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quarta-feira, 16 de março de 2022

Acabo de ler "As Crônicas de Nárnia Vol. 1: O Sobrinho do Mago" de C. S. Lewis

 



"— Riam sem temor, criaturas. Agora, que perderam a mudez e ganharam o espírito, não são obrigados a manter sempre a gravidade. Pois também o humor, e não só a justiça, mora na palavra" (Aslam).
Apesar da aparente simplicidade, o livro é bastante complexo e, como não haveria deixar de ser, esconde uma "mensagem cristã criptografada". O livro tem uma lição moral que quer conduzir o jovem leitor - ou o "velho leitor", como em meu caso - para um entendimento cristão de mundo.
Por um lado, o livro apresenta um conflito quase que cósmico entre uma figura de uma rainha de gelo (Jadis) contra um Leão bem próximo ao fogo (Aslam). Jadis representa não só a figura de Satã, mas bem simboliza a idolatria e o Estado-Deus. Jadis é tirânica e se julga além de qualquer coisa "fortuita" como as emoções e ambições humanas. Já Aslam crê na liberdade, não por acaso uma de suas frases, citada bem no começo, fala sobre o riso e a liberdade de rir. Aslam não se impõe, mesmo sendo imponente, pois crê na liberdade. A salvação traz não somente o paraíso da ausência de escassez, também traz o paraíso do sorriso e do riso. Aslam, tal como Verbo Divino (Jesus Cristo), produz um mundo pelo seu canto majestoso ("no princípio era o verbo", já dizia a Bíblia). Já Jadis representa a gravidade, onde toda ação tem um preço e tudo se correlaciona a um poder gravitacional - lógica da escassez, diferente do paraíso.

André, tio do protagonista, mexe com algo que não sabe e acaba por trazer o mal para a Terra. Digory e Polly, nossas duas crianças, em sua pureza, vão acabar por impedir o mal. As ambições de André, o feiticeiro, acabam dando errado e ele acaba por descobrir que o mal é sempre ligado numa lógica dura, numa lógica de coração de pedra em que a ambição do mais forte recai sobre o mais fraco e o mais fraco se curva - diferentemente do bem, movimento pela graça, que ama todas as criaturas em igualdade e as ela quer bem, não por algo prévio e sim pelo amor. De tal modo, Aslam (figura cristã) é o amor e Jadis (figura satânica) quer só o próprio benefício, abusando dos mais fracos. Simples, mas complexo.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Diários Cadavéricos #4 - Não há oscilação e nem angústia

 

Se eu morresse hoje, sairia tão atormentado que a violência da morte me pouparia da violência do arrependimento. Haveriam duas dores: a primeira é a de não ter cumprido existencialmente o que eu deveria ter cumprido; a segunda é eu ter alívio covarde de ter escapado do dever. Duas fraquezas, duas fragilidades, no entanto uma alivia a outra. E uma é certamente contrária à outra. Se assim é, há uma oculta ordem que é superior e abarcante.

"Não podemos pensá-lo eterno e ao mesmo tempo sujeito à sucessão do tempo" (Há um outro mundo, pág. 68 - André Frossard)

O Deus que eu via, o Deus que eu ainda vejo, é  condicionado ao passado glorioso e também a um tempo que é tão distante quanto inacessível. Lhe falo sempre, por escrita e por palavra, mas por Ti só tenho um agnosticismo. Como, então, em Ti posso me fiar? Continuo a falar, mas com medo de não falar com ninguém. Persisto com pertinência impertinente, assim fico eternamente procurando ver o que há e espero que um dia a espera acabe. Quero alívio, meu Deus. Só que sei isso não é verdadeira teologia, verdadeira teologia é a superação da incerteza pela fé. Uma fé sólida é uma fé que enxerga além, não por uma crença condicionada pelo mundo inteligível, mas pela capacidade ver além do que é momentaneamente inteligível.

"Vosso retorno será a Deus, porque Ele é Onipotente."
(Surata 11:4)


É um alívio ouvir isso. E também um desafio: conto-lhe, então, a torta questão. Sonhei hoje que estava de volta ao ensino médio. Toda hora tenho o mesmo sonho. Estou sempre de volta ao ensino médio e o pior: estou preso nele. Lembro-me de que, no sonho, disseram que se eu não vencesse o ensino médio, perderia até mesmo a minha faculdade. O sonho era estranho: mesmo tendo faculdade concluída, o ensino médio me exigia completar ele novamente e, dessa forma, era obrigado a fazê-lo de novo e ser reaprovado. Será que estou preso no ensino médio? Será que não amadureci? Será que devo superar esse estágio de minha vida de alguma forma? Sei que estou por conta própria lá e assim me mantenho, só que queria saber a razão de eu estar lá e a causa de assim me manter. Volto-me a Ti em dúvida e remorso por essa causa. Revela-me, Pai, causa das causas, a causa que me é desconhecida.

"De Deus nada se oculta, tanto na terra como nos céus"
"Ele é Quem vos configura nas entranhas, como Lhe apraz. Não há mais divindade além d'Ele, o Poderoso, o Prudentíssimo"
(Surata 3:4-5)

Assim diz um de seus santos livros. E assim é: tudo que o homem vê como desordem, é desordem aparente. Desordem no sentido que o homem vê pouco, já que seu horizonte de consciência é delimitado e o futuro é incerto. Esse aparente caos, no entanto, pra Ti é como o vento: já viu tudo, já sabe de tudo, então não há oscilação e nem angústia. Só que eu, como homem, perco-me nesse mundo que é mutável a minha consciência. E logo vem o meu clamor: "Ó Senhor nosso, não desvieis os nossos corações, depois de nos teres iluminado, e agracia-nos com a Tua misericórdia, porque Tu és o Munificente por excelência" (Surata 3:8). Meu coração oscila conforme a alteridade do mundo, mas há a Ti que está além dessa alteridade.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Novas Aquisições!



   
    O primeiro livro, "Natureza e Missão da Teologia", é do Joseph Ratzinger. Se o nome lhe soou estranho, distante e meio desconhecido, já lhe explico: trata-se do Papa Bento XVI. Se perguntam qual será a qualidade do livro, Bento XVI era conhecido como: "O Teólogo", basicamente uma das figuras mais ilustres da teologia católica e um dos papas mais inteligentes da história. 

    Já o segundo: "O Clube de Negócios Estranhos", é de Chesterton. Tive pouco contato com a obra literária (aqui no sentido de "ficcional") de Chesterton, mas o contato que já tive - sobretudo em alguns contos do Padre Brown - prima pela mais alta beleza e engenhosidade. Estou doido para ler esse livro, mas ele terá que esperar na longa lista de leituras que o antecedem. De qualquer modo, exímia aquisição

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Diários Cadavéricos #3 - Espírito Celeste

 "Não obstante, eles adoram, em vez d'Ele, divindades que nada podem criar, posto que elas mesmas foram criadas. E não podem prejudicar nem beneficiar a si mesmas, e não dispõem da morte, nem da vida, nem da ressurreição"

(Surata 25:3)


Se eu morresse hoje, estaria completamente insatisfeito. É difícil, meu Deus, não cair na idolatria quando o peso do mundo bate forte. E, se assim o é, é pelo jogo gravitacional das relações humanas e meu parco caráter. Sei que sou moralmente fraco, e minha performace social a isso indica: não sou o que sou, sou a negação do que deveria ser. Só que tão grandes são as vozes sociais que minha mente de Ti distoa por causa de vários gritos.


"15. Pergunta-lhes: Que é preferível: isto, ou o Jardim da Eternidade que tem sido prometido aos devotos como recompensa e destino,"
"16. De onde obterão tudo quanto anelarem, e em que morarão eternamente, porque é uma promessa inexorável do teu Senhor?"
(Surata 25:15-16)

Deus, sou um traidor, mas sei que és glorioso e misericordioso. Só que a sociedade me traz um jugo idólatra, já que a ela sou temente. O sofrimento psíquico se condensa e condena junto com o inferno vindouro, já que o caminho do idólatra nada mais é que o desvio da senda reta. Por temer tanto a sociedade, por ser com ela um covarde, sigo o caminho da vã vanidade. A ela atribuo mais do que é capaz, faço por temor e complacência, mas nada dela vem de modo autogerado, já que só Deus é capaz de criar. Então, pergunto-me: por que temo esse deus de barro e não me aconchego em Ti, verdadeiro Deus?

"[7]Zain. Nestes dias de males e vida errante, recorda-se Jerusalém das delícias dos tempos idos. Agora que seu povo sucumbiu sob os golpes do inimigo e ninguém vem socorrê-la! Olham-na seus inimigos, e zombam de sua devastação."
"[8]Het. Graves foram os pecados de Jerusalém: ela ficou uma imundície. Quem a honrava, agora a despreza porque lhe viram a nudez. E ela geme e esconde o rosto."
(Lamentações 1,7-8)

Lamento agora a vanglória de outrora. Meu pensamento perdeu retitude e atitude. Conforme esmorecia, ajuntava-me a tragédia de minha comédia. A Tua lógica não é dos homens e a lógica dos homens é torta. A Tua senda é reta, mas a senda dos homens engendra tragédias com pratos cheios de aparentes comédias. Se assim é, sou tolo. Guia-me, Alá, a Tua senda reta. Já que sofro mais por ter te esquecido do que por ter te seguido. Se tivesse te seguido, não me surpreenderia com os ventos mutantes que mudam os rumos dos homens e nem edificaria morada em areia movediça. Como assim fiz, vi meu império de areia ruir. Já que o homem abandona e só o Senhor cuida do homem abandonado.

"[18]Sade. O Senhor é justo, porque fui rebelde à sua voz. Escutai todos vós, ó povos, e vede a minha dor. Minhas virgens e meus jovens foram conduzidos para o exílio."
"[19]Cof. Implorei a meus amigos e eles me iludiram. Meus sacerdotes e os anciãos pereceram na cidade enquanto buscavam alimento para revigorar as forças."
"[20]Res. Vede, Senhor, a minha angústia! Tremem minhas entranhas, e meu coração está perturbado por causa de minhas revoltas. De fora mata a espada, de dentro alastra a morte."
(Lamentações 1,18-20)

Deus, Tu bens sabes, a glória ensorbece e a humildade pouco apetece. Não que saiba de modo vivencial, mas sabe pela debilidade que o homem se encontra. O homem, Vossa criatura, sofre por a Ti não te ver mais do que deve. E não vê porquê não é digno. E eu de nada sou útil, já que me desviei de Ti e sou tão impuro quanto aqueles que mal acuso. Decepciono-me com o óbvio: tal como me movo pelo vento, em passo insólito, abrigo-me no sofrimento pelo mundo vão que me decepcionou e assim necessariamente seria. Minha burrice, meu Deus, perdoai. Dai-me um tanto de Sua luz, renovai-me com Teu Espírito Celeste.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Diários Cadavéricos #2 - Soberba

Diários Cadavéricos - Soberba


"Indubitavelmente Deus conhece tanto o que ocultam, como o que manifestam. Ele não aprecia os ensoberbecidos" (Surata 16:23)


Sou absurdamente soberbo, tão soberbo quanto medíocre. Minha obra é um peido comparado aos que me precederam e insisto em permanecer ridículo por causa de meu alto ego. Faz muito tempo que não escrevo com seriedade e ocupo-me com vanidades. Deus, pesa-me a minha falta de caráter e a impossibilidade de agir por preguiça e humor flutuante. Só que eu escondo: não sou feliz com o que escrevo, já que o que escrevo é precário. Contento-me, então, com escrever mal e mediocremente.


Se eu morresse hoje, nada de feliz eu teria. Sentir-me-ia incompleto, com jeito de mal-acabado. Quase tudo que quero fazer, não fiz. Como posso me sentir feliz? Falta-me práxis. Só que tudo é tão difícil e mutável que parece que a imutabilidade divina Daquele que É não existe. Como enxergar um Deus imutável numa mundanidade líquida? Como ver através do reino das aparências mutáveis enxergando a Ordem Oculta atrás disso? Parece que há mais abstração nos assuntos teológicos que uma ordem invisível que a tudo transcende. E, se assim escrevo, escrevo-lhe por minha tendência agnóstica. Como não confio em minha razão, de Ti igualmente desconfio, já que não posso prová-lo, seja por burrice, seja por incapacidade de alma ou de vivência.


"Dessa forma, por Zeus, teremos de admitir que, assim como as outras artes se aperfeiçoaram a ponto de fazerem figura feia os artesãos antigos, em comparação com os de agora: diremos também que vossa arte particular, a dos sofistas, progrediu, e que os antigos, em confronto convosco, são principiantes em matéria de sabedoria?" (Hipias Maior - Sócrates).


Quando eu me tornei tão arrogante e esquivo? Quando eu passei para as sombras, fugindo de minhas obrigações e lutando para omitir meus movimentos preguiçosos e covardes? 


Minha percepção soberba volta-se contra Ti. É como ver uma obra caótica sem Criador. E eu mesmo sou caótico, seja em questão de gênero ou em filosofia. O sofrimento é inalterável num mundo alterável e alteridade sem fim quase sempre implica em sofrimento. Escrevo em lamúrias, já que sou inconstante e constantemente melancólico.


"Ela chora pela noite adentro, lágrimas lhe inundam as faces, ninguém mais a consola de quantos a amavam. Seus amigos todos a traíram, e se tornaram seus inimigos"
Lamentações 1,2
"E lançamos, no Livro, um vaticínio aos israelitas: causareis corrupção duas vezes na terra e vos tornareis muito arrogantes"
Surata 17:4


A natureza do pensamento dos antigos é essa: toda vez que uma parcialidade redutora chegava ao pensamento, diziam que Deus é maior. Assim evitavam qualquer idiotice redutor. No caso, Israel chora pelo seu povo oprimido e abandonado, o que prova a volatilidade traidora dos interesses humanos. Como homem, só posso ser traidor e traído. Ora reclamo a Deus o ataque aos que me traíram, ora peço a Deus o perdão de minhas traições, já que suporto, como hipócrita, mais minhas traições do que as de outrem. Embora, perante Deus, sejam iguais em iniquidade. E, perante minha personalidade, tenha natureza de peso assimétrico. Tornei-me arrogante e indolente com a conquista adquirida, essa é a arrogância humana.


A relação que devo ter contigo é de abertura, já que Ti não é abarcado por minha redutibilidade e adquiro-Te reduzindo-O. Se assim o é, é por minha deformidade humana. Só que todo avanço pode, em minha pessoa, virar regresso com a redução de Ti a parte recebida.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

Acabo de ler "Pais Apostólicos" (Coleção Patrística) da página 277 até 388.



   
    Acabo de ler "Pais Apostólicos" (Coleção Patrística) da página 277 até 388.

    Caracterizado pela certa leveza em abstração, o conteúdo do livro lembra muito bem o Novo Testamento e com ele se confunde em forma, mas não em importância. A Patrística é aquilo que vem depois da Bíblia, a forma como os cristãos encararam o mundo em sua jornada vivencial e vários dramas expostos demonstram como era a vida, os ensinamentos e a forma de ver o mundo dos cristãos antigos. Há um discurso que é mais práxis do que teorético, muitas vezes lembrando aquele antigo conceito de theosis.

    Cabe aqui um adendo: a teologia cristã ortodoxa compreende três estágios, esses são: katharsis (purificação), theoria (iluminação) e theosis (prática). A theosis é, basicamente, a práxis do cristão convertido. É a harmonia. Para os antigos, era-se de vital importância não só o aparecimento, mas o ser profundo que se choca com o mundo através de seu modus vivendi. Estar em conformância com uma pureza de ser - ligada a um estilo de vida - era de importância crucial. A vida era ditada por um essência que não se deixava abater, mas continuava a se esforçar para ser. Pode-se, é claro, falar-se de fanatismo. E é sempre bom ser prudente, mas devemos lembrar que a vida também requer uma dedicação essencialmente contínua que realize o ser diariamente. Ou seja, viver é viver todos os dias, mesmo que seja uma construção mínima e de longo prazo. É preciso que se construa, que se faça.
 
    O que define o essencial é o mínimo de cada dia. Viver o mínimo de cada dia é se ater aquilo que de fato queremos fazer enquanto seres viventes. O mínimo de cada dia responde: "quem somos". Já que quem somos está correlacionado a vontade que, por sua vez, chega na práxis diária.