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segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Acabo de ler "Zanuff the Butcher" de Jouyama Yui (lido em inglês)

 


Nome:

Zanuff the Butcher


Autor:

Jouyama Yui


O que nos torna bom e o que nos torna maus? O mangá conta uma história de um homem que se vê culpado e amaldiçoado pela culpa do próprio passado. Toda reflexão parte de um crime que ele cometeu.


Quando ele conhece uma garotinha, chamada Alice, uma reflexão começa a surgir em sua mente. Ele se lembra do próprio passado, mesmo sem querer. É aí que ele passa por um processo de ressignificação e possibilidade de mudança atitudinal.


O mangá fala sobre criação familiar e lembra traumas do passado. No homem, o trauma está na infância e na idade adulta. Na garotinha, o trauma se encontra no presente. A criação do homem foi difícil e isso gerou nele o mal que ele se transfigurou. Na garotinha, o mal é presente, mas há possibilidade de mudança. A garotinha, a Alice, representa a mudança positiva. Todavia tudo muda novamente no xadrez existencial da vida.


Sempre nos deparamos com a possibilidade de sermos bons e com a possibilidade de sermos maus. O mundo sempre joga uma questão que deve ser respondida com algum movimento existencial. A one shot inteira trabalha com o bem, o mal e a moralidade.

domingo, 27 de outubro de 2024

Acabo de ler "Heretics" de G. K. Chesterton (lido em inglês/Parte 2)

 


Nome:

Heretics


Autor:

G. K. Chesterton


Se pudéssemos olhar todos os problemas do mundo, talvez chegássemos a algumas questões.  Chegaríamos a essas questões na medida em que olhássemos para o quão problemático o mundo moderno é e o quão imersos em problemas o homem moderno está. Como resolveríamos isso? Há quem diga que o que nos falta é realismo. Só que existe outro apontamento: somos pouco idealistas demais para sermos realistas. Podemos até ter motivos para olhar para a realidade, mas não temos ideias suficientemente fortes para tentar resolvê-los.


Anteriormente a negação vinha acompanhada de uma afirmação. A afirmação era prévia até a propriamente o que se negava. Hoje adentramos, cada vez mais profundamente, numa era em que buscamos atacar os defeitos do mundo sem nada que possamos colocar no lugar. Em outros termos, temos um inferno sem ter a possibilidade de um céu. Todo defeito é destacado com os arroubos meteóricos de uma retórica detalhada, mas toda virtude aparece sem coloração num quadro vago.


Houve um tempo em que aparecia diante se nós uma questão. Essa questão era uma pergunta cósmica acerca do sentido geral da existência. É nessa questão última que se revela cosmologicamende o sentido geral da existência. O sentido geral da existência subordina todas as outras questões, visto que todas as outras questões são secundárias. Com o tempo, quisemos nos libertar do peso da religião. Para tal, chegamos a conclusão de que não importava a filosofia ou a religião de alguém – tudo é relativo. Com isso, pulamos da pergunta para a resposta, resposta essa que seria singular. Essa forma de pensar levou a um não-pensar, visto que era a pergunta em si que possibilitava a nossa capacidade de resposta. Agora o que nos aparece não é a questão e nem a resposta. Estamos apenas por aí, vagando nesse universo de vácuo.


Pense, por exemplo, nas discussões modernas. Perguntamo-nos acerca do que é a liberdade, acerca do que é a educação, acerca do que é o progresso. Só que nos esquivamos, sempre e eternamente, sobre qual é a natureza do bem. Somente a natureza do bem pode nos dizer o que é a boa liberdade, o que é a boa educação, o que é o bom progresso. Sem sabermos primeiramente o que é essencial, não temos uma direção. A ausência de direção nos joga, novamente, ao acaso. Sempre estivemos andando em um labirinto, só que, graças aos nossos modernos sensos, estamos pela primeira vez andando num labirinto com a ausência de uma lanterna.


Falamos bastante em progresso e nos julgamos progressistas. Quanto mais progressista é alguém, mais essa pessoa é supostamente boa. Todavia o que define algo como um progresso? Se o progresso não tem uma finalidade, se não estamos caminhando para algum lugar, não podemos sequer medir se estamos indo bem ou mal em nossa caminhada. Não há como acreditar que tudo é relativo e dizer que estamos indo para o progresso, visto que o progresso, em si, seria relativo. Se o progresso é relativo, estamos indo pra qualquer lugar e isso não indica coisa alguma.


Para sabermos o que estamos fazendo, para sabermos para onde estamos indo, para sabermos se estamos bem ou mal, precisamos de um sentido. Progresso não pode significar que estamos mudando de direção a cada brisa de vento, mas precisamente que estamos indo a uma direção. Essa direção indica uma moralidade e indica uma fé quanto a essa moralidade.

domingo, 30 de junho de 2024

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 10)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

No trecho anterior da análise citei que o Castelo de Drácula poderia ser uma representação do "inconsciente coletivo sombrio" da humanidade – existe também o inconsciente pessoal sombrio. Nesse trecho, ressalto esse ponto. Dois bons exemplos disso são Belzebu e Legião que aparecem como chefes dentro da estrutura do jogo. Esses dois seres aparecem na Bíblia, mas é evidente que outros monstros surgiram de outras referências literárias, mitológicas, religiosas e também do cinema.

Dentro do jogo, tudo aquilo que Alucard vivência é real na possibilidade do seu universo. Mas na vida real, o mundo no qual vivemos, podemos levantar o questionamento do que há por trás de toda essa narrativa. Todas as figuras excêntricas, sombrias e misteriosas concentradas naquele imponente castelo, representam um antagonismo notório ao que a humanidade espera e verdadeiramente quer. Isso apenas em sentido aparente. Drácula menciona que muitos homens esperam se tornar seus servos, logo esse antagonismo (humanidade vs monstruosidade) é meramente aparente. Por outro lado, o antagonismo na estrutura da análise psicológica não é tão evidente quanto se espera em uma análise rasa. Se a humanidade possui um inconsciente coletivo sombrio, esse pode facilmente um objeto de autonegação dessa mesma humanidade.

Quando escrevo sobre inconsciente coletivo sombrio e inconsciente pessoal sombrio, as referências que existem negativamente dentro de nós, o poder das nossas sombras, revelo algo que vai contra aquilo que a maioria das pessoas que conheço acredita: a hipótese de que o homem é essencialmente bom, mas está corrompido por algum fator de ordem social, econômica, algum distúrbio psíquico ou algo do tipo. O homem não aceita o Castelo de Drácula pois não aceita que em sua essência, em sua ação, em seu pensamento, exista algo de mal, algo de defeituoso, algo se ofensivo. O homem não quer olhar para o espelho e ver uma cicatriz em seu rosto. Ele quer se ver como "puro", porém essa mesma forçação de querer ser puro e se ver como puro o leva a ser incapaz de ver o mal que existe dentro de si. Quando algo é abolido do terreno do consciente, torna-se inconsciente. Logo o homem esconde o mal dentro de si e começa a praticá-lo sem perceber. Uma das razões pelas quais vivemos numa sociedade tão violenta talvez seja essa: esquecemos que existe em cada um de nós um mal que se esconde dentro de nossa interioridade e está presente inclusive em nossas melhores intenções.

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 7)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

O que faz dum vampiro um vampiro? O arquétipo vampírico é extremamente interessante. Se, por um lado, ele é extremamente poderoso, ele também sofre com as condições da sua própria natureza. A dualidade vampírica está entre o que ele era (humano) e o que ele se tornou (vampiro). A sua antiga vida sempre lhe marca e lhe dá um forte tensionamento psíquico. Há uma moralidade e existem aqueles que preferem não abandonar a sua moralidade humana, negando assim a sua própria natureza vampírica. E existem aqueles que abandonam a sua humanidade, tornando-se ainda mais "vampíricos". Quando falamos que existem vampiros bons e maus, tratamos usualmente a partir de um ponto de vista humano. Se vampiros de fato existissem, deveríamos partir do ponto de que existe uma modalidade de moral vampírica e essa não estaria dentro dos parâmetros da humanidade.

Alucard representa um outro vampiro. Um menos entregue a escuridão e mais atrativo e palatável aos humanos. Ele representa uma reinvenção da imagem arquetípica do vampiro: a do vampiro glamuroso. Ele é forte, encantador e pode cuidar dos humanos. Ora, a imagem do vampiro glamuroso não é uma ameaça a humanidade, muito pelo contrário: ela traduz um anseio humano. Seja por se tornar algo além de humano (transcendência), seja pelo encanto estético que apresenta (algo mais romântico e sexual). De qualquer forma, a humanidade criou um outro vampiro baseada nos seus próprios gostos. Um vampiro é bom na medida em que serve e se adapta a sua mesma moralidade. E não só isso, ao gosto estético da humanidade. Os humanos, no geral, gostam de borboletas e odeiam baratas.

No geral, temos as seguintes linhas: um vampiro é bom pois serve a humanidade e um vampiro é ruim pois é inimigo da humanidade. Só que esse questionamento está circunscrito a própria humanidade. Se pensarmos numa vampiridade, a própria adesão restrita a estética humana já é, por si mesma, uma negação da vampiridade. Para os humanos, um vampiro deve negar a sua própria natureza e servir aos homens. O que parece bem alienante e, até mesmo, intolerante. Mesmo que um vampiro seja um inimigo da humanidade, tentar convencê-lo a ser humano não é uma forma de castração? Esse questionamento também deve ser levantado.

Quando pensamos em Alucard, ele representa mais do que um "vampiro glamuroso". Ele é um ser que é criado a partir da união de um vampiro com um ser humano. É por isso que existe uma contradição: ele é um ser de dupla natureza. E essa duplicidade carrega um aspecto pendular. Se não há uma plenitude desses dois lados – um reconhecimento identitário –, o próprio sentido existencial se perde e o personagem precisa escolher entre duas vias (a humana e a vampira). A existência de Alucard é, para si mesmo, uma incógnita. Ele é um eterno paradoxo e está numa posição limítrofe na qual deve se posicionar existencialmente sem ter um bom parâmetro comparativo e sem nunca ser totalmente uma coisa ou outra.

sábado, 29 de junho de 2024

Acabo de ler "Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania" de Clara Fernandez-Vara (lido em inglês/Parte 6)

 


Nome completo do artigo: Dracula Defanged: Empowering the Player in Castlevania: Symphony of the Night

Drácula é o começo e é o fim. A razão para isso? Talvez seja porquê a pergunta final revela a primeira pergunta. A questão central de Castlevania Symphony of the Night é a questão da moralidade. Richter Belmont, homem que derrotou Drácula, foi enganado pela magia e tornou-se um homem a serviço das trevas. Anteriormente era o próprio Richter que lutou contra o mal no mundo, agora ele mesmo é o mal no mundo. Em primeiro lugar, Richter é apresentado como um herói em seus dias de glória. Depois disso, ele é apresentado como vilão. Posteriormente, ele aparece como alguém que foi controlado pela magia, sendo por isso envergonhado. É interessante observar a lógica da inversão aparece constantemente nesse jogo, muito mencionada nas outras partes dessa análise.

No começo do jogo – que é o final do jogo anterior – temos uma imagem concreta do Drácula. Essa imagem aparece como a figura de um nobre – apesar disso ser uma inversão total de valores –, mas posteriormente revela a sua verdadeira natureza: a de um monstro. Creio que o jogo "brinca" com a imagem do Drácula. O Drácula aparece como uma figura bastante concreta e bem discernível, no final do jogo ele aparecerá como uma mescla de distintos tipos de "criaturas demoníacas". Nem o Drácula, nem o Castelo, apresentam uma solução a questão do mal: o mal pode ser inúmeras coisas, tendo inúmeras formas, podendo se realizar em múltiplas vias, de forma indefinida. Inclusive, o mal pode se realizar no mais nobre dos homens, tal como ocorreu com Richter Belmont.

A inversão que o jogo causa agora é essa: o mal não se apresenta como algo bem discernível e bem catalogável. Muito pelo contrário, o mal é algo que está dentro de cada um de nós e o custo da liberdade é a eterna vigilância, visto que o mal nos espreita a cada momento, a cada batida de nosso coração e, igualmente, em cada uma de nossas intencionalidades. É por isso que a classificação do mal de forma "preconceituosa" leva a ocultação do mal que pode residir dentro de nós. Classificar o mal é desenvolver interior e psicologicamente uma figura externa de mal que pode ser livrada ou estar em outro, mas saber que o mal pode estar em tudo nos revela algo sobre nós mesmos.

Tudo que existe pode ter a sua finalidade desviada e corrompida. Uma ação aparentemente boa pode ter um objetivo escuso. Por exemplo, o marketing moral dos tempos modernos revela uma sociedade narcisista e não uma sociedade caridosa. Estamos sempre sujeitos a sermos veículos do mal. É por isso que o jogo metodologicamente desconstrói a figura do Drácula, colocando-o como uma mescla de múltiplos demônios, como uma mescla de múltiplas intencionalidades sombrias. O mal.escapa a nossa própria compreensão e só pode ser melhor compreendido por um rigoroso exercício da consciência interior, analisando de forma confessional cada memória, num exercício catártico. Não por acaso, uma das principais obras de Agostinho de Hipona é "Confissões". Uma vida não analisada cai muito facilmente na externalização da figura do mal, o mal logo se torna inconsciente e a pessoa se torna má sem perceber. A ausência de autocrítica é uma questão séria.

quinta-feira, 28 de março de 2024

Acabo de ler "O Teatro Infantil na Década de 1980: Um olhar para o universo infanto-juvenil" de Carolina Castenheda Moura

 



É preciso criar uma apologética da baderna. Construir uma grossa bandalheira que, num passe iconoclasta, sirva para um desenvolvimento do tônus muscular da mentalidade democrática. O questionamento dos valores, a afirmação da identidade dos excluídos, o grito poético dos atormentados: é nisso que deve estar a arte teatral.


O teatro pós-ditadura se ampliou nas gamas de assuntos: adentrou nos debates da política, em prol da democracia; no campo da sexualidade, para combater os estereótipos de gênero; dialogou amplamente com a cultura circense, em prol da abertura para o questionamento dos valores enraizados. O fazer teatral não é, nem poderia ser, uma aceitação dos valores estabelecidos e tidos como referência. Ele é, antes de tudo, um questionamento e a tentativa de gerar uma possibilidade: a de um novo mundo.


O teatro para a criança tem uma necessidade, tem uma especificidade. Nela se encontra um problema de monumental importância: que tipo de ser queremos formar? Uma síntese entre o campo da educação e da psicologia se faz necessário. E a mera repetição de fórmulas não adianta. É virtuoso que o teatro gere uma postura de inquietação e de questionamento para os problemas sociais e individuais, mesmo que essa virtude consista na quebra do que é padrão.


O teatro para a criança traz sempre dualidade: ludicidade X didatismo; questionamento dos valores vigentes X passagem de valores. É preciso que se brinque ao educar. É preciso que se questione ao mesmo tempo em que se busque algo mais desejável. É preciso caminhar com fé nas próprias dúvidas e rejeitar o conforto dos rituais que a sociedade nos apresenta.


Creio que o artigo apresenta, acima de tudo, uma importante questão: de que o teatro é um caminhar contínuo em corda bamba. E de que os seus defensores são, antes de qualquer colocação de ordem social, questionadores confessos que podem estar sempre na mira dos cultuadores de vaidades.

sábado, 7 de outubro de 2023

Acabo de ler "A Falecida" de Nelson Rodrigues

 



Todo povo tem uma forma de encarar o mundo. Existem povos que estão imersos em eternas lutas que justificam a sua existência enquanto povo e lhe conferem dignidade. Cada alma nacional traz uma literatura nacional que revela a cada estudioso algo do país que lê.


Machado de Assis escrevia cinicamente. Nelson Rodrigues, de igual modo. A razão para tal produção cínica que apresenta continuidade lógica através dos tempos? O brasileiro não luta por nada. A vida é, para tal povo, um eterno vaivém de vaidades que se alternam e pequenos prazeres que se sucedem. Neste sentido, a alma mais arguta não se apaixona: se ressente. Para se proteger do ressentimento, ri e faz humor.


O Brasil chega a ser trágico e cômico: a grandeza de sua pequenez e a pequenez de sua grandeza revelam a face dum gigante adormecido. E aqueles que ousam sonhar estão condenados a serem maltratados: no Brasil, sucesso é ofensa pessoal.


A literatura moralista, ao apresentar personagens falhos que não são exemplo algum para serem seguidos, é uma das mais propícias. Escritor moralista desnuda a alma para mostrá-la no lodaçal que se encontra. E, em nosso país, lamas não faltam, pecam pelo excesso de oferta e sobrecarregam o mercado. E, não, não sou exemplo algum para nada e minha vantagem moral está em reconhecer-me como parte endógena deste esgoto.


Nesta grande peça, Nelson demonstra, fio a fio, as vaidades que se alternam de personagem em personagem. Cada qual reduzido pela miudeza de sua deformação de caráter. E se o leitor ler e ver algo de sujo, saiba que esta é a intenção central de seu brilhante autor.

terça-feira, 7 de junho de 2022

Psicologia Aplicada de Freud: A Contribuição da Psicanálise para Arte

 



Aprendemos, com Freud, que a arte pode ter um "poder utópico" que metodologicamente serve como mecanismo realizativo do ser e, com isso, atinge um grau de sublimação que servirá de relaxamento do tensionamento psíquico - o acúmulo enérgico e o sofrimento decorrido dele podem, redimidos pela arte, serem arrefecidos.

Freud mesmo encontrava na literatura uma chave para o entendimento dos dramas humanos. A educação cultural e a cultura tornam-se meios de retirada da tensionalidade que ao ser deprime em sua tormenta. Freud insistiu que os artistas anteciparam as verdades mais essenciais do psiquismo humano.






Mesmo que a arte seja definida como: não "bastante forte para nos fazer esquecer nossa miséria real". Ela ainda serve como um substituto daquilo que perdemos na vida em si. Um paliativo ao sofrimento que, quando não encarado como saída absoluta - o que seria uma alienação -, tem a possibilidade de ser uma forma de evasão da tensionalidade energética. A possibilidade de ser, numa existência paralela, uma nova pessoa faz com que saíamos da rotina encarcerada e (de)limitada do real.







Não por acaso, o surrealismo - que foi inspirado na psicanálise- representa um questionamento aos padrões comportamentais e morais socialmente estabelecidos. Sempre escapando da regra, já que o ser sempre necessita de um mecanismo de escapamento para a angústia que o cerceia. Contrariar um pouco é necessário, mesmo que um conjunto de regras estabelecidas sejam necessárias a própria existência humana - e uma vigilância constante sobre as regras estabelecidas também é necessária.

Mais uma vez, a amplitude da psicanálise fascina-me. É como uma ferramenta altamente dialógica capaz de abarcar uma série de fenômenos que, para o bem ou para o mal, vivencio.

quinta-feira, 24 de março de 2022

TOLERÂNCIA MODERNA É AUTOMARKETING MORAL DE CHARLATÃES!




Só existe um tipo de aceitação: aquele que você aceita o que rejeita. Quando um esquerdista ou liberal abre a boca para falar de "aceitação", só fala em coisas que ele aceita e quer que sejam aceitas, mas nunca de coisas que não aceita e que, para processos de abertura fática, deveria aceitar. Logo isso não é aceitação, é imposição. Longe de ser uma alteridade, é um imposição em que se força algo que já se crê. Todo discurso se estrutura numa falsidade: além de não ensinar tolerância real, ensina-nos intolerância. Uma pessoa que crê num estado laical, onde a religião é puramente privada e de deliberação pessoal não é uma pessoa tolerante por defender isso, já que defende algo que já aceita e acredita. Tolerância seria ele aceitar que existem estados de índole religiosa e que isso depende da autodeterminação do povo que assim o quis. Seria tolerância se ele aceitasse pessoas de índole monárquica religiosa e aceitasse a ideia de que pessoas podem viver num estado religioso confessional.

TOLERÂNCIA É DIFERENTE DE ACEITAÇÃO!

Toleramos só aquilo que não gostamos, não existe tolerância para aquilo que já aceitamos. Um homem que come tortas de limão por gostar delas não é uma pessoa tolerante com tortas de limão, já que as ama. Do mesmo modo, um homossexual que diz ser tolerante com a comunidade homossexual está em contradição consigo mesmo - como tolera algo que faz parte? Quem pede tolerância, quer que as pessoas que não aceitam o que elas são ao menos a ignorem. Quem quer aceitação, quer que as pessoas que a odeiam as aceitem. Só que quem quer tolerância e aceitação quer, usualmente, uma condição passiva do próximo: ela só recebe o ordenamento daquele que exige, sem que haja um feedback de sua parte.

NÃO CAIA NAS BOBAGENS MODERNOSAS!

Qualquer pessoa que se diz aberta, está fechada. Abertura é um processo de negação de si mesmo, depois da abertura vem a integração: aquilo que se era rejeitado passa a integrar o horizonte de consciência do sujeito. Só que depois que foi aceito, não é mais abertura: tornou-se parte integrante do sujeito. Abertura é sempre negação de si, alteridade para com aquilo ou a pessoa que se nega. O resto é falsidade pura, automarketing moral. E o que define o automarketing moral é a própria falsificação do discurso que altera as coisas do que são para o que gostaria que se fosse. Quando você ver grupos "tolerantes" e "abertos", saiba que não têm nada de tolerância ou abertura.

A COMPREENSÃO DE ATO E POTÊNCIA!

Ato é aquilo que já foi realizado, potência é aquilo que pode ser. Uma árvore é potencialmente uma cadeira até que se torne uma cadeira em ato. Quando se tem uma abertura, "atualiza-se a potência". Aquilo que "poderia ser" torna-se aquilo que "se é". É por isso que a abertura começa com uma negação de si mesmo e depois uma integração que se torna parte constitucional de si mesmo. Só que depois que se integra, não é mais aceitação. Aceitação é processo, depois dela não é mais aceitação, é um enraizamento. Quem fala de tolerância, aceitação e abertura usualmente não defende esse processo para si mesmo: defende-o para o outro, o outro que sempre deve subordinar-se a sua "visão superior de mundo". É um processo de dominação com duplipensar (1984), onde se defende exatamente o oposto do que se defende: "fechamento é abertura", "tolerância é o que se aceita". Uma loucura conduzida em larga escala por charlatães.