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quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Scripta Thomistica #8: Princípio de Não-contradição

 


Os antigos gregos desenvolveram um número de disciplinas ou corpos de conhecimento. Geometria, medicina e física são exemplos. Todas as ciências tinham como objeto um setor da realidade. Menos, é claro, a metafísica que tinha como objeto a realidade por si mesma. A metafísica investiga a realidade como um todo.


Um dos principais pontos da metafísica é: o princípio da não-contradição. Isto é, é impossível um ser ser e não ser ao mesmo tempo. Por exemplo: uma bola não pode ser vermelha e não ser vermelha ao mesmo tempo. Do mesmo modo, Sócrates não pode existir e não existir ao mesmo tempo.


Aristóteles definiu que o princípio da não-contradição é o primeiro princípio da metafísica. Esse princípio não é sobre crenças subjetivas, experiências ou perspectivas sobre dados elementos e objetos. O princípio é sobre a realidade por si mesma.

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Scripta Thomistica #7: Teologia

 


São Tomás de Aquino se inquiriu se podíamos chamar a teologia de ciência. Para tal, ele tomou a definição filosófica de Aristóteles.


A ciência é aqui definida como um corpo de conhecimento para entender determinado objeto. A biologia, por exemplo, é o estudo dos organismos vivos. A ética é o estudo da moral humana. A metafísica estuda tudo o que existe em uma forma mais extrema, chamada de ciência do ser.


Dessa forma, podemos chamar a teologia cristã de ciência? A teologia cristã é o estudo da revelação divina e o mistério de Deus revelado em Cristo. Os pontos iniciais do conhecimento da teologia cristã não são dados por um conhecimento evidente, nem por experiências ordinárias e tampouco pelo conhecimento natural do mundo. A teologia cristã tem como primeiros objetos princípios que foram dados verticalmente na divina revelação de Deus.


A teologia, então, apresenta uma particularidade. Em outras palavras, o conhecimento começa pela graça da fé. O conhecimento não aparece na demonstração natural e na argumentação filosófica, mas em uma profunda forma de insight dada pela graça da Santíssima Trindade. Visto que a Revelação Divina tem que estar acima de nossa mera capacidade humana de conhecer. Assim introduzindo uma amizade e familiaridade intelectual com Deus pela fé, esperança e caridade. Só desse modo o homem pode participar do conhecimento de Deus e dos santos.


A teologia cristã, em sua premissa, está acima da capacidade humana de conhecer. Então ela seria uma "ciência" — dentro da definição aristotélica — que escapa da razão natural e encontra a sua possibilidade na graça. Ou, em outras palavras, Deus dá ao ser a possibilidade de embarcar no estudo de Deus e o seu mistério através da graça. E esse saber se conecta com os outros distintos saberes.


A teologia é uma explicação dos mistérios da fé em sua coerência interna e como esses mistérios iluminam a condição humana. E ela é esse corpo de explicações que surgem para dar uma explicação a revelação divina.

Scripta Thomistica #6: como ler um Artigo da Suma Teológica?

 


Muitas pessoas têm dificuldade de compreenderem os escritos que estão na Suma Teológica. Seja por causa dos jargões, que estão nos termos da sua época, seja pela eloquência que o livro em si apresenta. Grande parte dos termos empregados, como dialética, hilomorfismo e teleologia não são palavras comuns.


Em primeiro lugar, a Suma Teológica nunca intentou ser uma referência primária e de caráter introdutório. Ela oferece um caráter pedagógico para o estudo da teologia. Dando uma visão sistemática e sábia da fé.


Se querermos, por exemplo, descobrir o que São Tomás de Aquino pensa a respeito da Graça, seria interessante olharmos para o que ele diz a respeito da Trindade, da pessoa humana, de Cristo e da vida no paraíso. Tudo está conectado. Você pode consultar introduções populares e comentários literários, mas nada disso pode substituir a leitura de São Tomás de Aquino por si mesmo.


Para compreendermos a Suma Teológica, precisamos compreender que cada artigo começa com uma questão. Tomás iniciará colocando uma citação de uma oposição. Essas oposições usualmente são argumentos ou vozes da antiguidade que colocam uma posição contrária da qual São Tomás de Aquino eventualmente defenderá. Ele também terá uma seção chamada "Sed Contra" na qual ele citará brevemente uma autoridade. Dali virá o Corpus (Corpo do Artigo), que dará o corpo da resposta real do artigo. Depois disso, haverá uma revisão das objeções e suplementos de respostas em turnos.

Scripta Thomistica #5: Introdução à Suma Teológica

 


A Suma Teológica é o mais perfeito e influente trabalho de São Tomás de Aquino. O livro terminou incompleto por causa da sua morte. Especula-se que o livro era um texto de estudo para estudantes dominicanos. Porém exigia-se uma compreensão prévia de artes liberais, filosofia e (Sagrada) Escritura. A intenção era dar um compacto e ordenado sumário que fosse mais próprio ao estudo.


Existem três partes centrais na Suma Teológica.  Elas divididas em questões e as questões são divididas em capítulos.


— A Primeira Parte (Prima Pars):

- Começa com a questão da metodologia;

- Passa por várias questões a respeito de Deus;

- O Deus único, a Trindade;

- Fala sobre a criação, fala do ato da criação, o trabalho dos seis dias, anjos, homens e governança divina.


— A Primeira Parte da Segunda Parte (Prima Secundae):

- Vida moral;

- Constrói os blocos que constituirão a vida moral;

- Trata da beatitude, a ação humana, as paixões, os hábitos, as virtudes, as graças do Espírito Santo, os vícios, os pecados, a lei e a graça.


— A Segunda Parte da Segunda Parte (Secunda Secundae):

- Há uma especificação maior na vida moral;

- Aqui estão as virtudes individuais por si mesmas;

- Fé, esperança, caridade, prudência, justiça, fortitude e temperança;

- Termina com os bens carismáticos e os Estados da vida.


— Terceira Parte (Tertia Pars):

- (Jesus) Cristo e os sacramentos;

- São Tomás de Aquino não terminou essa parte;

- Ele tentou trazer todos os sacramentos, mas conseguiu trazer apenas três;

- É por isso que há um suplimento. 


— A Organização da Suma:

- Há um movimento de sair e voltar para Deus;

- É chamado de Esquema Exitus-Reditus;

- Começa considerando Deus por si mesmo, depois a percepção das criaturas a respeito de Deus, depois o retorno delas para a vida moral através de Cristo e seus sacramentos.

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Scripta Thomistica #4: relevância

 


Atualmente existem frases que persistem: "o pensamento de Tomás de Aquino não é relevante nos dias de hoje", "Tomás de Aquino era um gênio da síntese no seu tempo, isto é, no século XIII", "nós precisamos verdades comuns da era, da filosofia moderna e da ciência natural de nosso tempo, criando nossa própria síntese". Diante de todas essas palavras, para que ler Tomás de Aquino?


São Tomás de Aquino desenvolveu uma visão em que defendia a doutrina da fé razoável, isto é, a compatibilidade entre a fé e a razão. Aquinas também desenvolveu uma filosofia do mundo natural que examina o reino natural e a essência das coisas, além de olhar a causalidade, o tempo e a mudança em uma direção que é profundamente compatível com que ciência naturais que são praticadas hoje. Aquino demonstrou como um conhecimento filosófico sobre o mundo natural que é compatível, mas não idêntico, as verdades da fé católica.


Filosofia, ciências naturais e Revelação Divina: todas elas nos ensinamentos várias verdades sobre o mundo, mas também verdades que são compatíveis umas com as outras. Tomás de Aquino não era um fundamentalista que rejeitava os ensinos naturais. Tampouco era um cético racionalista que rejeitava considerar a possibilidade da Revelação Divina. No pensamento de Tomás, a razão e a fé eram distintas, harmônicas e sinfônicas.


O pensamento sobre Tomás de Aquino sobre os seres humanos é de que éramos animais pessoais, almas encarnadas. Ele defendia o hilemorfismo, o ser humano é corpo e alma. Logo ele não era um materialista e nem um dualista.

Scripta Thomistica #3: o trabalho de São Tomás de Aquino

 


Nos anos iniciais da sua carreira, São Tomás de Aquino trabalhou com a filosofia natural e com a metafísica. Mais tarde, ele fez um bacharel nas Escrituras, escrevendo seus primeiros comentários bíblicos. Tecendo os seus comentários as sentenças de Pedro Lombardo. Quando ele se tornou mestre em teologia, ele tinha três principais responsabilidades:

1. Ler e comentar a Escritura;

2. Entrar nas questões teologicamente disputadas;

3. Pregar a palavra de Deus.


A Escritura, como a alma da teologia, não sairia do farol do Doutor Angélico. Ele fez alguns trabalhos com o Antigo Testamento, dois evangelhos, todas as epístolas de São Paulo e teceu um compilado de comentários dos Evangelhos cotando os Pais da Igreja.


Além disso, São Tomás de Aquino comentou os mais importantes trabalhos de Aristóteles.


— Os dois mais importantes trabalhos de São Tomás de Aquino:

- Suma Contra os Gentios: um trabalho missionário, tenta conversar com os não-cristãos de uma maneira compreensiva, ele usa mais a razão natural antes de apelar para a Revelação no final do livro;

- Suma Teológica: é a sua obra mestra, nele ele cobre toda a Teologia Sagrada em forma de sumário.

Scripta Thomistica #2: a fé é irrazoável?

 


Três erros fundamentais:

1. Ceticismo: a visão de que a fé por si mesma é irracional ou contraditória com a razão. Comentários como "a fé não pode ser provada, logo é irracional" ou "a ciência desaprova a religião";

2. Fideísmo: essa visão concorda que a fé é desaprovada pela razão, mas diz que isso não é um problema, diz para ficar só com a fé.  Fala que tudo o que precisamos é a Bíblia, para não nos preocuparmos com a razão e a ciência;

3. A fé puramente subjetiva: nessa visão, a fé só interessa ao campo puramente individual, como um fenômeno unicamente pessoal ou interior.


São Tomás de Aquino argumentava que a fé e a razão nunca estão em contradição. Visto que há uma unidade fundamental na ordem da realidade. Logo não há como algo ser verdadeiro de acordo com a fé e ao mesmo tempo falso de acordo com a ciência e a razão. Além disso, a verdade nunca pode ser subjetiva, nem privada ou pessoal, visto que ela é baseada em algo que está fora da nossa mente. Deus, como fonte da própria realidade de tudo o que existe, é a última fonte da luz da razão, como também é a luz da revelação divina e é a luz da fé.


Razão e fé vêm de Deus, e a verdade é uma só, logo a podemos ser confiantes que fé e razão nunca estarão em contradição, visto que a verdade não pode ser autocontraditória. Podemos estar enganados em correlação com os mistérios da fé. Podemos enganados a respeito do que pensamos a respeito de Deus.


Existem casos que superam, na fé, a razão natural. Nesse caso, convém o ensinamento da Igreja. A divindade de Cristo e a Santíssima Trindade são dois exemplos que escapam da razão natural. Aqui cabe a luz sobrenatural da fé, muitos creram nela sem hesitação e sem reservas. Visto que, em última instância, Deus é Verdade.

Scripta Thomistica #1: na tempestade

 


Queria me dedicar aos estudos tomistas faz tempo. O que ando vendo no mundo vem me deixado muito mal. Fiquei cansado de tanta violência, sensacionalismo e populismo. Tudo parece conturbado. Não aguento vem um jornal e já me deparo com uma tragédia que se anuncia após a outra. Resolvi estudar o tomismo para recobrar a paz de espírito.


Escolhi de São Tomás de Aquino pela gratuidade do curso e pela minha afinidade com o Direito Natural. Além disso, pelo meu reconhecimento ao tomismo. A sua sabedoria filosófica e teológica, o fato de existirem pensadores que até hoje seguem o seu pensamento. Ademais, ele é o Doutor Angélico da Igreja. Fora a sua pureza e castidade. Tudo isso me motiva.

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Acabo de ler "Teoria Geral do Estado e Ciência Política" de Cláudio e Alvaro (Parte 1)

 

Nome:

Teoria Geral do Estado e Ciência Política


Autores:

Cláudio de Cicco;

Álvaro de Azevedo Gonzaga


O direito apresenta várias divisões e escolas. Como sou relativamente novo nessa área, creio que vocês poderam acompanhar o meu progresso com o tempo.  As anotações, tal como tudo nesse blog, apresentaram caráter diverso, fragmentário e complementar, tentando traduzir o debate de forma diversa e plural.


Pelo caráter fragmentário e complementar das análises do blog, além da internalização e expressão de múltiplas escolas de pensamento, esperem que o que não foi tratado minuciosamente em uma análise apareça em outra análise.


Resolvi trazer esse livro de forma fragmentada, em forma de análise serial, para facilitar e aumentar o conteúdo do blog.


São Tomás de Aquino dividia o Direito em três áreas:

- Lei Eterna: que se confunde com a própria vontade de Deus;

- Lei Natural: acessível a razão humana;

- Lei Positiva: emanada pelo Estado.


O Direito também apresenta um contexto histórico-cultural:

- Natureza = Antigos;

- Deus criador = Medievais;

- Razão = Modernos;

- Dignidade da pessoa humana = Contemporâneos.


O positivismo jurídico é a escola que considera apenas a existência do Direito Positivo. Ela vê no Direito Natural um valor moral e não jurídico. A palavra "Positivo" vem do latim (positum) e significa o que é posto ou o que se impõe. Esse Direito Positivo pode ser encontrado em:

- Leis;

- Decretos;

- Tratados internacionais;

- Decisões jurídicas.


Diferença entre Direito Privado e Direito Público:

- Direito Privado: relações entre indivíduos, pessoas e/ou pessoas jurídicas;

- Direito Público: relação da sociedade política em si mesma e em suas interações com os indivíduos.


O Direito Público é dividido em duas áreas, o Direito Público Interno e o Direito Público Externo.

- Direito Público Interno:

  • União;
  • Estados;
  • Municípios;
  • Empresas públicas;
  • Autarquias;
  • Sociedade de Economia Mista.

- Direito Público Externo: 

  • Governos estrangeiros;
  • Organizações estrangeiras de qualquer natureza que tenham constituído, dirijam ou tenham investido em funções públicas.


domingo, 24 de outubro de 2021

A Ilusão Conservadora - ou: da Inversão Ritualística como Obra de Confusão Mental

 

"Se é verdade que o socialismo ataca a família na teoria, é muito mais verdade que o capitalismo ataca na prática"

Chesterton


    Existe um fenômeno a qual eu denomino de "inversão ritualística". Aquilo que chamamos de ritual é a manifestação no espaço-tempo de uma ideia. O ritual não é a ideia em si, o ritual é tão apenas a manifestação da ideia num determinado espaço-tempo. Só que há gente que confunda ritual com ideia. O fenômeno da inversão ritualística ocorre quando um ritual adquire a forma de ideia na cabeça daquele que é confundido. Um bom exemplo: o calvinismo não é o cristianismo em si e sim uma forma de se manifestar o cristianismo, tal como o cristianismo não é a religião por si mesma e sim uma forma de se viver a religiosidade. Indo um pouco mais longe, a União Soviética não é o socialismo e sim uma forma que se manifestou o socialismo. Só que a pessoa que confunde o ritual com a ideia não é capaz de saber que a ideia não se manifesta puramente na realidade e, quando se manifesta, manifesta-se de uma forma imperfeita. 


    Qualquer coisa, pessoa ou ideia pode se tornar vítima da inversão ritualística. E a confusão mental que enfrentamos é tão grande que se pensa que o ritual está acima da ideia que ele tenta reproduzir. Vê-se nisso quando se fala a palavra "teologia" que quer dizer: "discurso sobre o divino". Só que a palavra "teologia" é tão má empregada e tão má entendida que, para muitos, ela quer dizer: "discurso sobre o cristianismo". Na verdade, até mesmo a mitologia grega é teologia. Para ser sincero, até mesmo aqueles que chamamos de "umbandistas" praticam a sua teologia - mesmo que, muitas vezes, sem o aval dessas pessoas ilustres a qual chamamos de cristãos. Até mesmo a "bruxaria", vista como algo horrível para pessoas tão ilustres quanto cristãs, é uma forma de teologia. Só que a inversão ritualística leva a crer que teologia é cristianismo tal como leva a crer que socialismo é marxismo ou que socialismo é stalinismo.


    O legal da história é que ela prova quase sempre o contrário do que se espera. Pegue todas as maiores figuras da Idade Média e verificar-se-á um punhado de desajustados hereges que só depois de muito tempo foram tidos como bons, já que a maior parte do tempo em que viveram ou até depois do tempo de sua morte, foram tidos como maus. Se o que define alguém como parte de seu tempo é estar contra o seu tempo, tal regra se aplica até mesmo aquela idade espaço-temporal tida como conservadora chamada Idade Média. E falo isso sem a menor vergonha. Qualquer grande figura, da Idade Média, foi uma figura desajustada: seja Dante, Tomás de Aquino, Boaventura, Francisco de Assis, Domingos. Podemos pegar até mesmo o ilustre Agostinho de Hipona, o nosso santo que disse: "Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora". Agostinho de Hipona foi tido como um gigantesco devasso hipócrita a qual todo mundo atribuía luxúria sem fim - e, quiçá, sem retorno. Só que hoje, todas essas figuras de desordem, são tidas como figuras de ordem por defensores da ordem. O que é engraçado, já que nenhuma dessas figuras representou ordem alguma. Sabem o que isso demonstra? Demonstra que nada compreendemos sobre história.


    O maior problema de tudo: tudo foi invertido para que desajustados ululantes parecessem ajustados ululantes para aqueles que não o conheciam de fato. Assim a ordem engoliu a desordem como Saturno engolia seus filhos. Assim a ordem gerou ordem matando a desordem. Assim a desordem desonrada e deslegitimada foi feita ordem por um revisionismo reacionário. O sistema é tão alienantemente denso e hipócrita que não se negará a mentir a cada capítulo da história, colocando figuras desajustadas como ajustadas até que todos se ajustem ao sistema como que por efeito cascata.


    Dante foi um poeta popular, que escreveu sua maior obra não em latim, mas numa língua vulgar para que não só a elite o lesse, mas sim para que todos pudessem ler. Dante defendeu a separação entre o Estado e a Igreja, já que a autoridade chamada de temporal precede à Igreja e não é causa necessária da Igreja - Dante era, meus senhores, um teólogo diferente: ele era o teólogo do laicismo. Tomás de Aquino foi um cara duma ordem considerada herege (Dominicanos) por muitos e ainda defendeu Aristóteles, sua tarefa era, estranhamente, conciliar razão e fé - coisa absurdamente progressista que almejava diminuir a penúria de uma vida puramente condicionada aos ditames do canôn bíblico. A fé de Tomás de Aquino era tão grande que em sua Bíblia não cabia só Paulo de Tarso e Isaías, mas também Aristóteles. Já que para ele, haviam-se modos de se descobrir a obra de Deus: e a sagrada escritura não era a única, visto que Deus, meus amores, é extrabíblico. Francisco de Assis era um daqueles vagabundos que andavam feito mendigos pregando o Evangelho. Já que os monges viviam encastelados em seus mosteiros longe do povo pecaminoso, Francisco, em sua estranha humildade, preferia viver entre os mendigos do que viver feito um elitista em um mosteiro. Domingos literalmente defendeu uma ordem em que todo mundo pudesse pregar, coisa que era compromisso só de bispos e até mesmo aos padres isso era dificultado. O compromisso de Domingos era com a democratização do discurso cristão, numa clara revolta hierárquica. Boaventura foi um místico duma ordem de vagabundos (franciscanos) que teve que sofrer as pressões que queriam a dissolução de sua ordem por causa de arautos do conservadorismo católico. Boaventura era um descendente espiritual de Francisco de Assis e toda a sua teologia mística é baseada nesse modus vivendi herético o qual se chama franciscanismo. Agostinho de Hipona teve uma das maiores obras no campo da teologia, da psicologia e da moral. Nessa obra, ele não analisa uma série de erros cometidos por outra pessoa e sim uma série de erros cometidos por ele mesmo.


    Todas essas figuras são utilizadas de modo errôneo. Tomás de Aquino, defensor da liberdade de estudo, da liberdade de investigação é utilizado por pessoas que são contra essa mesma liberdade. Dante Alighieri é utilizado por elitistas, só que Dante era o contrário de um elitista. Domingos, defensor da pregação como meio efetivo de conversão, é hoje utilizado por aqueles que querem, pura e simplesmente, a imposição da fé por vias não dialogais. Agostinho de Hipona, homem sincero para aquilo que ele próprio acreditava como sendo parte de seus erros, é utilizado por pessoas que se veem imunes de qualquer erro e no direito pleno de culpar o mundo inteiro. Francisco de Assis, homem que decidiu viver em meio ao povo pobre e converter as pessoas através de atos e não de palavras, é hoje utilizado por pessoas que odeiam a população em geral e que amam mais suas riquezas do que qualquer outra coisa. O resultado da obra mística de Boaventura não está naquilo que ele mais disse, mas no silêncio: ele entendia que Deus só se manifestava para aqueles que se calavam, pois aquele que se cala, se abre. Só que os seguidores de Boaventura nunca calam a própria boca, já que só suportam a própria voz e não a voz do outro, seja o outro o próximo, seja o outro a Deus. Se todas essas pessoas ilustres pudessem conjecturar como seus nomes seriam usados por nós, perdem-se-iam de vergonha.


    Sobre todas essas pessoas ilustres, só posso dizer uma coisa sobre nós pensando neles: nós não somos dignos deles, nós os arrastamos para as nossas conclusões errôneas e manchamos os seus legados em nossos fetiches mentais. O que temos deles, não são eles, mas aquilo que foi dito sobre eles e mais precisamente naquilo que se tornou "conventual" sobre eles. Nessa série de mentiras assimiladas, reduzimos suas pessoas ao pó e suas ambições mais puras viram alvo de nossa zombaria preconceituosa. O que vemos é uma série de pensamentos ritualizados que não conseguem trazer as coisas ou as pessoas em si, mas só a deformidade daquilo que se tem das coisas e das pessoas. Na sociedade perfeita de Thomas More, descrita no livro "Utopia", o catolicismo não é a religião oficial, mas quase toda santa vez que se fala dele, lembramo-nos mais de sua religiosidade católica do que qualquer outra coisa. Assim é com quase todas as coisas, tem-se mais o ritual do que aquilo que há em si.


    A inversão ritualística nos faz pensar em Tomás de Aquino como um exemplo de padronicidade, só que Tomás de Aquino era um destruidor de rituais, sobretudo o ritual platonista que virou o cristianismo. Tomás de Aquino foi perseguido por defender as heresias de Aristóteles e hoje queremos usar Tomás de Aquino para expurgar a academia das heresias modernas sendo que Tomás de Aquino era modernamente um herege. Colocamos tanta santidade em Francisco de Assis que o afastamos do "povo pecador" com que ele viveu. Queremos adornar com tantas palavras a mística de Boaventura que esquecemos que a mística se encontra mais na abertura total da percepção do que no julgamento desenfreado. Falamos de alta cultura e colocamos Dante Alighieri como o portador máximo da alta cultura, só que Dante defendia a cultura popular e por causa dela, virou mártir. Utilizamos Agostinho para condenar a sociedade, mas o que mais Agostinho condenou era a si mesmo. Falamos de Domingos para calar a sociedade, mas o método dominicano era dialógico. Tem-se sempre o ritual, mas nunca se tem a ideia.


    Heterossexuais viveram o amor, então criaram preceitos sobre como ordenar o amor. Sem perceber, transformaram o amor em heterossexualidade. O preceito heterossexual de amor é o preconceito contra qualquer outro tipo de amor. Já, em gênero, conventuou-se que cada peça cabia a determinado gênero e, desde então, tudo virou uma normativa em que o gênero em si mesmo se perdeu. Em jogos, diz-se que o melhor videogame é o que possui mais gráficos, mas o videogame que venceu a sétima geração não foi o PlayStation 3 com a sua arquitetura arrogantemente sofisticada e sim o Nintendo Wii que era o console mais fraco. Na música, disseram que a única música que importava era a clássica e que todo restante era uma falsidade ou uma espécie de música antimúsica. Todo preceito vira preconceito, já que a realidade não é normativa, mas descritiva. Aquele que dá preceitos a todas as coisas, cria preconceito sobre todas as coisas. A norma pode ser tudo, mas se tem uma coisa que define toda norma não é a sua naturalidade, mas sim a sua inaturalidade. O problema da normatividade é nunca ser normal, o problema da normatividade é ser antinatural.


    Se buscarmos nacionalmente, no Brasil, fala-se de Nelson Rodrigues. E o "maior reacionário" não era um santinho e sim um cara que mostrava sistematicamente os erros dos paladinos da moral. Só que o que mais se vê são paladinos da moral defendendo Nelson como se o Nelson fosse um deles. Na verdade, Nelson Rodrigues era contra eles. Nelson Rodrigues dizia: "atrás de todo paladino da moral, vive um canalha". Até quando vamos errar tanto? Até quando nosso juízo será o ritual e não o ideal? Até quando teremos aquilo que nos disseram, mas não aquilo que era aquilo ou a pessoa que era a pessoa? Acho que se eu pudesse definir tudo isso que escrevi numa única frase, sintetizando toda essa série de convenientes contradições que pega cada desordenado e transforma num ordenado, essa única frase seria: 

- A ilusão conservadora é crer que houve conservadorismo.

terça-feira, 29 de junho de 2021

Cursos!

    


    Recentemente interessei-me fortemente por cursos. Eles ajudam num saber mais ordenado. São um auxílio intelectual fenomenal, sobretudo para alguém que gosta de ler com aproveitamento real. E já que esse blog é um espaço excelente para salvamento de coisas, resolvi ordenar um pouco desses cursos aqui para o meu aproveitamento e quiçá de quem mais o queira. Como se pode alcançar com facilidade cursos mainstream, focados em filosofia moderna e contemporânea, gostaria de focar essa postagem em cursos não tão famosos e não tão visados pela maioria acadêmica do Brasil. Se não, seria tão somente uma repetição sem fim daquilo que já se vê por aí.

Começo citando cursos tomistas:

  • Contra os Impugnantes: https://cursos.contraimpugnantes.com.br/
  • Cursos Tomistas: https://cursos.estudostomistas.org/
Agora cito canais com objetivo educacionais:
  • Contra os Acadêmicos: https://www.youtube.com/c/ContraosAcademicos/
  • Sidney Silveira: https://www.youtube.com/user/ContraImpugnantes/
  • Centro Dom Bosco: https://www.youtube.com/c/CentroDomBosco/
  • Instituto Hugo de São Victor: https://www.youtube.com/c/ConfrariadeArtesLiberais/
    Creio que um dos bons trabalhos que posso me prestar nesse blog é a ordenação de links, uma organização do saber estrutura por boas fontes. Assim ajudo a mim mesmo e mais pessoas que buscam um saber não tão mainstream.