Mostrando postagens com marcador psicanálise. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador psicanálise. Mostrar todas as postagens

sábado, 6 de julho de 2024

Acabo de ler "Sacred Chaos" de Françoise O'Kane (lido em inglês/Parte 1)

 


O Self não faz divisão de valores. Ele é a totalidade, isto é, sejam compostos considerados pelo próprio "Ego" como bons ou ruins. Quando nossos valores, moralidade e virtudes entram em choque com uma realidade que nos nega, existe uma tentativa de puxar "os conteúdos caóticos" de dentro de nosso ser e pô-los em prática. O lado irracional e sombrio é inerente ao psiquismo, ele pode ser custosamente reprimido, mas não pode ser retirado. Ou seja, ele estará conosco onde quer que estejamos e poderá despertar quando menos esperarmos.


O eterno conflito da natureza humana, ele aparece diversas vezes durante a história. As linhas mais avançadas do cristianismo defenderam que o mal está circunscrito na esfera da ação moral, mas não é uma existência por si mesma. Por outro lado, existe uma versão maniqueísta em que há um dualismo no mundo. Um "deus bom" e um "deus mal", opostos dialeticamente. Existe a gnose que separa duas deidades, a material e a espiritual. Os problemas do mundo teriam surgido através da criação do mundo físico.


Ora, o elemento do caos – a ausência de regularidade e estabilidade – gera sempre uma outra percepção acerca da humanidade. Por exemplo, existe dentro da mentalidade revolucionária uma ideia positiva. Do caos, surgirá uma ordem mais justa, socialmente mais equilibrado e em que os recursos são dispostos de forma a favorecer o bem comum. Logo o caos é percebido instrumentalmente, o caos serve para a criação de uma ordem. O revolucionário não defende o caos pelo caos, mas a geração de um caos para a destruição da ordem existente. Isso tendo em vista uma nova ordem. Esse fenômeno pode ser enquadrado como uma espécie de "sedução sombria".


É possível dizer que existe um mecanismo de regressão. Essa regressão é, particularmente, enquadrada como um mecanismo de retornar a passos anteriores – idades mentais anteriores – para resolver um conflito presente. Isso leva a uma perda do "quadro psicológico" em sua inteireza.  Isto é, se o psiquismo pode ser enquadrado como um quebra cabeças em que há graus maiores de consistência e inconsistência pelas partes que faltam ou estão devidamente integradas perante o aspecto momentâneo e dinâmico da vida. Quando entramos em crise, há um obscurecimento e perda quantitativa dos fragmentos que estavam integrados, o que leva uma perda qualitativa do autocontrole psíquico e da estabilidade mental. Usualmente levando a infantilização e imediatismo.

quinta-feira, 14 de março de 2024

Acabo de ler "Dorotéia" de Nelson Rodrigues

 



Por vezes uma sociedade padece, se entristece, pela ausência da liberdade. Essa peça pode ser encarada de uma forma psicanalítica, sobretudo na psicanálise de Reich, por causa do desafio proposto por ela: o que é o ser proibido na esfera de sua sexualidade? Aí é que está a chave que pretendo utilizar nessa análise.


Veja que faz parte do regulamento do ser o orgasmo. A ausência do orgasmo pode ser sublimada por um esforço produtivo, mas será que esse esforço deveria ser compulsório? Sociedades mais fechadas buscam minar a sexualidade e as sociedades fortemente telúricas - como as fascistas - buscam até reprimir a sexualidade com tudo que estiver ao alcance de suas mãos. Não por acaso, a repressão à sexualidade feminina, a minorias sexuais (LGBTs), a busca pela padronização, tudo isso marca o regime fascista. Todavia não estamos nesse contexto, embora seja salutar observar tal parte.


É preciso compreender que a ausência de uma liberdade de desejo, de liberação de desejo, de satisfação pulsional é uma forma de criar uma sociedade adoentada e suscitar nela os mais terríveis delírios. A insatisfação pulsional gerará constantemente crises psíquicas. E essas crises gerarão um estado exacerbação. Esse estado posteriormente poderá ser utilizado metodologicamente para uma missão. E é assim que a sociedade extremo-telúrica se alimenta e retroalimenta: da insatisfação de seu desejo em conjunto com uma condução coercitiva de esforços a um inimigo determinado para o reforço de sua mentalidade coletivo-normativa.


Nelson Rodrigues, ao escrever essa peça, caçoa dos pensamentos bizarros sobre o que é a humanidade e todo o misticismo por trás das proibições e negações que grupos sociais criam para si mesmos para se negarem. O que é bastante interessante, visto que é sociologicamente útil para compreender os dramas sexuais que existiam nessa época.


Como sempre, a obra rodrigueana é marcada por uma capacidade de abertura que possibilita uma análise crítica duma série de conjunturas. Demonstrando a genialidade do grande mestre que é e foi Nelson Rodrigues.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Acabo de ler "Álbum de Família" de Nelson Rodrigues

 



"O céu, não depois da morte; o céu, antes do nascimento - foi teu útero"

Edmundo (Personagem de Álbum de Família)


Neste livro, Nelson demonstra um profundo conhecimento sobre psicanálise. A peça trata sobre o Complexo de Édipo e Complexo de Electra. Embora hoje tais complexos não sejam mais vistos como anteriormente eram pensados pela comunidade psicanalítica, é bom entender que existe o contexto da época que pesa muito. Mesmo assim, a peça traz importantes reflexões sobre a natureza da moralidade, as relações familiares, a natureza da pulsão humana e a realidade do afeto.


A temática do primeiro trauma humano é bem abordada: o céu como útero materno é, para todos nós, uma incógnita. Quando somos fetos, nossos desejos são prontamente atendidos pelo aparelho biológico de nossas mães. Desejo e realização, por assim dizer, são o mesmo e dão-se harmonicamente. O reino da necessidade e a realização dessa necessidade estão de par a par. O feto vive, sem saber, o paraíso. É por isso que o processo de nascimento é tão traumático: ele priva o bebê da realização automatizada de suas necessidades e ele terá que passar por processos de privação.


Há nessa peça um trabalho muito cuidadoso com uma temática que, até hoje, faz roer os ouvidos dos mais bem pensantes e, também, dos mais atávicos reacionários: o incesto. Não que Nelson apoie o incesto, Nelson é um moralista: ele expõe os pecados humanos para que exista um processo de ascese. Essa ascese é provocada pela própria exposição do desejo humano em sua brutal realidade devastadora. A peça de Nelson, seu trabalho dramatúrgico, expõe os vícios para purificar. Não por acaso Nelson Rodrigues é chamado de "Anjo Pornográfico".


Como sempre, temos uma peça bastante complexa e com uma série de reflexões que não poderiam - e nem devem - ser lidas de forma descuidada. Nelson é, como nosso maior dramaturgo, um homem duma complexidade ensurdecedora. 

Acabo de ler "Psicoterapia para todos" de Viktor Frankl (Parte 3)

 



Viktor Frankl se propõe, neste capítulo, a uma análise de outros modelos psicoterapêuticos. Em especial, a psicanálise de Freud e a psicologia individual de Adler. Sua análise, como não poderia deixar de ser, parte duma confrontação e, ao mesmo tempo, dum entendimento histórico de que há uma locupletação de uma para outra. Frankl reconhece as vitórias de Adler e Freud.


Adler trabalharia com a noção de que existe, no ser humano, um complexo de inferioridade. Esse complexo surge pela necessidade natural do humano de ter cuidado e proteção na sociedade. É bem verdade que esta, por sua vez, traduz um imperativo: adequar-se a ordem social por meio dum processo internalizador. Se essa internalização não é correspondida, a pessoa se perde numa busca de autocompensação que, não raro, se trava com uma batalha: uma busca frenética por atos valiosos no seio da comunidade ou uma postura de superioridade beligerante. A psicologia de Adler trabalha para o reconhecimento dessa incapacidade de se ver inserido no seio da comunidade e do complexo de inferioridade que se esconde por trás dessa ação. O que é sociologicamente questionável, visto que a adaptação pela adaptação corre o risco de ser normalizadora de grandes problemáticas sociais tomadas como naturais.


Freud, por sua vez, trabalhará com a repressão e o inconsciente. O desejo reprimido se torna inconsciente. O inconsciente vai surgindo conforme o próprio conflito - individual e coletivo - vai se estendendo. O inconsciente se manifestaria através de atos falhos e, de semelhante modo, por meio dos sonhos. A luta de Freud se desenrolará inicialmente dentro duma sociedade altamente repressiva para com as temáticas sexuais - embora o escopo de sua obra não se limite e nem se delimite a isso, visto que há um Freud como pensador da cultura.


Frankl fala brevemente sobre Jung e o inconsciente coletivo, além da natureza espiritual dentro do psiquismo humano. O que revela, rapidamente, que tal debate não lhe escapava e que ele via em Jung um importantíssimo componente que faltou em Freud. Já que viu em Jung uma saída da discussão que Freud deu.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

Acabo de ler "Viúva, porém honesta" de Nelson Rodrigues

 



"E vou provar o seguinte, querem ver? Que falsa é a família, falsa a psicanálise, falso o jornalismo, falso o patriotismo, falsos os pudores, tudo falso!"
Diabo da Fonseca (personagem da obra)

Gosto dessa obra pelo cinismo geral que a conduz. Isto é, essa peça de teatro é recheada dum cinismo que transcende uma sátira banal, é um cinismo que visa uma crítica metódica e organizada da sociedade e das organizações vigentes.

Vemos que tudo que ali existe é propriamente uma farsa: o motivo da viúva não querer trair seu marido, o jornalismo, a crítica de teatro, o psicanalista, o médico. Todos são farsantes que estão presos a vínculos meramente performáticos com suas carreiras, nunca um objetivo sincero para com o que se propõem a fazer. A obra visa, em seu fundo, demonstrar através do teatro que há um teatro na vida e este é um teatro que é, no fundo, um teatro horrendo por ser obrigatório. Graças aos condicionamentos sociais, somos obrigados a performar traindo o que nos há de mais essencial e verdadeiro. O preço do sucesso na sociedade é a perda de autenticidade, por consequência a perda do ser e, no fim, a perda de si mesmo em prol duma performance.

A obra não deixa de ser extremamente engraçada e fará o leitor dar boas risadas enquanto se delicia com os eventos tragicômicos que se sucedem. As frases que aparecem trazem uma imensa dose de efeito cômico pois possuem uma desvalorização de tudo aquilo que a sociedade tradicionalmente vê como bom, mas que intimamente não segue. A diferença é que, ali, é dito a verdade da dualidade da vida: existem regras de performance e a realidade da vida, visto que a imagem pública é para ser condicionada e a imagem privada é para ser secreta.

Qual é o sentido de tudo isto? O marido é homossexual, a viúva é fiel ao marido morto pois o melhor tipo de marido é o morto pois não enche o saco, o psicanalista é farsante, a ex-prostituta é farsante, o otorrinolaringologista é farsante, o jornal só existe para "espinafrar" e chamar atenção do público através de choques sentimentais.

Por vezes é necessário rir de si mesmo para se libertar da cegueira dos próprios olhos.

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

Acabo de ler "Memória Individual, Memória Coletiva, Memória Social" de Jô Gondar

 



Aquilo que chamamos de memória nunca carrega exatidão, mas sempre uma reinterpretação do passado conforme as cargas componenciais de nosso psiquismo no momento em que rememoramos. Logo a memória é uma possibilidade atitudinal de, conforme meditamos, adentramos num novo posicionamento existencial.


Também é fato que a memória sempre se altera. Ela é múltipla e as figuras humanas assumem forma de sustentação, rivalidade ou de modelo. Tudo isto varia de acordo com o nosso estado de espírito e, por tal razão, não devemos nos crer imbuídos de objetividade. Nossa memória é produto de nosso estado mental presente e da anterioridade que nos precede.


A memória se constrói de modo topológica, ligada à estruturação do meio que circunscreve e aprisiona o ser em sua circunstância. Desencadeada a partir de uma teia relacional de indivíduos sociopsicologicamente atuantes e, igualmente, moldados pelo meio que endoculturalmente os moldou previamente em conformidade com suas próprias tradições.


A mnemotécnica (arte da preservação da memória), mesmo zelando pelo cumprimento de sua objetividade, sempre cai na circunstancialidade de seu espaço-tempo e é obra dele. Ligada a uma subjetividade que lhe prende, mesmo que de modo inconsciente e impercetível por aquilo que pratica o ofício da historicidade ou todo homem que, por excelência, é ser social e de comportamento intrinsecamente narrativo.


No fim, a falha da objetividade nos livra do triste fardo de sermos ritualizados como escravos pelo passado. A memória, não sendo objetiva, é a arte de reinterpretar o passado e dar luz para uma nova vida que se abre, portanto é sempre uma arte e, mais do que isso, um arte de liberdade.

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Acabo de ler "Revisionismo, Neuropsicanálise e Fantasma" de Roberto, Fernanda e Tiago

 



Seria Freud um mitomaníaco e a psicanálise uma série de projeções pseudocientíficas para iludir incautos que caem nas mãos duma seita criminosa? Essa ideia, repetida a exaustão, pode levar a uma série de questões espinhosas que, na maioria das vezes, de nada servem.


A aproximação de Freud com a ciência de seu tempo se deu por uma parte de sua obra, mas não se estende em toda sua dimensionalidade intelectual e tampouco a delimita radicalmente. Freud distanciou-se dessas na medida mesma em que tomou conta da proporcionalidade desproporcional e incondicionável da subjetividade humana.


A psicanálise não é e nem pretende ser científica, visto que seu objeto de estudo escapa à objetividade e delimita-se pelo indelimitado. Acusar a psicanálise de pseudociência é, quase sempre, uma chiste provinciano de quem não entendeu a intencionalidade do modus operandi psicanalítico.


Os autores do artigo em questão reclamam da psicanálise em sua "nova roupagem", visto que esses buscam na neurociência uma resposta objetiva, uma forma de cientificizar, para as questões levantadas pela psicanálise. Se estão corretos nesta empreitada, não é algo que eu, em minha baixa estatura, possa analisar neste momento.


De todo modo, seus escritos são impressionantes e lançam luz neste debate que se apresenta na história recente e vale muito a pena ser lido.

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de Jung - Capítulo 9: o estudo dos sonhos"

 



Falar sobre Freud ou Jung sem falar sobre sonhos é quase como cair em heresia. O sonho é um território misterioso em que, grande parte de nós, tem necessidade imensa de compreender. Querendo ou não, os sonhos nos impactam.


O sonho é uma espécie de compensação em que aquilo que não foi feito, aquilo que foi reprovado ou reprimido é realizado num espaço virtual para que se obtenha a satisfação e, com isso, o equilíbrio psíquico. Porém o sonho desempenha muitas mais funções do que essa.


O sonho é a fotografia do instante mental do sujeito, é a forma com que ele vê o mundo naquele momento de sua vida. Graças a isso, se descobrirmos o que cada objeto simbolicamente representa ao sujeito, temos o seu retrato mental. 


O sonho também é gerado pela interação da pessoalidade do sujeito em contato com os símbolos universais (arquétipos), o que gera necessidade de reconhecer os dois. 


O misticismo e poder ilimitado do sonho remontam a antiguidade primitiva de nós e de como desejamos, no fundo, poderes ilimitados. Jung sempre frisou que, dentro de nós, há um ser primitivo que pensa da mesma forma pouco importando as mudanças culturais. E essa estrutura permanece a mesma mesmo que não nos demos conta disso. É por conta disso que devemos conhecer o inconsciente: para não sermos dominados por ele.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de C. G. Jung - Capítulo 3: Jung e Sabina Spielrein: um relacionamento conturbado"

 



A psicologia, seja qual seja, pressupõe a subjetividade. A subjetividade, querendo ou não, é infinitamente mais variável que a própria psicologia em suas mais diversas ramificações. Sendo a psicologia a "ciência da subjetividade", o contato com a história pessoal de cada intelectual é de importância fundamental. Podemos até mesmo descobrir tendências psicológicas que conduziram ao seus desfechos intelectuais.


Não podendo deixar de ser, esse livro sobre Jung traz um cenário biográfico em que podemos ver um pouco daquilo que fez com que ele se tornasse quem é, quem foi, quem se tornou. As suas relações com Freud, seu amor por Sabina, sua relação com os estudos religiosos, suas tensões enquanto indivíduo humano. Toda essa narrativa pessoal garante uma maior inteligibilidade do corpo teórico de sua obra, também garante uma maior inteligibilidade de Jung enquanto pessoa.


A forma com que Sabina adentrou na vida de Jung, fazendo-lhe rever seus métodos e até mesmo a questionar a sua vida em si, é de demasiada importância. A relação terapeuta-paciente traduz uma dinâmica psíquica e social que levaram a um escândalo. O mundo de Jung se abalou, seus métodos se abalaram.


A estrutura mundividente - a forma como nosso intelecto vê o mundo - se relaciona bastante com a nossa vida em si. Foi, em parte, a própria vida de Jung que tornou quem ele foi. E acompanhar essa história nos traz mais do que um conhecimento meramente teorético, traz-nos um encontro existencial, profundamente ligado ao afeto.

sexta-feira, 3 de março de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de C. G. Jung: Capítulo 2: Carl Gustav Jung e Sigmund Schlomo Freud"

 



Jung e Freud eram, ao mesmo tempo, pesquisadores originalíssimos no campo da medicina e psiquiatria. Também compreendiam que havia mais no aparelho mental do que de fato estávamos propensos a acreditar. As teorias de Jung, até aquele momento, complementavam e endossavam a de Freud. Não por acaso surgiu a relação que os dois nutriam durante um bom tempo.


Jung viu em Freud a coragem intelectual que não viu em seu próprio pai. Freud representou-lhe a potência da figura paterna que lhe faltava. Nisto Freud virou simultaneamente Mestre e Pai. Jung virou seu Discípulo e seu Filho. Tão logo para virar o príncipe da psicanálise. Essa relação tão terna logo viraria um jogo cruel.


Jung gostava de estudar os fenômenos espirituais, acreditava no inconsciente coletivo - legado psíquico da humanidade - e também tinha uma teoria mais geral da libido. Já Freud via isso como traição a sua teoria, não gostava dos fenômenos espirituais - tidos como arcaicos - e tampouco gostava do rumo que as teorias de Jung iam tomando. Tudo isso levou a uma separação radical entre os dois que eram outrora tão próximos.


Uma história interessante, seja a nível biográfico, seja a nível intelectual. Certamente pode levar a questões que revelam a densidade psíquica de ambos e  o que ambicionavam em suas vidas. Também se poderá ver as limitações que cada um apresentava e as suas fraquezas, seja como seres humanos, seja como intelectuais.


O que demonstra que a vida intelectual não é só um apanhado de observações de homens distantes. Ela é carregada de afetos de todos os tipos. E as crenças, igualmente depositárias de identidade (eu plural), afetam-nos de modo que nem sempre conscientemente sabemos.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de Freud - Considerações Finais"

 



Chegamos finalmente na análise do capítulo final. Optei por fazer uma análise em forma de série para testar um formato mais expansivo de análise. Um formato em que fosse possível ter "textos maiores" no diminuto espaço que essa plataforma permite. Para tal, selecionei alguns livros em que se poderia aplicar tal formato de "análise em série". (Pretendo fazer outras).


Neste capítulo, somos apresentados a conclusão do que chegou a ser a obra de Freud. Quais seriam as mudanças paradigmáticas apresentadas pela conjunção de sua obra. E, certamente, Freud realmente foi propulsor duma revolução paradigmática em vários campos devido a sua mudança de fontes.


Até no tempo de Freud, a psicologia - além de outras áreas do conhecimento humano - eram reflexos do pensar teológico. A principal mudança que Freud promove é uma psicologia baseada não em fundamentos sobrenaturais, bíblicos ou religiosos. Tal troca foi de fundamental importância para o desenvolvimento da psicologia moderna, não só dela como também de outras partes do conhecimento humano.


Freud também trouxe um olhar mais aprofundado na sexualidade. Tema muito essencial e pouco estudado. O que o colocou numa série de polêmicas devido a mentalidade pouco dialógica da época. Essa também foi uma contribuição de Freud.


Outra, a que mais me encanta, é a noção de que muito de nós nos escapa. E que devemos estudar metodologicamente a nós mesmos para que não sejamos controlados pelas nossas parcelas inconscientes. Esse entendimento possibilita um desenvolvimento rumo à maturidade e maior integração unitária de nossa consciência. 


Esse livro é bastante simples, porém coeso e apresenta uma série de informações que podem levar o leitor ter um olhar mais próximo da psicanálise e, quem sabe, tornar-se um dia um psicanalista.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de Freud - Capítulo 8: a herança de um legado - surge Anna Freud"

 


Nascendo num período que nem Freud e tampouco a sua mulher desejavam ter filhos, Anna Freud cresceu sendo uma criança bastante desobediente. Estava ela numa constante rivalidade com a sua irmã mais velha e isso gerou uma série de transtornos.


Anna se destacada não tão somente por ser filha de Freud, mas igualmente por ser continuadora de seu legado intelectual. Não só estudou as teorias de seu pai, a quem estimava muitíssimo, como as aplicou na prática. Embora a sua prática se dê mais no âmbito da psicanálise infantil e seu foco seja mais no ego.


A unidade da mente, a capacidade integradora do Self, foi uma das pautas primordiais de sua pesquisa. As lutas constantes e fragmentárias do Super Ego, Ego e ID permeiam suas obras e trazem luz ao grande conflito no seio de cada alma humana.


Anna também teve um relacionamento considero estranho para a época: relacionou-se com uma mulher, Dorothy. Ela seguiu a curiosidade teimosa de seu pai e seu espírito crítico que estava aquém da aceitabilidade social e não se subordinava de maneira alguma. Feito pouco capaz, já que a maioria dos mortais se cala frente aos problemas gerados pelo conflito social.


Vemos que Anna Freud era por demasiado rebelde, seguindo a linha que seu pai criou. Uma linha que não se calaria nem frente a uma das maiores atrocidades que a humanidade já enfrentou e concebeu: o nazismo - e seu plano de escravizar toda a raça humana. Certamente um ímpeto corajoso e virtuoso.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Acabo de concluir o curso "Fundamentos da Psicologia Junguiana: Mitos de Criação e Origem da Consciência"

 



Nesta disciplina aprendemos muito sobre como se estrutura o pensamento de Jung e a relação do estudo da mitologia como auxílio fundamental para o entendimento dos processos psíquicos.


Jung foi um homem que, graças a uma série de fatores, teve brilhantes insights como intelectual. Capaz de navegar em vários campos (filosofia, medicina, psicologia, mitologia, religião, etc), teve uma obra de caráter altamente universal e sintético. Cada campo interagia com o outro, levando a uma unidade de pensamento fantástico.


Jung trouxe uma certa forma de revolução no campo da psicologia: com os estudos da cultura humana - bastante direcionada aos estudos da arte, religião e mitologia -, foi capaz de trazer uma nova luz ao que, devido as situações culturais e acadêmicas imperantes na época, ignorávamos. Todavia também graças a essa mesma empreitada, muitos hão de julgar Jung como uma espécie de misticista. Até mesmo Freud não foi capaz de compreendê-lo em sua totalidade, levando até a uma brusca ruptura.


Os entendimentos chaves da psicologia junguiana ajudam-nos na medida em que compreendemos com mais retidão a forma que seu sistema de pensamento é. Muito harmônico e coeso entre si, quanto mais se compreende os pormenores de seus pensamentos, mais se vê a capacidade de traduzir símbolos com a vida pessoal e, a partir disso, chegar a resoluções quanto as problematicidades que a vida traz. Este modo é, por sua vez, chamado de simbólico-analógico e une a cultura humana geral as condições contextuais de nossa subjetividade particular, uma verdadeira síntese em forma de terapia.


Certamente estes estudos não serão esquecidos por mim. Foram-me marcantes em demasia para ignorar. Todo um horizonte de ideias e compreensões apareceram diante desse conhecimento. Possivelmente esse foi e é um dos estudos que mais gostei e mais apaixonadamente me entreguei.

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de Freud: capítulo 7 - Aplicabilidade da Psicanálise no dia a dia Profissional e Pessoal"

 



Se nos perguntarmos onde se encontra a psicanálise como hermenêutica mundividente encontramos a maioria das suas teorias envoltas não só naquilo que é manifesto, mas também naquilo que é considerado latente. O terreno do não dito, expressado de modo inconsciente, é o terreno psicanalítico por excelência.


O arcabouço psicanalítico é, por sua vez, uma forma de buscar uma análise que, dado após dado, possibilita uma interpretação que leva ao conhecimento narrativo das partes que constituem a pessoa de forma unitária. A desfragmentação, gerada após uma coleta minuciosa de dados, é o dever cabal da técnica psicanalítica.


Graças a este aparato, a psicanálise traz consigo não só uma capacidade de autoanálise, permitindo que vejamos com mais pormenoridade a nós mesmos, como igualmente nos dá instrumento para  a percepção mais íntegra do outro em seus atos e falas. O que é, sobretudo no terreno latente, algo impressionante.


Neste capítulo, vemos a importância da psicanálise para locupletação daquilo que nos escapa. Diminuto em seu tamanho, conquanto que profundo em sua forma, traz em seu seio a semente daquilo que um psicanalista perceberá durante a sua prática analisante. 

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de Freud: capítulo 6 - A Contribuição da Psicanálise ao Direito"

 



A psicanálise trouxe consigo diversas mudanças. A noção de que não somos tão senhores de nossas ideias e que, em parte, não sabemos em que momento se construíram, deu ao espírito humano a noção de sua falsa objetividade. Tão logo se viu que muitas movimentações históricas traziam, em seu seio, condicionamentos psíquicos que lhe tiravam a universalidade que elas pressupunham.


Esse movimento autocrítico, possibilitado pela psicanálise, levou consigo outras mudanças. Na esfera do Direito, aqui nessa seção do livro abordada, a psicanálise contribuiu para uma compreensão maior da subjetividade humana e o entendimento das razões ocultas que desencadeiam ações.


Graças a esse movimento, vemos que não poderíamos julgar inteiramente um caso sem termos, em nossas bases epistemológicas, as condições psíquicas que estruturaram o agir do sujeito que burlou as regras. Neste sentido, a psicanálise atua como um processo humanizante do julgamento humano. Com seu arcabouço, podemos adentrar mais fundo na historicidade pessoal e termos uma análise mais atenta.


Fora que a psicanálise ajuda na mediação dos conflitos. Em caso de divórcio, a escuta psicanalítica é capaz de tentar compreender cada lado, com cada subjetividade em jogo, e buscar um lugar, a partir de cada história pessoal e narrativa, conciliatório entre as partes.


Este pequeno livro, mesmo que simples, demonstra-me cada vez mais a amplitude da psicanálise e serve-me como inspiração para compreender mais e saber que posso aplicá-la nos mais diversos âmbitos.

sábado, 24 de dezembro de 2022

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de Freud: capítulo 5 - a contribuição da psicanálise para educação"

 



A questão da psicanálise na educação permeia os mais diversos campos. Entre eles, está propriamente a problemática da relação autoritária e repressiva que a escola pode tomar e, mais adiante, uma série de traumas decorrentes que inviabilizam o crescimento intelectual do educando.


Por outro lado, a educação escolar é aquela que aproxima o ser humano de uma capacidade de sair do imediatismo para galgar em planejamentos mais amadurecidos. O prazer, direto e rápido, toma forma de longo prazo e a rigorosidade toma forma para que a pessoa se atenha à realidade. Se bem encaixado, o processo educacional potencializa o ser para uma vida mais adulta e harmônica.


Por outro lado, a principal contribuição da psicanálise está no autoconhecimento que dá ao educador e o dispõe para revisão de sua própria prática pedagógica, colocando-o numa condição mais humanitária para com o educando e num processo de auto-maturação. Este será importante para o próprio professor e propício ao desenvolvimento da pessoa que se educa.


Verdadeiramente a psicanálise é pródiga em exemplos e capaz de atuar em múltiplas áreas. Ela é como se fosse uma chave de desenvolvimento global. E, acima de tudo, bela e apaixonante.

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Acabo de ler "A Repressão" de Sigmund Freud

 



O ser, para a psicanálise, está num estado de luta interna. Os fragmentos de si, cada qual reivindicando uma diferente - e por vezes oposta - proposta, brigam para que adentrem na direção das ações do ser. Isso, por si mesmo, indicaria como somos flagrantemente contraditórios e, quiçá, hipócritas.

A verdade é que a unidade do ser enquanto tal é objeto de uma briga constante e assustadora para cada pessoa no abismo de si mesma. Nela é que nos realizamos em maior plenitude, porém tal unidade só existe em momentos devido a nossa natureza dinâmica. Logo a vida é uma luta em que buscamos conciliar todos os nossos fragmentos e daí conseguirmos a plenitude por algum momento.

Imagine um ser atordoado que, mesmo que inconscientemente, tem uma luta de si para si. Não sabe mais quem é, entra numa crise de identidade em que tudo se anuvia e é-se difícil enxergar e inteligir o mundo. E tudo isso leva a um gasto energético de valores opostos que se contrapõem. Vê-se, então, uma realização de um fragmento e depois de outro, conforme a hegemonia de uma ou de outra parte se realize momentaneamente.

É graças ao reconhecimento de que o ser humano é um enigma para si e para outrem que a psicanálise busca investigar tamanhos processos subjetivos, interpretá-los e chegar ao mapeamento das diferentes partes. Uma luta que leva a integração das diferentes partes e harmonia unitária do ser. A busca psicanalítica é a busca do ser para consigo mesmo, é a tentativa da realização da intimidade de si para si.

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Acabo de ler "Freud para Historiadores (pág 1 a 51)" de Peter Gay

 



O avanço da historiografia depende, tal como doutras áreas, duma amplitude de espírito aberto a outros paradigmas, a outros pontos que, dalguma maneira, entrelaçam-se num salto de qualidade e quantidade epistêmica. Peter Gay apontará, e com bastante razão, a necessidade de ajuda da psicologia, em particular da psicanálise, como disciplina de caráter auxiliar.

A missão do historiador, a análise do espaço-tempo em que ele se insere e propõe-se a resolver, coloca-o numa problemática em que ele terá que desenvolver necessariamente uma maestria em outras áreas do conhecimento. Sem isso, perder-se-á na incompletude que delimitará contingencialmente seu trabalho de forma a torná-lo ineficaz. O historiador precisa, para tal, deixar de ser apenas um psicólogo informal que não domina muito bem o campo de estudo da alma humana.

No estudo das causas que movem o agir humano esconde-se um enigma que, quando não resolvido, obscurece a própria capacidade de inteligir o espírito do tempo. Esse é, de forma espetacular, sempre antigo e sempre contemporâneo: as razões espiritualmente moventes dos corações humanos e nas transfigurações que as ideias, contidas em cada peito, tomam.

Não basta, para Peter Gay, dizer a proporcionalidade objetiva que uma ideia se dá em dada escala de realidade. É preciso saber a razão, a causa, a explicação de como o fenômeno tomou forma no coração de cada agente histórico. Para tal, é preciso ir além do "simples" historicizar. É preciso que se seja capaz de, com arte, perscrutar as sutilezas da psiquê humana.

Creio que, mesmo os opositores mais hostis da psicanálise, acreditarão que a psicologia é uma excelente disciplina auxiliar para fim de tamanha magnitude. Por tal razão, o livro permanece atualíssimo nas questões que levanta e nas soluções interdisciplinares que elenca.

domingo, 6 de novembro de 2022

Acabo de ler "Análise Crítica: Livro Negro da Psicanálise" de Mayana Faria e Roberto Matos

 



As críticas a psicanálise são bastante comuns - não em sentido epistemológico, mas em frequência - e, para qualquer estudante de psicanálise e/ou psicanalista, preenchem páginas e mais páginas de discussão. Levando vários de nós a entrarem em crises vocacionais ou mudanças de paradigmas intelectuais.

A resposta a essa questão tende a variar absurdamente, mas, ao contrário que dizem por aí, não há a (total) ausência de respostas. Alguns psicanalistas tendem a responder com uma aproximação com as ciências humanas, outros dizem que a psicanálise é um estilo diferente de ciência - não nos termos habitualmente positivistas - ou, em algum caso, comparam-no com a abordagem da biologia evolucionista. De qualquer modo, há sempre uma forma de dar ou intencionar uma resposta, mesmo que essa se realize em vias distintas.

Muitos críticos da psicanálise a veriam como mimese da ciência habitual, só que num círculo fechado e restritivo de psicanalistas que ignoram tudo que lhe seja de adverso - em contrariedade evidente ao espírito científico esclarecido. Outros veem Freud como um charlatão do princípio ao fim, um falsificador maquiavelicamente nato. Alguns questionam onde se estrutura anatomicamente o ID, Ego e Super Ego, além de outras questões correlatas.

Enumerar todas essas questões e respondê-las seria algo que, no momento, está muito além daquilo que tenho em conta e em capacidade e estaria acima, em tamanho de texto, que a estrutura do Instagram permite em número de caracteres.

De qualquer forma, a psicanálise e a argumentação contrária a ela é muito mais complexa do que se presume devido a alta quantidade de vias possíveis e o debate está muito longe de se acabar numa vitória definitiva para algum dos lados. Esse artigo é dos que provam tal complexidade que, muitas vezes, escapa ao eixo teorético que usualmente tem-se em conta.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Acabo de ler "O sonho e a psicanálise freudiana" de Giovana Rodrigues da Silva

 



O sonho na psicanálise é analisado de forma diferencial. Ele é visto como uma via de acesso ao inconsciente, embora ele não seja a única. Várias são as portas e, quando combinadas, temos a possibilidade de nos conhecermos melhor como pessoas.

Para compreender um pouco mais do sonho, é preciso compreender que, para Freud, somos dotados por energia psíquica e que esse mecanismo trabalha para evitar a sobrecarga do nosso aparelho psíquico. Para regulamentar melhor essa energia e evitar a sobrecarga, nosso aparelho mental impossibilita o acesso de certos dados para que tenhamos uma certa paz - esses vão parar no inconsciente.

O grande problema é que: o inconsciente não tem toda sua informação bloqueado em acesso ao consciente. O que foi descartado, na verdade foi omitido. Ele há de reaparecer em algum lugar e Freud especulou que uma dessas vias é o conteúdo dos sonhos. O contato entre o consciente e o inconsciente nunca é cortado ao máximo.

O sonho é um grande mistério. O mecanismo repressivo ainda é atuante e é por isso que o sonho vem codificado para que o consciente não o entenda - só que essa codificação pode ser descodificada. Entramos em contato com a realidade mental sem ser por ela diretamente afetado a nível de compreensão integral. O esforço investigativo terá que ir para além das informações presentes nos sonhos e analisar a integralidade da vida em si.

Um artigo simples e enxuto, todavia de tematização elementar. Recomendável a quem busca um maior entendimento da psicanálise e dos sonhos - além de, é claro, de si mesmo. O sonho é, para psicanálise, uma mensagem do eu para o eu.