sábado, 31 de julho de 2021

A fantástica banana invisível! #1 - Como se lidar com o vício em pornografia?

 


    Uma vez tive uma hipótese. Essa hipótese era a de uma banana invisível. Uma banana metafísica. Particularmente, não era em si uma banana. Era, na verdade, uma casca de banana. De alguma forma, um indivíduo que não sabemos quem é, comeu uma banana invisível e a jogou no meio da rua. De lá para cá, a banana invisível saiu por aí, derrubando pessoas sem que ninguém a detivesse. Cada pessoa pisava nela, tropeçava e caía. E o pior de tudo: ninguém sabia da razão. E "mais pior ainda": haviam indivíduos que nem sabiam que caiam quando caiam.

    Pensando na hipótese da banana invisível, resolvi tornar isso uma forma de responsabilidade. Sou uma pessoa responsável e mesmo sabendo que a banana, ou melhor, a casca de banana é invisível, vou tentar capturar essa casca e tirá-la do caminho. Claro que não sou uma pessoa confiável e a estatura dessa missão. Só que sendo uma das únicas pessoas que sabem dessa fantástica banana invisível que derruba pessoas por aí, tenho que tirá-la do caminho. E não chamo essa responsabilidade para mim como alguém inteligente ou preparado o suficiente, mas como alguém que tem empatia e mesmo com debilidade quer tentar ajudar ao próximo com o pouco que pode.



    Há várias formas de se lidar com a vida e com o vício. O vício usualmente decorre da vida que se leva e a vida que se leva decorre de uma filosofia de vida. Mesmo que a pessoa não saiba que está em uma filosofia de vida e que tem uma filosofia de vida. E, quando não sabe, cai nos erros e acertos daquela filosofia inconscientemente. De alguma forma, guia-se sem saber que se guia. E anda numa direção sem saber que anda. É como se ela fosse tão irracional quanto um zumbi que busca morder pessoas por aí devido a um "acidente" de guerra biológica. 

1- Por quanto tempo iremos apenas sobreviver e viver de fato?

    Por qual razão se sobrevive? Teríamos, em nosso mundo, uma gritante escassez de recursos? Não, não creio que seja o caso do questionador em questão. Estou quase certo de que seu problema é um problema que se encontra a nível psíquico. O que quero dizer é: qual é o sentido da vida para você? Isso é uma pergunta de nível intelectual. É uma pergunta que não só diz: "qual é o sentido da vida?", mas também pergunta: "qual vida vale a pena ser vivida?". Creio que um grande problema do mundo pós-moderno é a falta de uma boa formação da personalidade. O sentido que a vida toma também está na personalidade. Visto que a personalidade não é só algo que diz o que o sujeito é agora, mas também o destino que ele se colocou.

    Muitas vezes sofremos moralmente. Por vezes, temos várias coisas ao nosso redor. E nenhuma deles está em íntima relação conosco. Ter um videogame em casa não quer dizer em automático que se jogue ele. Ter um livro de matemática não quer dizer que se estude ele. O problema está em que nível um indivíduo se conecta com o mundo que o circunda. E essa pergunta só pode ser resolvida por ele mesmo. É preciso que ele mesmo perceba o ambiente a sua volta e que ele mesmo decida o que fará com esse ambiente. No exemplo do videogame, a pessoa que tem, mas não o joga pode simplesmente achar que o videogame é inútil. No exemplo do livro da matemática, talvez o livro só acumule poeira. De alguma forma, não há conexão entre o sujeito e o objetivo. O mesmo poderia ser dito da relação sujeito com sujeito. Muitas vezes se tem pessoas, até mesmo na própria casa, em que não se tem nenhuma relação.

"Sendo assim, o SENHOR modelou, do solo, todos os animais selvagens e todas as aves do céu e, em seguida, os trouxe à presença do homem para ver como este os chamaria; e o nome que o homem desse a cada ser vivo, esse precisamente seria seu nome" (Genesis 2:19)

    Não querendo ser teológico, mas já o sendo: há uma razão para Deus "não dar nome" aos animais que ele mesmo criou. O objetivo não era que o homem desse simplesmente um "nome qualquer" para as criaturas criadas, mas que ele desse sentido. Aí que está a sacada: cada pessoa é convidada a dar sentido a todas as coisas. Dar um nome é precisamente isso: dar um sentido. Se as coisas que estão no seu quarto não possuem sentido, se as pessoas que estão em sua vida não possuem sentido, você sofre. Você precisa ter uma conexão com elas, você precisa ter uma conexão com as coisas de seu quarto, com as coisas do seu mundo. E é assim que se vive: percebendo e dando sentido as coisas.

    O problema da vida está no objetivo que o indivíduo toma para si. E "não tomar objetivo algum" já é uma forma de se viver, mas que nos torna reativos. Muitas vezes se sobrevive por causa da ausência de conexão com as coisas. Tudo na vida precisa ter sentido para que as coisas tomem significado. Isso é ter uma vida de propósito. Isso é, propriamente, ser racional.  

2- Mesmo que alguns respondam "é só não fazer isso por três meses", será mesmo que é só pura abstinência, ou a verdade nos espera até agora e nem reparamos?

    Creio que o homem pode encontrar sentido em sua vida. Claro que isso é algo pessoal, mas também é algo comum. Nós, como humanos, somos seres interagentes. O fato de darmos sentido a algo ou a alguém faz com que tenhamos uma relação. Se duas pessoas atribuem afeto uma a outra, essas duas tornam-se amigas. Quem sabe, tornem-se namorados. Quem sabe, adotem ou tenham um filho para se edificarem mutuamente. De qualquer modo, as coisas ficam mais ricas conforme atribuímos significado a elas.

"E chamou o Senhor Deus a Adão, e disse-lhe: Onde estás?" (Genesis 3:9)

    A pergunta: "onde está?" não é uma pergunta de localização no espaço-tempo. É uma pergunta que diz: "quem é você?", "o que você fez?", "o que você pensa que está fazendo?". Do ponto de vista de Deus, Deus sabe precisamente onde você está. Do ponto de vista humano, você não sabe onde está. O humano difere-se "daquele é". Visto que a condição humana é equívoca: o homem está num processo de fazer. Esse processo a que chamamos "devir" é a condição do homem: ele está num processo de construção. Diferentemente de outros animais encontrados na natureza, há no homem aquilo que chamamos de inteligência e liberdade, que o torna absolutamente variável - mesmo que só a nível psíquico.  

"E ele disse: Ouvi a tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me." (Genesis 3:10)

    Nessa parte o homem percebe que está nu. Seria simplório pensar que Adão se refere a vestimentas corporais. Adão se refere a vestimenta moral. E através da moral começa a se justificar perante Deus. Agora Adão não pode sempre se dirigir a plenitude, mas esquiva-se de privação em privação. Segundo a tradição teológica judaica e a tradição teológica cristã: o mal entrou no mundo depois do "pecado". Só que é válido lembrar: o mal "não existe" no cristianismo e nem no judaísmo de forma cabal, pois não há poder que se oponha ao poder de Deus. Logo está aí o enigma da serpente: o "conhecimento do bem e do mal" era na verdade a diferenciação da privação e da plenitude. Num exemplo hodierno, poder-se-ia dizer o seguinte:

1- Pense, por exemplo, no Nintendinho;

2- Pense agora no Xbox Series X;

3- Agora pense em qual é mais privado e menos pleno no hardware e software; 

4- Você notará que o Xbox Series X é objetivamente mais poderoso que o Nintendinho; 

5- Antes do "pecado" seria possível ter uma aprendizagem linear em que o ponto culminante era mais facilmente alcançável;

6- O homem não teria que passar do "Nintendinho" em progressiva evolução até o "Xbox Series X", ele poderia simplesmente chegar no "Xbox Series X" intuitivamente.

    A possibilidade de sentido é, quase precisamente, essa: devemos buscar uma plenitude que nos conecte com o mundo. E quanto mais coerentemente conectados ao mundo, maior a nossa felicidade. Visto que o fim do homem é a felicidade. Quando uma pessoa busca outras pessoas, seja para qual fim, ela busca uma relação que maximize o seu bem-estar e, se ela tiver boa índole, de todas as pessoas envolvidas no processo. Quando uma pessoa busca objetivos, objetos e outras coisas: o fim dele é plenitudizar a sua vida. O objetivo de tudo seria uma acolhida em amor. A vida tem sentido quando ela se dirige ao bem. A vida tem sentido quando a pessoa busca ter relações que o façam crescer.

    O problema do vício é que ele começa com uma expansão e se trava nessa expansão, essa expansão se torna unicamente a vida dessa pessoa e impede que ela consiga progredir na vida. O vício é uma atrofia de algo. E quando uma região é atrofiada, as outras param de crescer. O problema do vício não é, por exemplo, ele mesmo. O problema do vício é que ele costuma ser só ele mesmo. A pessoa vai gradativamente deixando de se conectar com qualquer outra coisa e acaba sendo reduzida ao vício. A abertura torna-se impossível e o indivíduo fica parado nessa conexão monótona. Uma conexão que se torna uma espécie de monomania que o priva de qualquer outra coisa que seja.

    Como o vício do questionador em questão é a pornografia, eu já lhe respondo: a possibilidade de namorar com uma outra pessoa (ou outras pessoas) sempre foi possível. A possibilidade de viver uma boa vida sexual sempre foi possível. O problema é que o vício pornográfico lhe privou de viver uma vida sexual saudável com outras pessoas. Aí reside propriamente o problema: a pornografia impede o próprio sexo. O problema do vício em pornografia é que é só isso mesmo: pornografia. A possibilidade de ser, de se tornar maior, de se conectar, de viver um amor, de crescer como pessoa entre pessoas é travada pelo vício na pornografia. 

3- O que viria depois do vício em pornografia?

    Sei que você não perguntou isso, mas eu pergunto por você. Você não precisa se perguntar o que fará depois que parar de ver pornografia em definitivo. Basta se conectar com pessoas. Basta se conectar com coisas. Basta se conectar com livros. Basta se conectar com ambientes. Não fique parado só deliberando o que você fará depois que parar de ver pornografia, decida e execute. O presente é o verbo do dever.

    Existem três estados da vontade: deliberação, decisão e execução. Na deliberação ficamos num estado pré-decisório em que posteriormente escolheremos algo ou alguém. Na decisão, esse algo ou alguém é decidido. Na execução, aquilo que foi deliberado e decidido é transformado em ato. Por exemplo:

I- (Deliberação) Posso decidir entre jogar videogame, ler um livro ou sair para passear;

II- (Decisão) Decido que irei passear; 

III- (Execução) Pego um ônibus, vou até o Parque Ibirapuera e fico andando por lá.

    A pergunta: "como viver o presente" é regida por esses três momentos: deliberação, decisão e execução. Você precisa fazer os três. Se você não quer ver pornografia, você simplesmente deve fazer outra coisa. Mas deve fazer continuadamente. O presente é o verbo do dever. Simone Weil, mística religiosa e anarquista, dizia que devemos buscar a eternidade. Buscar a eternidade poderia ser dito como: "viva cada dia seu como se fosse o último". Uma coisa que me ajudou muito é passar por esses três estados sem alterações. Muitas vezes tentamos fazer qualquer outra coisa, mas acabamos em duas patologias da vontade.

I- Patologia da Deliberação: nesse estado, mesmo que a gente se decida, acabamos sempre por retornar a deliberação. Se, para algo ser feito, é necessário passar pelos três estados (deliberação, decisão e execução), logo nessa patologia nada é feito. Um pintor que começa a pintar infinitos quadros simultaneamente nunca terminará nenhum. E esse é problema da patologia da deliberação: incapacidade de conclusão.

II- Patologia da Decisão: nesse estado, a pessoa cumpre demais. Ela segue continuadamente sem deliberar. E o problema disso é que ela não ouve mais nada e nem a ninguém. Ela toma ações o tempo todo. Se tentarem intervir, ela reage agressivamente. Se ela for parada, volta a fazer o mesmo depois que estiver livre. E como alguém que delibera poderia pensar? Simplesmente vive em modo automático, incapaz de mudar a direção da própria vida.

    Aqui faço uma "evolução" ou hipótese: o grande problema de muitas pessoas que querem se livrar da pornografia envolve também essas duas patologias da vontade. Na primeira, a pessoa é incapaz de tomar uma ação construtiva para fugir da pornografia. Na segunda, ela vê pornografia sem pensar em qualquer outra opção em seu leque existencial.

    Bem, meu caro, essa é a minha resposta a sua pergunta. Espero que eu tenha lhe sido útil. Para você e para quem mais se atrever a "perder tempo" lendo esse texto. E, é claro, mantenha-me sempre "conectado". Assim podemos sempre filosofar e teologar ou, no mínimo, prosear sobre nossos problemas e tirar essas fantásticas bananas invisíveis de nossas vidas!

Um amor chamado "metroidvania"!

Um amor chamado "metroidvania"!

    Nunca fui um gamer compulsivo com altas metas de gameplay. Na verdade, sou uma pessoa bem restrita em termos de jogabilidade. Talvez isso ocorra pelo fato de eu ser autista e ter hiperfoco. Por vezes acabo por parar de jogar um jogo na metade ou deixar de completar ele com tudo que ele tem. Um jogo para mim precisa de encantamento. O mesmo se segue para filmes, séries e animes: só consigo continuar se eu gostar de fato. Na leitura sou um pouco mais "sóbrio" e posso ler até o fim mesmo não gostando tanto assim. Mas voltando aos jogos, só sei que guardo carinho especial por alguns jogos que joguei.

    O que seria um metroidvania? Seria um jogo com mundo interconectado em que você vai desbloqueando gradativamente algumas coisas. E conforme o tempo passa, você vai pegando mais e mais itens para desbloquear áreas anteriormente inacessíveis. Muita gente definiria o metroidvania como algo pertencente ao gênero ação e aventura. Só que eu adiciono outro gênero: o de plataforma. De algum modo, metroidvanias lembram-me dos jogos clássicos do Mario e do Sonic, só que com adicionais que incrementam o cenário de forma mais inteligente que os clássicos jogos de Mario e Sonic. Além de, é claro, possibilitarem a estratégia que surge conforme o tensão aumenta com as mudanças do cenário.

     Lembro-me do primeiro metroidvania que joguei: Castlevania Symphony of the Night. Não foi só meu primeiro metroidvania, é também o meu metroidvania definitivo. Não me lembro a idade, mas sei que tinha várias versões dele em casa. Mesmo que todas as versões tenham sido piratas, tinha enorme carinho por elas. Comprei uma em inglês, uma com tradução amadora, outra em japonês. De certa forma, isso me marcou pesadamente no período posterior. Só de algo vir com o gênero "metroidvania" me faz reservar um grande carinho, não importa qual jogo seja. Tudo que eu espero de um metroidvania tem como modelo o maravilhoso Sinfonia da Noite. Uma pena que esse tipo de gênero ficou restrito a desenvolvedores indies. Mas sempre que posso jogo um. Os metroidvanias que zerei são:

- Axiom Verge;
- Castlevania: Symphony of the Night;
- Castlevania: Harmony of Dissonance;
- Castlevania: Aria of Sorrow;
- Castlevania: Dawn of Sorrow;
- Metroid: Samus Returns
- Monster Tale.
 

    Posso aproveitar e dizer brevemente sobre cada um desses meus pequenos xodós. Sei que tem muita gente que jogou muito mais do que eu, sei que tem muita gente que poderia falar mais sobre aspectos técnicos e tudo o mais. Só que esse não é o blog dessa gente. E, se falho em dar minha mensagem, posso dizer que ao menos eu tentei. Não sou um especialista e nem um grande entendedor, mas sou um homem que ama. Todo homem que ama tem que falar, de vez ou outra, de seu amor. Por mais tosco que seja. E farei isso fazendo um "top" de meus metroidvanias prediletos.


1- Castlevania: Symphony of the Night



    É meu metroidvania predileto. Se eu pudesse dizer a razão, diria que é simplesmente tudo. Na época, eu era um viciado em jogos 2D e tinha ganhado meu primeiro console com gráficos tridimensionais: o Play Station 1. Ou PS1, para os íntimos. Fiquei uma boa quantidade de tempo navegando por aí em jogos tridimensionais, mas quando comprei o Castlevania e vi que seus jogos eram 2D, apaixonei-me de cara.

    Em primeiro lugar, Alucard é meu personagem predileto do mundo dos games. Um dampiro (meio humano, meio vampiro) no dever de matar seu pai. Um homem solitário, dando a impressão de vazio e afastando todo aquele que se aproxima. O fato de você lutar contra o Richter Belmonte, que eu considero o personagem com os poderes mais legais de toda a série, é também fantástico. Embora ele não seja, é claro, o vilão principal.

  Eu tenho uma relação meio tíbia com os jogos que vieram depois. Não gosto de uma quantidade enorme de poderes, muitos dos quais eu acho pouco criativos. Eu sinceramente prefiro a forma inteligente na qual os poderes de Alucard se encaixam e podem ter multiuso. Parece que os poderes do Castlevania Aria of Sorrow em diante foram pensados apenas na questão da quantidade e não da qualidade. O único erro que encontro no Sinfonia da Noite é o fato da campanha de Richter e Maria não possuírem sistema de nível. 


2- Axiom Verge



    Esse jogo é fantástico. E eu o adquiri de graça. Não, não foi via pirataria, ele foi dado de graça pela Epic Games numa época. Sinceramente, entrei tibiamente e nem estava tão afim de jogar. Sequer sabia que ele era um metroidvania. Só que, com o tempo, o jogo me cativou e me cativou muito.

    A história é simplesmente brilhante. E conforme eu prosseguia no jogo, eu realmente queria saber o que acontecia. Os poderes foram bem pensados e se encaixam bem. O jogo transmite uma fantástica sensação de tensão. Diferentemente dos castlevanias novos da época GBA/DS, com seus milhares de poderes ridículos, com caráter tediosamente colecionável. Esse foi um jogo que eu apreciei de fato, um dos jogos que mais apreciei.

    Em metroidvanias, há dois aspectos que pesam crucialmente: o primeiro é a utilização inteligente do cenário, o segundo é poder do personagem que conforme aumenta mais estende o seu território. Esse jogo tem isso e muito mais: uma história pra lá de cativante.


3- Metroid: Samus Returns



    Esse foi o primeiro e único Metroid que zerei até o presente momento. Embora eu tenha jogado outros sem zerar, muitos jogos que joguei e não coloquei na lista não estão na lista por esse exato motivo: não zerei. Como disse, não sou um árduo e nem sistemático jogador de videogame. Muitas pessoas têm o singelo compromisso profissional que eu não tenho em minha precariedade como "gamer amador".

    Eu gosto bastante desse jogo e joguei muito em meu 2DS. Inclusive, liguei o 2DS apenas para saber a quantidade de horas que dediquei com carinho a esse jogo: 19 horas, 11 minutos e 35 segundos. Horas que garanto: me diverti muito. Os gráficos do jogo são simplesmente sublimes e provam que jogos em 2D e 2,5D têm muito a apresentar e podem não dever em nada aos costumeiros jogos 3D.

    Eu tenho uma sensação a parte dos jogos de Metroid e Castlevania. Usualmente os jogos de Metroid são muito mais balanceados em sua dificuldade. Creio que o fato de que você não avança de nível na série de jogos Metroid seja um fator de equilíbrio importante: o grau de habilidade para vencer, por exemplo, "chefões", é muito maior. E, não se engane, alguns chefes desse jogo são bastante difíceis.

    Tive, é claro, uma sensação meio mista quando jogava esse jogo: por vezes a sua dificuldade saia um pouco da média e exigia demais. Lembro-me que o penúltimo chefe me cansou demais a mão e que só voltei a jogar um bom tempo depois. O último chefe também me cansou, graças a ele voltei a áreas para completar o jogo em 100%. Embora o jogo tenha desnivelamento de dificuldade: é um jogo excelente.


4- Castlevania: Aria of Sorrow e Dawn of Sorrow




    Eu tive que colocar os dois no mesmo lugar. Não foi por preguiça, foi por uma questão de equidade. Não consigo separar um do outro. Em minha mente, os dois se situam um com o outro em perfeita síntese. Separá-los seria como pegar um corpo humano, cortá-lo em dois e dar uma nota individual a cada parte. Isso seria tenebroso, desgostante e angustiante. Por causa disso, recuso-me a separar os dois.

    Aria of Sorrow segue a risca o visual presente no Symphony of the Night, visual que sou muito fã. Dawn of Sorrow tem um visual mais infantilizado e não só isso: diálogos que futilizam a obra e não acrescentam essencialmente em nada no jogo. Mesmo assim, faço questão de colocá-los em igualdade. Se Aria of Sorrow é mais sombrio por causa de seu visual gótico, Dawn of Sorrow tem gráficos mais trabalhados e segue como uma evolução quase que natural de seu antecessor.

    Apesar de eu reclamar do sistema de múltiplos poderes, não poderia deixar esses jogos excelentes fora de minha lista. Embora haja muita gente que diga que eles são superiores ao Sinfonia da Noite, eu discordo. E discordo na medida em que vários poderes foram colocados e muitas vezes acabamos por não usá-los. Muito se diz a respeito da inteligência estratégica de se ter vários poderes, só que achei desnecessário e prefiro uma agenda mais sucinta. Parece que, como eles faziam esse jogo para um console portátil da Nintendo, resolveram se inspirar em Pokémon e disseram: "poderes? Temos que pegar!".

    Os jogos são fantásticos e, talvez, meio fáceis. Só que a emoção de ficar no castelo do Drácula é boa. Estar no castelo do Drácula é sempre uma experiência a fenomenal. Encontramo-nos com criaturas e monstros peculiares que habitam nossa mente com perfeição. Por vezes temos que pensar e repensar para sair conquistando e desbravando os territórios do castelo e é por isso que gostamos de fazer isso em vários jogos diferentes. Toda vez que jogo um Castlevania eu tenho essa sensação, a sensação de que estou virando "dono do Castelo" como um chefão do crime ou um Estado imperialista e expansionista.

    E já ia me esquecendo: nesses dois jogos você é o próprio Drácula reencarnado. E há um final alternativo que libera uma segunda campanha secreta em cada um dos jogos. Para mim, isso é simplesmente incrível. Uma das boas coisas é poder jogar com o Alucard novamente. E também você pode jogar com o Julius, só que não me encantei muito com isso. Julius não tem poderes esteticamente incríveis tal como Richter tinha. Se considerarmos o dano e o alcance dos poderes, Richter poderia ser o Belmont mais forte que já existiu. Todavia o que se considera é o fator narrativo: toda vez que o Drácula volta, ele volta mais forte e o Belmont que o enfrenta é ainda mais forte para poder enfrentá-lo. Esse fator puramente narrativo muda a argumentação, mas sejamos sincero: considerem o poder de Richter com o poder de Julius e se terá o óbvio: Richter é mais poderoso, ao menos em fatores de gameplay.


6- Castlevania: Harmony of Dissonance



    Quem é um habituado jogador de metroidvanias há de pensar que sou um hipster. Creio que tem gente que irá dizer: "esse jogo é tão ruim que nem deveria estar na lista". Há vezes na vida que devemos tentar ser originais ou diferentes e corremos o enorme risco de sermos apenas idiotas. Hoje, nessa lista, corro o enorme risco de ser um idiota. Que seja, sou um idiota.

    Uma coisa que sempre me interessou em Castlevania foi a ideia do castelo do Draculão se ligar ao inconsciente humano. E essa característica mental que dá forma a "realidade" e a arquitetura do Castelo sempre me encantou de forma hipnótica. Em "Harmony of Dissonance" (Harmonia da Dissonância), temos um castelo que se divide conforme a mente dividida e doentia do "antagonista". Esse fator, quase que meramente narrativo, encantou-me substancialmente.

    Dizem que o jogo é "simplesmente" repetitivo. E, de fato, às vezes o jogo tende a monotonia. Há quem reclame da forma com que o verdadeiro final é revelado: pela organização de um "quartinho" que você vai ajeitando os móveis. Só que eu penso de forma diferente: e se a organização do quarto, junto com seus móveis, refira-se a organização da mente de nosso querido amigo ensandecido? Não seria isso que o jogo quis passar? A estruturação e ordenação da vida através da organização das coisas. Talvez seja essa a mensagem que o jogo quer dar.

    Outro fator que me pesou nessa decisão, embora evidentemente subjetivo, é a forma com que o jogo usa o sistema de dash. Você simplesmente usa dash o tempo todo para sair andando pelo castelo e, para mim, isso é ótimo. Sempre gostei de personagens focados em dash, tal como a classe "vingador" do Lass em Grand Chase. Ter um personagem focado em dash, no qual a mobilidade vira uma das questões principais, para mim é excelente: sou fã de velocidade.


7- Monster Tale



    Esse é o último jogo da lista. E está em último lugar. Não que seja ruim, tenho uma sensação agridoce com ele. Talvez vocês pensem o seguinte: "como o Harmony of Dissonance está acima de Monster Tale?". Respondo-lhes: o jogo não tem um enredo bom o suficiente para mim. Embora eu creia que seja um excelente jogo e que ele tenha me prendido pelas horas em que eu estive jogando.

    Quando algumas crianças entram num mundo desconhecido, cheio de monstrinhos para "domesticar", saem por aí reproduzindo as técnicas de dominação típicas dos mesquinhos políticos adultos que tanto estamos acostumados a ver. Malditos jovens imperialistas e suas tendências de saírem dominando mundos por aí. É mais ou menos disso de que o jogo se trata. Cabe a nossa querida amiguinha meter a "porrada pedagógica" para arrumar as tendências totalitárias de seus "coleguinhas".
    
    Creio que seja uma ideia até divertida de roteiro. Creio que se uma criança for inteligente o suficiente, tirará até mesmo uma lição desse enredo meio trágico. Só que, talvez, esse fundinho de mensagem política seja endereçado a nós, adultos nem tão responsáveis e conscientes. O que é até algo legal, eu gosto de ler alguns livros de política e ver ideias políticas em jogo de videogame me é bastante aprazível.

    O meu probleminha com esse game é o fato de haver um leque muito grande de opções que pode ser muito facilmente ignorado. Uma criança, creio eu, satisfazer-se-ia mais nisso. Mas um adulto "utilitarista" como eu, pode simplesmente ignorar essa ampla gama de opções descartáveis. A temática "pet" sempre me cativou. Adoro andar por aí por um mundo virtual com meu personagem sendo acompanhado por um monstrinho, só que eu preferiria que o jogo fosse um pouco mais "enxuto" nesse leque de opções para uma melhor utilização do monstrinho.

    Diferente de todos os jogos dessa lista, esse é o mais fofinho, embora tenha uma mensagem política bastante clara acerca da opressão, maus tratos e lógica da dominação. De fato, achei esse jogo bem meigo e cativante, com uma boa mensagem de conscientização e também com gráficos lindíssimos. A única coisa que pesou negativamente foi o fato altamente colecionável e descartável do game.

Conclusão

    Metroidvania é um gênero fantástico. Creio que todo mundo tenha lá seu gênero predileto. Posso dizer que o meu é o metroidvania. Gosto da utilização inteligente do cenário e o alto fator estratégico envolvido nisso. Para mim, é uma das melhores formas de fazer um bom jogo de "plataforma". Creio que uma grande quantidade de jogos de plataforma poderiam ser melhores se não focassem na repetição exaustiva para ficar se colecionando coisas que "liberam" outras coisas. O fator mais negativa do gênero plataforma é a forma com que somos obrigados a pegar itens, várias e várias vezes, apenas para desbloquear isso ou aquilo. Nos metroidvanias pegamos coisas para nos ajudarem na caminhada de forma qualitativa, isso torna os jogos menos exaustivos no fator colecionável. Esse, para mim, sempre foi um grande problema de jogos como Mario, Kirby e Donkey Kong. Muitas vezes sentia-me mais cansado do que feliz repetindo ad nauseam algumas fases desses jogos já citados. Como meu gênero predileto era anteriormente os jogos de plataforma, creio que já saibam a razão de metroidvania ser meu estilo predileto presentemente: para mim, são uma grande evolução do gênero de plataforma. Se você leu até aqui, muito obrigado! 

Um esboço de minha filosofia

Esse foi um pequeno texto escrito em meu celular, sem rigor e apenas para dar uma breve exposição do que realmente penso sobre as coisas.

    Decidi fazer um esboço de minha filosofia, já admito: é apenas um esboço. Não esperem grandes coisas e nem grandes respostas sistemáticas, é apenas o esboço. Se eu pudesse definir algo da estrutura central de meu pensamento, defini-lo-ia assim:


Há o fôntico:

    Essa é a estrutura primária e alta de meu pensamento. A minha "doutrina" seria a doutrina do fôntico. Nela se encontra a delimitância indelimitada, que é a negação da parcialização pelo amor a todas as coisas - ou seja: pelo amor ao absoluto. Só que isso é puramente negativo ou uma forma de crença metodológica: o movimento "natural" é o fechamento do ser para o absoluto, logo a abertura é um movimento que se recusa a esse fechamento. Visto que, embora seja natural se fechar, o ser se cumpre quando se totaliza. 


    É necessário entender: o absoluto é a busca por todas as coisas. E não só por todas as coisas: é a busca por todas as coisas de forma perfeita e plena. Logo é a busca pela essência - só que a essência é a condição minimal, quando a descobrimos, descobrimos que ela já não é mais essência. A característica da essência é ser mínima por abarcar um maior número de coisas. A medida em que as coisas conhecidas aumentam, a essência se torna mais mínima, visto que se torna mais abarcante. Logo decorre-se uma necessidade paradoxal-dialética: a essência é mínima já que é máxima, essa é a condição minimal.


O ser só é ser enquanto absoluto: 

    Sendo o ser humano aquele que não é, mas aquele que está (existência), devido ao seu caráter perfectível, mas imperfeito: o ser só é ser quando se abre. Sendo o homem imperfeito, ele não pode assumir uma forma absoluta de forma cabal. Sendo o homem perfectível, pode se tornar mais perfeito na medida em que atinge maior plenitude. O homem existe, o homem não é, mas o ser é: o homem "é" nesse movimento de abertura, só que o homem só se mantém aberto quando se fecha na abertura - paradoxal, mas o paradoxal é a condição do real. 


    Daqui se decorre que: o ser é. Mas ele não é de forma essencial, ele "é" de forma provisória: é na existência que o ser descobre a essência - logo o homem "está", mas estar é buscar o ser que é. O homem se esforça para abraçar o mundo, mundo que o torna maior. E toda vez que o homem se torna maior, torna-se menor. Visto que o homem é perfectível e todo estado de perfeição que se acrescenta lhe é insuficiente. A característica da proximidade é a equisdistância: quando mais se aproxima, mais se afasta. Esse é outro movimento paradoxal-dialético, só que como já disse: o paradoxal é a condição do real. Toda vez que descobrimos algo, toda vez que descobrimos alguém: então descobrimos que não descobrimos o suficiente, todo passo aproxima e todo passo afasta. Toda proximidade leva a distância. 


    O ser é. O ser busca estaticamente ser. Só que esse buscar é um buscar movente. Toda vez que o ser se realiza, sua potência se torna ato. E esse ato trás novas potências. O homem busca novamente o absoluto. E vai de absoluto em absoluto. A busca do ser é ser. Existência é essência. Essência é existência. A existência confirma a essência na medida em que o homem buscar ser. O ser confirma a existência na medida em que só há ser na existência. 


Delimitância indelimitada:

    É o fechamento na abertura, movimento paradoxal-dialético necessário ao pleno desenvolvimento humano. Veja que ele se fixa em consubstanciação contraditória: o homem deve se fechar na abertura. Só o fechamento na abertura é válido, visto que é o único fechamento que não se fecha ao absoluto - e o absoluto é a concretização do ser.  O homem, todavia, não abarca o absoluto: o homem só abarca parte dele e deve continuamente se abrir para ele. 


    Dá-se a busca brutal: o homem deve se abrir, mas muitas vezes não sabe que se fechou. E muitas vezes quando se abriu, naquele momento se fechou. É por isso que: a abertura não é um movimento natural, mas aparente. É preciso de um esforço purificador: se abre a algo e a alguém, mas depois é preciso se abrir a mais algo e mais alguém. Abre-se a um entendimento, fecha-se a outro. 


Do pôntico: 

    É o que se decorre da fonte. Se a fonte é o absoluto, o pôntico é a ligação para com o absoluto. Ele é a ligação que traçamos com todas as coisas. O fôntico determina tudo. O fôntico traça a energia. O pôntico é a relação com a fonte e decorre dele. 


    Toda crença central é o fôntico: seja a guerra de classes, a raça, a coletividade, a individualidade. O fôntico é a fonte que determina todas as coisas. Mas, como deve ter percebido, se o fôntico for demasiado limitado, também será limitada a relação (a pôntico). Logo uma crença limitada não é capaz de se correlacionar com o mundo de forma certa - a delimitância indelimitada.


Heterodoxia heresiarca:

    Somos singulares, logo somos relativos. Porém a busca do ser é a universalidade - que é o absoluto. Logo só se pode partir da relatividade que somos nós para o absoluto que devemos desejar.


    O objetivo da relatividade é absolutividade, visto que o contrário da ligação com todas as coisas é o sofrimento em alguma medida. A felicidade está em amar, amar é fechamento na abertura. Todo ser busca o universal, mas todo ser é relativo em sua universalidade. O homem só compreende o universal pelo relativo, mas o fim do relativo é o universal. Daí decorre a própria singularidade inabarcável de cada ser: todo ser é absoluto de alguma forma. E mesmo que estudemos alguém em toda nossa vida, não abarcaremos ele. Não se pode abarcar o singular, mas deve-se tentar abarcar o singular por toda nossa vida.


    Logo a própria doutrina vem do sujeito. É por isso que é heterodoxa: ela não busca se condicionar. E também é heresiarca: se só se pode partir do relativo ao universal, a única existência possível é a heresiarquia que nega sistematicamente tudo e com saber - não pode ser herege quem não sabe. Porém ao mesmo tempo a relação é feita pela busca do entendimento, é a abertura epistemológica que dita a relação. Todavia o ser só pode ser relativo, mesmo que compreenda o universal que se torna cada vez mais universal.

quinta-feira, 29 de julho de 2021

Sim, Saturno ainda devora seus filhos!


    

    Saturno devorou seu filho. Uma cena brutal, uma cena até mesmo "demoníaca". Poder-se-ia dizer que uma coisa tão má não aconteceria no tempo presente, em que a humanidade evoluiu ao seu ponto culminante. Só que isso seria um ledo engano: Saturno ainda devora seus filhos. Existem atos que são tal como Saturno: eles nos engolem com o tempo. Aquilo que nos dedicamos erradamente, acaba por nos engolir. Há até mesmo vezes em que aquilo que nos dedicamos nos mastiga furiosamente, destruindo-nos por dentro e por fora. E, se você tem um vício, você sabe do que falo. O vício vicia. O vício vicia a ponto de matar o seu usuário para qualquer outra coisa. E se ele mata o usuário para qualquer outra coisa, impede-lhe de ser pleno. E sem plenitude não há vida real. O usuário virou um cadáver ambulante, um homem que manca na ilusão de que anda.

    Por muito tempo o termo simbólico e satânico dominou meu pensamento como uma flor de obsessão. Numa aula, meu professor contou o real significado de simbólico e de satânico. Simbólico é aquilo que une. Satânico é o que separa. Certo dia, porém, eu tive uma ideia: certas ideias são como saltos de fé satânicos. E esses seriam a aceitação da parcialidade como o todo e a negação de tudo que fuja dessa parcialidade. Conversando com um amigo mais laico, ele achou o termo "salto de fé satânico" muito teológico e pouco filosófico. A partir de agora chamarei o "salto de fé satânico" de "salto de fé satúrnico" paralelamente para evitar uma leitura puramente teológica. Assim evito restringir e ofender dado público a qual quero prosear. E também dou uma girada macroecumênica a nível discursivo.    

    Bem, esse texto fala de pornografia. E você deve pensar: "pornografia? Os textos anteriores também eram sobre isso". E, de fato, você tem razão. Só que eu preciso falar de pornografia. Eu fui e creio que ainda sou um viciado em pornografia, só que não acesso e nem consumo mais. Quem era eu? De certa forma, eu era. De outra forma, eu não era. Vaguei muito tempo como um viciado, buscando no vício a plenitude que me faltava. E aquilo que me era uma parte, tornou-se todas as partes. Eu não amei de fato. Eu não estudei de fato. Eu estava lá, mas lá não estava: minha mente vagueava nas ilusões pornográficas. E da ilusão tirei meu triste salário: eu era a privação de mim mesmo. E na medida que eu era a privação de mim mesmo, eu era também eu e minha falta. A pornografia era meu grande Saturno. O Saturno que me devorava.

    No geral, o Saturno é para nós um pai. Um pai que temos natural devoção. Um pai que queremos por afeição. Só que Saturno não é um bom pai. E todos os seus abraços visam não abraçar, mas nos devorar. O nosso Saturno é nosso vício. Esse vício pode se encontrar em qualquer âmbito: no pensamento, na prática, na crença, no subconsciente. De qualquer forma, Saturno é o vício que nos devora. E nós estamos apaixonados por ele: somos um gigantesco cardume indo felizmente em direção da morte. E se você não está literalmente morto e acha tudo isso uma besteira por ainda não estar morto, permita-me dizer-lhe que: o homem vive enquanto morto. É possível estar vivo e apenas sobreviver. É possível estar num cadáver com a aparência de um ser vivo. Talvez você esteja interiormente morto e não o saiba.

    O que somos nós? Somos em parte o que queremos ser e em outra o que não queremos ser. O ideal é a transcendência. A imanência é o real. A união do real (imanente) com o ideal (transcendente) dá luz ao transparente. Essa transparência é o objetivo da vida: é a união da idealidade com a realidade. Ela se dá de forma mais ou menos harmônica. Posso ser mais pleno ou menos pleno. A luta pela transparência por atos e pensamentos é aquilo que deveríamos buscar. Não quero teologar muito, mas preciso para ser mais didático: como cristão, por exemplo, a transparência seria a vivência diária da fé. E quantas vezes eu deixei de ser sincero? Quantas vezes deixei de ser um confessor? Confessar é ser sincero, ser sincero é ter transparência. E o que é ter transparência? É ser autêntico. Ser autêntico é ser verdadeiro. Muitas vezes sou menos verdadeira do que eu gostaria de ser. Se a vida é um esforço comunicacional, aquele que mente se nega a viver.

    No período em que escrevo esse texto, o papa emérito Bento XVI se posicionou contra a pureza doutrinal. Fica claro que nem para o "conservador", se é possível viver tendo como base uma transcendência esmagadora que se mostra inflexível para com o real. E essa ideia de pureza doutrinal foi atribuída erroneamente a ele depois dele falar sobre o mundanismo. Sem querer me alongar muito nessa questão, mas utilizando esse trecho para clarificar uma coisa: a vida é um esforço comunicacional, em que nem sempre somos a plenitude do que poderíamos ser. Só que esse esforço comunicacional é precisamente um esforço: a gente tenta ser transparente. Muitas vezes não conseguimos. Só que a vida reside precisamente nesse esforço de comunicar com autenticidade quem somos e no que acreditamos. É disso que vem a verdadeira doutrina: do esforço vivencial de ser. Buscamos ser o tempo todo, só que por vezes buscamos ser de forma errada. Tentar comunicar é tentar ser. Só que às vezes o ser é esmagado na sua tentativa de ser. O ser é, mas tudo na vida leva a crer que não pode sê-lo. E tentando ser, tentando transparecer, é que vivemos. É assim que eu encaro a vida.   

    Admito que fui aluno de filosofia e ainda o sou: filosofar não me é só um dever acadêmico, mas um dever vivencial. A filosofia é a análise do pensamento pelo próprio pensamento. A isso costumo chamar de metapensamento, que é para mim a mesma coisa que filosofia. Dessa forma estabeleço democraticamente a filosofia: ela não é restrita a um círculo fechado de acadêmicos iluminados, ela é comum a todos os homens. Todo homem filosofa. Pode-se filosofar com maior ou menor qualidade. Só que a filosofia não depende inteiramente de uma organização do discurso, ela depende da organização da vida. Se a filosofia for meramente discursiva, ela é apenas algo atrofiado. A filosofia é expressão da vida. Se ela se perde unicamente no discurso, torna-se um mero clichê argumentativo. Quando passamos a pensar só na análise do discurso, tornamo-nos abstratistas que pouco se importam com a vida. E pouco se importar com a vida é se tornar um alienado. Eu quero me alienar, mas me alienar sem me tornar continuamente alienado. Quero me abrir, mas preciso me fechar para abraçar em meu coração aquilo para que me abri. E, se eu não abraçar, se eu não acolher, serei um fariseu com um fetiche do parecer ou com um diploma esteticamente belo em meu quarto. Eu não quero analisar um discurso oco, eu não quero ter uma vida falsa, eu não quero proferir um falso discurso.

    Sim, eu usei pornografia. Usei como qualquer pessoa normal em nossa sociedade hipergâmica e hiperssexualizada. Na quinta-série, pediram-me para usar. Essa era a inovação fatal a qual tudo deveria se curvar. Eu vi e me encantei com corpos. Corpos que me eram fascinantes. Tinha apenas onze anos e, na época, aquilo me foi uma porta até outro mundo até então desconhecido. Eu conhecia jogos, eu conhecia brinquedos, eu conhecia doces e salgados. Minha mente era de um menino, um menino pobre, mas não amargo. Só que tudo isso era o prenunciar de uma tragédia: aprendi sobre sexo, todavia não aprendi a amar. Eu não abri meu coração para ninguém, eu fui tão solitário quanto eu era pornográfico. Se fiquei com alguém, mal amei. Mal amando, fui também mal amado. O termo "reciprocidade" me era equidistante: a cada passo dado, aquilo que almejava se afastava simetricamente. Equidistância é um caminhar desejante, mas um caminhar que nunca alcança o objeto ou o sujeito de sua busca. Toda equidistância termina em dor.

    Tenho vinte e quatro anos agora. Não sou mais criança. Não sou mais pré-adolescente. Não sou nem mais adolescente. Escrevo como um adulto. Um adulto que quer ser responsável. Só que eu não acumulei em parte de minha juventude a sabedoria. Pois o amor é uma sabedoria: é o encontro de pessoas que de repente se abrem umas as outras, que de repente vivem umas com as outras e de repente elas não são mais só elas mesmas, elas também são parte de alguém. E eu sou parte de poucas pessoas, eu não me expresso em muitas pessoas. E essa ausência de expressão significativa me torna pequeno, muitissimamente pequeno: nem algo e nem alguém são grandes por serem grandes, são grandes por terem sido amados. Com relação ao amor: sou um moleque. Não amadureci como eu deveria, não amadureci por conta de meu vício.

    E quantas coisas eu poderia ter amado? E quantas pessoas poderia ter conhecido? Minha obsessão tinha um nome claro: pornografia. Acumulavam-se as tags, mas não se tinha a fidedigna expressão genuína do eros. Eu acumulava vazios em meu peito. Meu coração tinha tantas trevas ao seu redor que entrou em desespero. Às vezes o velho poema ressoava em meu peito aquele bom poema Carlos Drummond de Andrade: "Meu Deus, por que me abandonaste?/ Se sabias que eu não era Deus/ Se sabias que eu era fraco". Só que minha consciência sabe hoje que isso é uma mentira: não foi Deus que me abandonou, eu que o abandonei. Eu me entreguei à ilusão pornográfica: ela me era como tudo, mas não sabia que ela me era só uma parte. Aquilo que deveria ser parte do todo, agora era o todo. Se Deus está em todas as coisas criadas, aquele que se dedica exclusivamente a alguma coisa criada o nega. E é nesse preciso sentido parcializador que eu neguei a Deus: aquilo que eu julgava tudo, era aquilo que me parcializava, aquilo que me parcializava me negava a plenitude.

    Como grande parte das pessoas, eu sou e eu fui um grande entusiasta da cultura japonesa. Sou um fã confesso do autor Haruki Murakami. Sou também um leitor de mangás. E igualmente vejo animes. Mas confesso que li mais mangás pornográficos do que mangás de qualquer outra coisa. E isso demonstra o velho erro: aquilo que me parcializava, me impedia também de ser pleno. Fui um leitor assíduo de muitas obras e de muitos assuntos, mas fui um mau leitor: a pornografia comia minha consciência. Se fiz sexo nesse percurso, foi com pouco sabor. Eu não apreciava e não era apreciado. Tudo era estéril. O sexo estéril não é um sexo que falha em reproduzir, é um sexo que falha em se conectar. O sexo pode até não reproduzir fisicamente outro ser humano, mas o sexo não pode falhar em se conectar com outro ser humano. E aprendi da forma mais dura que a não conexão no ato sexual é uma das coisas mais dolorosas da vida. E se eu morresse agora, se eu me visse numa sala vazia, se eu tivesse que dar uma frase que resumisse a minha vida, essa frase seria: eu não amei e nem fui amado.

    A pornografia é grátis, mas sem gratidão. Ela não lhe dá uma experiência feliz que se integra a ti, uma experiência que no final você diz: eu sou grato verdadeiramente pelo que tive. Aquilo que você momentaneamente tem, é aquilo que momentaneamente foge de você. O final da pornografia é o vazio. A pornografia pode até mesmo ter sexo, mas é o oposto do sexo. Sexo tem consubstanciação: o ser que era, junta-se a outro ser que era e agora os dois são um só. Na pornografia, eu fui solitariamente eu. E muitas vezes chorei amargamente em minha solidão. Caminhei exilado. Minha condição de exilado era tão densa que até o mar de gente se abria, se abria para que eu passasse solitariamente. Era um milagre infernal. 

    Hoje eu sei que a pornografia era como um pai para mim, um pai que me abraçava, um pai que me abraçava para me devorar e destruir. Quando eu precisei de amigos, a pornografia esteve lá para impossibilitar qualquer hipótese de amizade. Quando eu precisei de estudo, a pornografia esteve lá para deter qualquer pretensão de vida intelectual. Quando precisei estar ao lado da garota que amei, a pornografia me afastou dela. De tudo Saturno me separou. De tudo Saturno me privou. Saturno era um pai possessivo. Sim, Saturno ainda devora seus filhos. Eu sei, eu fui deles.

terça-feira, 20 de julho de 2021

Erotismo, Pornografia e Nofap



   
    Muito se fala acerca do erotismo e da pornografia, creio que seja necessário algumas pontuações para um melhor entendimento dessa questão. Esse texto é um compilado de comentários que reestruturei, adicionando mais comentários, tornando alguns mais elaborados e outros mais explicativos para se tornarem de fato um texto coeso e esse tipo de "coisa" é algo que pretendo fazer mais vezes para fins de maior ilustração. Antes da leitura, já afirmo: esse texto é antipornográfico e tem como fim um afastamento da pornografia. Mais do que uma busca só pelo aumento do entendimento, é uma busca pela luta antipornográfica. Espero que gostem. 

    Erotismo e pornografia estão dentro da sexualidade, mas erotismo está ligado a um enredo em profundidade, enquanto a pornografia é algo mais superficial e direto. Se eu pudesse  simplificar, simplificaria na seguinte forma: imagine, por exemplo, um enredo de curto prazo e um enredo de longo prazo. Cada um terá um nível de complexidade necessária. Ilustrando:
A- (Pornografia): um engenheiro chega na casa de uma mulher, a mulher fica "feliz" com ele e dá para ele.
B- (Erotismo): o percurso seria um desenvolvimento de personalidade centrada nas dificuldades e anseios humanos, em que as relações tornam-se cada vez mais completas  e complexas, o desejo é explorado várias vezes até chegar em pontos culminantes de sexo - que não são centrais, mas encaixados numa estrutura que se complexifica em torno de sólidas relações humanas.

    O objetivo do erotismo não é o sexo divorciado da estrutura vivencial, como faz a pornografia, que é a própria superficialização da vivência sexual, mas trazer o sexo com a tonalidade do real. Isso torna o erotismo em algo muito superior a pornografia, o fim da realidade simulada é a proximidade com o real ou a aparência "bruta" do real, quanto mais complexa, mais realística.  

    A cultura sexual abaixou na medida em que a pornografia tornou-se padrão, pois pornografia é o mais baixo tipo de cultura sexual. A definição de cultura do brasileiro médio é puramente antropológica: cultura é qualquer coisa feita pelo homem. Só que apesar de cultura ser qualquer coisa feito pelo homem, a cultura varia em grau, mas atualmente esse grau é ignorado pela maioria das pessoas. Na ânsia de se legitimar a cultura, na ânsia de democratizar a cultura, acaba-se construindo um mito de que toda cultura possui igualdade epistemológica. E tal mito da igualdade epistemológica nivela tudo por baixo. É por causa disso que alguns equívocos são cometidos e a busca por uma cultura mais qualitativa e de maior "grau de abstração" tende a ser ignorada em nosso país.

    A questão da pornografia, a questão do erotismo, não é problemática por essas duas "serem irreais". O problema não se dá em irrealidade. O problema se dá entre a idealidade, a ideia e a realidade. Podemos tirar bom proveito da ficção se pudermos trazer ela para o âmbito do real. Se entendermos, por exemplo, que a ficção é um conceito apresentado numa realidade simulada, temos aí um bom entendimento. Quando compreendemos que a ficção é, na verdade, a aplicação de um conceito numa realidade simulada podemos compreender o que há de belo e até mesmo aprender com a ficção. Por exemplo, em meu TCC usei o exemplo da HQ "Batman: Piada Mortal" para ilustrar o que era loucura. Acontece que nem todo mundo consegue estruturar a ficção no real por ausência de metodologia intelectual. E parte daquilo que se havia de benéfico na ficção, aquilo que a ficção desejava passar, se é perdido. Um dos principais erros é condenar toda a ficção por simplesmente se juntar a ficção ao lado da baixa ficção. Com a antropologização da cultura, em que tudo tem valor igual, Dostoiévski juntou-se ao Zé da Esquina e com o Zé da Esquina foi desqualificado. Usualmente pessoas que focam na esfera utilitária da vida descartam a alta literatura por não compreenderem que existem níveis de literatura. O problema do erotismo, ou mais exemplificadamente, da literatura erótica, não é o fato dele ser erótico, tal como o problema da ficção não é ela ter um simulacro em vez de realidade: é a forma como o sujeito volta para a realidade depois dela. Se o fim da realidade simulada é apresentar um conceito, uma ideia, que servirá de lição para aquele que a lê: então o sujeito leitor terá que aprender algo ao final de tudo. Essa aprendizagem é o fim da leitura. 

    O problema da pornografia é o prazer imediato ligado a uma experiência com irreal que com o tempo fortalece a necessidade de buscar só o irreal. A pornografia, para se cumprir, sempre exige o mais baixo apelo ao homem. Ela apela aos instintos e tão somente aos instintos. E conforme cumpre a sua função de dar prazer imediato, radicaliza a mente nessa busca de prazer de curto prazo, tornando a mente humana incapaz ou menos capaz de consecução de obras de longo prazo. A grandeza do homem, a principal diferença do homem, está precisamente nessa racionalidade que lhe dá liberdade. Coisas que privam o homem dessa mesma racionalidade acabam por lhes tornar menos homem.

    A ficção é tão alienante quanto pornografia, ler é tão alienante quanto pornografia, orar é tão alienante quanto a pornografia. O problema está na volta da pessoa ao cotidiano: se essa experiência é integrativa na pessoa e no seu mundo global, ela é boa. O problema é que a pornografia não foi feita para participar holisticamente do homem, ela foi feita para tirar esse homem dessa mesma globalidade necessária para toda experiência não alienante. Se uma experiência só serve para o divórcio, se uma experiência só prende para dividir, então ela não é uma boa experiência. A pornografia afasta a pessoa do seu cotidiano, torna-a cega em seu próprio círculo e, portanto, não volta da alienação para a realidade. O fim da alienação é o retorno do ser para a realidade, tornando-o mais integrado a essa mesma realidade. Quando uma experiência se torna determinante e exclusiva, ela atrofia a capacidade de viver a realidade, já que ela se torna uma saída da realidade. 

    Existe uma diferença entre alguém que faz sexo com uma pessoa e alguém que deixa de estudar, de trabalhar, de amar ou qualquer outra coisa para ver pornografia e se masturbar. No primeiro caso, essa pessoa tem uma experiência diluída numa série de outras experiências. No primeiro caso, a vida sexual lhe dá impulso para continuar a viver, já que a experiência sexual lhe integra com uma teia de relações. Enquanto que no segundo caso, uma pessoa tem uma vida que é atrofiada em certo aspecto: a sua sexualidade não é mais parte de sua vida, é em si a própria vida. Para viver a sua sexualidade desordenada, ela precisa se abdicar cada vez mais da própria realidade integrativa da vida. E quando a sexualidade vira uma vida em si mesma, torna-se alienadora: não se pode mais sair dela. O prazer que nos separa da realidade, o prazer que nos impede de viver os múltiplos setores da realidade é um prazer que nos priva de viver. Viver não é sair se masturbando para conteúdo pornográfico.

    Se eu pudesse aconselhar a todo leitor e leitora sobre esse assunto, sobretudo para sair do vício pornográfico, tendo como base o problema do vício em pornografia e o consumo da literatura erótica, eu diria o seguinte:
  1. Não entre em contato com um material erótico se você é viciado em pornografia, ele pode te levar ao retorno do vício, torne-se mais forte antes disso;
  2. Não encare a ficção como algo ruim por ser irreal, mas tente fazer de toda ficção um material concreto para sua própria vida de forma sensata;
  3. O problema não está na viagem, mas sim na incapacidade de integrar essa viagem no restante da vida, se uma viagem é apenas uma fuga, ela deixa de ser boa e se torna razão de uma negação da realidade;
  4. Nem toda viagem é negadora da realidade, nem todo "irreal" é irrealizador;
  5. Dito tudo isso: viva só viagens sadias que se conectem com o restante da vida, aquilo que se conecta com o restante da vida é bom;
  6. Deparar-se com sexo na literatura não é preocupante se o sexo não for objeto idolátrico (idolatria é acreditar pegar algo limitado e o ter por ilimitado), mas sim um mero acidente na obra;
  7. Um "acidente" na obra é algo que existe tão apenas numa trama que envolve muito mais que esse acidente, o acidente não é o núcleo, o acidente não resume a trama em si mesma;
  8. Todavia se você não conseguir escapar desse acidente, se esse acidente como que te "dogmatiza" numa particularidade, se esse "acidente" é para si como que absoluto, você deve evitá-lo, já que ele é "motivo de queda" para você, só que esse motivo de queda só existirá se você for incapaz de controlar o que envolve esse acidente (sexo e pornografia).

    Você não deve se tornar incapaz de, por exemplo, ler um livro de ficção em que em um único momento acontece sexo e, por isso, ir bater uma vendo pornografia. Se você é incapaz de ver um momento erótico numa obra de forma saudável, você deve fugir dessa obra, que no momento é um mal para ti que é viciado em pornografia. Só que o erótico numa obra não deve ser tomado como ruim por si mesmo, nem a literatura deve ser tomada como ruim por ser "irreal". Ter isso em mente ajudará muito no discernimento do espírito.

segunda-feira, 19 de julho de 2021

Pseudotranscendência e Pornografia

Pornografia e Pseudotranscendência




    Nelson Rodrigues disse uma vez: “todo amor é eterno e, se acaba, não era amor”. Sempre achei essa frase meio estranha. Sempre discordei dela. Hoje creio que ela é tão real quanto o chão sob meus pés: aquilo que amamos, torna-se parte de nós e aquilo que é parte de nós nunca nos deixa. Posso até mesmo não ver mais uma pessoa que esteve comigo, posso até mesmo odiar o seu presente estado, todavia se a amei, ela é parte de mim e sendo parte de mim não me abandona e não acaba.

    Em primeiro lugar, esclareço o que é alienação: alienação é sair de si mesmo. Muitas coisas nos levam a sair de nós mesmos, tal é o efeito dos filmes, dos desenhos, dos livros, até mesmo da religião. Alienar-se é, em certo sentido, natural e necessário. Até mesmo quando olhamos a situação de uma pessoa marginalizada, se formos empáticos, alienamo-nos para compreendermos a essa pessoa marginalizada. O problema não é a alienação, é ser alienado – o alienado está continuamente fora de si. Ser alienado é diferente de alienar-se, pois aí se encontra não mais alguém que se aliena através de uma experiência de saída do ser – algo que pode ser enriquecedor –, mas alguém que permanece saído de si mesmo. E quando permanece fora de si, acaba por deixar de viver.
 
    Pseudotranscendência é um contínuo estado de alienação. O estado do alienado é o de pseudotranscendência. A verdadeira transcendência leva o ser a ser-mais-ser, ela está precisamento no ser que acresce, no ser que cresce com a saída e com o retorno a si mesmo. O fim da transcendência é o sublime: é aquele momento em que não somos mais nós mesmos, somos mais do que nós mesmos. É o momento em que a realização vem e nos torna melhores do que já éramos. O sublime é quando ultrapassamos a nós mesmos e tornamo-nos maiores. Aquilo que lhe momentaneamente alienou, agora é aquilo que lhe dá real um retorno ao seu ser, um conhecimento de si ainda mais íntimo e uma capacidade maior de se realizar. O fim mesmo da alienação – a saído do ser de si mesmo – é a volta do ser a si mesmo com o acréscimo.
 
    Toda transcendência é saudável, visto que a transcendência é o desenvolvimento contínuo do ser. Ela é a perfectibilização do ser: ela torna o ser-mais-ser. A humanidade não é perfeita, ela é perfectível. Na medida em que é perfectível, é capaz de se tornar mais feliz. E felicidade é a realização mesma do ser. Só que o ser só se realiza na medida em que se torna mais ser. É no momento em que se quer superar, que se quer progredir, que se quer avançar. Esse contínuo avançar, esse progresso, esse instinto espiritual, essa vocação de toda mulher e de todo homem é o que há de mais belo e o que tem de dever – e isso é um dever na medida em que cumpre a vocação da humanidade: a de ser feliz. Os outros animais conhecidos na natureza, são causas inequívocas: eles seguem uma ordenação instintual. O homem é uma causa equívoca – não equívoca por ser errada, mas equívoca por ser livre –, ou seja: ele não é delimitado por seu instinto, mas livre para percorrer o seu caminho. E, na medida em que prossegue em seu caminho, tem que arcar o peso da liberdade. Todo animal é, quase que naturalmente, realizado em sua mesma natureza. Mas a humanidade não é quase que naturalmente realizada, ela pode escolher ser realizada ou não. E essa capacidade de se realizar ou não é o que define a humanidade.

O problema da pseudotranscendência

    A transcendência naturalmente acopla-se ao ser. Na medida em que se acopla, atualiza esse ser. O ser que anteriormente existia em potência, agora é plenificado – ele não é mais só que era, mas mais do que isso. Ele se torna um ser melhor, tornar-se até “maior”. Ou seja, a transcendência é natural, ela entra e se integra ao ser enquanto ser. E a pseudotranscendência é falsa, pois ela só existe no momento mesmo que o ser se aliena. Logo a pseudotranscendência é como uma alienação-pela-alienação: ela não existe para complementar, ela não existe para atualizar o ser numa versão superior de si mesmo, ela existe para alienar pura e simplesmente. Logo ela é artificial. O ser, para seguir a pseudotranscendência, deve como que se mutilar: deve haver algo de específico, algo de especificado, algo que foge da integralidade de sua vida.

    É nessa diferença transcendental e pseudotranscendental que reside o problema: uma torna o ser melhor, outra o priva de ser. Como a pseudotranscendência é uma alienação pela alienação, é evidente que o ser não volta para si mesmo e se torna uma pessoa maior. E o hábito da alienação-pela-alienação torna o ser incompatível. Um setor de sua vida é pura fantasia, mas não uma fantasia que leva ele a caminhar por ideal melhor, que o torne uma pessoa melhor e sim uma fantasia que existe tão somente para a fuga da realidade. O hábito pseudotranscendental nega o real e é nisso que reside o pseudotranscendental: a alienação-pela-alienação e não a alienação-pela-realização. O alienar só é frutífero na medida em que existe para um realizamento.
 
“O problema da droga não é a viagem, é a volta da viagem, quando então não se suporta mais o cotidiano. O cotidiano que é a imanência, que é a rotina chata, a obrigação diuturna de trabalhar, de levantar, de seguir horários, de pagar contas, tudo isso é estafante e enervante. Então, é muito melhor viajar, saltar para fora dessas limitações, artificialmente, a preço de destruir a liberdade e a vida” (Leonardo Boff, Tempo de Transcendência, pág. 21).

    A característica do alienado não é a recusa do ser, mas a egolatria. E o problema na egolatria não é o ser, mas o ser fechado em si mesmo. Ao mesmo tempo em que o ególatra vive em si mesmo, ele desconhece a si mesmo: a verdadeira alienação lhe é desconhecida, já que a verdadeira alienação é a abertura do ser para o outro, para o conhecimento e a acolhida do outro em si e acolhida do conhecimento em si no fechamento. A pessoa adulta se abre para fechar e na medida em que se fecha, cresce, já que agora ela não é mais só ela mesma, mas mais do que si mesma – o outro, o conhecimento, a completou.
 
Pornografia é pseudotranscendência

    Nem tudo que é “bom para você” é “bom para você”. Um dos efeitos do reboot é a procura por pessoas reais e relacionamentos reais. A pornografia lhe deixa satisfeito demais para a busca por relações concretas e com o tempo isso lhe torna uma pessoa menos madura. Tal característica de satisfação imediatizada se torna alienante: você se desabitua a buscar metas de longo prazo e sempre busca satisfação imediata. Para a consecução de obras de longo prazo se faz necessário o desvio do prazer imediato para um agir contínuo de uma obra que leva mais tempo e só dará satisfação posteriormente.

    Temos uma tendência natural de buscar o mais fácil, mas nem todo relaxamento é bom. É, melhor, por exemplo: caminhar cinco minutos por dia do que ficar o dia todo deitado numa cama. A busca por satisfação imediata pode e deve ocorrer, mas quando ela vira a peça central de uma vida, ela corrói e mata a própria vida. Já que a vida é uma questão de longo prazo. Em questão do uso temporal: uma pessoa que busca tão simplesmente passar no ensino médio e outra pessoa que pretende ser intelectual farão de seu tempo algo determinante. O tempo do intelectual será sempre ligado a estudar todos os dias. E isso pressuporá certos sacrifícios e privações de prazeres imediatos. Só que essa privação é algo bom: a vida intelectual lhe dará uma contínua expansão do horizonte de consciência que com o tempo lhe dará uma vida mais proveitosa. Se a vida é determinada por escolhas, aquele que escolhe conscientemente aproveita mais a vida. E é por esse motivo que estudar é curtir a vida: quem estuda mais, curte mais a vida na medida em que escolhe melhor como se deve viver.

    Os teóricos do relaxamento sempre se esquecem que a vida não é só uma contínua satisfação, mas também é um deserto árido. E se esquecem que se uma pessoa busca uma satisfação maior, deve buscar essa satisfação maior congruentemente. E buscar satisfação maior congruentemente exige tempo e esforço. Tempo e esforço que será dificilmente alcançado por alguém que não consegue sair do prazer imediato. A não satisfação imediata é o pressuposto para a consecução de metas de longo prazo. Tal como poupar dinheiro para comprar uma casa. Na vida, se faz necessário um ordenamento até mesmo para o prazer: se você quer comprar um videogame de última geração, terá que, provavelmente, poupar dinheiro.

Ser-no-outro e ser-com-o-outro

    Há uma diferença entre o ser que é com o outro e o ser que é no outro. O senhor é no seu escravo. O estuprador é na sua vítima. O assassino é no seu assassinado. É a diferença entre aquele que está junto e aquele que se sobrepõe. Ou seja, ser-com-o-outro é buscar ser em igualdade. É buscar a satisfação. É buscar o mútuo acordo, a reciprocidade, a alteridade. E ser-no-outro é impor-se. A plena realização do ser-no-outro é aquilo que chamamos de escravidão. A plena realização daquilo que chamamos de ser-com-o-outro é aquilo que chamamos de igualdade – ou, quiçá, aquilo que chamamos de amor.

    Sabemos que o vício em pornografia torna as pessoas menos empáticas. O viciado vê no outro não um outro ser, mas sim um instrumento para sua “realização”. E tal instrumentação do ser humano reduz a sua dignidade. Já que não há mais igualdade entre humanidades, mas servidão. O outro é reduzido a um mero instrumento e perde a sua capacidade de ser equívoco – ou, como já dito, ser livre. Isso é, de fato, um dos frutos da insatisfação sexual moderna: ela não é fundada na igualdade e na alteridade, mas na busca ególatra de autossatisfação. Logo ela não é o ser-com-o-outro e sim o ser-no-outro, é uma relação de dominação e subordinação.

Pseudotranscendentalidade pornográfica

    Sabemos que a pornografia leva a satisfação imediata e que a satisfação imediata se torna o fim do viciado. Sendo a pornografia autossatisfatória, se há uma diminuição da capacidade do ser de se realizar em longo prazo. Logo qualquer meta mais séria da vida se torna impossível. Visto que o ser está continuamente buscando só a satisfação mais imediata. E isso lhe torna imaturo: ele não conseguirá fazer coisas que levem grande tempo, estará sempre buscando os prazeres mais imediatos. Logo ele será incapaz de manter uma verdadeira vida intelectual, uma verdadeira saúde econômica, uma verdadeira vida amorosa. Até para amar alguém, há tempo para isso: é um processo longo de conhecimento, autoconhecimento, alteridade, desenvolvimento.

    Um exemplo pessoal: eu era incapaz de ter uma leitura ordenada. A leitura ordenada pressupunha um grande tempo de dedicação. Se eu quisesse, por exemplo, ler na ordem correta todos os livros do Paul Tillich ou do Haruki Murakami para uma maior assimilação do seu pensamento ou da sua obra, ser-me-ia impossível. Se você quer ser um intelectual melhor, um intelectual mais capaz de estudar, largue a pornografia. A pornografia lhe mata por dentro na medida em que te torna incapaz de realizar metas de longo prazo. Tudo deve ser reduzido para se encaixar no plano pornográfico. Como, por exemplo, um viciado em pornografia escreveria um TCC? Isso envolveria um planejamento, dedicação, tempo e esforço fenomenal. E tal necessidade de satisfação imediata destruiria a própria possibilidade de uma realização ordenada de longo esforço.

Não tenhais medo

“Portanto, não os temais; porque nada há encoberto que não haja de revelar-se, nem oculto que não haja de saber-se.
O que vos digo em trevas dizei-o em luz; e o que escutais ao ouvido pregai-o sobre os telhados” (Mt 10:26,27)

    Se alguém lhe disser que você não vive, argumente acerca da vida a partir da sabedoria que se expande para melhor viver.
- Você não vive, pois não bebe!
- Se beber é viver, o certo seria conhecer as melhores bebidas e aprender a degustá-las. Para tal, há um estudo.
- Você não vive, pois não vê pornografia!
- Se a pornografia é boa, quem dirá a experiência real. Logo é melhor buscar uma pessoa real e, nisso, crescer em vivências sexuais reais com pessoas concretas.
- Você não vive, pois não pega ninguém!
- Se pegar alguém é bom, imagine vivenciar toda densidade humana. Imagina integrar-se com alguém e viver uma relação de pleno desenvolvimento em alteridade, em que essa pessoa e eu vivemos numa crescente relação em que a cada dia nos tornamos mais íntimos.
- Você não vive, pois não joga!
- Se jogar videogame é bom, quem dirá jogar os melhores jogos e quem dirá compreendê-los: imagine jogar um videogame sabendo de seu hardware, sabendo da sua arte, sabendo de sua arte.
- Mas conhecer não é viver, viver é fazer!
- Mas aquele que mais faz é aquele que faz com sabedoria, o teórico não se destrói na prática, pelo contrário, aperfeiçoa. A práxis não é destruída pela teoresis, a práxis é íntima da teoresis. E aquele que não tem teoria, não vivencia a prática. 
- Isso é coisa de velho!
- E seus argumentos são superficiais, tal como a sua pessoa. Você pode até pegar alguém, mas não consegue chegar no mais íntimo contato com essa pessoa. Você pode até jogar videogame, mas não sabe nada de como ele é feito e logo também não sabe como verdadeiramente apreciá-lo. Você pode até beber, mas não sabe o que há de melhor para beber. Tudo que você faz é superficial, tudo que você faz é morno, logo a realidade total nunca é conseguida: sua experiência é tão oca quanto a sua inteligência!

    Não se enganem. Quando você pega um livro, quando você lê um artigo, quando você conversa com aquela pessoa que você ama e descobre mais sobre ela: isso é tão real quanto o real. Nem se enganem por essas pessoas superficiais, pois tudo que elas fazem não é real. O real é profundo, o real é íntimo, portanto todo real exige dedicação, tempo e conhecimento. Não é você que não vive, não é você que é careta: são essas pessoas que são superficiais. Na chuva, não se molham; no calor, não se esquentam; no amor, não são íntimas; no sexo, não dão satisfação.

Conclusão
 
    A pornografia não é só alienadora, é continuamente alienadora. E essa contínua alienação que lhe marca faz com que o ser seja incapaz de se abrir para a realidade. Já que vida é experiência e experiência é se projetar para fora – mesmo que após isso haja uma introspecção de algo ou alguém que se assimila junto ao ser que experiencia. Tornar-se autossatisfeito é se incapacitar: visto que toda vida é um grande projeto de convivência. A vida é um esforço comunicacional. Quem se recusa a se comunicar, recusar-se-á também a crescer. Uma pessoa autossatisfeita é imatura, visto que a experiência nasce de uma insatisfação que quer se satisfazer. E quando melhor e mais sensatamente se satisfaz, mais se torna integralmente satisfeita. Como a pornografia é um mundo a parte e o fechamento nesse mundo a parte que não se integra na totalidade do sujeito – tal como toda alienação – ela é incapaz de propulsionar a realização do ser. Eu não sei se você está satisfeito com o que falei, mas se eu pudesse lhe dizer uma última coisa, essa coisa seria: se você quer ser feliz, largue a pornografia. A pornografia mata o amor e a ausência de amor mata a felicidade.

VOCÊ DEIXARIA CRIANÇAS PERTO DE FULANO?

 



"Olá, esse é Fulano.
Fulano é um cara de vinte e um anos. É um fã de desenhos japoneses. Ele gosta muito de ver pornografia infantil, todavia essa pornografia infantil é LIGHT, ela é feita com "crianças de mentirinha". Ou seja, crianças feitas de desenho. Logo Fulano não é um desses caras que vê pornografia infantil de verdade. E é bem de boa! Qual o problema de deixar esse cara por aí na rua? Qual o problema de deixá-lo com parentes menores de idade? Eu juro que quando ele olha para uma criança, ele não sente nada!"

 Se você é uma pessoa normal, se você é um pai ou uma mãe, você iria sentir estranheza e suspeita acerca do Fulano e achar, no mínimo, que merece tratamento para sua parafilia. E também sentirá uma outra coisa: nojo e medo. Tal como qualquer pessoa normal.

Não naturalize a pedofilia. E tenha suspeita de todo mundo que vê shotacon e lolicon.

sábado, 17 de julho de 2021

MANODICAS DE NOFAP!

 


1- Ler antes de dormir:
Toda vez antes de dormir, eu leio. Leio e escrevo, pois não sou um leitor vulgar. E esse hábito de ler faz com que os pensamentos diminuam - ter vários pensamentos é não ter ordem e não ter ordem é não pensar - e o cérebro prepare-se para dormir. Isso ajuda muito no nofap, pois priva do contato com o PC e o celular que podem levar ao fap!
2- Ser produtivo nos estudos e descansar corretamente:
Pense antes de estudar que nem um louco. Insira pausas de vinte minutos após 50 minutos. Se você se desgastar muito, não continuará estudando e isso pode levá-lo ao fim do nofap.
3- Desligue o computador e o celular:
Fique longe da "fonte" de toda pornografia. Adquira novos hábitos. Recomendo acentuadamente a leitura.
4- Jogue videogame:
Muitas vezes eu fiquei jogando 2DS em vez de ficar perto do PC ou do celular.
5- Desligue o PC e o Celular CEDO:
A luz do PC e a luz do celular podem deixar seu cérebro ativo por mais tempo. Uma boa dica é: durma mais cedo. E uma dica já dada para dormir mais cedo é: leia livros.
Só para os religiosos:
6- Ore:
Tenha uma vida espiritual e peça a Deus a cura da pornografia. Faça isso todos os dias. Mas siga o conselho jesuítico: "ore como se tudo dependesse de Deus. Trabalhe como se tudo dependesse de você" - se você achou isso um paradoxo, leia Chesterton e irá entender.

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 12)

  Essa é a última parte de Emil Ludwig, indo da página 185 à 208. Aqui termina a triunfalmente rica e arguta análise de Ludwig. E talvez sej...