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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Acabo de ler "How Marxism Works" de Chris Harman (lido em inglês/Parte 4)

 


Nome:

How Marxism Works


Autor:

Chris Harman


O que diferencia o homem dos outros animais? Talvez as centrais diferenças dos homens para os outros animais está na forma com que vemos o mundo a nossa volta. Temos uma consciência mais elevada não só de nós mesmos, mas do mundo ao redor. Consciência suficientemente boa para poder moldar a realidade por meio da transformação do meio.


A animalidade tende, no geral, a se proteger do meio. A humanidade se distingue da animalidade geral pela alteração do meio. O progresso cultural não é apenas um progresso imaterial, é um progresso da humanidade em relação a alteração do meio. Alteração do meio com o propósito de atender as necessidades, sonhos e ambições dessa humanidade.


A humanidade altera os meios para comportar a própria humanidade. A humanidade transforma desejo em verdade. É evidente que falhamos e erramos diversas vezes nesse processo, mas o fato inegável é que a humanidade continua. Sempre em frente, alterando cada parte em prol dum objetivo.


A interação entre anseios humanos e meios gera diferentes formas de relação. Essas relações são pautadas pela distribuição dos recursos. A distribuição dos recursos é pautada, por sua vez, na capacidade de produzir.  Quando os meios de produção mudam, muda-se também a cultura. As forças de produção alteram sociologicamente as relações de produção.


Os idealistas acreditam que podem mudar o mundo pelos céus, os mecanicistas materialistas acreditam que a natureza humana não é modificável. A história demonstra que os meios de produção alteram a cultura.


A mentalidade também é preocupante nesse caso. A mudança tecnológica é muitas vezes paralisada em prol de um tipo de privilégio que não se quer perder. Então os poderosos se juntam e entravam o desenvolvimento da tecnologia. Não é um fatalismo tecnológico, existe também relações sociais que permeiam o avanço e o entrave.

sábado, 9 de novembro de 2024

Acabo de ler "How Marxism Works" de Chris Harman (lido em inglês/Parte 3)

 


Nome:

How Marxism Works


Autor:

Chris Harman


As ideias, por si mesmas, não possuem força de caráter suficiente para mudar o mundo. O comportamento humano depende muito das forças materiais. É a forma que os recursos são postos a nossa disposição que molda o nosso comportamento. Esse ponto de vista é chamado de materialista.


Marx encarava a história com um olhar de suspeita. Os idealistas e os religiosos criavam uma teoria histórica que lhe parecia imprecisa. Marx queria uma visão histórica que fosse mais científica para esmiuçar melhor as mudanças sociais. Uma teoria que não dependesse de "Deus" ou de "mudanças espirituais".


A mudança que Marx propôs seria uma mudança de um ponto de vista misticista do estudo da história para um ponto de vista científico do estudo da história. Uma melhora significativa no fazer histórico.


É evidente que Marx não foi o único materialista a pensar na natureza humana e em seu comportamento. Do mesmo modo que existe uma perspectiva de mudança social a partir de uma teoria mais progressista da história existe algo proporcionalmente inverso. Muitos falaram da natureza humana de modo determinista, sendo o homem agressivo, dominador, competitivo e ganancioso. A mulher, por outro lado, seria mansa, submissa, deferente e passiva.


A existência de múltiplas sociedades com modelos sociais distintos revela que a natureza humana é bem mais diversa e mutável do que inicialmente estamos dispostos a crer. Querer reduzir a sociedade ao nosso modelo é um reducionismo produzido pela nossa ignorância acerca da diversidade humana.


A natureza humana não pode ser imutável e, ao mesmo tempo, tão diversificada. Como a natureza pode ser "una" e "múltipla" ao mesmo tempo? Deve existir, é claro, um ponto de unidade que designamos de "natureza humana", todavia ela não se reduz a uma imobilidade. A "natureza humana" tem um império de singularidades e alternâncias de comprovações históricas múltiplas e irredutíveis.


O problema central de muitas teses materialistas de rivais de Marx está no fato de que eles confundiam a natureza humana com a própria natureza das suas sociedades. Eles entendiam o mecanismo da sociedade em que viviam. Só que eles não compreendiam as mais diversas outras sociedades para compreenderem que a natureza humana é múltipla e pode ser transformada.

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Acabo de ler "Palavras para Desatar Nós" de Rubem Alves

 



Ler Rubem Alves é, para mim, algo terapêutico. Isto é, serve-me de auxílio nos momentos mais complicados de minha vida. Este homem tem uma escrita pacífica e bastante densa. Consegue, por meio de tons suaves, traduzir toda uma realidade complexa. Essa capacidade extraordinária é algo invejável.


Rubem Alves é um homem bastante interessante. Vindo do meio protestante, escreveu um livro falando sobre como o catolicismo teve mais protagonismo na cena progressista do que o protestantismo, natural detentor desse termo. O que chega até mesmo a soar uma incógnita: como uma hierarquia dita como altamente hierarquizada e não sujeita à mudanças poderia ser palco duma revolução? Talvez seja pelo inerente costume das massas de terem apego às tradições, mesmo quando elas não consigam sistematizá-las. Sou da tese que o catolicismo foi mais progressista pelo fato de que os sacerdotes, freis e monges têm maior formação acadêmica.


De qualquer modo, esse livro apresenta toda a característica de uma crônica: ele é suave e faz referência a vida cotidiana de Rubem Alves. Sem cair numa gigantesca abstração tipicamente acadêmica ou num vazio de futilidade tipicamente mundano ou corriqueiro.


Em Rubem Alves, simplicidade e academicidade aparecem lado a lado de forma harmônica, sem que uma acabe por ferir uma a outra. Sua erudição, que aparece de forma simples, continua a ser assustadora e encantadora. Um livro que qualquer um poderia ler, mas que também edificaria a vida de qualquer pessoa que lesse.

domingo, 16 de junho de 2024

Acabo de ler "A Tirania dos Especialistas" de Martim Vasques da Cunha (Parte 1)

 


Qual a contraposição à mentalidade progressista? Seria um conservadorismo que se opõe, pura e simplesmente, às mudanças? Em primeiro lugar, é discutível que exista, no entendimento do brasileiro médio e até mesmo no entendimento do intelectual brasileiro médio, a capacidade de compreender a mentalidade conservadora. Hoje em dia existe uma maior capacidade intelectual de compreender a mentalidade conservadora, todavia até hoje estamos imersos numa confusão mental do que é verdadeiramente o conservadorismo.


O conservador não é um homem que quer paralisar as mudanças, muito menos é apegado às tradições. O tradicionalista acredita nas tradições. Para o conservador, a tradição tem valor instrumental e não essencial. Ou seja, não se escolhe a tradição por ela ser um valor essencial ou ser impossível de ser mudada, prefere-se a tradição por ela ter sido testada. Se há algo que a substitua e tenho passado pelos testes do tempo, esse algo é aderido. A questão do conservadorismo é a reforma gradualista da sociedade, isto é, o desenvolvimento da sociedade a partir duma sobriedade cética que deve mediar entre as políticas de fé (notoriamente experimentais) e as políticas de prudência (que já passaram pelo teste do tempo).


A questão da política conservadora é a questão duma política pautada pelo ceticismo e pessimismo político. O conservador seria aquele que compreende que existem limites naturais à capacidade humana de inteligir. Ou seja, existe um mundo complexo demais para ser moldado pelos intelectuais e suas ideias que são, no fundo, experimentais. Se uma ideia é experimental, um radicalismo experimentalista não pode ser levado a sério. A troca inconsequente de uma série de políticas experimentadas pelo tempo por políticas ainda não testadas pode ser catastrófica e levar ao declínio de toda uma série de construções humanas.


A verdadeira questão do conservadorismo é um ceticismo quanto à capacidade de reestruturar o mundo tal como queremos que ele seja. O conservador se opõe dialeticamente ao revolucionário e ao reacionário por eles serem radicais. Seja para o futuro, seja para o passado.

sábado, 30 de março de 2024

Acabo de ler "Dramaturgia Coletiva no Teatro para Crianças: comunicação em processo" de André Ferraz Sitônio de Assis

 



Muitas vezes concebemos o teatro para crianças como um produto menor, o objetivo é meramente um entretenimento que deixe as crianças temporariamente quietas e, quiçá, alienadas. Outra forma de concebermos o teatro para crianças é a do espectador-receptáculo que absorve o conteúdo didático de que lhe passamos doutoralmente.


Há algo estranho nessa relação, e aí adentram três questões: 

1- Queremos que o teatro infantil seja apenas uma distração para nos dar um descanso a nossa responsabilidade para com as crianças?

2- Vemos as crianças como seres fora da complexidade do mundo em que vivemos e que, por isso, são incapazes de compreenderem os dramas humanos?

3- Queremos gerar pessoas subordinadas às nossas cosmovisões, meros seres-receptáculos que, na medida em que crescem, tornam-se nossa imagem e semelhança no âmbito das ideias?


Indo na contramão dessa tendência, há uma outra opção que no fundo é uma opção política: o teatro para crianças como veículo transmissor dum processo dialógico entre a criança e o adulto. Onde os anseios humanos são tratados como universais e a própria criança está envolta neles. E o processo de construção cênica se dá numa relação de liberdade e construção coletiva em vez de uma programação pregada antecipadamente por um adulto visto como ser superior e condutor do processo.


Se queremos uma sociedade mais libertária e autônoma, onde padrões não são previamente estabelecidos como superiores aos outros, temos que retirar esse "aspecto subordinativo" que sempre aparece: adulto X criança, hétero X LGBT, saudável X doente, branco X negro, são X louco.


Quando criamos um "modelo" ou aceitamos esse "modelo" como critério normalizador, pressupomos uma relação subordinada em que tudo deve copiar exemplarmente esse modelo. A criança se torna melhor quando se torna mais adulta, a pessoa LGBT quanto mais se aparenta com os critérios de heteronormatividade, o negro quanto mais se branquifica, o "louco" quanto mais se aparenta com o "são". Essa relação modelar é uma relação de submissão que deve ser quebrada pela liberdade.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Acabo de ler "Anti-Nelson Rodrigues" de Nelson Rodrigues

 



Nesta obra temos uma inversão do método rodrigueano, mas executado de forma magistral. Isto é, Nelson Rodrigues escreveu uma obra em que a virtude vence o pecado. Esta fórmula inverte a fórmula muito conservadora de Nelson Rodrigues. Não compreendeu o "muito conservadora"? Pois bem, explico: enquanto a esquerda crê num otimismo antropológico, a direita crê no pessimismo antropológico. Para a esquerda, o homem é bom por natureza; para a direita, o homem é mau por natureza.


Há quem considere a obra rodrigueana como progressista, mas estes incautos caem no desconhecimento profundo do que verdadeiramente é o pensamento conservador. O pensamento conservador é aquele que crê que o homem é mau por natureza. Nelson Rodrigues fez críticas variadas aos erros sociais, fez por ser um autêntico moralista que expõe a nudez da sociedade em que vive. No entanto, tais críticas, mesmo quando direcionadas aos setores mais retrógrados e comportamentos tirânicos, não colocam Nelson no rol de pensadores progressistas.


É natural que um conservador condene a opressão desnecessária e a hipocrisia. É natural que um conservador seja um reformador social. Conservadorismo é, por excelência, um reformismo profundo dum cético abismado. A incapacidade de compreender essa essência e, por conseguinte, a intencionalidade conservadora torna o debate ininteligível para a maioria dos debatentes que tateiam no escuro sem chegar a uma conclusão real.


Se pudermos dizer, Freud também atacou opressões desnecessárias. No entanto, Freud entendia que a opressão (ou repressão) é pedra basilar no contínuo do progresso civilizacional. Neste sentido, Freud também seria perfeitamente conservador e daí surge, aparentemente, a briga que ele teve com Wilhelm Reich. Nelson Rodrigues não se torna progressista por ser aliar a esquerda no que é necessário aliar-se a ela. Visto que o conservadorismo é preservar o que deve ser momentaneamente preservado e alterar aquilo que deve ser alterado, logo a tradição conservadora não é, de forma alguma, estritamente de direita. Dualidade incompreensível para a maioria dos acadêmicos.

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Acabo de ler "La Revolución Social y las Universidades" de Salvador Allende (lido em espanhol)

 



Neste livro, temos alguns esboços de quem era Salvador Allende e em que acreditava, sobretudo na questão política. Como o livro passado foi de sua filha, creio que a análise anterior pode ser completaria a essa e que a leitura dos dois livros possa, igualmente, ser complementar.


Notarão que há uma "evolução de pensamento" (embora eu prefira "complexificação") entre pai e filha, não deixando de ser um laço contínuo: a filha adiciona direitos sociais mais amplos, foco em grupos socialmente desfavorecidos e pautas ecológicas. O que dá um entendimento mais amplo das pautas da antiga esquerda e pautas da nova esquerda. Como são livros bem pequenos - embora ambos estejam em espanhol  -, talvez seja uma experiência interessante e esclarecedora.


Salvador Allende declara ser um aprendiz de marxista, porém mais próximo ao socialismo de forma mais ampla e não doutrinalmente marxista. Não poderia afirmar se essa colocação tem validade para toda sua vida. Vemos também que foi amigo de Fidel Castro e Che Guevara, mesmo que tenha usado meios diferentes e não fosse "marxista" em sentido estrito.


Allende declarar-se-á pró-nacionalização e acreditava que os países ricos, de índole imperialista, roubavam recursos e deixavam o país mais pobre. Não só o Chile: a noção de ser um país potencialmente rico, mas incapaz de enriquecer por causa da extração de recursos por mãos estrangeiras repetia-se em toda América Latina.


O livro, além dos argumentos já citados, é uma obra dedicada a utilidade social do estudante universitário e como estes devem se engajar no bem do país e do mundo. Além de um alerta ao egoísmo da busca da realização individual que desvia o coração da luta pelo mundo melhor.

sábado, 24 de junho de 2023

Acabo de ler "Governabilidad y cohesión social: el caso de Chile" de Isabel Allende Bussi (lido em espanhol)

 



Sabendo previamente que o nome desta mulher causaria curiosidade, presto uma breve explicação: ela é filha de Salvador Allende, ex-presidente do Chile. Como é quase de conhecimento comum o que houve com seu pai, parto para a análise do livro em si e menos para detalhes biográficos.


O livro analisado é, mais uma vez, voltado a realidade política do Chile - tal qual o lido anteriormente. Porém este não se centra da partilha de poder na esfera subnacional. É mais sobre o levantamento de políticas para o melhoramento político do Chile de forma mais centrada em sua unidade política.


A autora, semelhante ao seu pai, é de visão política progressista. E defende uma série de visões que aumentariam o tamanho do Estado chileno com o fim de aumentar as estruturas da seguridade social, visando a igualdade.


A autora defende que uma maior regulamentação da economia e um investimento maior em certos setores dinamizariam a economia e trariam um desenvolvimento maior ao país. Também defende uma aplicação e reconhecimento mais tenaz de direitos.


Um livro interessante para quem quer se informar sobre o debate político chileno e as questões políticas concernentes a ele, mas igualmente - e por extensão - ao debate político latino americano.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Prelúdios do Cadáver #8 - Breves Notas Sobre Tudo

Texto publicado em  25/08/2018


Relutei em escrever esse texto, todavia achei-lhe absolutamente necessário. O Brasil vem passado por um incessante movimento de politização. Usualmente tendo a não expressar a minha visão política e, quando eu chego a expressá-la, expresso-a relutante e timidamente.


Sou uma pessoa que está em grupos políticos dos mais variados gostos. Meu facebook é, verdadeiramente, uma diversidade filosófica e ideológica ululante. Acontece que, após ver e ler séries de repetições argumentativas rasas, fiquei decepcionado com a rasura e incapacidade crítica de meus queridos amigos/colegas virtuais. Claro que alguns destemidos salvam-se perante esse caldeirão de lodo.


Também relutava em criar qualquer texto durante a minha jornada de retiro intelectual, todavia não estava aguentanto a atmosfera tenebrosa que provejetava-se em minha querida rede social. Era evidenete também as consequências que essas movimentações também faziam no mundo real.


1. O NTC

O NTC é uma sigla composta por três nomes: nacionalismo, tradicionalismo e cristianismo. Juntei-as pois os seus simpatizantes e ideólogos caracterizam-se por uma condição: o desprezo a modernidade e tudo aquilo que a modernidade representa.


Os nacionalistas não odeiam a “modernidade” ao todo, mas têm certo desprezo dela por causa de sua incapacidade de respeitar as barreiras territoriais, por causa de sua incapacidade de preservar a diversidade cultural, por causa de seu desrespeito as tradições – e, nisso, acham apoio dos tradicionalistas. Os tradicionalistas fazem por motivos razoavelmente parecidos com os nacionalistas, embora mais focados na tradição de seu país. E os cristãos, nesse balaio, acham que a moral cristã, que querem impor a todos, está sendo substituída por uma moral anticristã.


Há também um movimento cristão católico que defende a criação de um Estado confessional – leia-se: Estado declaradamente católico. O mesmo Estado favoreceria a Igreja Católica. O Estado também seguiria a moral católica. Isso, é claro, é um devaneio teocrático reacionarista. A verdade é que o movimento cristão católico – tradicionalista assumido ou não – defende algo que seria muito similar ao que acontece em países islâmicos, só que de maneira cristã. Nisso há uma divisão entre os católicos não-integralistas e integralistas, que defendem quase a mesma coisa só que de maneiras diferentes. Há uma rixa entre eles. Existem católicos que defendem que o integralismo é uma doutrina herética, isso são outros quinhentos e não vou me delongar nesse assunto.


Antigamente, havia uma divisão clara entre o nacionalista e o patriota. Hoje em dia há uma confusão. O patriota, em seu emprego terminológico antigo, era uma pessoa capaz de amar o seu país e respeitar o que pessoas de outros países também sentiam pelos seus países; o nacionalista, no passado, era tido quem amava seu país e aceitava qualquer decisão do seu país sem titubear, o nacionalista não conseguia compreender o que pessoas de outras nacionalidades sentiam pelos seus países. Como essas duas empregações terminológicas estão ultrapassadas, prefiro não usá-las aqui.


Quanto ao Brasil, sou pragmático. Prefiro uma economia que seja sustentável, capacitada de fornecer um bom padrão de vida e que dê um bom desenvolvimento tecnológica do que uma fortemente pautada pela defesa irracionalizada dos bens nacionais. Para que eu não seja mal compreendido já digo que sou centrista. Defendo um papel atuante do Estado, só que de forma pragmática e não conduzida por motivos ideológicos maniqueístas.


Sobre a questão tradicionalista e cristã. Oponho-me aferradamente, mesmo que eu seja cristão. Compreendo a separação entre o Estado e a religiosidade, também não defendo a forçação de tradição. Nesse sentido, compreendo que o cristianismo e a tradicionalidade devem serem postas opcionalmente e não forçosamente. É preciso que elas apresentem-se como uma escolha boa e não como uma obrigação feita por meio da coerção que é imposta.


2. O Movimento da Renovação Cristã/Católica Carismática

Antes de começar a falar da RCC, já aviso antecipadamente que não sou um defensor ferraz da “Santa Tradição” e que reconheço alguns méritos da RCC. Tenho uma certa ogeriza e rivalidade para com o movimento carismático. Apesar de muitos de meus amigos saberem disso, muitos não o sabem. Isso acontece também por minha culpa, toda vez que me manifesto sobre o movimento carismático acabo por fazê-lo timida e concisamente.


As minhas razões são simples. Em primeiro lugar, há a presença de técnicas hipnóticas feitas nas orações conduzidas pela RCC, há quem defenda isso como perfeitamente moral e que a hipnose é aceitável nesses casos; mas eu sou contra pelo fato de que a maioria dos frequentantes desses locais não sabem que há técnicas de hipnose no meio de tudo isso e, desse modo, não são capazes de opinar a respeito. Em segundo lugar, a RCC torna o cristianismo em um sentimentalismo vulgar, esquecem-se das meditações existênciais propostas a todos os cristãos e, por conseguinte, tornam o cristianismo em algo que os intelectuais riem apaixonadamente.


Em todo esse movimento de sentimentalização do cristianismo, o velho lema “fé e razão” tornou-se um passado reacionário e não um guia para todo cristão basear-se não tão somente na fé, mas também na boa utilização da razão. Um dos efeitos mais notáveis dessa sentimentalização é criação de cristãos incapazes de refletir, cheios de si e que são ridicularizados pelos mais densamente intelectuais. Muitas pessoas que buscam esperançosamente a salvação, encontram um cristianismo bobo alegre e sentimentaloide que lhes causa nojo e afastamento.


3. Olavo de Carvalho

Há muito tempo atrás, criticava ferrenhamente o dito cujo. Todavia não tinha estudado a sua obra. Após ler dois livros dele e estar lendo o terceiro nesse momento, vejo que a maioria das críticas que o autor recebe são estúpidas e, até mesmo, inválidas. Reconheço que Olavo é uma pessoa extremamente inteligente, que possui uma estilística insuperável e uma capacidade de argumentação superior a maioria gritante de seus odiadores. Acho-o um autor extremamente agradável de se ler, embora não concorde com tudo que ele diz. Efeito semelhante ocorre com Chesterton, pelo qual também nutro grande admiração intelectual.


4. Pós-Modernos

Nos últimos tempos, tenho lido alguns autores pós-modernos. Incluindo aí autores pós-modernos nacionais e internacionais. Noto que, quando os leio, vejo muita coisa apreciável e, é claro, uma inteligência ilustre. Consigo gostar tanto dos progressistas pós-modernos quanto gosto dos conservadores que leio. Isso me torna meio termo e em cima do muro.


Todavia é-me odiável a maioria de sua militância – tal como é, similarmente, meu ódio a militância conservadora. Há uma vulgaridade, irracionalidade e tribalidade em toda militância, por isso grande parte é constituída por estúpidos homens-massas.


5. A Democracia

Já odiei a democracia de dois modos: como um totalitário e como um libertário. Hoje em dia, ponho-me na defesa dela. Posso dizer que acredito agora na pluralidade de visões, religiosidades, partidos políticos, culturas e tudo o mais. Não substituiria isso por nada.


O movimento antidemocrático concebe-se da incapacidade de muitos brasileiros em estudar e aprender visões divergentes das suas. Essa acusação vai e é perfeitamente cabível para todos os espectros políticos. O problema do Brasil não é a democracia, é a falta de esforço intelectual em aprender a estudar e aprender sistematicamente diferentes escolas de pensamento. Quando houver tal esforço intelectual por parte de nossa população, a maioria das implicações religiosas, políticas, econômicas e intelectuais dissolver-se-ão.

quinta-feira, 24 de março de 2022

TOLERÂNCIA MODERNA É AUTOMARKETING MORAL DE CHARLATÃES!




Só existe um tipo de aceitação: aquele que você aceita o que rejeita. Quando um esquerdista ou liberal abre a boca para falar de "aceitação", só fala em coisas que ele aceita e quer que sejam aceitas, mas nunca de coisas que não aceita e que, para processos de abertura fática, deveria aceitar. Logo isso não é aceitação, é imposição. Longe de ser uma alteridade, é um imposição em que se força algo que já se crê. Todo discurso se estrutura numa falsidade: além de não ensinar tolerância real, ensina-nos intolerância. Uma pessoa que crê num estado laical, onde a religião é puramente privada e de deliberação pessoal não é uma pessoa tolerante por defender isso, já que defende algo que já aceita e acredita. Tolerância seria ele aceitar que existem estados de índole religiosa e que isso depende da autodeterminação do povo que assim o quis. Seria tolerância se ele aceitasse pessoas de índole monárquica religiosa e aceitasse a ideia de que pessoas podem viver num estado religioso confessional.

TOLERÂNCIA É DIFERENTE DE ACEITAÇÃO!

Toleramos só aquilo que não gostamos, não existe tolerância para aquilo que já aceitamos. Um homem que come tortas de limão por gostar delas não é uma pessoa tolerante com tortas de limão, já que as ama. Do mesmo modo, um homossexual que diz ser tolerante com a comunidade homossexual está em contradição consigo mesmo - como tolera algo que faz parte? Quem pede tolerância, quer que as pessoas que não aceitam o que elas são ao menos a ignorem. Quem quer aceitação, quer que as pessoas que a odeiam as aceitem. Só que quem quer tolerância e aceitação quer, usualmente, uma condição passiva do próximo: ela só recebe o ordenamento daquele que exige, sem que haja um feedback de sua parte.

NÃO CAIA NAS BOBAGENS MODERNOSAS!

Qualquer pessoa que se diz aberta, está fechada. Abertura é um processo de negação de si mesmo, depois da abertura vem a integração: aquilo que se era rejeitado passa a integrar o horizonte de consciência do sujeito. Só que depois que foi aceito, não é mais abertura: tornou-se parte integrante do sujeito. Abertura é sempre negação de si, alteridade para com aquilo ou a pessoa que se nega. O resto é falsidade pura, automarketing moral. E o que define o automarketing moral é a própria falsificação do discurso que altera as coisas do que são para o que gostaria que se fosse. Quando você ver grupos "tolerantes" e "abertos", saiba que não têm nada de tolerância ou abertura.

A COMPREENSÃO DE ATO E POTÊNCIA!

Ato é aquilo que já foi realizado, potência é aquilo que pode ser. Uma árvore é potencialmente uma cadeira até que se torne uma cadeira em ato. Quando se tem uma abertura, "atualiza-se a potência". Aquilo que "poderia ser" torna-se aquilo que "se é". É por isso que a abertura começa com uma negação de si mesmo e depois uma integração que se torna parte constitucional de si mesmo. Só que depois que se integra, não é mais aceitação. Aceitação é processo, depois dela não é mais aceitação, é um enraizamento. Quem fala de tolerância, aceitação e abertura usualmente não defende esse processo para si mesmo: defende-o para o outro, o outro que sempre deve subordinar-se a sua "visão superior de mundo". É um processo de dominação com duplipensar (1984), onde se defende exatamente o oposto do que se defende: "fechamento é abertura", "tolerância é o que se aceita". Uma loucura conduzida em larga escala por charlatães.

sábado, 29 de janeiro de 2022

Éramos dois, e daí?

 Você me contava do seu desejo de virar socióloga. Era de esquerda juvenil, adolescente lutando contra o tédio. Tão desafiadoramente bonita quanto inteligente e simpática. Revelei a ti o meu amor quando já era tarde, tinha vergonha metódica de mim e não queria lhe envergonhar com minha obscura imagem social. Por um momento, éramos dois, mas depois de alguns meses, já não éramos nada.


Eu te diverti com meu humor adolescente de anarquista niilista e rebelde sem causa. Pagando-lhe bebidas na esperança que transfigurasse a sua lesbicalidade e bissexualidade. Me aproximando com distâncias calculadas e passos patéticos que geraram tragédias insensatas. Eu sumi por sete anos, em crises sem fim, falei-lhe que era teu amigo, mas e daí? Eu sumi. Sumi e voltei transfigurando proximidade em distância abjeta e sem explicação sensata.

Você jogava videogame em minha casa. Na doce infância era tão bom, só que eu era idiota e inadequado demais para a pré-adolescência. Como consequência de meu desenquadro, criei em você a vergonha que lhe permitiu o afastamento adequado. Éramos dois, e daí? Daí que sumi sem nunca mais falar contigo. Daí que lhe achei um cara que preferiu a sociedade a amizade dourada.

Nos pegamos três ou duas vezes. Dormi contigo, em teu quarto. Sua mãe trouxe pizza, sem pensar em sexo homossexual de dois caras bissexuais que não davam pinta de nada. Éramos dois, éramos dois amigos e coloridos adolescentes numa época de liberalidade sexual. Quem você é agora? Você se assumiu ou ainda isola o fato sexual de sua família com ocultamentos constantes de sua inconstância inata?

De pastor você foi a ateu convicto. Íamos ao puteiro em apostasia à faculdade. Conversávamos muito. Você voltou a ser pastor, traiu o puteiro, o anarquismo, o ateísmo e a mim. Éramos dois, e daí? Daí que nunca mais falamos e eu até hoje não me lembro de seu sobrenome.

Eu era tão católico quanto um católico deve ser. Num retiro vocacional buscando irmão ser. Te vi algumas vezes em conversas doutrinais que foram fáceis de esquecer. Lia "Ordem Nova", o reacionarismo era moda, a monarquia voltava em mentes e não em regimes. Sempre quis te comer, sobretudo quando bebíamos na igreja. Eu fiquei sabendo, você beijou garotas e eu beijei rapazes. Éramos perfeitamente heterossexuais e completamente bissexuais.

Em Santa Catarina foi um horror, afastado da família e da cidade que morei com louvor. Identidade em choque em novo mundo cultural. Você foi padre, agora era homossexual e casado. Eu? Eu era o cara que ia em retiros vocacionais e militava no movimento negro. E mesmo você sendo casado com outro homem, desejei que fosse meu próprio homem. Treinamos juntos, sugeri poliamor e um dia no pós-treino você me chupou. Eu fui pra São Paulo, você lá permaneceu. Ficou onde fui, para permanecer de onde era. Eu voltei pra São Paulo, para permanecer de onde vim. Éramos dois, e daí? E daí que ainda penso em você.

Eu lia Olavo de Carvalho, você lia Nietzsche. Eu era Apolo e você era Dionísio. Só que eu tinha um Dionísio oculto e você tinha um Apolo oculto. Pegamos duas mulheres, mas quando a pegamos, uma das duas não estava presente e nem conhecíamos a outra que estava por vir. Pegamos a mesma flor e depois a outra flor, em perfeita conformância com a igualdade do sabor. Você me apresentou a social, eu te apresentei a transexual. Você me apresentou a Dionísio e eu te apresentei ao tradicionalismo. Éramos loucos sem tirar e nem pôr, talvez seja por isso que você foi um dos únicos que ficou.