexualidade. Para uma pessoa homossexual, sair do armário é adentrar no terreno da própria existência. Para uma pessoa bissexual, sair do armário é... Adentrar na inexistência, no apagamento, no ataque monossexista. A impossibilitada de existir é o que dita a vida de milhões de bissexuais no mundo todo.
domingo, 30 de junho de 2024
Acabo de ler "8chan, a Twitter-Fossil" de Susana Gómez Larrañaga (lido em inglês/Parte 1)
Nome completo do artigo: 8chan, a Twitter-Fossil: A post-digital genealogy of digital toxicity
É interessante observar que dentro desses "feudos virtuais" vemos um esforço narrativo de caráter sistemático de grupos socialmente excluídos e tóxicos. Quando distintos grupos sociais marginais se encontram, acham um meio de criar um sistematização de sua marginalidade. Essa marginalidade toma um aspecto de "sobrecamadização", adquirindo uma lógica mais estrutural e consistente. Essa "sobrecamadização marginal" vai gerando um sistema. Esse sistema cria um universo paralelo em que só a narrativa do grupo importa. Ou seja, o universo referencial está dentro do grupo e só o grupo se vê como portador da verdade. Uma lógica que remete a "organicidade" das seitas – visto que as seitas criam universos paralelos que possuem a sua própria universalidade. A mentalidade tóxica pode, por sua vez, adquirir o aspecto substancial de uma seita virtual.
Chamo os chans de "feudos virtuais" pois eles unificam uma série de pessoas que foram marginalizadas socialmente e encontraram no chan um universo alternativo longe do mainstream para viverem a sua vida social. É ali que está a unidade da sua formação. E é ali que encontram um meio de criar um rigor sistêmico que dê embasamento as suas crenças. O fato de suas crenças serem tóxicas e socialmente prejudiciais somado a junção de sobrecamadas de teorias marginais leva, por conseguinte, a uma sofisticação de seu ataque ao organismo social mainstream – que é tido como corrupto – e o aumento do organismo social underground – que é tido como ideal. Esse desenvolvimento, pouco perceptível para a maioria, torna o chan o ponto de encontro estratégico para "intelectuais sombrios" que precisam de maior refinamento de suas teses.
Um grupo marginal precisa se precaver contra a maioria das pessoas. Enquanto a "sociedade mainstream" se organiza através de uma relativização de crenças – ou seja, evita um dogmatismo – para comportar um número de pessoas maior, a "sociedade underground" requer um número de pessoas menor. O princípio de associação majoritária requer um desenvolvimento de uma mentalidade de tolerância para que esses distintos grupos convivam harmonicamente entre si. O princípio de associação minoritária requer um desenvolvimento que vá no sentido oposto, desenvolvendo uma intolerância contra quem rejeita a sua identidade, visto que grupos pequenos que tentam sobreviver em meio a grandes grupos precisam estimular a própria sobrevivência por meio da rigidez – em chans, isso surge a nível identitário. Por outro lado, para fugir da maioria e não se tornar um alvo, se requer uma linguagem e um comportamento linguístico que fuja da maioria da população. É por isso que há um "esoterismo comportamental" nos membros: eles não dão de bom grado a informação necessária para a formação do novo membro, é quase como que se dissessem: "se quer saber de de nós, seja ou torne-se um de nós". Por sua vez, há um "esoterismo funcional", visto que dentro dos chans a informação é deletada de tempos em tempos por causa da estrutura dos fóruns (imageboards).
O fato é que muito dificilmente se poderia juntar todos os dados do mundo – os dados estão fragmentados pelo próprio mundo – sem um grupo de pessoas dedicadas a unificar esses dados. A junção desses dados é chamada de sistemática. O sistematismo é usualmente comum ao exercício filosófico, mas pode ser encontrado em qualquer escola de pensamento e é comum ao âmbito acadêmico. A diferença é que na estrutura universitária o desenvolvimento intelectual envolve uma leitura de mundo mais aberta. No contexto channer, essa formação sistemática não se dá pela assimilação de múltiplas escolas de pensamento através de um esforço dialógico, mas por um número reduzido de formadores – aqueles que foram enquadrados como úteis a causa. Se a universalidade é questionável pois é impossível adquirir todos os dados do universo para se ter uma noção do que verdadeiramente é universal – o universal é incognoscível pois nossa capacidade de adquirir dados e informações (além de compilá-las mentalmente) é contingencial –, o simulacro de universalidade é uma ilusão de que se adquiriu a universalidade. Ora, tal simulacro de universalidade é o jeito com que as seitas e os grupos fechados mantêm controle mental sobre seus partidários. Em seitas e em grupos fechados o que interessa não é o aprimoramento (acuracidade) dos múltiplos objetos e subjetividades de seu estudo, mas a narrativa da própria seita ou grupo fechado. Todavia para que não seja aparente esse desvio informacional deliberado se faz necessário que se creia que o grupo é portador da verdade e que toda verdade emana desse próprio grupo, logo a estrutura alternativa é encarada como a única via de acesso a própria verdade. Uma condição comum em sociedades gnósticas. Um breve adendo: mesmo que existam sociedades fechadas com propósitos psicológicos e psiquiátricos – também militares e religiosos –, estou me referindo a mentalidade de seita.
Não por acaso a cultura channer se tornou, para algumas pessoas, uma forma de escola cybercriminal em que os dados compilados adquirem a forma de uma organização sistêmica. Essa organização sistêmica possibilita uma série de táticas para o contínuo fortalecimento desses grupos marginalizados – excluídos da sociedade – em conjunto aos agrupamentos marginais – que tem uma postura ativamente contrária ao sistema vigente. É evidente que aqui o termo "marginal" tem a "aplicação amoral", podendo ser um grupo que tem objetivos que podem ser vistos como benignos ou malignos, mas o fato é que todo grupo marginalizado que se junta ativamente contra a sociedade é um grupo marginal. Peço encarecidamente que observem que o termo marginal está de forma genérica.
Acabo de ler "4chan & 8chan embeddings" de Vários Autores (lido em inglês/Parte 1)
O artigo analisado foi escrito por:
Pierre Voué ( pierre@textgain.com ) has a master’s degree in Artificial Intelligence and works as a data scientist at Textgain, studying Salafi-jihadism and right-wing extremism.
Tom De Smedt has a PhD in Arts and is CTO at Textgain, focusing on Natural Language Processing. He was awarded the Research Prize of the Auschwitz Foundation in 2019.
Guy De Pauw has a PhD in Linguistics and is CEO of Textgain. He has over 20 years of experience in Natural Language Processing and Machine Learning.
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4chan e 8chan são conhecidos por inúmeros aspectos socialmente relevantes – ou "negativamente relevantes" – e suscitam discussões acerca da regulamentação dos meios de comunicação virtuais e da internet em si mesma. O fato da internet ser um capítulo recente da humanidade envolve um questionamento sério acerca da própria natureza humana e, de modo semelhante, como ela atua em meios alternativos e menos regulamentados. 4chan e 8chan são publicamente notórios na defesa da supremacia branca, misoginia, perseguições, crimes de ódio, desinformação e ideias de extrema-direita.
É dito que antes de algumas ideias terem aparecidos em outros palcos virtuais (como o Reddit e Twitter, por exemplo), apareceram no 4chan e 8chan. Foi dentro da conjuntura, não só virtual, como social, que os manifestos foram disseminados, discutidos e idealizados. É dentro da mentalidade social channer que existe essa possibilidade efetiva. E é por isso que o Reddit e Twitter são espaços secundários e menores para aqueles que desejam e anseiam ser coparticipantes ou, no mínimo, espectadores desses processos sociais turbulentos.
A mentalidade tóxica é assimilável dentro desses fóruns, sendo retroalimentada pelos distintos grupos sociais de extremistas e excêntricos que adentram nesses recintos. Cada qual contribui para o imaginário social que é criado nesses respectivos fóruns e servem de formação marginal que, pouco a pouco, sistematiza-se numa mentalidade cybercriminológica. Esse letramento criminal que vai tomando uma complexidade estrutural conforme o tempo passa cria desafios cada vez maiores as autoridades. Atualmente se discute sobre maior segurança digital e liberdade individual dentro das redes. É evidente que o poder é suspeito por si mesmo e até boas causas podem servir para objetivos maléficos, mas como suportar essa liberdade virtual num momento em que os extremistas se tornam a cada dia mais perigosos?
O problema da toxicalidade virtual é que ela vai desumanizando a representação mental – o imaginário – de cada figura individual, social e até mesmo conceitual de quem frequenta esses fóruns. O que existe para a maioria dos "habitantes virtuais" dessas redes não é mais a realidade, mas uma redução memética que retira a complexidade que o mundo apresenta. O que deveria ser traduzido por uma abertura ao objeto de uma análise é previamente simplificado por uma simples gravura tóxica do que se apresenta. Por exemplo, em vez do questionamento acerca da liberdade sexual feminina e a estrutura do machismo, temos a simplificação negativa da feminilidade e os questionamentos que a ordem social traz sobre a mulher. No caso das raças, judeus são colocados como "conspiradores" e negros adentram numa "animalidade anticivilizada". É evidente que essa "redução memética tóxica" é bastante comum na humanidade, visto que nem todos querem "perdem tempo" aumentando os seus estudos para compreender os problemas da vida. Nesse cenário, optam por uma mensagem simples que traga a segurança de compreender o mundo, mesmo que essa segurança seja cega e, no fundo, demasiadamente simplista para dar uma chave de entendimento para o mundo.
O "meme" é mais facilmente reproduzível do que a busca epistemologizada. Existe mais facilidade em ter uma microleitura dentro de um meme do que ler toda uma bibliografia acadêmica e científica sobre um objeto determinado. Ora, os channers não se abrem a um estudo minucioso do objeto que tratam. E aqueles que se abrem a um estudo minucioso usualmente estão naquela mentalidade de "só quero o lulz (caos)". O que significa que seu estudo não servirá para uma humanização, mas para a prática de uma tática subversiva de manipulação e desinformação das hordas de cybercriminosos que atualmente se encontram unificados nesses "feudos virtuais".
quinta-feira, 20 de junho de 2024
Acabo de ler "Palavras para Desatar Nós" de Rubem Alves
Rubem Alves é um homem bastante interessante. Vindo do meio protestante, escreveu um livro falando sobre como o catolicismo teve mais protagonismo na cena progressista do que o protestantismo, natural detentor desse termo. O que chega até mesmo a soar uma incógnita: como uma hierarquia dita como altamente hierarquizada e não sujeita à mudanças poderia ser palco duma revolução? Talvez seja pelo inerente costume das massas de terem apego às tradições, mesmo quando elas não consigam sistematizá-las. Sou da tese que o catolicismo foi mais progressista pelo fato de que os sacerdotes, freis e monges têm maior formação acadêmica.
De qualquer modo, esse livro apresenta toda a característica de uma crônica: ele é suave e faz referência a vida cotidiana de Rubem Alves. Sem cair numa gigantesca abstração tipicamente acadêmica ou num vazio de futilidade tipicamente mundano ou corriqueiro.
Em Rubem Alves, simplicidade e academicidade aparecem lado a lado de forma harmônica, sem que uma acabe por ferir uma a outra. Sua erudição, que aparece de forma simples, continua a ser assustadora e encantadora. Um livro que qualquer um poderia ler, mas que também edificaria a vida de qualquer pessoa que lesse.
domingo, 16 de junho de 2024
Acabo de ler "A Tirania dos Especialistas" de Martim Vasques da Cunha (Parte 3)
A palavra IYI (abreviação de "intellectual yet idiot = intelectual, porém idiota") é bem exemplificada aqui. Existe uma estupidez inteligente e todas as inteligências, por maiores que sejam, estão sujeitas a terem traços de idiotia. É da natureza humana estar sujeita a imperfectude e por mais grandioso que um intelectual possa ser, ele sempre terá falhas. Não reconhecer a tendência a cometer erros é o que implica psicologicamente a alguém ser um intelectual estúpido ou um estúpido inteligente. Não saber que intelectuais podem ser estúpidos e ter pontos de vista deformados graças a uma adesão perniciosa a uma ideia é o que faz da modernidade um palco para os mais estúpidos intelectuais.
A tirania dos especialistas – título do livro, por sinal – surge da ideia de uma elite iluminada que guiará o mundo, através de muita modelagem e engenharia social, ao progresso. Essa tendência tecnocrática – consciente ou não – é amplamente observável no meio acadêmico. Os intelectuais, a elite técnica, teria a capacidade de se tornar uma espécie de "novo deus" e, em sua unidade de técnicos/especialistas, daria luz a um mundo perfeito onde todo mundo é feliz e não há opressão. É evidente que esses especialistas ao amontoarem o poder para si, tornam-se, pouco a pouco, detentores de poderes que estão acima do horizonte de possibilidades do cidadão comum. Ou seja, justificam a si mesmos como uma casta iluminada que pode alterar a vida de qualquer cidadão sem que nenhum cidadão possa fazer qualquer coisa.
A elite iluminada dos especialistas é irresponsável, ela não liga para as consequências do que intelectualmente afirma e é psicologicamente imune à capacidade de autocrítica – visto que não se vê como defeituosa e passível de erros. Em suas certezas dogmáticas, pegam prontamente o poder para si e remodelam a humanidade de acordo com os seus gostos. O poder dos especialistas aumenta prodigiosamente ao mesmo tempo em que a sua capacidade de tiranizar os outros se torna maior. Um dia, os especialistas se tornaram metodológicamente aptos para quebrar qualquer "direito humano" que anteriormente defendeu.
quarta-feira, 24 de abril de 2024
Acabo de ler "Homo Ludens" de Johan Huizinga
Essa versão é apenas um recorte que li especialmente para minha licenciatura em teatro. Mesmo não sendo o livro inteiro, deu-me um sabor bastante apreciável e ressignificou muitas de minhas crenças. Creio que até a minha visão de muito sobre "jogos" e "brincadeiras", além de seu funcionamento social e psicológico, foi bastante alterada por essa breve leitura. Pretendo algum dia, quando tiver maior disposição de tempo, ler a versão completa do livro.
Johan trabalha com uma hipótese bem diferente da habitual, mas ela está em paralelo com grandes escritores e intelectuais de sua época. Creio que com a sanha racionalista e o desempenho desmesurado duma crença excessiva pela razão e o seu uso acabamos por perder a própria capacidade do bom uso da razão. Muitos intelectuais levaram os mitos e as religiões para as portas da frente da academia (aqui no sentido de universidade), exemplos esses são:
- Claude Lévi-Strauss;
- Eric Voegelin;
- Johan Huizinga;
- Mircea Eliade.
A sanha racionalista acreditou que poderia desmistificar o homem e traduzir, na Terra, uma forma de homem de razão pura. Um homem absorvido pela atmosfera duma racionalidade objetiva e que encarava o mundo dum modo completamente imparcial. Tal intenção motivou várias escolas de pensamento: positivismo, anarquismo, marxismo, liberalismo, dentre tantas outras. Todavia a ideia de um homem absorvido inteiramente pela potência do intelecto e capaz de dar juízos racionais em absoluta concordância com os critérios da razão suprema nada mais é do que uma construção da própria imaginação humana e, como tal, incapaz de ser realizada na prática – sobretudo tendo-se em conta a própria humanidade inerente ao homem enquanto homem.
Esse texto, por sua vez, apresenta não uma linha de pensamento que defende o aspecto religioso inerente ao pensamento do homem – mesmo que em escala inconsciente –, mas a inerente ludicidade do homem. Ou seja, somos algo além do que seres inconscientemente religiosos, somos seres que brincam inconscientemente. Dar-se conta disso é, mais uma vez, libertador. E espero que um dia que essa percepção seja academicamente mais levado a sério.
terça-feira, 26 de março de 2024
Acabo de ler "A Aprendizagem do Ator" de Antonio Januzelli
O teatro é uma arte diferente da arte filosófica. Se a filosofia atua de forma apolínea, o teatro tem, por sua essência, uma raiz que lhe é dialeticamente contrária: a sua imersão dionisíaca. E essa contradição, entre áreas, faz com que eu tenha que me reinventar enquanto intelectual para que eu me sintetize em meio a essa contradição que me conflita.
Quando Antonio Januzelli traz uma argumentação pautada na libertação por meio de atos, em vez de ser por meio do pensamento, e uma vida pautada num constante desnivelamento das diferenças por meio da aproximação gradual de vivências que destoam da minha... Ele traz uma mensagem que ao mesmo tempo encanta - pela poeticidade da ontologia da vida que traz - e afasta - pelos riscos inerentes de adentrar nos territórios desconhecidos.
O que é um ator? É alguém que treina corpo e mente. Só que esse treinamento é um treinamento que exige uma dedicação de quebra. O teatro é a existência que não se iguala, pois está sempre agindo contra os regimentos de uma sociedade normalizadora e ritualística. O teatro é a continuidade da quebra dos dogmas, e vivemos numa sociedade dogmatizada.
A vida teatral não é apenas um modus pensandi que atua ao modus vivendi. No teatro, o modus pensandi e o modus vivendi se colocam par a par, o tempo todo, um deve existir para locupletar o outro. E tal complementariedade existe só quando os dois atuam ao mesmo tempo e no mesmo lugar.
Estudar teatro vem sido, para mim, uma experiência de enriquecimento qualitativo. A possibilidade de me reimaginar e de projetar aquilo que quero dentro de mim para realizar meus sonhos me vem sido de gigantesca potencialização. O teatro é mais do que um local para uma apresentação, é uma apresentação da vida em si mesma.
segunda-feira, 25 de março de 2024
Acabo de ler "La resistencia" de Ernesto Sabato (lido em espanhol)
Existe uma beleza indescritível na obra de Ernesto Sábato. E essa é a capacidade com que ele argumenta com erudição, mas suas formas conteudísticas não param exclusivamente na eruditividade, elas vão facilmente para uma grande poética que demonstra o gênio criativo dum grande autor. O uso do espanhol por Ernesto, sem se perder na contumaz objetividade acadêmica, demonstra que ele além de acadêmico é um artista das palavras.
Neste livro, vemos um Ernesto bastante pessimista para com o mundo em que vive. Se questionando sobre a megalomania estatizante, a massificação do homem, a ausência de sentido e, de igual modo, a capacidade do mundo sobreviver a exploração exaustiva de recursos naturais. O cenário, bastante catastrófico e desumanizador, apresenta um mundo corroído pela ausência de sentido existencial.
A linha de pensamento poderia ser facilmente conectada com a percepção de Viktor Frankl e, igualmente, de Ortega y Gasset. Sendo que Frankl diagnosticou melhor a ausência de sentido atual e Ortega y Gasset diagnosticou exemplarmente o fenômeno do homem massa. Todavia a chave da questão política - quadro ambiental e agigantamento do Estado - são bem observados por Ernesto.
Ora, é evidente que o trabalho de Ernesto teria uma conexão, também profunda, com George Orwell: este também era cético para com o socialismo estatista de seus dias. Todavia há um diálogo com a espiritualidade teológica da libertação dos dias de hoje, muito ligada à ecologia, como vemos em Leonardo Boff.
Existe uma possibilidade monstruosa de conexões na obra de Ernesto. Ela se revela bem ampla, bem complexa e, portanto, bastante rica em possibilidades dialógicas. Sua leitura também é bastante agradável. Como sempre, mais um excelente livro lido.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2023
Esse pobre burocrata...
Enquanto olho pra minha roupa social e meus olhos semicerrados - que, por rotina, estão sempre cansados e quase dormentes -, penso nos dias de outrora em que a primaveril aurora ainda em meu peito estava. Quando cada batucar de meu coração era doce e tinha o som tenro e terno duma vida adocicada, eu era uma criança feliz. Agora não mais, agora tudo leva prazo, tudo se cumpre com através de metas de produtividade. Talvez houvesse, em tempos passados, uma simplicidade que coadunasse com a felicidade. Hoje em dia tudo é tão formal que me enoja.
Em alguma forma de delírio, não consigo tirar a imagem de um homem redundantemente burocrático. A imagem de estar preso num paletó e formando par com o governo mundano é o que de há de mais nítido e desprazeroso em minha cabeça. A ausência de transcendência que dê uma coloração, textos que se formam em formas deformadas sem vida, quase nada com um ar de inspirado. É como se não mais houvesse ligação espiritual e afetiva alguma em meus projetos. Embora eles estejam brotando com mais frequência do que nunca. Saindo por aí, como uma série de monstros desalmados, trazendo a feiúra que lhes marca e a desgraça que se encontra em minha alma.
Teve um dia que eu acreditei, antes de virar um pobre burocrata, que eu poderia algum dia ser grande. Vão otimismo adolescente, otimismo criado entre livros e jogos, único contato afetivo real que eu tinha, já que não cheguei a ter um único verdadeiro amigo nessa fase. Pelo contrário, minha vida era ditada por uma solidão quase cruel, uma solidão impenetrável graças o mais retumbante fracasso social. Em meu período de estudante de jornalismo, tive alguns amigos rasos, mais para colegas do que amigos. Na faculdade de filosofia, enquanto suportava uma tensão antiafrodisíaca e esmagadoramente depressiva, tive amigos mais palpáveis do que tive em todo restante de minha vida. O que me sobrou depois de tudo isso? A solidão logo voltou a me acompanhar, como que num casamento intermitente em que há uma separação só para descobrir que, por triste acaso, a pessoa que mais nos cabe é aquela que mais desprezamos - e espero que a solidão não me despreze de volta, já que só tenho a ela. Também tenho um bom bocado de arrependimento. Todos se foram, alguns até mesmo passando por graves transtornos, outros chegando ao suicídio, outros indo para tão longe quanto deploravelmente longe. Até nos momentos de brilho, o brilho foi sempre lunar. O Sol nunca abrilhantou minha vida em nada. Toda glória que tive, ao menos até estes momentos reflexivos e meditabundos, foi a de um fracasso.
Após uma longa vida, que não é tão longa assim, frequentando os mais diversos meios. Indo da extrema-direita para a extrema-esquerda e depois da extrema-esquerda para a extrema-direita. Passando pelos confins do anarquismo, da social-democracia, do socialismo democrático, do nacionalismo conservador, da quarta teoria política, por uma espécie de getulismo sem Getúlio, creio-me hoje inteiramente órfão de ideologias. E, não, não me venha com essa baboseira de "ideologia é visão de mundo". Existem várias formas de se analisar o que são ideologias. Os conservadores veem como uma espécie de religião política, de caráter imanentista e que busca trazer o paraíso pra Terra (imanentização escatológica). E os comunistas veriam mais como uma espécie de discurso gerado pelas classes dominantes para alienação das classes subalternas - o que não deixa de ter a parcela da verdade que lhe cabe. Particularmente acredito nas duas hipóteses e não dou a mínima para nenhuma delas. Sou fraco demais para crenças que mexem com uma mudança radical de modus vivendi.
Quando criança, via que no mundo havia uma união simbólica que tornava tudo fácil. Lembrando que simbólico é, na verdade, tudo aquilo que une. Hoje não saberia apontar o quanto esse simbolismo era realidade concreta ou mero simplismo mental duma criança inexperiente e incapaz de adentrar nas sutilezas da vida enquanto tal. A vida até a quarta-série é um carnaval gratuito e open bar (que, para efeito poético, também será gratuito). Ao menos foi assim até aquele estágio no inferno chamado de quinta série. É lá que todos os problemas humanos prefaciam. (Sim, preciso fingir que meu discurso pequeno burguês, típico de uma pessoa que pertenceu a uma espécie de classe média baixa, e pseudouniversalista tenha proporção de universalidade ao menos para gerar uma boa impressão no leitor - a não ser que esse seja um cavaleiro branco da justiça social e que ficou com olhos esbugalhados ao pensar na absurdidade que é considerar tamanhas vanidades infantis-infames como conflitos existenciais de proporcionalidade cósmica). Aqui tudo se encaixa, mesmo que debilmente, como efeito cascata (mesmo que dentro duma lógica falha e ginasiana - mentalidade essa que eu, homem-criança, nunca consegui fugir ou superar de fato -):
1. O halls é a porta de entrada para o cigarro ou para maconha (quiçá os dois);
2. As discussões sobre heróis da Marvel e da DC te tornarão apto para as discussões de esquerda e direita (discussões bem idiotas e pouco sintéticas, tão idiotas quanto discussões sobre heróis, como quase tudo nesse país de bárbaros);
3. O Nescau, com sua imagem radical e jovem, preparou-lhe para integrar o quadro da Juventude do Partido Comunista do Brasil (ou do Partido Comunista Brasileiro, caso você queira pagar de underground do underground e viver dentro duma panelinha que está dentro de outra panelinha);
4. A pornografia fez morada em sua casa como uma penetra persistente graças aos conselhos de seus "amiguinhos" - que, no geral, você sequer lembra o nome - pré-adolescentes (conselhos de merda, porém ainda conselhos);
5. Todo o restante da sua vida social rodará no discurso básico de ser "radical", "cool", "maneiro", " popular", pouco importando o quão pedante, acadêmico ou intelectual seja o seu discurso - e disso surge a postura revolucionária vista no ambiente acadêmico (e a onda reacionária, imersa também na radicalidade discursiva, é subproduto igual - porém de substância diferente - e deuteragonista).
Fui um adolescente deslocado que fracassou em ser descolado. Um drama tão genérico que, bem ou mal, poderia servir de plano de fundo para um típico besteirol americano - como quase tudo nessa vida de pessoa medíocre. Por algum momento tentei colocar adornos para fingir que eu não era tão mesquinho e vazio quanto parecia, uma forma de blindagem que ao menos mentalmente significava que eu estava fora do resto do gado, que eu era exclusivo, singular, importante e desmerecidamente irreconhecido, quase que inteiramente ininteligível. Nessa jornada de "autodescoberta" - melhor termo seria "autoilusão" -, busquei na internet as raízes conteudísticas em que a minha personalidade se basearia. O que não é o mesmo que ter uma personalidade, já que isso é só uma máscara para disfarçar a vacuidade existencial em que me encontrava e ainda me encontro. Naquele tempo, estava na moda um reacionarismo aristocrático de ralé (ou de "baixo clero"). Pensamentos como: "eu tenho cultura pois ouço rock" ou "eu leio livros enquanto você vê BBB" permearam a minha adolescência, fizeram morada em minha cabeça que, não admitindo a própria impopularidade, criou a imagem da suposta pertença a uma elite como forma de compensação - uma racionalização que, no mais íntimo, era profundo ressentimento carcomido pelas trevas do alternativismo. Graças a isso, li livros centrais da literatura nacional, ainda bem moço, e sem a intenção de estudar para o ENEM - que, para ser franco, nunca dei a mínima foda. Li também todo tipo de assunto que, em minha cabeça de jovem introvertido revoltado e pseudoelitista - depois me tornei pseudoantielitista -, parecia maneiro: Marx, pensadores iluministas, autores liberais (que na época chamava de burguesia revolucionária - eu era um protoleninista inconsciente -), livros jornalísticos, literatura internacional, autores anarquistas, livros de história, livros de geopolítica, livros sobre ler livros, sociologia, ateísmo militante, filosofia, livros sobre videogame, etc. Por algum motivo, acreditei que eu era radical por ler esse tipo de coisa - uma das questões base da vida é "ser maneiro para ser aceito" (e, novamente, meu caro amiguinho: pouco importa o que você elabore em sua cabecinha oca pra provar o contrário). Essa minha tentativa frustrada de radicalismo, ainda que inserida num contexto pequeno-burguês de intelectualismo academicista, era tão exitosa quanto jovens maneiros andando de skate e tomando Nescau: só um imbecil ter-me-ia com uma figura contestatória e permeada por uma conflitualidade real com o mundo. Uma jornada de um jovem cuja a única função era racionalização do real desejo de ser aceito. Hoje sei que eu era apenas chato e entrava em tópicos que ninguém na Terra tinha saco pra ouvir além de um dos piores tipos de humano da face da Terra: um palestrinha - que é o povoado geral das academias, sobretudo as públicas ou das melhores academias privadas. Tão logo percebi que, na realidade, estava tão apenas imerso naquela eterna roda idiota de pessoas que masturbam umas outras, num estranho narcisismo coletivo, enquanto repetem nomes consagrados tautologicamente como se fossem conseguir incorporar a inteligência e originalidade dos que são citados copiosamente. Um processo que talvez remeta uma certa espécie de sessão espírita. Mesmo que, na verdade, as pessoas saíam tão genéricas, improdutivas, sem originalidade artística tanto quanto entraram.
De qualquer forma, hoje percebo que não preciso estar preso na ferocidade ou forçar a minha singularidade como se ela fosse mais esplêndida do que de fato é. Além de que, mesmo que tardiamente, percebi que meu radicalismo era típico de (pequeno-)burguês. Sempre circunscrito a um espaço passível de falsa radicalidade. Sempre direcionado no espaço discursivo acadêmico. Não quis mais fingir até a exaustão mais completa que estava fazendo algo que mudava realmente o mundo. Despi-me, com as punhaladas do tempo, de meu revolucionarismo ou reacionarismo. A academia virou um lugar onde todas as teorias nunca se confrontam com a realidade da vida. Parte do discurso revolucionário e reacionário é, em muito, ditado pela pseudouniversalidade da diversidade marginal: um grupo reduzido de pessoas pensa ter encontrado um padrão universal - que logo se torna para elas um padrão coletivo-normativo - e ficam presas nas mazelas de suas bolhas.
No fim, enquanto me encontrava nas angústias faraônicas do radicalismo burguês, acabei por me tornar um imbecil hedofarisaico: "sou automaticamente bom, inteligente e livre por manifestar alguma crença que me justifique em alguma estrutura social nessa estranha Torre de Babel". Termo esse que cunhei na única arte que conheço bem: aporrinhação de saco - embora eu não tenha elevado isso na condição de maestria. Parece até mesmo um processo gnóstico que segue o seguinte esquema básico:
1. Adquire a crença X;
2. Ao adquiri-la, você magicamente saiu do ilusionismo da caverna platônica (termo esse tão mencionado e tão pouco compreendido, já que quando você sai da caverna você entra imediatamente em outra e a saída da caverna é um processo acumulativo em que você assume a própria prepotência e busca sempre sair do seu novo círculo escravizatório ["só sei que nada sei"]);
3. Todos que não compactuam com nosso coletivismo-normativismo são literais animais que não encontraram a verdade, puros alienados presos num sistema de opressão, incapazes de ver a obviedade mais ululante;
4. Agora entre em nossa roda, pegue no pau ou na boceta do amiguinho ou da amiguinha, masturbe-o(a) eternamente enquanto repete: "eu sou livre", "eu sou bom", "eu conheço a verdade", "todos os outros estão presos num sistema de engodo".
O que é trágico e, ao mesmo tempo, engraçado. A ideia de que dadas ideias suplantam outras de forma obrigatoriamente necessária cria um mito que costumo chamar de "imperativo histórico categórico". Dessa, por sua vez, instala-se na psiquê do indivíduo uma presunção em que ele se sente automaticamente superior, sobretudo com quem ele discorda. Que pode muito bem ser compreendida nesse esquema:
1. O ateísmo/marxismo/liberalismo/tradicionalimo é uma fase superior da humanidade;
2. Eu sou ateu/marxista/liberal/tradicionalista;
3. Logo sou superior a Tomás de Aquino/Adam Smith/Karl Marx/Sartre.
Graças a esse simplérrimo truque de bunda-moles, qualquer um pode ser superior a qualquer pessoa do passado, do presente e até mesmo do futuro bastando aderir um determinado tipo de pensamento. É uma (auto)consagração automática, uma promoção altíssima um acirrado curto-prazismo. Um processo muito similar a de seitas gnósticas, não muito similar: é o mesmo processo traduzido em forma política - já que os imbecis de ontem acreditavam numa religião espiritual supersticiosa e hoje acreditam numa religião política supersticiosa. É desse tipo de gente que falo quando escrevo o termo "hedofariseu" - mesmo que esse seja apenas uma desconstrução niilidionisíaca do discurso (vulgarmente é utilizar o academicismo para caçoar de academicistas) em que dadas palavras são usadas apenas para tirar o sarro. E, caso o leitor ou a leitura se pergunte se sou cristão e/ou tomista (ou ateu militante, ou liberal ou marxista), digo-lhes logo que sou tão cético quanto o homem líquido de nosso século é cético - só que estou mais para um cético global e não um cético parcial, cético o suficiente para questionar a mim mesmo. A diferença precisa está na dose de ironia e ausência de doses cavalares de arrogância combinada com um esquematismo de autoengodo - como um tão bom, embora eu já não beba, gin com tônica.
Da presunção gnóstica moderna, mesmo que essa se proclame na maioria das vezes atéia, vemos um teologismo inconsciente. Quando um intelectual moderno se dispõe a analisar a algo, narra todos os acontecimentos como um narrador onisciente. É como se ele fosse onipresente na história, gozasse de todos os dados do mundo e pudesse alterar o curso da humanidade de forma onipotente devido a sua (auto)glória. Em meio a esse teologismo às avessas, em um processo inconsciente e antropoteísta, prefiro ficar a me autocriticar do que a me pôr no pódio das pessoas bem pensantes e julgar a humanidade toda com a minha miséria. Sei-me miserável. Não tenho contribuição alguma a acrescentar, todos os meus escritos cairão inevitavelmente na "lixeira da história" e, se alguém perder tempo lendo-os, rirá de minha cara - e eu lhe agradeço. Talvez eu vá soar, para os mais distintos leitores, um subversivo, um reacionário, um revolucionário, um homem perdido ou qualquer coisa que seja. O fato de eu puder ser identificado com os quadros mais distintos só demonstra que, no fundo - quiçá talvez em substância -, eu não pertenço a quadro algum. E, não, não sou melhor e nem pior por causa disso. Nem acho que se houver alguma originalidade nisso, a originalidade seja boa por ser originalidade. Não sou superior a ninguém, pior que isso: sou inferior por vocação (quase suicida).
Minha vida sexual nesse período - torno a falar da adolescência -, e no restante de minha vida, se deveu mais a minha imoralidade do que a minha capacidade de ser atraente ou interessante. Nunca fui atraente e nunca fui interessante, também nunca fui inteligente e nunca joguei bem - mesmo que eu seja um acadêmico e um gamer (e sou um acadêmico medíocre e um gamer medíocre). Aprendi desde cedo que ser acessível era a melhor forma de conseguir sexo. Estratégia essa usada a rodo por fracassados impopulares e pseudoantissociais - pessoas que viraram antissociais não por escolha, mas por chatice (e que usualmente adquirem pensamentos chaves de visões políticas extremadas como forma compensatória para a própria impopularidade: "vocês não gostam de mim por eu ser superior intelectualmente, há há há há"). A obscenidade luxuriosa é um caminho alternativo para quem não consegue ser popular, mas ainda preserva o gosto de querer comer/dar para alguém. É graças a isso que literais batatas sociais e feiosos, nas quais evidentemente estou incluído, conseguem foder - e, sim, eu sei que sou feio e falho. Embora que, atualmente, eu não chamo mais meus hábitos (ou seriam vícios) de "experiências de alteridade", "desconstrução da ditadura monogâmica" ou "orientação romântico-sexual pós-cristã, libertária e antiburguesa". Usualmente eu penso numa lógica mais amoral quanto a minha posicionalidade sexual: "transei porquê quis transar". É simples, é em boa parte consciente de sua própria primatividade, é um tanto animalesco e bestialógico, porém não falhei na minha autotribuna.
Meus contemporâneos adoram dizer: "o padrão de beleza é uma enganação". Eu concordo, uma onerosa enganação que, por tempo demasiado, condenou qualquer beleza que estivesse de fora do padrão eurocêntrico. Só que há um grande problema aí: considerando os novos padrões, eu continuo sendo um homem execrável. Só posso esperar virar um modelo no mundo em que haja como padrão um antimodelo - o que me é sedutor sexualmente, pois tornar-me-ia um predador em potencial como bom corrupto e mau-caráter que sou; conquanto que ser-me-ia atípico demais viver numa sociedade com tamanha inversão de valores. Sou um parasita, vivo de sugar os sulcos da sociedade, da cultura - ou o que restou dela -, então creio que deve haver um ordenamento mínimo e um padrão aristocrático básico; porém não alicerçado nos parâmetros tradicionalistas. A minha prepotência sempre me levou a perceber instintivamente quando uma pessoa era demais para meu caminhãozinho. Tão logo percebi que só sou bom em lugares ocupados por fracassados. A ideia de que eu só pego gente feia e maluca tem um quê de veracidade: não sou bom o suficiente para um cardápio melhor. Não luto batalhas que estou condenado a perder, só boto fogo no parquinho e não me atrevo a acender sequer um fósforo no STF. O contentamento com uma vida mediana, de pequenos sucessos, é melhor do que partir para grandes ataques, isto é sobrevivência básica. Não sou um gavião, sou um urubu e minha essência é comer lixo.
As pessoas costumam ler meu blog ou minhas postagens no perfil do Facebook e pensar: "vejam só que homem estudioso". Faço três faculdades, participo de um podcast sobre saúde mental, tenho um canal de narrações de textos intelectuais, escrevo análises de livros e jogos, trabalho com pesquisa. Uma rotina intelectual elevada, bastante diversificada e com capacidade de aumentar continuamente o parâmetro técnico. Só que parou por aí. Se me comparar com qualquer pessoa que tenha inteligência de fato, como Aristóteles, é impossível presumir que eu não seja mais do que medíocre.
O nome de meu blog, por nenhum acaso, é "Cadáver Minimal". Há uma simbologia, bem medíocre - como quase tudo em mim -, nisso: declaro-me morto e mínimo. O significado do blog é exatamente esse: um homem que se sente morto fazendo o mínimo para ter um nexo conexual com ambiente dos vivos. Se você lê esse blog há muito tempo, o que é bastante improvável, verá que nos momentos em que "eu sou mais eu" se verificará um perpétuo pessimismo, ceticismo e autodesgosto. Não estou dando o melhor de mim, nunca dou. Sempre aumentei meu nível intelectual e, em todos os estados (também medíocres) que ele teve, nunca ousei usar toda a sua potência. Exigiria demais e eu gosto de coisas exigem pouco. É por isso que, como escritor preguiçoso e vazio, prefiro escrever pequenas análises e nunca uma exposição sistemática, metódica e cabal. A única coisa que me alegra medianamente é o fato que fiz o mínimo. Não posso alegar - e nenhuma outra pessoa também - que não fiz o mínimo. Embora eu mesmo possa dizer que com meu miúdo talento há grande desperdício no pouco que se tem.
Outro fato redentor nisso é que não poupo palavras para dizer o quão insatisfatório e fraco eu sou:
- Não sou cristão e nem marxista por ser fraco e covarde.
Não tenho a capacidade de morrer por Cristo. Não tenho a capacidade de morrer por uma revolução. Eu não abandonei as crenças por não achá-las boas o suficiente e nem por não serem razoáveis ou credíveis. Abandonei-as por ser um fracassado. É uma situação desgostosa, é uma situação até temível pelo grau de sua decadência; porém é uma sensação melhor do que a mentira. Eu prefiro dizer que não tenho força para crer nos grandes ideias da humanidade do que fingir que tenho só para pagar de boa pessoa ou simplesmente para enganar as outras pessoas. Seria muito cruel de minha parte, e eu não tenho energia o suficiente nem para ser cruel.
Também é o fator energético que é crucial para o desempenho desse papel que se assume. Poderia eu me importar realmente com outras pessoas e correr o risco de sofrer por causa disso? A resposta é, novamente e sem surpresa, um sonoro e bem audível não. Como minha energia mental é a de um fracassado, perdê-la-ia bem rápido numa situação de real perigo. Logo aderi a economia da poupança mental - que é um reducionismo charlatânico para indiferença e mau-caratismo - e investemento mental em objetos de prazer mais imediato, individuais e de menor risco. Pra mim é infinitamente mais prazeroso ler sobre os infinitos problemas sociais - da humanidade em geral - do que lutar ativamente para resolvê-los. O que é uma postura melhor assumir a indiferença do que fingir-se de bom moço, de consciente ou simplesmente mascarar o mau-caratismo com a chamada consciência crítica. Não creio em salvação pela fé e tampouco obrarei para ser salvo. Minha condenação é ao inferno ou à lata de lixo da história. Acredito que o direito à indiferença é crucial, já que sou um fracassado, mas não um mentiroso.
Quando foi que tudo deu errado? Quando eu me tornei esse Cadáver Minimal? Tenho mais de mil livros arquivados e disponíveis em minhas reminiscências - planos de leitura que, traçados, levam a entender que sei alguma da vida; porém que trazem uma receita segura para a mais plena incapacidade artística e fraqueza experimental e criativa. Nenhum desses livros explica a mediocridade que carrego. Talvez eles só existissem para me dar mais minuciosamente a agônica sensação de que, pelo menos, eu tenho uma cultura privilegiada. Mesmo que tal cultura, capaz de pormenorizar uma série se esquemas civilizacionais e abarcar altos vôos abstrativos, não enriqueçam tanto a minha vida. Creio que tudo que me sobra é de forma estética e estilisticamente pedante colorir minha infelicidade com referências sem fim que dão a aparência duma unidade e sistematicidade. O pedantismo confere uma condecoração a toda essa fragilidade que chamo de eu. Há um esteticismo, que dá beleza ao decadente, nisso tudo. Um outro homem, despido de tal (van)glória, não poderia ser encontrado por acaso por algum rato de academia que preferirá que seu "objeto de análise" tenha lido Nietzsche e Dostoiévski - o que é francamente desumano, desumanizador, extremamente elitista, abstrato-utilitarista, mas muito e essencialmente acadêmico (arrisco a dizer que o academicismo é pequeno-burguês ou muito burguês). Um homem que tenha sido alcoólatra é uma coisa, um homem que tenha sido alcoólatra e escreve "êle" como se ignorasse as mais novas regras da ortografia é outra coisa - mesmo que, no fim, a pesquisa se dê nos meandros da alcoolicidade. O costume acadêmico é ignorar as grandes massas que, por um acaso bem hipócrita, maioria dos acadêmicos diz defender e representar - e talvez um dia representasse, se saísse de sua bolha, é claro. Tenho uma série de vivências que poderiam ser psicodelicamente classificadas como atípicas e, de estranho modo, interessantes. Interessantes para pessoas que amam coisas tediosas, nauseabundas e deformadas. Hoje em dia, a tragédia e a ausência de ordem servem como um bom enredo para os meus conterrâneos. E minha vida é cheia de tragédia e ausência de ordem. Só que, ao final, tudo isso se mistura no caldo comum da infelicidade - para o homem que Karl Marx ou para aquele que nem sabe o que vem a ser o "proletariado".
Não consigo compreender como que uma mera adição leva a uma investigação interessada de algo que, no fundo, nada tem além do costumaz banal. É fruto, evidentemente, dum diletantismo abstrato-utilitarista: alguém só é analisável e objeto de academicistas, e intelectuais no geral, quando essa pessoa tem cultura acadêmica ou intelectual. Um acadêmico que pega a sua metralhadora verbal para condenar o utilitarismo é sempre vítima de sua própria percepção isolacionista. Posição atutidinal essa que só descrevo e não condeno, já que igualmente sou assim. O enredo é mais ou menos o mesmo:
- Conheço a história dum homem que se matou jogando-se do décimo nono andar dum prédio - digo esperando uma reação receptiva do meu ouvinte.
- Ah, legal... - diz ele embaraçado, cansado de tantos suicídios que preenchem em seu cérebro uma nauseabunda estatística.
- Ele era leitor assíduo de Blas Roca - revelo minha carta na manga.
- O secretário geral do Partido Comunista de Cuba?
- Exato!
- Conte-me mais agora mesmo.
Há um livro que diz que a maioria dos latino-americanos só são radicais dentro da academia - prova de sua radicalidade burguesa. Também é normal isso: ser radical dentro dum parquinho é uma coisa, no mundo real é outra. O que demonstra que eu sou um decadente até no meio da atividade acadêmica, já que estou na vasta maioria daqueles que preferiu se calar. O que, para ser franco, não é meu caso também, eu não me calei: eu sou indiferente. Não vou escrever textos fingindo que realmente me importo com o estado do capitalismo, da humanidade ou do planeta. Torno-me cada dia mais misantropo para não me importar, porém também acho que o capitalismo falhou. Não importa, no final eu também sou como o capitalismo: eu sou um fracassado.
Se não me engano, há um livro de Chesterton que fala dum funcionário público ascendente. Um burocrata típico, genialmente típico, cuja o excelente intelecto flamejante ascende vôo de repartição a repartição - um alpinista social consagrado. Um homem cuja capacidade transcende os seus conterrâneos e, por um engano, sua sabedoria destacada nunca alcança o coração de um único homem que seja. É uma ironia tipicamente encontrada no paradoxo da vida: existem uma série de intelectuais, a absoluta maioria deles, incapazes de se traduzirem em algo de apaixonado. Com o caminho atual de minha vida, torno-me a cada dia mais parecido com eles - e se inconscientemente me importo com isso, conscientemente sou falho e sem vontade demais para mudar isso. Há gente que nasceu para mediocridade, podem-se encher de títulos sem nunca terem levado uma única pessoa a refletir profundamente sobre si. Isso nos desanima até percebermos que estamos no lado da maioria absoluta de esquecidos e futuros esquecidos, quando aceitamos o fato de que nenhuma marca nossa permanecerá, assumimos a mediocridade com um orgulho meio avergonhado, porém ainda satisfatório. Quando olho para uma série de artigos acadêmicos que leio, todos eles me remetem genericamente ao tédio. Poder-se-ia criar um novo slogan que trocasse a frase "todos os caminhos levam à Roma" para "todos os caminhos (acadêmicos) caem no tédio". Nenhum nome me encanta e mais me parecem com a prática da fossilização como esporte, mesmo que os esportistas do tédio não saibam que são bons em produzir tédio e lixo descartável. Se eu escrever qualquer coisa que possa cair dum burocrata tipicamente acadêmico, sairá como genuinamente chato e acadêmico (e espero que não cite um artigo existente por mero acaso):
- O machismo como invenção neoliberal;
- A infelicidade como criação fascista;
- Homossexualidade e Arte no Grajaú;
- A gestão psdbista e suas consequências;
- Progressismo e Esperança no governo Dilma;
- Neogolpismo e democracia;
- O valor do amor em tempos reacionários;
- Pela normalização do poliamor;
- Por uma esquerda autenticamente revolucionária;
- Revolução e Reação nas Boates LGBTQIA+ Paulistanas;
- Por uma política radicalmente ambientalista;
- Neomarxismo e Revolução;
- Feminismo e Cyberpunk.
Foda-se, cansei - canso-me rápido, eu sei. Os acadêmicos se diferem do povo, mas quase não se diferem entre si. Sua diferença está para com a maioria do povo, não para a maioria dos outros acadêmicos. O que não é bom, só que também não é ruim: o destino do homem - ou, se preferir numa linguagem menos machista, "a humanidade" - é a mediocridade perante seus pares. Eu já aceitei a mediocridade que me cabe.
Não sei a razão que leva a tantos acadêmicos optarem por títulos que já indicam o grande sonífero em forma prosa que certamente virá quando o leitor - que na maioria das vezes sequer existe por causa da gigantesca produção burocrática que é a produção acadêmico - terá que dar conta. Quase ninguém lê conteúdo acadêmico, eu leio para ter alguma base na minha produção acadêmica. E minha base também é medíocre e genérica. Sou o exemplo do antiexemplo que se tornou padrão. Se bem que, sendo sincero, sei que a média de pessoas que se interessará pelo que escrevo é equitativamente a mesma média de neandertais cantores de pagode vivos nesse exato momento: nenhuma, absolutamente ninguém, zero à esquerda de zero à esquerda. Só que não me iludo com isso: este meu blog existe apenas para eu dizer a mim mesmo que existe (precariamente, minimamente, porcamente).
Muitas vezes olho ao espelho, para me deparar com uma horripilante imagem de uma triste figura e pergunto: "quem eu estou tentando enganar?" Usualmente chego a fase posterior: "se é a mim mesmo, falho miseravelmente". Meu caderno se enche de notas, minhas leituras se acumulam e em minha mente mofam. Algum dia sonhei a hipotecar que a rotina cria deuses ou escravos. Também cheguei a achar credível que, sendo produtivo, poderia ser alguém vivo. Os compromissos acadêmicos e a sucessão de análises só existem para disfarçar o abismo em que me encontro. Além do fato de que cada análise, sucedendo a outra, não trazem uma vida pujante: representam sempre, nada mais nada menos, que uma maquinalidade formalesca. De certo não venho me sentido feliz com o rumo que a minha vida tomou: não consigo ver um grande salto qualitativo entre a fase anterior e a fase atual, mesmo que o nível técnico tenha aumentando: a escrita atual parece carecer de alma. Queria cuspir na imagem desse pobre burocrata toda vez que o olho no espelho. Eu odeio esse pobre burocrata. Esse pobre burocrata... que me tornei.