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segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Acabo de ler "A Mulher sem Pecado" de Nelson Rodrigues

 



Creio que a principal questão dessa peça seja a angústia que é desejar. Se o desejo é um sentimento e o sentimento é volúvel, nunca sabemos se a pessoa que amamos nos ama de verdade - ao menos não de forma permanente. Não havendo como averiguar isto de forma definitiva, fazemos por meio de testes periódicos que, muitas vezes, só demonstram nossa própria fragilidade e insegurança.


Quantas vezes pomos o "o objeto" de nosso desejo em situação constrangedora para nos sabermos amados? A ridicularidade da insegurança sempre explode em gesto amargo. O doce, quando exigido e quanto mais exigido, torna-se mais e mais salgado. Nelson Rodrigues nos fala, por meio do extremismo típico de sua obra, do patético profundo de nossa inseguridade emocional.


Há um jogo de contradição aí: é profundamente humano desejar ser desejado, todavia ser desejado não é um "direito" e tampouco uma "obrigação" do próximo e, muito menos, do nosso interesse romântico-sexual. É neste sentido que o desejo é triste: ele está sempre atado a uma complexidade dinâmica e nosso coração sempre pena por conta disto. Há sempre um jogo que escapa a compreensão de nosso intelecto e aos anseios de nossos corações.


Adequarmo-nos ao anseio do outro e coagirmos o outro a adequar-se aos nossos anseios, eis a verve tiranicamente patética de nossas relações pautadas em medos, inseguranças, cobranças e castrações. Nada mais humano, nada mais desumano, nada mais simples e nada mais complexo. Humano, demasiadamente humano e, como tal, além do bem e do mal, além dos maniqueísmos conceitualescos que escapam da tensionalidade difusa e inconceituável  que é a vida em si.


Ler Nelson é, como sempre, uma forma de libertação. Há sempre um apontamento para uma humanidade que temos em cada um de nós, mas que sempre escapa devido ao nosso medo de nos descobrirmos falhos e humanos. Ou melhor, descobrirmo-nos falhos pois somos humanos e humanos são falhos.

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Acabo de ler "A Mentira" de Nelson Rodrigues

 



Ler Nelson Rodrigues é um hábito que tenho desde o ensino médio. Leio-o há dez anos e é um de meus autores prediletos. Poucos autores me fascinam tanto assim. Lê-lo é uma mescla de nostalgia e espanto.


Como de costume, e não no mau sentido, Nelson trabalhará com vários planos de consciência que se intercalam dando complexidade narrativa e psicológica nesta obra. Pouco a pouco, vemos as mazelas morais dos personagens sendo esmiuçadas. O que garante a habitual substancialidade que os personagens de Nelson carregam.


A trama diverte a cada passo. Você realmente fica atento e, até mesmo, ansioso para descobrir o que se sucederá e qual é a verdade por trás da mentira. O livro garantirá vários desdobramentos que prenderão o leitor por um bocado de tempo durante a leitura e, quiçá, por toda a vida.


O livro trabalha com a ideia de pecado e a ideia de mentira. Aqui a mentira é sempre presente e todo ato gerará uma consequência que se diversificará em várias ações paralelas, porém sincrônicas, dos personagens envolvidos. Desvendar essa teia de aranha através da leitura atenta é o dever do leitor. E ele terá uma grata e espantosa surpresa no final.


Fazia tempo que um livro não me divertia tanto e valeu muito a pena alugá-lo na biblioteca municipal. Recomendo-o fortemente para quem almeja um bom suspense com altas doses de boa psicologia, algo que Nelson Rodrigues tem de melhor.

quinta-feira, 13 de abril de 2023

Acabo de ler "Contos de Lima Barreto"

 



Esse livro, junto com a sua coleção, chegou-me por acaso. Fazia parte dum grande número de obras que seria descartada pela instituição em questão. Graças a isso, ganhei na loteria acadêmica/intelectual.


Sobre o livro: o autor tem um estilo muito surpreendente. Ele adentra nos miúdos da vida social da época e traça uma grande narrativa, muitas vezes bastante psicológica, que usualmente termina na surpresa e agrado do leitor.  A forma com que ele consegue trazer profundidade em pouquíssimas páginas é fascinante.


Sempre sabemos que há algo de errado, algo que alguma hora sobressaltará. Ler esse autor é um exercício de inconfundível confusão. Seus textos são marcados por um entrelaçamento em que, alguma hora, algo será revelado e esse revelado será algo de errado e de cômico.


Recomendo esse livro a todos que buscam entretenimento de qualidade. Cada texto traz uma narrativa e temas bastante complexos, só que nunca ultrapassando uma exposição que interesse ao gosto do leitor. O autor é inteligente sem ser chato.

sábado, 14 de janeiro de 2023

Acabo de ler "O Ateneu" de Raul Pompéia

 



Seria difícil precisar o quanto esse livro é belo em sua estilística. O leitor ou a leitora que se deparar com esse livro terá em mãos uns dos livros mais belos de toda a língua portuguesa, uma verdadeira obra prima em qualidade estilística.


O autor apresenta uma qualidade que foge muito do padrão, nessa obra temos uma experiência antebeatífica da experiência do encontro com o divino. Só que não é só na beleza que esse livro marca a sua presença, toda a sua descrição psicológica apresenta uma qualidade e um rigor descritivo que denotam uma capacidade de um exímio psicólogo, conhecedor profundo da alma humana.


A história se passa dentro do domínio do Ateneu, colégio interno com todas as pressões possíveis. O protagonista sofrerá nas mãos repressivas desse aparato educacional condicionador e tirânico. O livro é, igualmente, uma crítica a forma com que se dava o processo educacional.


Um leitor mais acostumado a uma leitura crítica ao modelo de educação de outrora verá, nesse livro, uma importante informação para compreender como essa se dava. A educação, em vez de ser um processo libertacional, nada mais era que um local de geração de todos os traumas possíveis.


Esse livro exigirá, do leitor, uma portentosa atenção para que ele não se perca. O leitor terá, ao fim da leitura, uma experiência artística, intelectual e cultural de primeiríssimo grau.