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sexta-feira, 4 de julho de 2025

Acabo de ler "Hauntological Warfare" de Roy Uptain (lido em inglês)

 


Nome:

Hauntological Warfare: Explorations in Propaganda, Influence Campaigns, and Online Affect


Autor:

Roy Uptain


"Hauntological Warfare" poderia ser traduzido como uma guerra fantasmalogical. O artigo trata da forma com que a sociedade ressuscita símbolos do passado para utilização narrativa no presente. Há uma conexão entre passado, presente e futuro que se influenciam narrativamente, moldando a percepção e o agir humano.


Atualmente uma das principais questões da contemporaneidade é a opacidade da informação que é massivamente compartilhada, gerando redes e mais redes de feedback, além da incapacidade cada vez maior diferenciar propaganda, vigilância e guerra psicológica. Existe, além disso, uma mistura e uma conexão cada vez maior entre o soft power e o hard power: o algoritmo, o conteúdo, a manipulação afetiva e a amnésia histórica se misturam tenebrosamente.


A sociedade americana vem entrado no chão "realismo das pyops". Eles perceberam que são alvo constante de massivas propagandas e vigilância. A paranoia e a desinformação não são apenas mais ferramentas estratégicas, mas também condições ambientais.


Não muito estranhamente, vários sites são observados realizando estranhos movimentos. Eles utilizam uma estratégia subversiva que mescla metanarrativas, mitologias culturais e conspirações políticas para consolidar uma mensagem. Fantasmas do passado e hipóteses do futuro aparecem lado a lado para influenciar o presente. Enquanto isso, armificam medos e fobias para criar narrativas e contra-narrativas.


Creio que para nós, brasileiros, é de suma importância pensar acerca de uma crescente atmosfera semelhante em nosso cenário.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Acabo de ler "Transmedia storytelling and memetic warfare" de Roman e Dariya (lido em inglês)

 



Nome:

Transmedia storytelling and memetic warfare: Ukraine’s wartime public diplomacy


Autores:

Roman Horbyk;

Dariya Orlova.


Num mundo onde temos várias ou múltiplas visões de mundo, a narrativa — quando poderosa e eficiente — é uma das armas centrais na estratégia comunicacional. Nessa guerra que ocorre na Ucrânia e na Rússia, isso vem sido particularmente bem demonstrado.


Na guerra que presentemente vemos, vimos um país que era visto como dividido e corrupto surgir com a imagem épica de país unificado, de um pequeno Davi enfrentando o Golias. Enquanto os russos preparavam o foreshadowing (um elemento narrativa que insere o próximo passo antecipadamente), Zelensky já sabia a importância de uma boa narrativa.


Nessa guerra, as imagens meméticas que iam se construindo e delineando substituiam toda área cinzenta do debate. A complexidade do debate é, até agora, substituída por um robusto, mas simplificante, exercício de storytelling. O jornalismo é feito de arma e não de mecanismo informacional — isso não é uma novidade, mas na era da guerra de quinta geração, isso vai aos extremos.


Creio que no tempo moderno, a grande lição é compreender a centralidade narrativa, como ela impacta os vieses cognitivos e como ela impacta diferentes grupos religiosos, étnicos e políticos. Podemos correr o risco de estarmos sendo feitos de tolos por diferentes lados.


sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Acabo de ler "Anatomy of the State" de Murray N. Rothbard (lido em inglês/Parte 3)

 


Nome:

Anatomy of the State



Autor:

Murray N. Rothbard

Quando um grupo de indivíduos se apodera do poder de dado território, ele precisa conseguir o aval da maioria da população. Esse aval não é conseguido só em processos de governos democráticos, esse processo é necessário em qualquer governo. A busca por legitimidade e legitimização é inerente a perpetuação de qualquer Estado, seja qual for o seu modelo organizacional.

Essa legitimidade é conquistada usualmente pelo fato de que o Estado busca importantes grupos sociais, extraindo apoio dos líderes desses grupos sociais. É pegando para si as lideranças dos grupos que compõem o território que o Estado é legitimado. Esse processo, mais uma vez, não é só dentro do regime democrático, mas dentro de qualquer regime.

Conquistar o apoio das "lideranças", dando-as um título de nobreza ou algum cargo estratégico, o Estado não poderia deixar de pensar nas grandes maiorias. As grandes maiores não se convencem unicamente com a participação dos seus representantes. A aprovação social de um indivíduo pode mudar. Para conseguir o apoio da maioria, o Estado apela para os meios ideológicos. Ele convence a maioria das pessoas que a existência do Estado é inevitável, que ela é boa ou prudente.

Para a tarefa de convencer a população do território acerca da importância do Estado, o Estado busca auxílio de intelectuais que convençam o homem médio a confiar nele. A aliança dos intelectuais e do Estado é bastante antiga, o intelectual precisa de um anteparo financeiro e o Estado precisa convencer a população da necessidade da existência do próprio Estado. Os intelectuais servem ao Estado convencendo as pessoas, moldando a assim chamada "opinião pública".

É evidente que o intelectual não necessariamente precisa do Estado para sobreviver e para desempenhar as suas atividades. Só que há um porém: a vida do intelectual, o seu sustento, é incerto. A maioria da população não considera a importância intelectual e isso faz com que a sobrevivência, dentro de uma sociedade de mercado, seja incerta e sempre volátil. Por outro lado, o Estado não só está convencido da importância dos intelectuais, como quer eles do seu lado e oferece aos intelectuais a comodidade necessária.

Os intelectuais, não sendo bobos, se ancoram no Estado para poderem darem continuidade as suas existências. Para tal, criam vários argumentos através da história. A ideia de que o imperador/rei tinha sido eleito por Deus; a ideia de que os nobres eram uma elite de pessoas notáveis; a ideia de que o Estado reuniu ao seu redor os melhores especialistas para tratar dos problemas públicos. Tudo isso consta. Acima de tudo, o Estado seria inevitável, em último caso, visto que o mundo tem muitos males.

O maior alicerce do Estado, como apontado por Rothbard, é o de transformar o roubo não sistemático e privado em algo mínimo. O Estado seria, então, um mecanismo avançado de roubo que não permite que existam outros mecanismos que pratiquem a sua função primordial (roubar).

Existe outro mecanismo que o Estado utiliza para manter a sua legitimidade. As pessoas têm uma predisposição natural para amarem os seus locais de nascença. Esse sentimento natural se confunde com o apoio ao Estado. Muitas guerras, movidas por interesses escusos entre diferentes Estados, são manipuladas para que o povo acredite que é uma luta entre dois povos e não uma luta entre dois grupos com interesses distintos. Essa manipulação é toma forma de nacionalismo.

É claro que, após tantos e tantos anos de estatismo, isso gera um hábito. Muitas vezes, não questionamos a realidade ao nosso redor pelo simples fato de que ela nos aparece como sendo natural e não forjada por construções sociais. A forma com que nos assimilamos hoje ao Estado se dá de semelhante maneira: nossos pais eram governados pelo Estado, os pais dos nossos pais eram governados pelo Estado, assim foi sucessivamente. Nossa mente simplesmente concebe que: se o Estado apresenta continuidade no espaço-tempo, ele não pode ser uma produção artificial. O Estado, para nós, aparece como uma figura tão natural quanto qualquer outra coisa que esteja a nossa volta.

O pensamento que o Estado utiliza para se legitimar ante aqueles que condenam a sua existência é, muitas vezes, um apelo ao passado e a sua própria longevidade histórica. Se a maioria das pessoas se habituou as práticas dos diferentes Estados, como é que poderíamos considerar a sua existência estranha ou indesejável? Os intelectuais que possuem visões antiestatais são considerados como estranhos, estando longe dos anseios da maioria e o Estado usa essa maioria, que raramente pensa acerca da natureza do processo que levou a formação do próprio Estado, contra essa minoria. Desse modo, o antiestatista é classificado como uma pessoa com visões demasiadamente românticas, um insano, um perverso, dentre outras classificações pejorativas ou idealistas.

A justificação da existência e perpetuidade do Estado pode variar de época em época a depender do contexto, tempo e local que se situe. Ele pode advir da vontade divina, do absoluto ou das necessidades materiais das forças produtivas. De qualquer modo, não importa o argumento utilizado: o Estado sempre encontrará uma justificativa para existir e perpetuar a sua existência, não importa por qual meio retórico. Só que esse vaivém demonstra algo: que o Estado é, propriamente, uma construção social e depende de uma sociedade que justifique essa construção para existir.

A principal razão do Estado moderno é a justificação por meio das suas nobres causas. O Estado estaria acima das preocupações mesquinhas que motivam as ações de indivíduos particulares. É ele que promove tudo o que é bom para o bem-estar coletivo enquanto os outros só pensam em si mesmos. Não há, além do Estado e dos seus nobres burocratas, qualquer pessoa que tenha os anseios filantrópicos, por mais mínimos que sejam. Uma narrativa completamente falsa, mas que não deixa de ser convincente.

Outra razão do Estado existir, agora que não somos mais dominados por uma razão teológica, é a ciência. O Estado é a mais científica das organizações. Além disso, a ciência só existe por causa da organização do Estado. O Estado tem as melhores pessoas, as pessoas mais bem-intencionadas, em promover a melhor administração possível para a resolução de tudo. A ciência não existe sem o Estado. Ora, isso é outra alegação falsa. Completamente parcial e viciosamente narrativista.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Acabo de ler "Kage no Jitsuryokusha - Vol III - Aizawa Daisuke" (lido em espanhol)

 



Existem sutilezas que só uma pessoa habituada aos múltiplos caminhos da inteligência poderiam chegar. Uma dessas capacidades é a capacidade de sintetizar a universalidade de um saber numa única obra. Isto é, traduzir todo seu conhecimento sistemático numa unidade ordenada capaz de abordar múltiplos pontos de forma coesa. Um ponto em que a diversidade heterogênea encontra uma síntese fulminante, em que todas as fragmentárias partes adentram como uma só. Essa seria a unidade do conhecimento, a iteração dos saberes.


Ora, se você se pergunta a razão de eu estar fazendo essa introdução numa abordagem mais ligada à epistemologia em vez duma simples crítica literário, já respondo: esse livro, bastante conexo, demonstra uma inteligência formidável que dificilmente poderia ser apreciada de forma correta por olhos mais desatentos. O autor conseguiu de forma simultânea aplicar toda uma capacidade narrativa, junto a um imaginário fantástico - que demonstra e demanda por sua vez um conhecimento de mitologia comparada - ao lado dum conhecimento de economia.


Nessa história, vemos uma dramaticidade em que Shadow aparentemente trai suas companheiras do Jardim das Sombras. Isso gera um grande conflito psíquico e identitário nas pobres donzelas. No final, tudo se ajeita de forma brilhante. Todavia o objetivo de Shadow, homem ininteligível, era de fato as trair. Só que o autor colocou de forma brilhante toda essa confusão e, mais uma vez numa solução que é boa para os personagens e intrigante para o leitor, deu-nos um show de lore. O personagem central não sabe o que faz, as personagens secundárias também não compreendem e acham que compreendem. Toda essa sutil trama se revela ao leitor como numa quebra sutil de quarta parede em que, no fim de tudo, rimos de tal desfecho e deslumbramo-nos intelectualmente da capacidade do autor.


Com certeza essa é uma das obras mais fantásticas de toda a cultura nipônica e, certamente, uma das que mais me interessei. Tanto que li esse livro inteiro em um único dia. Espero que, se alguém ler essa análise, tenha o coração tocado e também vá ler a pequena novela ou assistir o anime.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Acabo de ler "Psicologia Aplicada de Freud: capítulo 7 - Aplicabilidade da Psicanálise no dia a dia Profissional e Pessoal"

 



Se nos perguntarmos onde se encontra a psicanálise como hermenêutica mundividente encontramos a maioria das suas teorias envoltas não só naquilo que é manifesto, mas também naquilo que é considerado latente. O terreno do não dito, expressado de modo inconsciente, é o terreno psicanalítico por excelência.


O arcabouço psicanalítico é, por sua vez, uma forma de buscar uma análise que, dado após dado, possibilita uma interpretação que leva ao conhecimento narrativo das partes que constituem a pessoa de forma unitária. A desfragmentação, gerada após uma coleta minuciosa de dados, é o dever cabal da técnica psicanalítica.


Graças a este aparato, a psicanálise traz consigo não só uma capacidade de autoanálise, permitindo que vejamos com mais pormenoridade a nós mesmos, como igualmente nos dá instrumento para  a percepção mais íntegra do outro em seus atos e falas. O que é, sobretudo no terreno latente, algo impressionante.


Neste capítulo, vemos a importância da psicanálise para locupletação daquilo que nos escapa. Diminuto em seu tamanho, conquanto que profundo em sua forma, traz em seu seio a semente daquilo que um psicanalista perceberá durante a sua prática analisante. 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Acabo de ler "Muita Retórica, Pouca Literatura" de Rodrigo Gurgel

 



Não seria surpreendente alguém afirmar que Rodrigo Gurgel é um dos maiores críticos literários do Brasil contemporâneo. Indo numa linha oposta a verve "mais comum" dos outros críticos, contribui de forma inestimável para a amplitudização do debate literário brasileiro enquanto tal.


Sendo de oposição natural ao que se tornou convencional em nosso meio acadêmico, serve muito bem para o aumento do arcabouço teórico e ajudará, em muito, no aumento do horizonte de consciência. E suas críticas são resultados duma pesquisa ativa, exaustiva e minuciosa. Não só isso: o autor do livro em questão é um homem que ministra cursos que ensinam fundamentos e técnicas de criação literária.


Nesse livro, o autor vai demonstrando, capítulo a capítulo, como nossos autores incorrem recorrentemente em discursos altamente retóricos e de caráter pouco literário, tal como se escrevessem um TCC e não um romance ou o que quer que seja. Além disso, o pedantismo e o uso acentuado de adjetivos é constante demais - e poder-se-ia dizer: penoso e nauseabundo. Numa babilônia entediante de argumentos, recorrentemente perde-se a capacidade descritiva.


O autor, é claro, não se encontra numa posição radical de antagonismo. Isso seria um parcialismo extremado que, na estatura de nosso autor, ser-lhe-ia contraditória e pouco digna. Ele é elogioso em muitos pontos, capaz de diferenciar as tonalidades do que lê.


Certamente um livro fantástico. Para quem gostar de crítica literária, recomendo a leitura. Para quem não curte, ainda recomendo pela boa prosa e humor refinado do autor.