terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de Freud - Considerações Finais"

 



Chegamos finalmente na análise do capítulo final. Optei por fazer uma análise em forma de série para testar um formato mais expansivo de análise. Um formato em que fosse possível ter "textos maiores" no diminuto espaço que essa plataforma permite. Para tal, selecionei alguns livros em que se poderia aplicar tal formato de "análise em série". (Pretendo fazer outras).


Neste capítulo, somos apresentados a conclusão do que chegou a ser a obra de Freud. Quais seriam as mudanças paradigmáticas apresentadas pela conjunção de sua obra. E, certamente, Freud realmente foi propulsor duma revolução paradigmática em vários campos devido a sua mudança de fontes.


Até no tempo de Freud, a psicologia - além de outras áreas do conhecimento humano - eram reflexos do pensar teológico. A principal mudança que Freud promove é uma psicologia baseada não em fundamentos sobrenaturais, bíblicos ou religiosos. Tal troca foi de fundamental importância para o desenvolvimento da psicologia moderna, não só dela como também de outras partes do conhecimento humano.


Freud também trouxe um olhar mais aprofundado na sexualidade. Tema muito essencial e pouco estudado. O que o colocou numa série de polêmicas devido a mentalidade pouco dialógica da época. Essa também foi uma contribuição de Freud.


Outra, a que mais me encanta, é a noção de que muito de nós nos escapa. E que devemos estudar metodologicamente a nós mesmos para que não sejamos controlados pelas nossas parcelas inconscientes. Esse entendimento possibilita um desenvolvimento rumo à maturidade e maior integração unitária de nossa consciência. 


Esse livro é bastante simples, porém coeso e apresenta uma série de informações que podem levar o leitor ter um olhar mais próximo da psicanálise e, quem sabe, tornar-se um dia um psicanalista.

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Kage no Jitsuryokusha - Vol IV - Aizawa Daisuke" (lido em espanhol)

 



Para quem esteja meio perdido: cada novela apresenta dois arcos distintos, o anime adaptou duas novelas (logo quatro arcos). Ao terminar essa novela, estou quatro arcos adiantado ao anime. Este por sua vez, assim espero, adaptará a terceira novela, com base também no mangá.


Nesse volume, somos apresentados ao arco em que ocorre uma guerra civil no Reino de Oriana e um arco em que Shadow retorna ao Japão. No final, somos alertados pelo autor que a sua receberá uma adaptação em anime.


Quanto a esse volume: gostei mais do primeiro arco do que do segundo. Embora nenhum se compare em nível dramático ao final do terceiro volume da novela. Não há um grande vilão a ser apresentado no final do volume dessa novela, o que impacta negativamente. Embora esse volume também traga a questão do multiverso e que a Seita já está informada disso. Agora o Jardim das Sombras conta com essa informação e ainda por cima adquiriu tecnologia avançada do outro mundo graças a viagem do Shadow ao Japão.


Aparentemente o próximo volume contará o impacto da tecnologia avançada no mundo em que Shadow se encontra e uma história que estará no Reino de Midgar. Ao menos é isso que indica o caminho tomado pelo autor.


Essa novela me pareceu mais um esquentamento do que virá a seguir do que um volume impactante de fato. Mesmo que essa preparação não deixe de ser interessante, não me foi muito ao gosto. Gostarei de ver como tudo isso impactará no próximo volume da novela.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

VOCÊ JÁ IMAGINOU COMO SERIA O INFERNO?

 



Neil Gaiman não só imaginou, como escreveu um dos contos mais memoráveis de toda a história - ao menos na visão deste que vos escreve. E sabe qual a melhor parte de estar no inferno? Nenhuma, né, meu/minha caro/cara. O bom mesmo é você saber que o projeto LATIR CONTRA OS GRANDES está de volta e com um "conto de terror" de arrepiar, seja no YouTube ou no Spotify!


Ouça agora mesmo essa maravilha diabólica:


YouTube:

https://youtu.be/kDTEN2SlS2k


Spotify:

https://open.spotify.com/episode/41aRTGka60Otca4Ub1Om5F?si=c26tooFeQ_SEgA5Arl9GUw

Acabo de ler "Kage no Jitsuryokusha - Vol III - Aizawa Daisuke" (lido em espanhol)

 



Existem sutilezas que só uma pessoa habituada aos múltiplos caminhos da inteligência poderiam chegar. Uma dessas capacidades é a capacidade de sintetizar a universalidade de um saber numa única obra. Isto é, traduzir todo seu conhecimento sistemático numa unidade ordenada capaz de abordar múltiplos pontos de forma coesa. Um ponto em que a diversidade heterogênea encontra uma síntese fulminante, em que todas as fragmentárias partes adentram como uma só. Essa seria a unidade do conhecimento, a iteração dos saberes.


Ora, se você se pergunta a razão de eu estar fazendo essa introdução numa abordagem mais ligada à epistemologia em vez duma simples crítica literário, já respondo: esse livro, bastante conexo, demonstra uma inteligência formidável que dificilmente poderia ser apreciada de forma correta por olhos mais desatentos. O autor conseguiu de forma simultânea aplicar toda uma capacidade narrativa, junto a um imaginário fantástico - que demonstra e demanda por sua vez um conhecimento de mitologia comparada - ao lado dum conhecimento de economia.


Nessa história, vemos uma dramaticidade em que Shadow aparentemente trai suas companheiras do Jardim das Sombras. Isso gera um grande conflito psíquico e identitário nas pobres donzelas. No final, tudo se ajeita de forma brilhante. Todavia o objetivo de Shadow, homem ininteligível, era de fato as trair. Só que o autor colocou de forma brilhante toda essa confusão e, mais uma vez numa solução que é boa para os personagens e intrigante para o leitor, deu-nos um show de lore. O personagem central não sabe o que faz, as personagens secundárias também não compreendem e acham que compreendem. Toda essa sutil trama se revela ao leitor como numa quebra sutil de quarta parede em que, no fim de tudo, rimos de tal desfecho e deslumbramo-nos intelectualmente da capacidade do autor.


Com certeza essa é uma das obras mais fantásticas de toda a cultura nipônica e, certamente, uma das que mais me interessei. Tanto que li esse livro inteiro em um único dia. Espero que, se alguém ler essa análise, tenha o coração tocado e também vá ler a pequena novela ou assistir o anime.

Acabo de ler "Kage no Jitsuryokusha - Vol II - Aizawa Daisuke" (lido em espanhol)

 



Para aqueles que se perguntam até onde o anime adaptou, a resposta está aqui: até o segundo volume da pequena novela. Não saberia dizer ao certo onde o anime está em paralelo ao mangá, visto que não o li. Recomendo que, a quem interessar, busque ler a pequena novela e não o mangá. Ela é o material original, já o anime e o mangá são adaptações. Todavia sintam-se livres para decidir se preferem uma experiência mais literária pela pequena novela ou mais "artística" pelo mangá.

Também é válido dizer que: se você não tem interesse em ter a mesma experiência que já teve através do anime, será melhor que busque o terceiro volume da pequena novela logo de imediato. Eu optei por ter o contato com o conteúdo que já sabia previamente por dois motivos:
1. Para ter uma experiência diferente onde poderia imaginar as cenas por mim mesmo;
2. Para treinar o meu espanhol.

Nesse volume, o enredo toma proporções ainda maiores. O autor teve de dar continuidade a certos planos sem que o aspecto cômico ou o aspecto mais sério fossem priorizados de forma a apagar o brilho do outro. Isto é, o pano de fundo tenebroso continua a ganhar saltos de detalhes sem o conhecimento do protagonista. Dessa forma, a seriedade e a qualidade da obra se aprimoram sem alterar a substancialidade e originalidade estabelecidas no volume anterior.

Shadow continua sendo só um homem vivendo o sonho puramente egoísta de ser uma espécie de Batman enquanto o mundo ao seu redor sofre com uma tensão que não lhe afeta em quase nada - seja pelo seu poder absoluto, seja pela sua alienação em relação ao ambiente circundante. Esse aspecto ininteligível não é captado por ninguém, já que esses atribuem intencionalidades muito mais complexas e grandiloquentes que o protagonista de fato almeja. Essa falta de conexão e inteligibilidade permeia toda a obra e dá o charme que lhe é próprio.

Certamente uma história que vale a pena rever, já que ela traz uma realidade psíquica muito mais detalhada do que é possível num anime - onde as emoções dos personagens devem ser muito mais subentendidas por causa de sua forma menos explícita.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Marcha pela Inglória



Sempre andei de coturno. Faço-o há anos. Para mim, tem múltiplas significações. Ele é:

1. A opressão da sociedade e a idolatria social;

2. O fato de eu nunca ter parado de marchar e minha força de vontade;

3. A necessidade imperativa de continuar existindo, mesmo que as vezes só como um cadáver minimal. 


Qualquer grande filósofo buscava uma síntese e uma capacidade de absorção que compreendesse a engenhosidade da multiplicidade do discurso fragmentário. Isto é, o aumento da inteligência nada mais é do que a capacidade sintética que ele tem para com a realidade, sempre ultrapassando as linhas que lhe eram outroramente delimitantes. Porém esse exercício sempre corre o risco de perder-se, visto que ser em parte é tornar-se. As ideias tornam-se crenças, crenças tornam-se afetos, afetos tornam-se cegueira. Grande parte disso leva a um comportamento de seita, em que o enraizamento é visceral e a defesa é belicosa.


O exercício de buscar absorver múltiplas fontes da realidade, a qual chamei de "agnosticismo metodológico", é um exercício intelectual e catedrático por excelência. Esse exercício aumenta a experiência intelectual, só que não a aumenta de modo determinante. A fragmentariedade do discurso, junto com a incapacidade da reprodução desse discurso de modo pleno, torna o exercício intelectual da engenharia mental reversa insatisfatório. Embora essa seja a própria forma que a inteligência aumenta sem nunca captar em concretude seu alvo. A intelectualidade é sempre vã e sempre se perde na forma, porém seu objetivo não tem forma alguma.


A pergunta que não quer calar:

- Quem está tentando fazer isso no Brasil?

A resposta evidente seria: ninguém ou ninguém que se tenha conhecimento.


Enquanto estudava e criava meu método central, minha técnica intelectual mais potente e original, a qual chamo de neossistemática arquitetônica, deparei-me com minha própria impotência. O objetivo da neossistemática arquitetônica está muito além da neossistemática usual. Ela tem por objetivo pegar vários sistemas de pensamento e sintetizá-los artisticamente num todo coeso. Técnica que usei em meu TCC, Sanidade em Chesterton, pegando pensadores cristãos de todos os portes. Porém aí estava já o seu principal problema: a técnica neossistemática requer uma erudição ímpar de seu usuário. Quanto maior for a sua erudição, maior é a capacidade de usá-la. Não por acaso busco hoje uma dieta intelectual variada que dê a possibilidade de usar essa técnica com maior maestria.


Para Marx, por exemplo, o socialismo era superior ao capitalismo por ser uma síntese mais cabal que o próprio capitalismo. O socialismo seria a superação do capitalismo, não um sistema meramente diferente do capitalismo. Esse dado de fundamental importância poderia dar o entendimento do socialismo de mercado chinês, que mescla vários fenômenos distintos que confundem pessoas vulgares a quais chamamos de ideólogos. Esses preferem buscar validar suas premissas inquestionáveis e psiquicamente inquebrantáveis. Um exemplo claro disso é: já li um autor liberal que analisava o regime de Stalin, na falecida URSS, e dizia que todo crescimento dela se justificava única e exclusivamente graças ao mercado noutro; já li autores "comunistas" que diziam que o sucesso se dava apesar do mercado negro e graças ao planejamento estatal. A frase "não importa se o gato é branco ou preto, o que importa é que ele pegue o rato" é uma frase fantástica e sintetizadora, superadora do ruído dogmático das seitas ideológicas.


A China atual tem vários aspectos. Um deles é a união entre o marxismo e a doutrina de Confúcio. Isto é, a China poderia ser a união entre o aspecto marxista-progressista com o aspecto confuciano-tradicionalista-conservador. Sendo assim, a China não pode ser encarada como um país unicamente afetado pela mentalidade marxista. Há uma questão sintética nesse conjunto, porém esse é muito maior do que aquilo que sou capaz de analisar graças ao meu desconhecimento no assunto. Embora eu sempre passe um tempo lendo sobre a China.


A ideia sintetizadora, omniabarcância da inteligência, a capacidade transcendente para com àquilo que se delimita/determina. Tudo isso é o que se constitui uma civilização de fato. Civilizar-se é compreender como tudo que está ao nosso redor se faz. O exercício civilizacional é o exercício da própria inteligência. A civilização é o aumento da capacidade da própria civilização se compreender. E dessa compreensão multifatorial há o aspecto de antecipação que possibilita seu próprio progresso intelectual ou material. Ora, a inteligência só aumenta quando se cala. Já que inteligência é, evidentemente, percepção. Não estou dizendo que tenho essa faculdade, é precisamente o contrário: a inteligência é uma virtude negativa. No momento que se abriu, engoliu um dado. Esse dado torna-se razão. Quando a inteligência torna-se razão, não é mais inteligência. Temos a inteligência quando estamos praticando a inteligência, logo "estamos", não somos. Também sou condicionado pelos aspectos satúrnicos de crenças passadas que impossibilitam o aumento de minha inteligência, embora eu tente superá-los. Toda vez que reajo agressivamente e rápido, sei que fui rude e burro. Sei que minha vontade devorou meu pensar.


A grande problemática é que o intelectual moderno confunde razão com inteligência. Na verdade, a razão é apenas uma faculdade inferior. A razão é a aplicação daquilo que a inteligência já captou. Isto é, a razão é o horizonte que é possível no momento. A inteligência é o aumento dessa próprio horizonte. O objetivo da inteligência não é o próprio gosto ou crença, é a absorção universal. A inteligência não tem forma, antes modifica todas as formas. Quando a inteligência aumenta, a própria faculdade da razão aumenta. A razão aplica a inteligência que se tem. A inteligência aumento conhecimento que se tem. Para se tornar mais racional, é-se necessário se tornar mais inteligente. Já que a razão subordina-se a inteligência, visto que essa é faculdade dessa.


Mario Ferreira dos Santos falava que uma civilização que sempre busca transcender os fatores que lhe eram limitantes. Em vez disso, o brasileiro médio e a elite do Brasil acreditaram piamente que superaram todas as realidades antecessoras apenas as olhando com um ar de arrogância desmedida. "Minha ideia veio depois, logo é melhor". Dizem que, como vieram posteriormente, já apresentam um aspecto superior e sintetizador do que anteriormente se era. Porém a verdade é que a história não é um processo que se reduz numa linha direta, o processo histórico é pluricircular e expansivo - uma teoria histórica que tardarei muito a desenvolver e nem sei se estarei vivo para dar a ela aspectos caminhantes para pesquisadores posteriores. Tratam-se de vários círculos que se expandem. E esses círculos geram novos círculos que usualmente usam outros círculos e crescem ao lado dos círculos antecessores e posteriores. Exemplarmente: o catolicismo não se tornou luteranismo. O cristianismo nasceu dum círculo que se dividiu em vários que, mesmo ligados com traços em comum, trazem um desenvolvimento próprio e de características diferentes. Estão desenvolvendo-se e aprimorando-se. Disso que se trata minha teoria histórica. E a principal crítica é: o imperativo histórico-categórico - de que certas ideias aparecem como sínteses absolutas e superadoras das outras - é falsa. Porém isso se trata de outro livro que espero um dia ter o prazer de lançar.


A ideia de agnosticismo metodológico surgiu no momento em que tentava compreender o paradoxo da prisão de Chesterton. Nela encontrei a epistemologia chestertoniana, trabalho esse que um dia também terei de dar forma. O paradoxo da prisão, tal como tudo em Chesterton, requer uma síntese. O próprio livro Ortodoxia, que pode ser interpretado sobre o viés da saúde mental, é uma grande síntese entre vários dados dispersos que criam forma de corpo estrutural quando conjuntados. A saída da prisão não é uma mudança de local, mas a acoplação de infinitos novos locais para que a prisão deixe de ser uma prisão. Não se trata de ser marxista ou conservador, trata-se de ser os dois. E depois disso: três, quatro, cinco, seis, sete. Em certo sentido, essa dialética chestertoniana, essa epistemologia sintética se encontra em mim mesmo que eu não possa me dizer cristão. E queria um dia escrever mais sobre isso, num livro detalhado, espero que encontre tempo.


Quanto a questão do abarcar o universal pela delimitância-indelimitada, essa é uma questão de profundo valor para mim. Já devem notar que, pelo rumo da conversa, ele não é simples de se resolver e traz uma luta eterna em seu seio. Buscar acolher e sintetizar diferentes movimentos dentro de si é muito bom e traz um grande problema. O grande problema disso é que: religiões, ideologias, doutrinas e métodos não podem ser inteiramente abarcados e superados - a teoria pluricircular e expansiva da história trará mais luz a esse problema profundamente epistemológico. Tudo está num processo evolutivo próprio, dialogante ou nascente. A descoberta do videogame não matou a arte e a computação, embora tenha nascido, em parte, dessas duas. Compreender a multicirculariedade e expansividade não é achar um jeito de a tudo sintetizar. Todos esses círculos estão em processo evolutivo e sempre demonstram-se capazes de transcender o que anteriormente eram - isso se reflete igualmente no próprio tradicionalismo religioso. Além de que a informação dos vários componentes é tão fragmentária que se é impossível absorvê-las sem uma postura radicalmente eruditiva, e mesmo numa abertura radical se é impossível capturar todas as informações e subjetividades que a compõem. Schuon não errou a dizer que existe um componente especial na religião, que é a própria busca pelo universal. Embora essa busca universal se concretize num objeto particular que redireciona ao universal. Essa busca é o abstrato por absoluto. Deus nada mais é, compreendendo aqui como um fenômeno puramente psíquico, que uma crença metodológica para relativizar dada situação e ir além dela - a superação das adversidades que presentemente se apresentam. Não estou aqui para apontar a superioridade ou inferioridade desses círculos. As ideologias não comportam tal capacidade, um verdadeiro exercício intelectual requereria uma busca tão abstrata quanto a  própria busca religiosa. Só que ao buscar o universal, a própria ideologia se perdeu. Já que ideologias são fórmulas que retiram o peso monumental que é a tensão psíquica do ser frente a universalidade esmagadora que é o próprio universo que não pode abarcar. Graças a isso, o comportamento ideológico tem como método a redução da realidade a uma parcela que lhe é verdadeira, conquanto que não absoluta. Disso o comportamento ideológico pegará um dado (raça, classe, nação, gênero, qualquer parcialismo) e aplicá-lo-á até a exaustão. Dessa forma, veem o universo com uma lente reduzida que tira grande parte de sua complexidade e, de tal modo, tornam-o mais falsamente inteligível. Essa segurança confere a mente um grande relaxamento, que é também razão central do academicismo moderno. É graças a isso que acadêmicos vulgares dão show de vergonha alheia ao repetir tautologicamente termos mais do que batidos achando que estão acima de qualquer compreensão ao povão e aos seus rivais.


Em vez de se dar por vencido, um gigante do pensamento busca apreender tudo e apreender infinitamente. Saber-se limitado e que nunca corresponderá ao esforço que se entregou é uma loucura. Numa postura de humildade que beira ao extremismo mais fanático, porém possibilitadora duma real mudança paradigmática e, igualmente, de capacidade inovativa real. Visto que a síntese é o exercício supremo da inteligência. Esse será meu doutorado: "A Condução do Inconsciente como Metodologia Epistemológica das Ciências Humanas". Em que defenderia uma ideia mais ou menos artística de se pensar as ciências humanas, recorrendo muitas vezes ao acaso para a superação dos fatores condicionadores. O que me é hoje, na altura que me encontro, tarefa por demasiado difícil.


Um homem será glorificado por dominar múltiplas línguas. Só que não será glorificado por dominar múltiplas ideologias, doutrinas ou religiões. Isso cria uma grande problemática na capacidade de pensar e reduz em muito a qualidade e conteúdo do próprio pensamento.  Esse é o drama central da mentalidade ideológica, que propõe dogmas de pensamento como realidade última e premissas inquestionáveis, voltando a própria teologização do debate que lutou contra, porém aderiu inconscientemente. O tema que quero tratar em múltiplas obras para maior concretude. Um deles no âmbito da teologia política em que falarei do fenômeno da demiurgação do homem. Queria ilustrar mais a questão da teologização inconsciente, a raiz antropoteísta do problema e a superação dessa não por um retorno ao campo religioso, mas uma abertura ao absoluto e aceitação da própria contextualidade, porém sempre alcançando vôos mais coesos pela busca da superação das contingencilidades que regem o pensar.


Um verdadeiro intelectual não é aquele que é de esquerda, direita ou centro. É aquele que absorveu tudo isso - embora tal absorver nunca se concretize de fato. Porém não só isso: é aquele que busca a delimitância ilimitada, isto é, o delimitar-se por aquilo que não pode delimitar. É abertura ao absoluto enquanto absoluto. Um esforço supremo e catedrático em que há um espaço para a apreensão do "céu inabarcável". A capacidade de aceitar e, com isso, produzir não um relativismo niilista que se vê impotente. Nem um relativismo sincrético e desordenado, com partes que não são coesas entre si. Mas sim um relativismo sintético e simbólico, num parcimonioso devir em que a conexão com o próprio mundo aumenta conforme a integração da mente-mundo aumenta. O verdadeiro intelectual está para aquém de todas as coisas, de todas as ideias, de todas as contingências do mundo pré-inteligíveis. Ele é um homem neossistemático, visto que cria um novo sistema. E é um homem neossistemagógico, visto que se conduz não por uma estrutura já montada, conduz-se pela criação pautada na erudição absoluta. A minha técnica central, minha assinatura intelectual, a neossistemática fala sobre isso. O que resultaria mais num sistema de pensamento que funciona como um Linux, em que vários usuários ajudam criando componentes que elevam a qualidade do sistema.


Poderia falar que o método neossistemático é a superação do método mineral, forma predecessora que usava enquanto ainda era channer. Seria melhor dizer, hoje, que o método neossistemático é a continuação necessária do método mineral. Porém há a forma mais cabal que o neossistemático arquitetônico, em que usamos toda nossa intelectualidade numa única obra. E por falar em chans, falta ainda um livro que termine a saga de livros sobre chans, na qual eu falarei da Hipótese Feudal e a origem da nova direita (altright - direita alternativa). Pretendo começar a escrever esse livro daqui a cinco anos. Até lá eu (acho) que vou ter me apoderado do trivium e do quadrivium, além de outras áreas que quero ter um conhecimento mais notório. Pretendo demonstrar um pouco da teoria pluricircular e expansiva da história de forma apequenada, demonstrando a história dos chans nacionais nessa obra. Esse livro terminará a fase 2.


- Arco 1: Sapo Lunático

Manifesto Mineral ao Sage é Super Like;

(Livros experimentais em locais fechados de público restrito)

Arco 2: Batalha da Serpente

Termina no Harmonia da Dissonância (obra em que darei minha última contribuição ao estudo dos chans);

(Aqui haverá uma revisão de vários erros das obras predecessoras e adição de novo conteúdo);

Arco 3: Príncipe Pirata Palhaço

- Cartas de Missionários Burguês a um Ditador Puritano;

- O Imperialismo Acadêmico e o Fim da Inteligência;

- Obras do Apocalipse;

- A Demiurgação do Homem.

(Foco na desconstrução niilidionisíaca do discurso, não sei quando chegarei nela, talvez mais cedo, talvez mais tarde)


Os arcos terminam no número sete. Porém o arco sete terá três livros que espero lançar ainda vivo. E um quarto que será póstumo, este sintetizará absolutamente tudo. O objetivo da obra é criar uma catedral conexa em que tudo fará sentido.


É óbvio que não poderia dizer aqui tudo que é ou não é. Tudo que almejo, visto que são várias coisas:

- Construção e Aprimoramento da Neossistemática;

- Explicações mais detalhadas de termos como "coletivo-normativo", "inversão ritualística", "princípio da intimidação-excitação", "abraço satúrnico", "epistemologia simbólica", "epistemologia chestertoniana", "fascismo/nazismo como respostas doentias ao mundo líquido", etc;

- Uma série de obras literárias;

- Microlinguística para compreensão de autores e para tratamento psíquico;

- Meditação Ouroboros;

- Desconstrução niilidionisíaca do discurso;

- Condução Inconsciente como método intelectual;

- Etc.


É uma longuíssima batalha pela frente. Porém na busca pela universalidade real, transcendência absoluta, o saber adentrar no não-saber, num exercício de douta ignorância - termo paradoxal, porém o paradoxo é a condição do real -, superando a contigencialidade que o contextualiza espaço-temporalmente. Métodos são mais importantes que fórmulas, já que fórmulas são aplicadas a uma realidade líquida que sempre nos escapa. O método deve visar o universal e apreensão do universal relativiza toda e qualquer crença, visto que o aumento do horizonte de consciência supera as formas delimitantes da razão. A razão é forma, a inteligência é informe. Ela é informe pois, quando adquirida, modifica as formas (razão). Informe também o é por ser absoluta, e a captação do absoluto é objetivo da delimitância-indelimitada, onde vontade e inteligência já se harmonizam (mesmo que só efemeramente).


De qualquer modo, é um gigantesco esforço. Ninguém busca isso no Brasil. É sempre a baboseira de gente que repete clichês mentais como fórmula de onissapiência - drama esse falado nos aspectos coletivos-normativos que regem o pensar ideológico, nas quais tinha tratado em textos anteriores. A inteligência é uma virtude. Só que a própria inteligência é uma virtude negativa, está sempre para além de si e sempre busca o que está fora de si. A inteligência é a destruição de si mesmo, para a absorção do outro, para o aumento de si mesmo, para o estar além de si mesmo. Ser em parte é tornar-se. Porém aquele que visa o absoluto, condiciona-se para absolutizar-se. Esse exercício eterno, penoso, que sempre que alcança se perde, é o rumo inglório que ninguém está a altura de realizar ao todo. Só que quem não o faz, igualmente não capaz de ser um autêntico intelectual. Não saberia dizer se isso é pretensioso, porém é o que propus a partir de minha interioridade. Só espero não morrer antes de tudo isso...

Acabo de ler "El Pacto Menem-Kirchner" de Juan Gasparini (lido em espanhol)

 



O que ligaria o governo Menem com o governo Kirchner? Ambos são, notoriamente, autodeclaradamente peronistas. Embora se duvide muito que Menem de fato o seja, visto que ele tem uma mentalidade bastante liberal - e Perón estaria mais próximo da terceira via. De qualquer modo, nasceram no meio dessa mentalidade que nos é estranha e distante.


O governo Menem pode ser considerado problemático e um sucesso em múltiplas vias. A depender também, é claro, da linha política daquele que analisa. O que poderá variar muito e, igualmente, verificar-se-á um contorcionismo mental gigantesco para ser absolutamente contra ou absolutamente a favor. Se bem que eu, não ligado a nenhum grupo de esquerda ou direita, prefiro seguir uma análise mais cética ou tíbia.


Menem e Kirchner são governos contrários. O primeiro defendeu a menor participação do Estado no intento de modernizar e dinamizar a atividade econômica. O segundo (e a terceira, já que a sua esposa também governou) defendeu uma maior participação do Estado como forma estratégica e soberana. Só que eles têm um ponto em comum: a defesa de suas atividades ilícitas.


Numa posição nem tem rara assim, os três queridos, politicamente distintos, uniram-se num conluio em que cada qual defenderia a costa dos outros. Não por animosidade e tolerância democrática, mas por ocultação de crimes. O que leva a pensar: seria a corrupção o motivo mais  forte e irresistível para impulsionar a convivência democrática? A piada acaba, porém o questionamento fica.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Kage no Jitsuryokusha - Vol. I - Aizawa Daisuke" (lido em espanhol)

 



O que um jovem medíocre e considerado mediano em todos os fatores, Cid Kagenou, esconde de seus pares? Nem a sua família sabe de seu verdadeiro segredo. Por trás de um garoto aparentemente normal, se esconde um guerreiro poderoso que vive imerso nas sombras para combater as sombras. Suas ações decidem o movimento do próprio mundo.


O mais cômico disso tudo: Cid é um renascido, vindo de outro mundo, que sempre teve o sonho de se tornar um homem que trabalha através da ocultação. Outro ponto interessante: muitas das coisas que ele disse, em sua fantasia adolescente, são verdadeiras mesmo que ele mesmo não saiba. A própria organização criada não-intencionalmente por ele tem seu aspecto de tê-lo como uma espécie de deus.


Enquanto ele vive a sua fantasia que se tornou realizável graças ao mundo mágico que reencarnou, todas as suas ideias adolescentes são reais e todas as suas ações são dadas como assertivas. Até mesmo quando isso envolve algo puramente aleatório. Ele não leva nada a sério e está disposto a fazer tudo para simplesmente se divertir como uma "Eminência das Sombras", não se tocando o quão verídico tudo é e, ao mesmo tempo, atuando como fator desestabilizador das forças do mal - de novo: não-intencionalmente.


O enredo é deveras original, a forma cômica como tudo se insere (à revelia do próprio conhecimento do protagonista) e como ele simplesmente ultrapassa tudo com seu poder sobrehumano é o grosso caldo que compõe uma das aventuras literárias mais interessantes de toda a atualidade.


Recomendo muito que o leitor ou a leitura veja o anime. Muito provavelmente terminará como eu e estará lendo a light novel ou o mangá logo após ter visto o anime. (E, sim, o documento analisado foi a light novel e não o mangá).

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de Freud - Capítulo 8: a herança de um legado - surge Anna Freud"

 


Nascendo num período que nem Freud e tampouco a sua mulher desejavam ter filhos, Anna Freud cresceu sendo uma criança bastante desobediente. Estava ela numa constante rivalidade com a sua irmã mais velha e isso gerou uma série de transtornos.


Anna se destacada não tão somente por ser filha de Freud, mas igualmente por ser continuadora de seu legado intelectual. Não só estudou as teorias de seu pai, a quem estimava muitíssimo, como as aplicou na prática. Embora a sua prática se dê mais no âmbito da psicanálise infantil e seu foco seja mais no ego.


A unidade da mente, a capacidade integradora do Self, foi uma das pautas primordiais de sua pesquisa. As lutas constantes e fragmentárias do Super Ego, Ego e ID permeiam suas obras e trazem luz ao grande conflito no seio de cada alma humana.


Anna também teve um relacionamento considero estranho para a época: relacionou-se com uma mulher, Dorothy. Ela seguiu a curiosidade teimosa de seu pai e seu espírito crítico que estava aquém da aceitabilidade social e não se subordinava de maneira alguma. Feito pouco capaz, já que a maioria dos mortais se cala frente aos problemas gerados pelo conflito social.


Vemos que Anna Freud era por demasiado rebelde, seguindo a linha que seu pai criou. Uma linha que não se calaria nem frente a uma das maiores atrocidades que a humanidade já enfrentou e concebeu: o nazismo - e seu plano de escravizar toda a raça humana. Certamente um ímpeto corajoso e virtuoso.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Esse pobre burocrata...




Enquanto olho pra minha roupa social e meus olhos semicerrados - que, por rotina, estão sempre cansados e quase dormentes -, penso nos dias de outrora em que a primaveril aurora ainda em meu peito estava. Quando cada batucar de meu coração era doce e tinha o som tenro e terno duma vida adocicada, eu era uma criança feliz. Agora não mais, agora tudo leva prazo, tudo se cumpre com através de metas de produtividade. Talvez houvesse, em tempos passados, uma simplicidade que coadunasse com a felicidade. Hoje em dia tudo é tão formal que me enoja.


Em alguma forma de delírio, não consigo tirar a imagem de um homem redundantemente burocrático. A imagem de estar preso num paletó e formando par com o governo mundano é o que de há de mais nítido e desprazeroso em minha cabeça. A ausência de transcendência que dê uma coloração, textos que se formam em formas deformadas sem vida, quase nada com um ar de inspirado. É como se não mais houvesse ligação espiritual e afetiva alguma em meus projetos. Embora eles estejam brotando com mais frequência do que nunca. Saindo por aí, como uma série de monstros desalmados, trazendo a feiúra que lhes marca e a desgraça que se encontra em minha alma.


Teve um dia que eu acreditei, antes de virar um pobre burocrata, que eu poderia algum dia ser grande. Vão otimismo adolescente, otimismo criado entre livros e jogos, único contato afetivo real que eu tinha, já que não cheguei a ter um único verdadeiro amigo nessa fase. Pelo contrário, minha vida era ditada por uma solidão quase cruel, uma solidão impenetrável graças o mais retumbante fracasso social. Em meu período de estudante de jornalismo, tive alguns amigos rasos, mais para colegas do que amigos. Na faculdade de filosofia, enquanto suportava uma tensão antiafrodisíaca e esmagadoramente depressiva, tive amigos mais palpáveis do que tive em todo restante de minha vida. O que me sobrou depois de tudo isso? A solidão logo voltou a me acompanhar, como que num casamento intermitente em que há uma separação só para descobrir que, por triste acaso, a pessoa que mais nos cabe é aquela que mais desprezamos - e espero que a solidão não me despreze de volta, já que só tenho a ela. Também tenho um bom bocado de arrependimento. Todos se foram, alguns até mesmo passando por graves transtornos, outros chegando ao suicídio, outros indo para tão longe quanto deploravelmente longe. Até nos momentos de brilho, o brilho foi sempre lunar. O Sol nunca abrilhantou minha vida em nada. Toda glória que tive, ao menos até estes momentos reflexivos e meditabundos, foi a de um fracasso. 


Após uma longa vida, que não é tão longa assim, frequentando os mais diversos meios. Indo da extrema-direita para a extrema-esquerda e depois da extrema-esquerda para a extrema-direita. Passando pelos confins do anarquismo, da social-democracia, do socialismo democrático, do nacionalismo conservador, da quarta teoria política, por uma espécie de getulismo sem Getúlio, creio-me hoje inteiramente órfão de ideologias. E, não, não me venha com essa baboseira de "ideologia é visão de mundo". Existem várias formas de se analisar o que são ideologias. Os conservadores veem como uma espécie de religião política, de caráter imanentista e que busca trazer o paraíso pra Terra (imanentização escatológica). E os comunistas veriam mais como uma espécie de discurso gerado pelas classes dominantes para alienação das classes subalternas - o que não deixa de ter a parcela da verdade que lhe cabe. Particularmente acredito nas duas hipóteses e não dou a mínima para nenhuma delas. Sou fraco demais para crenças que mexem com uma mudança radical de modus vivendi. 


Quando criança, via que no mundo havia uma união simbólica que tornava tudo fácil. Lembrando que simbólico é, na verdade, tudo aquilo que une. Hoje não saberia apontar o quanto esse simbolismo era realidade concreta ou mero simplismo mental duma criança inexperiente e incapaz de adentrar nas sutilezas da vida enquanto tal. A vida até a quarta-série é um carnaval gratuito e open bar (que, para efeito poético, também será gratuito). Ao menos foi assim até aquele estágio no inferno chamado de quinta série. É lá que todos os problemas humanos prefaciam. (Sim, preciso fingir que meu discurso pequeno burguês, típico de uma pessoa que pertenceu a uma espécie de classe média baixa, e pseudouniversalista tenha proporção de universalidade ao menos para gerar uma boa impressão no leitor  - a não ser que esse seja um cavaleiro branco da justiça social e que ficou com olhos esbugalhados ao pensar na absurdidade que é considerar tamanhas vanidades infantis-infames como conflitos existenciais de proporcionalidade cósmica). Aqui tudo se encaixa, mesmo que debilmente, como efeito cascata (mesmo que dentro duma lógica falha e ginasiana - mentalidade essa que eu, homem-criança, nunca consegui fugir ou superar de fato -):

1. O halls é a porta de entrada para o cigarro ou para maconha (quiçá os dois);

2. As discussões sobre heróis da Marvel e da DC te tornarão apto para as discussões de esquerda e direita (discussões bem idiotas e pouco sintéticas, tão idiotas quanto discussões sobre heróis, como quase tudo nesse país de bárbaros);

3. O Nescau, com sua imagem radical e jovem, preparou-lhe para integrar o quadro da Juventude do Partido Comunista do Brasil (ou do Partido Comunista Brasileiro, caso você queira pagar de underground do underground e viver dentro duma panelinha que está dentro de outra panelinha);

4. A pornografia fez morada em sua casa como uma penetra persistente graças aos conselhos de seus "amiguinhos" - que, no geral, você sequer lembra o nome - pré-adolescentes (conselhos de merda, porém ainda conselhos);

5. Todo o restante da sua vida social rodará no discurso básico de ser "radical", "cool", "maneiro", " popular", pouco importando o quão pedante, acadêmico ou intelectual seja o seu discurso - e disso surge a postura revolucionária vista no ambiente acadêmico (e a onda reacionária, imersa também na radicalidade discursiva, é subproduto igual - porém de substância diferente - e deuteragonista).

 

Fui um adolescente deslocado que fracassou em ser descolado. Um drama tão genérico que, bem ou mal, poderia servir de plano de fundo para um típico besteirol americano - como quase tudo nessa vida de pessoa medíocre. Por algum momento tentei colocar adornos para fingir que eu não era tão mesquinho e vazio quanto parecia, uma forma de blindagem que ao menos mentalmente significava que eu estava fora do resto do gado, que eu era exclusivo, singular, importante e desmerecidamente irreconhecido, quase que inteiramente ininteligível. Nessa jornada de "autodescoberta" - melhor termo seria "autoilusão" -, busquei na internet as raízes conteudísticas em que a minha personalidade se basearia. O que não é o mesmo que ter uma personalidade, já que isso é só uma máscara para disfarçar a vacuidade existencial em que me encontrava e ainda me encontro. Naquele tempo, estava na moda um reacionarismo aristocrático de ralé (ou de "baixo clero"). Pensamentos como: "eu tenho cultura pois ouço rock" ou "eu leio livros enquanto você vê BBB" permearam a minha adolescência, fizeram morada em minha cabeça que, não admitindo a própria impopularidade, criou a imagem da suposta pertença a uma elite como forma de compensação - uma racionalização que, no mais íntimo, era profundo ressentimento carcomido pelas trevas do alternativismo. Graças a isso, li livros centrais da literatura nacional, ainda bem moço, e sem a intenção de estudar para o ENEM - que, para ser franco, nunca dei a mínima foda. Li também todo tipo de assunto que, em minha cabeça de jovem introvertido revoltado e pseudoelitista - depois me tornei pseudoantielitista -, parecia maneiro: Marx, pensadores iluministas, autores liberais (que na época chamava de burguesia revolucionária - eu era um protoleninista inconsciente -), livros jornalísticos, literatura internacional, autores anarquistas, livros de história, livros de geopolítica, livros sobre ler livros, sociologia, ateísmo militante, filosofia, livros sobre videogame, etc. Por algum motivo, acreditei que eu era radical por ler esse tipo de coisa - uma das questões base da vida é "ser maneiro para ser aceito" (e, novamente, meu caro amiguinho: pouco importa o que você elabore em sua cabecinha oca pra provar o contrário). Essa minha tentativa frustrada de radicalismo, ainda que inserida num contexto pequeno-burguês de intelectualismo academicista, era tão exitosa quanto jovens maneiros andando de skate e tomando Nescau: só um imbecil ter-me-ia com uma figura contestatória e permeada por uma conflitualidade real com o mundo. Uma jornada de um jovem cuja a única função era racionalização do real desejo de ser aceito. Hoje sei que eu era apenas chato e entrava em tópicos que ninguém na Terra tinha saco pra ouvir além de um dos piores tipos de humano da face da Terra: um palestrinha - que é o povoado geral das academias, sobretudo as públicas ou das melhores academias privadas. Tão logo percebi que, na realidade, estava tão apenas imerso naquela eterna roda idiota de pessoas que masturbam umas outras, num estranho narcisismo coletivo, enquanto repetem nomes consagrados tautologicamente como se fossem conseguir incorporar a inteligência e originalidade dos que são citados copiosamente. Um processo que talvez remeta uma certa espécie de sessão espírita. Mesmo que, na verdade, as pessoas saíam tão genéricas, improdutivas, sem originalidade artística tanto quanto entraram.


De qualquer forma, hoje percebo que não preciso estar preso na ferocidade ou forçar a minha singularidade como se ela fosse mais esplêndida do que de fato é. Além de que, mesmo que tardiamente, percebi que meu radicalismo era típico de (pequeno-)burguês. Sempre circunscrito a um espaço passível de falsa radicalidade. Sempre direcionado no espaço discursivo acadêmico. Não quis mais fingir até a exaustão mais completa que estava fazendo algo que mudava realmente o mundo. Despi-me, com as punhaladas do tempo, de meu revolucionarismo ou reacionarismo. A academia virou um lugar onde todas as teorias nunca se confrontam com a realidade da vida. Parte do discurso revolucionário e reacionário é, em muito, ditado pela pseudouniversalidade da diversidade marginal: um grupo reduzido de pessoas pensa ter encontrado um padrão universal - que logo se torna para elas um padrão coletivo-normativo - e ficam presas nas mazelas de suas bolhas.


No fim, enquanto me encontrava nas angústias faraônicas do radicalismo burguês, acabei por me tornar um imbecil hedofarisaico: "sou automaticamente bom, inteligente e livre por manifestar alguma crença que me justifique em alguma estrutura social nessa estranha Torre de Babel". Termo esse que cunhei na única arte que conheço bem: aporrinhação de saco - embora eu não tenha elevado isso na condição de maestria. Parece até mesmo um processo gnóstico que segue o seguinte esquema básico:

1. Adquire a crença X;

2. Ao adquiri-la, você magicamente saiu do ilusionismo da caverna platônica (termo esse tão mencionado e tão pouco compreendido, já que quando você sai da caverna você entra imediatamente em outra e a saída da caverna é um processo acumulativo em que você assume a própria prepotência e busca sempre sair do seu novo círculo escravizatório ["só sei que nada sei"]);

3. Todos que não compactuam com nosso coletivismo-normativismo são literais animais que não encontraram a verdade, puros alienados presos num sistema de opressão, incapazes de ver a obviedade mais ululante;

4. Agora entre em nossa roda, pegue no pau ou na boceta do amiguinho ou da amiguinha, masturbe-o(a) eternamente enquanto repete: "eu sou livre", "eu sou bom", "eu conheço a verdade", "todos os outros estão presos num sistema de engodo".


O que é trágico e, ao mesmo tempo, engraçado. A ideia de que dadas ideias suplantam outras de forma obrigatoriamente necessária cria um mito que costumo chamar de "imperativo histórico categórico". Dessa, por sua vez, instala-se na psiquê do indivíduo uma presunção em que ele se sente automaticamente superior, sobretudo com quem ele discorda. Que pode muito bem ser compreendida nesse esquema:

1. O ateísmo/marxismo/liberalismo/tradicionalimo é uma fase superior da humanidade;

2. Eu sou ateu/marxista/liberal/tradicionalista;

3. Logo sou superior a Tomás de Aquino/Adam Smith/Karl Marx/Sartre.


Graças a esse simplérrimo truque de bunda-moles, qualquer um pode ser superior a qualquer pessoa do passado, do presente e até mesmo do futuro bastando aderir um determinado tipo de pensamento. É uma (auto)consagração automática, uma promoção altíssima  um acirrado curto-prazismo. Um processo muito similar a de seitas gnósticas, não muito similar: é o mesmo processo traduzido em forma política - já que os imbecis de ontem acreditavam numa religião espiritual supersticiosa e hoje acreditam numa religião política supersticiosa. É desse tipo de gente que falo quando escrevo o termo "hedofariseu" - mesmo que esse seja apenas uma desconstrução niilidionisíaca do discurso (vulgarmente é utilizar o academicismo para caçoar de academicistas) em que dadas palavras são usadas apenas para tirar o sarro. E, caso o leitor ou a leitura se pergunte se sou cristão e/ou tomista (ou ateu militante, ou liberal ou marxista), digo-lhes logo que sou tão cético quanto o homem líquido de nosso século é cético - só que estou mais para um cético global e não um cético parcial, cético o suficiente para questionar a mim mesmo. A diferença precisa está na dose de ironia e ausência de doses cavalares de arrogância combinada com um esquematismo de autoengodo - como um tão bom, embora eu já não beba, gin com tônica.


Da presunção gnóstica moderna, mesmo que essa se proclame na maioria das vezes atéia, vemos um teologismo inconsciente. Quando um intelectual moderno se dispõe a analisar a algo, narra todos os acontecimentos como um narrador onisciente. É como se ele fosse onipresente na história, gozasse de todos os dados do mundo e pudesse alterar o curso da humanidade de forma onipotente devido a sua (auto)glória. Em meio a esse teologismo às avessas, em um processo inconsciente e antropoteísta, prefiro ficar a me autocriticar do que a me pôr no pódio das pessoas bem pensantes e julgar a humanidade toda com a minha miséria. Sei-me miserável. Não tenho contribuição alguma a acrescentar, todos os meus escritos cairão inevitavelmente na "lixeira da história" e, se alguém perder tempo lendo-os, rirá de minha cara - e eu lhe agradeço. Talvez eu vá soar, para os mais distintos leitores, um subversivo, um reacionário, um revolucionário, um homem perdido ou qualquer coisa que seja. O fato de eu puder ser identificado com os quadros mais distintos só demonstra que, no fundo - quiçá talvez em substância -, eu não pertenço a quadro algum. E, não, não sou melhor e nem pior por causa disso. Nem acho que se houver alguma originalidade nisso, a originalidade seja boa por ser originalidade. Não sou superior a ninguém, pior que isso: sou inferior por vocação (quase suicida).


Minha vida sexual nesse período - torno a falar da adolescência -, e no restante de minha vida, se deveu mais a minha imoralidade do que a minha capacidade de ser atraente ou interessante. Nunca fui atraente e nunca fui interessante, também nunca fui inteligente e nunca joguei bem - mesmo que eu seja um acadêmico e um gamer (e sou um acadêmico medíocre e um gamer medíocre). Aprendi desde cedo que ser acessível era a melhor forma de conseguir sexo. Estratégia essa usada a rodo por fracassados impopulares e pseudoantissociais - pessoas que viraram antissociais não por escolha, mas por chatice (e que usualmente adquirem pensamentos chaves de visões políticas extremadas como forma compensatória para a própria impopularidade: "vocês não gostam de mim por eu ser superior intelectualmente, há há há há"). A obscenidade luxuriosa é um caminho alternativo para quem não consegue ser popular, mas ainda preserva o gosto de querer comer/dar para alguém. É graças a isso que literais batatas sociais e feiosos, nas quais evidentemente estou incluído, conseguem foder - e, sim, eu sei que sou feio e falho. Embora que, atualmente, eu não chamo mais meus hábitos (ou seriam vícios) de "experiências de alteridade", "desconstrução da ditadura monogâmica" ou "orientação romântico-sexual pós-cristã, libertária e antiburguesa". Usualmente eu penso numa lógica mais amoral quanto a minha posicionalidade sexual: "transei porquê quis transar". É simples, é em boa parte consciente de sua própria primatividade, é um tanto animalesco e bestialógico, porém não falhei na minha autotribuna.


Meus contemporâneos adoram dizer: "o padrão de beleza é uma enganação". Eu concordo, uma onerosa enganação que, por tempo demasiado, condenou qualquer beleza que estivesse de fora do padrão eurocêntrico. Só que há um grande problema aí: considerando os novos padrões, eu continuo sendo um homem execrável. Só posso esperar virar um modelo no mundo em que haja como padrão um antimodelo - o que me é sedutor sexualmente, pois tornar-me-ia um predador em potencial como bom corrupto e mau-caráter que sou; conquanto que ser-me-ia atípico demais viver numa sociedade com tamanha inversão de valores. Sou um parasita, vivo de sugar os sulcos da sociedade, da cultura - ou o que restou dela -, então creio que deve haver um ordenamento mínimo e um padrão aristocrático básico; porém não alicerçado nos parâmetros tradicionalistas. A minha prepotência sempre me levou a perceber instintivamente quando uma pessoa era demais para meu caminhãozinho. Tão logo percebi que só sou bom em lugares ocupados por fracassados. A ideia de que eu só pego gente feia e maluca tem um quê de veracidade: não sou bom o suficiente para um cardápio melhor. Não luto batalhas que estou condenado a perder, só boto fogo no parquinho e não me atrevo a acender sequer um fósforo no STF. O contentamento com uma vida mediana, de pequenos sucessos, é melhor do que partir para grandes ataques, isto é sobrevivência básica. Não sou um gavião, sou um urubu e minha essência é comer lixo.


As pessoas costumam ler meu blog ou minhas postagens no perfil do Facebook e pensar: "vejam só que homem estudioso". Faço três faculdades, participo de um podcast sobre saúde mental, tenho um canal de narrações de textos intelectuais, escrevo análises de livros e jogos, trabalho com pesquisa. Uma rotina intelectual elevada, bastante diversificada e com capacidade de aumentar continuamente o parâmetro técnico. Só que parou por aí. Se me comparar com qualquer pessoa que tenha inteligência de fato, como Aristóteles, é impossível presumir que eu não seja mais do que medíocre.


O nome de meu blog, por nenhum acaso, é "Cadáver Minimal". Há uma simbologia, bem medíocre - como quase tudo em mim -, nisso: declaro-me morto e mínimo. O significado do blog é exatamente esse: um homem que se sente morto fazendo o mínimo para ter um nexo conexual com ambiente dos vivos. Se você lê esse blog há muito tempo, o que é bastante improvável, verá que nos momentos em que "eu sou mais eu" se verificará um perpétuo pessimismo, ceticismo e autodesgosto. Não estou dando o melhor de mim, nunca dou. Sempre aumentei meu nível intelectual e, em todos os estados (também medíocres) que ele teve, nunca ousei usar toda a sua potência. Exigiria demais e eu gosto de coisas exigem pouco. É por isso que, como escritor preguiçoso e vazio, prefiro escrever pequenas análises e nunca uma exposição sistemática, metódica e cabal. A única coisa que me alegra medianamente é o fato que fiz o mínimo. Não posso alegar - e nenhuma outra pessoa também - que não fiz o mínimo. Embora eu mesmo possa dizer que com meu miúdo talento há grande desperdício no pouco que se tem.


Outro fato redentor nisso é que não poupo palavras para dizer o quão insatisfatório e fraco eu sou:

- Não sou cristão e nem marxista por ser fraco e covarde.

Não tenho a capacidade de morrer por Cristo. Não tenho a capacidade de morrer por uma revolução. Eu não abandonei as crenças por não achá-las boas o suficiente e nem por não serem razoáveis ou credíveis. Abandonei-as por ser um fracassado. É uma situação desgostosa, é uma situação até temível pelo grau de sua decadência; porém é uma sensação melhor do que a mentira. Eu prefiro dizer que não tenho força para crer nos grandes ideias da humanidade do que fingir que tenho só para pagar de boa pessoa ou simplesmente para enganar as outras pessoas. Seria muito cruel de minha parte, e eu não tenho energia o suficiente nem para ser cruel.


Também é o fator energético que é crucial para o desempenho desse papel que se assume. Poderia eu me importar realmente com outras pessoas e correr o risco de sofrer por causa disso? A resposta é, novamente e sem surpresa, um sonoro e bem audível não. Como minha energia mental é a de um fracassado, perdê-la-ia bem rápido numa situação de real perigo. Logo aderi a economia da poupança mental - que é um reducionismo charlatânico para indiferença e mau-caratismo - e investemento mental em objetos de prazer mais imediato, individuais e de menor risco. Pra mim é infinitamente mais prazeroso ler sobre os infinitos problemas sociais - da humanidade em geral - do que lutar ativamente para resolvê-los. O que é uma postura melhor assumir a indiferença do que fingir-se de bom moço, de consciente ou simplesmente mascarar o mau-caratismo com a chamada consciência crítica. Não creio em salvação pela fé e tampouco obrarei para ser salvo. Minha condenação é ao inferno ou à lata de lixo da história. Acredito que o direito à indiferença é crucial, já que sou um fracassado, mas não um mentiroso.


Quando foi que tudo deu errado? Quando eu me tornei esse Cadáver Minimal? Tenho mais de mil livros arquivados e disponíveis em minhas reminiscências - planos de leitura que, traçados, levam a entender que sei alguma da vida; porém que trazem uma receita segura para a mais plena incapacidade artística e fraqueza experimental e criativa. Nenhum desses livros explica a mediocridade que carrego. Talvez eles só existissem para me dar mais minuciosamente a agônica sensação de que, pelo menos, eu tenho uma cultura privilegiada. Mesmo que tal cultura, capaz de pormenorizar uma série se esquemas civilizacionais e abarcar altos vôos abstrativos, não enriqueçam tanto a minha vida. Creio que tudo que me sobra é de forma estética e estilisticamente pedante colorir minha infelicidade com referências sem fim que dão a aparência duma unidade e sistematicidade. O pedantismo confere uma condecoração a toda essa fragilidade que chamo de eu. Há um esteticismo, que dá beleza ao decadente, nisso tudo. Um outro homem, despido de tal (van)glória, não poderia ser encontrado por acaso por algum rato de academia que preferirá que seu "objeto de análise" tenha lido Nietzsche e Dostoiévski - o que é francamente desumano, desumanizador, extremamente elitista, abstrato-utilitarista, mas muito e essencialmente acadêmico (arrisco a dizer que o academicismo é pequeno-burguês ou muito burguês). Um homem que tenha sido alcoólatra é uma coisa, um homem que tenha sido alcoólatra e escreve "êle" como se ignorasse as mais novas regras da ortografia é outra coisa - mesmo que, no fim, a pesquisa se dê nos meandros da alcoolicidade. O costume acadêmico é ignorar as grandes massas que, por um acaso bem hipócrita,  maioria dos acadêmicos diz defender e representar - e talvez um dia representasse, se saísse de sua bolha, é claro. Tenho uma série de vivências que poderiam ser psicodelicamente classificadas como atípicas e, de estranho modo, interessantes. Interessantes para pessoas que amam coisas tediosas, nauseabundas e deformadas. Hoje em dia, a tragédia e a ausência de ordem servem como um bom enredo para os meus conterrâneos. E minha vida é cheia de tragédia e ausência de ordem. Só que, ao final, tudo isso se mistura no caldo comum da infelicidade - para o homem que Karl Marx ou para aquele que nem sabe o que vem a ser o "proletariado".


Não consigo compreender como que uma mera adição leva a uma investigação interessada de algo que, no fundo, nada tem além do costumaz banal. É fruto, evidentemente, dum diletantismo abstrato-utilitarista: alguém só é analisável e objeto de academicistas, e intelectuais no geral, quando essa pessoa tem cultura acadêmica ou intelectual. Um acadêmico que pega a sua metralhadora verbal para condenar o utilitarismo é sempre vítima de sua própria percepção isolacionista. Posição atutidinal essa que só descrevo e não condeno, já que igualmente sou assim. O enredo é mais ou menos o mesmo:

- Conheço a história dum homem que se matou jogando-se do décimo nono andar dum prédio - digo esperando uma reação receptiva do meu ouvinte.

- Ah, legal... - diz ele embaraçado, cansado de tantos suicídios que preenchem em seu cérebro uma nauseabunda estatística.

- Ele era leitor assíduo de Blas Roca - revelo minha carta na manga. 

- O secretário geral do Partido Comunista de Cuba? 

- Exato!

- Conte-me mais agora mesmo.


Há um livro que diz que a maioria dos latino-americanos só são radicais dentro da academia - prova de sua radicalidade burguesa. Também é normal isso: ser radical dentro dum parquinho é uma coisa, no mundo real é outra. O que demonstra que eu sou um decadente até no meio da atividade acadêmica, já que estou na vasta maioria daqueles que preferiu se calar. O que, para ser franco, não é meu caso também, eu não me calei: eu sou indiferente. Não vou escrever textos fingindo que realmente me importo com o estado do capitalismo, da humanidade ou do planeta. Torno-me cada dia mais misantropo para não me importar, porém também acho que o capitalismo falhou. Não importa, no final eu também sou como o capitalismo: eu sou um fracassado.


Se não me engano, há um livro de Chesterton que fala dum funcionário público ascendente. Um burocrata típico, genialmente típico, cuja o excelente intelecto flamejante ascende vôo de repartição a repartição - um alpinista social consagrado. Um homem cuja capacidade transcende os seus conterrâneos e, por um engano, sua sabedoria destacada nunca alcança o coração de um único homem que seja. É uma ironia tipicamente encontrada no paradoxo da vida: existem uma série de intelectuais, a absoluta maioria deles, incapazes de se traduzirem em algo de apaixonado. Com o caminho atual de minha vida, torno-me a cada dia mais parecido com eles - e se inconscientemente me importo com isso, conscientemente sou falho e sem vontade demais para mudar isso. Há gente que nasceu para mediocridade, podem-se encher de títulos sem nunca terem levado uma única pessoa a refletir profundamente sobre si. Isso nos desanima até percebermos que estamos no lado da maioria absoluta de esquecidos e futuros esquecidos, quando aceitamos o fato de que nenhuma marca nossa permanecerá, assumimos a mediocridade com um orgulho meio avergonhado, porém ainda satisfatório. Quando olho para uma série de artigos acadêmicos que leio, todos eles me remetem genericamente ao tédio. Poder-se-ia criar um novo slogan que trocasse a frase "todos os caminhos levam à Roma" para "todos os caminhos (acadêmicos) caem no tédio". Nenhum nome me encanta e mais me parecem com a prática da fossilização como esporte, mesmo que os esportistas do tédio não saibam que são bons em produzir tédio e lixo descartável. Se eu escrever qualquer coisa que possa cair dum burocrata tipicamente acadêmico, sairá como genuinamente chato e acadêmico (e espero que não cite um artigo existente por mero acaso):

- O machismo como invenção neoliberal;

- A infelicidade como criação fascista;

- Homossexualidade e Arte no Grajaú;

- A gestão psdbista e suas consequências;

- Progressismo e Esperança no governo Dilma;

- Neogolpismo e democracia;

- O valor do amor em tempos reacionários;

- Pela normalização do poliamor;

- Por uma esquerda autenticamente revolucionária;

- Revolução e Reação nas Boates LGBTQIA+ Paulistanas;

- Por uma política radicalmente ambientalista;

- Neomarxismo e Revolução;

- Feminismo e Cyberpunk.


Foda-se, cansei - canso-me rápido, eu sei. Os acadêmicos se diferem do povo, mas quase não se diferem entre si. Sua diferença está para com a maioria do povo, não para a maioria dos outros acadêmicos. O que não é bom, só que também não é ruim: o destino do homem - ou, se preferir numa linguagem menos machista, "a humanidade" - é a mediocridade perante seus pares. Eu já aceitei a mediocridade que me cabe. 


Não sei a razão que leva a tantos acadêmicos optarem por títulos que já indicam o grande sonífero em forma prosa que certamente virá quando o leitor - que na maioria das vezes sequer existe por causa da gigantesca produção burocrática que é a produção acadêmico - terá que dar conta. Quase ninguém lê conteúdo acadêmico, eu leio para ter alguma base na minha produção acadêmica. E minha base também é medíocre e genérica. Sou o exemplo do antiexemplo que se tornou padrão. Se bem que, sendo sincero, sei que a média de pessoas que se interessará pelo que escrevo é equitativamente a mesma média de neandertais cantores de pagode vivos nesse exato momento: nenhuma, absolutamente ninguém, zero à esquerda de zero à esquerda. Só que não me iludo com isso: este meu blog existe apenas para eu dizer a mim mesmo que existe (precariamente, minimamente, porcamente).


Muitas vezes olho ao espelho, para me deparar com uma horripilante imagem de uma triste figura e pergunto: "quem eu estou tentando enganar?" Usualmente chego a fase posterior: "se é a mim mesmo, falho miseravelmente". Meu caderno se enche de notas, minhas leituras se acumulam e em minha mente mofam. Algum dia sonhei a hipotecar que a rotina cria deuses ou escravos. Também cheguei a achar credível que, sendo produtivo, poderia ser alguém vivo. Os compromissos acadêmicos e a sucessão de análises só existem para disfarçar o abismo em que me encontro. Além do fato de que cada análise, sucedendo a outra, não trazem uma vida pujante: representam sempre, nada mais nada menos, que uma maquinalidade formalesca. De certo não venho me sentido feliz com o rumo que a minha vida tomou: não consigo ver um grande salto qualitativo entre a fase anterior e a fase atual, mesmo que o nível técnico tenha aumentando: a escrita atual parece carecer de alma. Queria cuspir na imagem desse pobre burocrata toda vez que o olho no espelho. Eu odeio esse pobre burocrata. Esse pobre burocrata... que me tornei.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "José Mujica - La Revolución Tranquila" de Mauricio Rabuffetti (lido em espanhol)

 



A vida de Mujica teria tudo para ser um filme hollywoodiano - façanhas não faltam para colorir o cenário. Guerrilheiro no passado, integrou o corpo de um dos movimentos revolucionários mais notórios de toda a América Latina. Posteriormente, renegando as velhas aspirações revolucionárias, tornou-se um dos mais proeminentes presidentes da América Latina no século XXI.


Embora se possa afirmar que o seu governo foi internamente tíbio e sem grandes proezas. Suas realizações no âmbito internacional renderam uma maior qualificação do Uruguai enquanto nação. Além de que, Mujica, trouxe importantes reformas que deram uma cara mais moderna ao Uruguai e o inseriram no campo das nações mais prestigiosas dentro do cenário dos direitos individuais.


As principais reformas de Mujica são: legalização da maconha - pautada num controle estatal -; legalização do aborto; e, por fim, o chamado casamento igualitário (entre pessoas do mesmo sexo). Reformas essas mais sociais, morais ou culturais do que econômicas. Porém de notória importância, visto que tal problemática segue ainda forte no restante da América Latina.


Seu governo, destacado sobretudo internacionalmente, trouxe importantes reflexões sobre a mentalidade consumista e, diga-se de passagem, irracional do capitalismo moderno. Na sanha produção,  consumo e descarte, põe em risco o futuro do planeta e a própria possibilidade existencial da humanidade. Além disso, vemos uma defesa aprofundada e radical do valor da vida humana e seus respectivos direitos.


No fim, somos apresentados a um governo que internamente logrou pouco e externamente foi muito bem qualificado. Talvez Mujica tenha sido um visionário mal compreendido. De qualquer forma, a força de sua personalidade e a simplicidade de sua vida estóica proporcionam uma importante reflexão moral e servem de base para mudanças estruturais políticas, econômicas e culturais.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Porfirio Diaz y su Obra" (lido em espanhol)

 



Essa estranha obra que me chegou ao acaso é, em muitos pontos, bem assemelhantada com uma hagiografia e, em alguns pontos, traz potentes informações históricas que, todavia, não adquirem o rigor preciso pela sanha de deificar a figura de Porfirio Diaz.


Não saberia dizer em que ponto as informações mentem, em que pontos exageram, em que ponto são verídicas. A imaginem que tenho, como homem do século XXI, não é a de uma beatitude messiânica sobre a assombrosa imagem ditatorial de Porfirio Diaz. Se essa obra foi criada pelo próprio Estado como propaganda cultural para manter uma imagem de bom moço de Porfirio, não o sei. Se for um item privado, a(s) pessoa(s) que criaram sofrem dalgum problema de fanatismo político histérico.


De qualquer forma, neste livro somos coroados com uma projeção imagética de Porfirio Diaz como um estadista insuperável. Um homem indumentado pela virtude e despido de pecados. Todos os atos dele adquirem um tom de milagrosos, como que a realização profética dum semideus apoiado pelo próprio Olimpo para o cumprimento de sua divina vontade.


Curiosamente, além de dar ares santarrões ao ilustríssimo Porfirio, deu-se também aos seus familiares. Porfirio é, neste livro, colocado de forma aterradora e sistemática como um messias em todos os mais diversos campos possíveis. Não só isso, sua figura é tão grandiloquente que deve ser copiosamente macaqueada por todos os mexicanos - e, quiçá, por todos os homens da Terra.


Críticas à parte, o livro traz uma importante documentação da imagem que o povo mexicano hipoteticamente tinha de Porfirio Diaz. Além de dados biográficos que, se bem entendidos, dão o enredo que explica como este homem chegou ao poder. É esclarecedor também dizer que não pode ser uma total falsificação da história, mas igualmente não é um documento de todo verdadeiro devido ao alto padrão apologético que se encerra dentro desta tão equidistante mensagem para cidadãos de meu século - na qual, evidentemente, incluo-me.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Soda Stereo - La Biografia Total" de Marcelo Fernández Bitar (lido em espanhol)



"Un hombre alado extraña la tierra"


Se há uma banda que confessadamente elevou o rock latino americano a outro patamar: esta foi Soda Stereo. Batendo até recordes internacionais, foi a banda com mais amplo legado sonoro da América Latina. Com sonoridade original e sem medo de um experimentalismo, os integrantes venceram e ascenderam com manobras arriscadas.


O livro vai desde o ponto em que os integrantes arriscavam-se para seguir a carreira musical - que trouxe sacrifícios - até o ponto em que estavam fartos do peso do próprio sucesso. O processo turbulento em que cada integrante da banda não aguentava mais olhar na cara do outro, como uma espécie de divorciados ressentidos.


Há nesse livro a história de construção de todos os álbuns. A vida pessoal de cada um vai transcorrendo e implicações profissionais juntam-se com os mais diversos tipos de questões. O gerenciamento de conflitos aumentava enquanto o próprio sucesso subia em escala meteórica.


É bom ver que antes do término da banda, o trio argentino fez de tudo para burlar a saturação. Só que a perseguição contínua da mídia e dos fãs, os shows consecutivos, novos horizontes artísticos que se chocavam e a vida adulta que se desenvolvia cada vez mais impediu a solução.


O legal é que, no final, mesmo que já não seriam os mesmos, seguiram firme com a última turnê. Reuniram-se equidistantes, porém unidos. Uma pena que Gustavo Cerati morreu cedo demais devido a um AVC. Um livro marcante e recomendável para todos aqueles que amam rock.

domingo, 5 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "La Edad Media" de Jose Luis Romero (lido em espanhol)

 



Escrever sobre a Idade Média, sobretudo num país tão atrasado em conhecimentos históricos medievalistas como o Brasil, é uma tarefa um tanto quanto ingrata e que possibilita toda uma série de margem para más interpretações e birras geradas após anos de distorções ou má interpretações históricas.


Deve-se pontuar que:

1. Grande parte da interpretação histórica medievalista surge dum período que sucedeu logo após ela e, muitas vezes, com caráter notoriamente negativista sobre todos os seus mais diversos aspectos;

2. Uma nova interpretação acerca da Idade Média vem surgido com uma revisão bibliográfica e dos mais diversos  documentos, todavia é recente e não foi acoplado ao conhecimento acadêmico comum;

3. Parte da história da Idade Média se perde pois o foco eurocêntrico impede uma olhar mais sistemático;

4. Grande parte do mito de "Idade das Trevas" impede um olhar mais atento a esse período que, diga-se de passagem, foram três e não um.


O livro traz uma análise sobre os três períodos medievais. Tratando da dissolução do Império Romano, a forma com que o cristianismo impactou as mudanças do mundo e como o papado tentou recorrentemente reestabelecer um Império - a qual poderíamos chamar de Cristandade. As lutas recorrentes também buscavam cristianizar a cultura e manter o legado civilizacional romano.


Fora isso, vemos o desenvolvimento conflituoso entre muçulmanos e cristãos - e como Mohammed unificou seu povo e, consequentemente, possibilitou seu desenvolvimento. O desenvolvimento da burguesia enquanto classe e como a fragmentariedade territorial causada pela nobreza levou monarcas a fortalecerem a classe burguesa também é tratado aqui.


Esse livro é, mesmo que curto, bastante abarcante das problematicidades que apareciam na época e tenta, em seu curto espaço, apresentar uma exposição metódica da situação. Vale a pena ler.

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 12)

  Essa é a última parte de Emil Ludwig, indo da página 185 à 208. Aqui termina a triunfalmente rica e arguta análise de Ludwig. E talvez sej...