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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Ephemeris Iurisprudentiae #10: Direito e Estado


 

Para o estudar o direito constitucional é preciso ter uma boa base de teoria geral do Estado e Ciência Política.


A primeira questão que nos aparece é: Estado e Direito são a mesma coisa? Os papéis dos dois são:

- Estado: manter a ordem social;

- Direito: conjunto de condições sociais.

1. O Estado mantém a ordem social utilizando-se do Direito;

2. O Direito é o conjunto de condições sociais existenciais da sociedade sobre a responsabilidade do Estado.


A ideia de representação pacífica entre Direito e Estado traz um problema diante da realidade humana. Visto precisamos pensar no Direito e no Estado como realidades únicas, distintas ou independentes. Existem três possíveis soluções:

1. Teoria Monista;

2. Teoria dualística;

3. Teoria do paralelismo.


1- Teoria Monística:

- Também conhecida como Estatismo Jurídico;

- Estado e Direito são uma só realidade;

- Só existe o Direito do Estado;

- O Estado é a única fonte de Direito;

- Não se admite a ideia de que exista alguma regra que esteja fora da jurisdição estatal;

- É o Estado, por meio da sua força coercitiva, que faz com que o Direito surja e exista;

- Para a corrente monista: o Direito só existe pela emanação do Estado;

- O Estado e o Direito formam uma coexistência única.


2- Teoria Dualística:

- Também chamada de teoria pluralística;

- O Estado e o Direito são realidades distintas, independentes e inconfundíveis;

- Para a teoria dualística: o Estado não é a fonte única do Direito, por essa razão o Direito não pode ser confundido com o próprio Estado;

- A função do Estado é garantir e/ou fornecer as condições para que o Direito seja possível, utilizando-se da sua categoria especial de Direito, o Direito Positivo;

- Além do Direito Positivo existe o Direito Costumeiro, o Direito Canônico e tantos outros direitos;

- O Direito é um fato social, ele é criado socialmente, o Estado transforma em norma (positivando — tornando-o oficial — esse Direito), mas os princípios são criados pela consciência social.


3- Teoria do Paralelismo:

- O Estado e o Direito são realidades distintas, mas interdependentes;

- Há uma gradação da Positividade Jurídica;

- Essa corrente reconhece a existência do Direito não-estatal (o Direito surge dentro e fora do âmbito do Estado);

- Existe uma gradação de positividade (reconhecimento do Estado);

- O Estado é o centro de irradiação dessa positividade;

- Entre os centros e os espaços de ordenamento jurídico, as normas estatais representam uma razão de conformidade com a vontade social predominante.


A teoria do paralelismo complementa a teoria dualística/pluralística pois ambas se opõem a ideia de que o Estado e o Direito sejam em si mesmos uma só realidade. As duas, ao contrário da teoria monística, veem a possibilidade de complementariedade entre o Estado e o Direito.



quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Acabo de ler "Teoria Geral do Estado e Ciência Política" de Cláudio e Alvaro (Parte 4)


 

Nome:

Teoria Geral do Estado e Ciência Política


Autores:

Cláudio de Cicco;

Alvaro de Azevedo Gonzaga.


A palavra "Estado" vem de "status" e "status" remete ao "estar firme", o que indica por sua vez a ideia de "estabilidade". A palavra Estado, pelo que consta no livro, aparece no livro de Maquiavel.


Um Estado pode ser descrito pelas seguintes características:

- Organização política, social e jurídica;

- Território definido;

- Possui uma constituição como lei maior;

- Possui um governo soberano reconhecido interna e externamente;

- Detém o monopólio de uso de força e coerção.


Elementos do Estado:

‐ Materiais: população e território;

- Formal: governo.


A população é definida pela totalidade aritmética de pessoas que vivem dentro dos limites fronteiriços do Estado. Já o território é apresentado como aquele reconhecido internacionalmente e nacionalmente, onde é preservado o direito do Estado ter a sua ordem reconhecida e a de usar meios coercitivos. 


O governo é um ato de exercício de poder, o poder que advém do próprio Estado. O governo é dividido em três: executivo, legislativo e judiciário.


Três características são essenciais para o funcionamento do Estado:

- Soberania;

- Nacionalidade;

- Finalidade.


Sem soberania, não há governo autêntico. Sem nacionalidade, não há povo definido. Sem finalidade, não há busca pelo bem comum. A questão da finalidade é: o Estado deve trazer o bem para seus cidadãos, não sendo um fim em si mesmo. Quanto mais ele procura o bem comum, melhor é a natureza do governo. Quanto menos ele procura o bem comum, pior é a natureza do seu governo.


Para a nacionalidade cabe uma pequena nota. Ela é dividida em jus soli (nacionalidade a partir do local de nascimento) e jus sanguinis (ascendência ou consanguinidade).


terça-feira, 5 de agosto de 2025

Acabo de ler "Teoria Geral do Estado e Ciência Política" de Cláudio e Alvaro (Parte 3)

 


Nome:

Teoria Geral do Estado e Ciência Política


Autores:

Cláudio de Cicco;

Alvaro de Azevedo Gonzaga.


Nesse capítulo os autores abordam a ligação entre Direito e Estado. Eles tratam de três vias para interpretar a ligação do Direito e o Estado:

1- Direito e Estado são uma realidade única e indistinta;

2- Direito e Estado são realidades distintas e independentes;

3- Direito e Estado são realidades distintas, mas necessariamente interdependentes.


A Teoria Monística ou Estatismo Jurídico defende que Estado e Direito são duas realidades sinônimas. O Direito estatal é o único existente. (Direito = Estado).


A Teoria Dualística ou Pluralística defende que o Estado e o Direito são duas realidades distintas e inconfundíveis. O Estado, no entanto, possui uma categoria especial de Direito, que é o Direito Positivo. No entanto, existem outras categorias de Direito: o natural, as normas do direito costumeiro, as regras da consciência coletiva. Essa teoria acredita no Direito como força social.


A Teoria da Gradação da Positividade Jurídica acredita que o Estado e o Direito são realidades distintas, mas interdepentes. O Direito Positivo é o principal, porém existem direitos secundários. Há uma divisão entre um Estado minimalista (que intervém menos no Direito, deixando mais margem para direitos secundários) e o Estado intervencionista (que intervém mais no Direito, fazendo o seu Direito o principal).

Acabo de ler "Teoria Geral do Estado e Ciência Política" de Cláudio e Alvaro (Parte 2)

 


Nome:

Teoria Geral do Estado e Ciência Política


Autores:

Cláudio de Cicco;

Alvaro de Azevedo Gonzaga.


Esse capítulo é bastante breve. Os autores optaram por uma abordagem sistemática, porém breve em detalhamentos. Não sei se eles darão explicações maiores sobre os conteúdos abordados posteriormente ou se os capítulos posteriores explicam o que foi anteriormente mencionado. Há uma dificuldade para pessoas como eu compreenderem todos os termos que são pouco esmiuçados, todavia creio que eu possa superar essa dificuldade com o tempo.


Nesse capítulo é tratado a questão da sociedade. A sociedade pode ser encarada de diversos modos. Podemos interpretá-la como um grupo de vários homens agrupados pra obter algo. Também pode ser todo um complexo de relações do homem com seus semelhantes. Também pode ser uma pluralidade de grupos da mais diversa espécie e coesão. A sociedade pode ser um contrato hipotético realizado entre homens. E há quem diga que a vontade humana em si mesma justifica a existência de uma sociedade.


Existem múltiplas formas de encarar a organização social e a sua manifestação em forma de Estado (sociedade política). O organicismo preza pela coletividade, em que cada parte representa um órgão dentro da sociedade, cada qual representa e atua dentro de um papel — essa característica definidora é tida como potencialmente autoritária por ser muito delimitante. Existe o mecanicista, que encara a sociedade não como natural, mas como algo útil desde que resguarde a soberania individual, o que evita a tirania, mas pode decair num individualismo. Já a teoria eclética mescla o organicismo (de tendências mais coletivistas) com o mecanicismo (de tendências mais individualistas).

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Acabo de ler "Teoria Geral do Estado e Ciência Política" de Cláudio e Alvaro (Parte 1)

 

Nome:

Teoria Geral do Estado e Ciência Política


Autores:

Cláudio de Cicco;

Álvaro de Azevedo Gonzaga


O direito apresenta várias divisões e escolas. Como sou relativamente novo nessa área, creio que vocês poderam acompanhar o meu progresso com o tempo.  As anotações, tal como tudo nesse blog, apresentaram caráter diverso, fragmentário e complementar, tentando traduzir o debate de forma diversa e plural.


Pelo caráter fragmentário e complementar das análises do blog, além da internalização e expressão de múltiplas escolas de pensamento, esperem que o que não foi tratado minuciosamente em uma análise apareça em outra análise.


Resolvi trazer esse livro de forma fragmentada, em forma de análise serial, para facilitar e aumentar o conteúdo do blog.


São Tomás de Aquino dividia o Direito em três áreas:

- Lei Eterna: que se confunde com a própria vontade de Deus;

- Lei Natural: acessível a razão humana;

- Lei Positiva: emanada pelo Estado.


O Direito também apresenta um contexto histórico-cultural:

- Natureza = Antigos;

- Deus criador = Medievais;

- Razão = Modernos;

- Dignidade da pessoa humana = Contemporâneos.


O positivismo jurídico é a escola que considera apenas a existência do Direito Positivo. Ela vê no Direito Natural um valor moral e não jurídico. A palavra "Positivo" vem do latim (positum) e significa o que é posto ou o que se impõe. Esse Direito Positivo pode ser encontrado em:

- Leis;

- Decretos;

- Tratados internacionais;

- Decisões jurídicas.


Diferença entre Direito Privado e Direito Público:

- Direito Privado: relações entre indivíduos, pessoas e/ou pessoas jurídicas;

- Direito Público: relação da sociedade política em si mesma e em suas interações com os indivíduos.


O Direito Público é dividido em duas áreas, o Direito Público Interno e o Direito Público Externo.

- Direito Público Interno:

  • União;
  • Estados;
  • Municípios;
  • Empresas públicas;
  • Autarquias;
  • Sociedade de Economia Mista.

- Direito Público Externo: 

  • Governos estrangeiros;
  • Organizações estrangeiras de qualquer natureza que tenham constituído, dirijam ou tenham investido em funções públicas.


sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Acabo de ler "Anatomy of the State" de Murray N. Rothbard (lido em inglês/Parte 7 – Final)

 


Nome:

Anatomy of the State


Autor:

Murray N. Rothbard


Para Murray, existem dois paralelos. A história da ação não-estatal, marcada por uma cooperação e competição. A história estatal, marcada pelo domínio e uso da força. Essas duas histórias sempre se cruzam, ora tendendo para um lado, ora tendendo para outro.


Os argumentos que o Murray utiliza contra o Estado são, é claro, bastante interessantes. Há uma verve libertária inegável. Embora se possa afirmar que exista uma simplificação dos fenômenos sociais e psicológicos. Além do Estado, existem opressões sociais. O Estado pesa muito no exercício dessas opressões, todavia elas não necessariamente precisam do Estado para existirem. De qualquer forma, pensar num mundo sem Estado e estabelecer uma crítica ao Estado é de suma importância para o debate e Murray não pode ser simplesmente ignorado ao fazer isso.

Acabo de ler "Anatomy of the State" de Murray N. Rothbard (lido em inglês/Parte 6)


Nome:

Anatomy of the State


Autor:

Murray N. Rothbard


Recebemos, inúmeras vezes, a ideia de que o Estado é um instrumento de primeira categoria na alavancagem da ordem social e da civilização. Seria essa informação verdadeira? Existem vários Estados através do mundo. As relações entre diferentes Estados gasta muito tempo e energia. Se uma área é inabitada, por exemplo, um Estado poderá requerer monopólio sobre ela. Se outro Estado a quer, se estabelece um conflito. O Estado quer o monopólio de força e violência, para extrair recursos e utilizá-lo como bem queira. Em relação ao Estado, a história demonstra que os períodos de paz são mais episódicos e singulares do que os períodos de guerra. Os últimos são sempre mais constantes.


Quando pensamos nos cidadãos de todo mundo e a natureza de guerra contínua dos Estados entre si, podemos levantar a seguinte pergunta: quem, de fato, se interessa pela guerra? Não é possível que um Estado represente a totalidade dos interesses dos seus cidadãos. É impossível que todos os cidadãos de um determinado país estejam, por assim dizer, particularmente interessados na guerra e a apoiem de fato. A concordância de um cidadão com o seu Estado nunca se dá de maneira integral e nunca se dá em todos os tempos.


O Estado não tem uma legitimidade perfeita e plena tal como sempre alega em sua autodefesa. O Estado tem, no máximo, uma aprovação temporária e parcial. Quando o Estado começa a tomar ações por aqueles que ele julga seus representados, geralmente ele se julga acima desses representados em expressar os seus verdadeiros desejos. Já que é da natureza do Estado não representar integralmente os desejos de seus representados, mas o desejo daqueles que estão ancorados em suas estruturas de poder.


Talvez seja um absurdo anunciar isso, mas o Estado deve constantemente se reinventar para demonstrar que possui alguma legitimidade. Já que o que interessa ao Estado é manter essa mesma legitimidade para gozar do benefício de usurpar os seus cidadãos. A razão das pessoas quererem manter o Estado está mais ligada aos seus interesses do que os interesses da coletividade. E os interesses dos dirigentes do Estado ora menos ora vai contra os interesses daqueles que são considerados cidadãos do próprio Estado.

Acabo de ler "Anatomy of the State" de Murray N. Rothbard (lido em inglês/Parte 5)

 


Nome:

Anatomy of the State


Autor:

Murray N. Rothbard


O Estado quase sempre acaba de duas maneiras: (I) ao ser conquistado por outro Estado pela guerra; (II) ao ser derrubado por um grupo de revolucionários. Quando o povo se move nessas duas direções, seja para o combate do Estado inimigo, seja para a revolução, movem-se pela crença de que, no fundo, estão se dirigindo para a realização da própria vontade ou para defenderem a si mesmos.


O ilusionismo coletivista sempre é, historicamente, um dos principais meios de mobilização. A palavra "nós" é algo muito difícil de se conceituar com precisão. Sim, fazemos parte de uma formação específica e estamos situados no espaço-tempo. Nossa língua talvez seja igual e quiçá tenhamos pontos semelhantes. Todavia pegar uma série de características comuns e, a partir disso, criar uma unidade perfeita de coesão é um salto argumentativo tremendo. Existem pontos, em cada indivíduo, de conexão ou de separação. No máximo, podemos falar de interesses semelhantes ou próximos em dados pontos em alguns momentos. Não há nem coletividade e nem individualidade plena.


O momento em que isso, o ilusionismo coletivista, mais ocorrer é durante uma guerra ou durante uma revolução. O Estado está particularmente interessado na guerra, já que é a partir dela que ele pode utilizar um dos maiores mecanismo de autopreservação que possui: a crença dos indivíduos de que a sociedade existente e o próprio Estado são uma mesma identidade e, portanto, possuem os mesmos fins.


Seríamos nós o Estado? Há um entretanto particularmente interessante. Se o Estado somos nós, por qual razão o Estado está mais preocupado em punir crimes contra a existência de si próprio do que crimes cometidos de um cidadão para outro? Ora, todo crime dentro do Estado, sendo a sociedade o próprio Estado, seria um crime contra o Estado e teria igual valor, não?

Acabo de ler "Anatomy of the State" de Murray N. Rothbard (lido em inglês/Parte 4)

 


Nome:

Anatomy of the State


Autor:

Murray N. Rothbard


A relação do Estado com intelectuais é bastante complexa. Duma série de conceitos ou políticas criados, inclusive para reduzir o tamanho ou o poder do próprio Estado, todas sempre se demonstraram falhas em frear o Estado em sua expansão. Quando conceberam a democracia moderna, pautando o poder pelos "anseios do povo", acreditaram que a tirania seria freada. Todavia esse mecanismo se tornou um mecanismo dentro do poder de repressão do próprio Estado. De modo semelhante, a ideia de direitos naturais se tornou algo que o Estado mesmo deveria promover. O utilitarismo se tornou uma justificação para as ações do Estado.


O propósito inicial da constituição americana era, por exemplo, limitar a possibilidade de tirania que o Estado poderia causar caso fosse deixado livre. Todo cidadão americano identificava, na constituição, os limites que asseguravam a sua vida da tirania. Só que havia um porém: ao identificar na constituição do Estado a própria segurança contra o poder do Estado, ele legitimou a existência do Estado. O Estado, por sua vez, aproveitou-se disso para sorrateiramente justificar a sua existência e ação através do tempo. O Estado conseguiu isso através da chamada "revisão judicial". Essa "revisão judicial" ampliava a ação do Estado conforme o tempo passava com base em revisões que seriam supostamente feitas para que o Estado cumprisse a sua própria função.


As raízes da expansão do Estado americano estavam contidas na própria crença de que a constituição era legítima. Crer na constituição do Estado americano era acreditar, por pressuposto, na legitimidade do Estado americano. Só que há um problema nessa legitimidade: o Estado só pode fornecer essencialmente algo que ele proibiu ou limitou os outros de fornecerem por si mesmos. Se o Estado é de fato bom nisso, por que as suas funções não são voluntariamente aceitas? Ao acreditar na arbitrariedade e na contingência do Estado americano, o americano passivamente autorizou a existência do Estado.


Se a existência do Estado americano era justificável pela as suas decisões serem ínfimas, não atacando liberdades essenciais concernentes aos indivíduos, o rumo americano foi logo mudado. O Estado americano foi fundado com a premissa de que ele seria diferente de todos os outros, essa diferença estava em seu tamanho enxuto. O seu tamanho era enxuto pois os outros Estados tinham feito enormes tiranias e ações arbitrárias em nome seus cidadãos. O caminho pro Estado americano se refundar e expandir o seu tamanho se encontrava dentro da própria legitimidade que os americanos davam e dão a constituição.


Quem poderia, dentro dos Estados Unidos, decidir k quão pequeno o Estado pode ser com base na constituição? Em última instância, esse papel depende da Suprema Corte. Só a Suprema Corte pode vetar uma decisão e só dependeria dela interpretar se algo é um aumento nocivo do Estado ou se algo é uma função natural do Estado. Nenhum outro cidadão deteria tal função, nenhum outro grupo, apenas os próprios burocratas que estavam mais interessados em seus próprios interesses enquanto grupo burocrático do que nos interesses de cidadãos particulares.


Quando pensamos no Estado, geralmente pensamos nas condições mais ilustres acerca da dignidade que ele supostamente tem. O problema é que o Estado não é e nem pode ser confiável. O Estado tem poderes que nenhum cidadão privado, por assim dizer, poderia exercer. Esse poder está nas mãos de pessoas que são movidas pelos mesmos interesses do cidadão comum, isto é, a maximização do seu próprio bem-estar. Quando alguém adquire poderes acima dos normais, essa pessoa sempre se corromperá por se habituar ao uso de um poder que, para começo de conversa, deveria ser proibida de obter. O aumento da tirania do Estado não é um acaso ou uma deturpação, ele é a própria natureza do Estado. Já que o Estado é, em si mesmo, corrupto. E a tendência do uso do seu poder corrupto é a corrupção e o aumento das justificativas dessa corrupção.

Acabo de ler "Anatomy of the State" de Murray N. Rothbard (lido em inglês/Parte 3)

 


Nome:

Anatomy of the State



Autor:

Murray N. Rothbard

Quando um grupo de indivíduos se apodera do poder de dado território, ele precisa conseguir o aval da maioria da população. Esse aval não é conseguido só em processos de governos democráticos, esse processo é necessário em qualquer governo. A busca por legitimidade e legitimização é inerente a perpetuação de qualquer Estado, seja qual for o seu modelo organizacional.

Essa legitimidade é conquistada usualmente pelo fato de que o Estado busca importantes grupos sociais, extraindo apoio dos líderes desses grupos sociais. É pegando para si as lideranças dos grupos que compõem o território que o Estado é legitimado. Esse processo, mais uma vez, não é só dentro do regime democrático, mas dentro de qualquer regime.

Conquistar o apoio das "lideranças", dando-as um título de nobreza ou algum cargo estratégico, o Estado não poderia deixar de pensar nas grandes maiorias. As grandes maiores não se convencem unicamente com a participação dos seus representantes. A aprovação social de um indivíduo pode mudar. Para conseguir o apoio da maioria, o Estado apela para os meios ideológicos. Ele convence a maioria das pessoas que a existência do Estado é inevitável, que ela é boa ou prudente.

Para a tarefa de convencer a população do território acerca da importância do Estado, o Estado busca auxílio de intelectuais que convençam o homem médio a confiar nele. A aliança dos intelectuais e do Estado é bastante antiga, o intelectual precisa de um anteparo financeiro e o Estado precisa convencer a população da necessidade da existência do próprio Estado. Os intelectuais servem ao Estado convencendo as pessoas, moldando a assim chamada "opinião pública".

É evidente que o intelectual não necessariamente precisa do Estado para sobreviver e para desempenhar as suas atividades. Só que há um porém: a vida do intelectual, o seu sustento, é incerto. A maioria da população não considera a importância intelectual e isso faz com que a sobrevivência, dentro de uma sociedade de mercado, seja incerta e sempre volátil. Por outro lado, o Estado não só está convencido da importância dos intelectuais, como quer eles do seu lado e oferece aos intelectuais a comodidade necessária.

Os intelectuais, não sendo bobos, se ancoram no Estado para poderem darem continuidade as suas existências. Para tal, criam vários argumentos através da história. A ideia de que o imperador/rei tinha sido eleito por Deus; a ideia de que os nobres eram uma elite de pessoas notáveis; a ideia de que o Estado reuniu ao seu redor os melhores especialistas para tratar dos problemas públicos. Tudo isso consta. Acima de tudo, o Estado seria inevitável, em último caso, visto que o mundo tem muitos males.

O maior alicerce do Estado, como apontado por Rothbard, é o de transformar o roubo não sistemático e privado em algo mínimo. O Estado seria, então, um mecanismo avançado de roubo que não permite que existam outros mecanismos que pratiquem a sua função primordial (roubar).

Existe outro mecanismo que o Estado utiliza para manter a sua legitimidade. As pessoas têm uma predisposição natural para amarem os seus locais de nascença. Esse sentimento natural se confunde com o apoio ao Estado. Muitas guerras, movidas por interesses escusos entre diferentes Estados, são manipuladas para que o povo acredite que é uma luta entre dois povos e não uma luta entre dois grupos com interesses distintos. Essa manipulação é toma forma de nacionalismo.

É claro que, após tantos e tantos anos de estatismo, isso gera um hábito. Muitas vezes, não questionamos a realidade ao nosso redor pelo simples fato de que ela nos aparece como sendo natural e não forjada por construções sociais. A forma com que nos assimilamos hoje ao Estado se dá de semelhante maneira: nossos pais eram governados pelo Estado, os pais dos nossos pais eram governados pelo Estado, assim foi sucessivamente. Nossa mente simplesmente concebe que: se o Estado apresenta continuidade no espaço-tempo, ele não pode ser uma produção artificial. O Estado, para nós, aparece como uma figura tão natural quanto qualquer outra coisa que esteja a nossa volta.

O pensamento que o Estado utiliza para se legitimar ante aqueles que condenam a sua existência é, muitas vezes, um apelo ao passado e a sua própria longevidade histórica. Se a maioria das pessoas se habituou as práticas dos diferentes Estados, como é que poderíamos considerar a sua existência estranha ou indesejável? Os intelectuais que possuem visões antiestatais são considerados como estranhos, estando longe dos anseios da maioria e o Estado usa essa maioria, que raramente pensa acerca da natureza do processo que levou a formação do próprio Estado, contra essa minoria. Desse modo, o antiestatista é classificado como uma pessoa com visões demasiadamente românticas, um insano, um perverso, dentre outras classificações pejorativas ou idealistas.

A justificação da existência e perpetuidade do Estado pode variar de época em época a depender do contexto, tempo e local que se situe. Ele pode advir da vontade divina, do absoluto ou das necessidades materiais das forças produtivas. De qualquer modo, não importa o argumento utilizado: o Estado sempre encontrará uma justificativa para existir e perpetuar a sua existência, não importa por qual meio retórico. Só que esse vaivém demonstra algo: que o Estado é, propriamente, uma construção social e depende de uma sociedade que justifique essa construção para existir.

A principal razão do Estado moderno é a justificação por meio das suas nobres causas. O Estado estaria acima das preocupações mesquinhas que motivam as ações de indivíduos particulares. É ele que promove tudo o que é bom para o bem-estar coletivo enquanto os outros só pensam em si mesmos. Não há, além do Estado e dos seus nobres burocratas, qualquer pessoa que tenha os anseios filantrópicos, por mais mínimos que sejam. Uma narrativa completamente falsa, mas que não deixa de ser convincente.

Outra razão do Estado existir, agora que não somos mais dominados por uma razão teológica, é a ciência. O Estado é a mais científica das organizações. Além disso, a ciência só existe por causa da organização do Estado. O Estado tem as melhores pessoas, as pessoas mais bem-intencionadas, em promover a melhor administração possível para a resolução de tudo. A ciência não existe sem o Estado. Ora, isso é outra alegação falsa. Completamente parcial e viciosamente narrativista.

Acabo de ler "Anatomy of the State" de Murray N. Rothbard (lido em inglês/Parte 2)

 


Nome:

Anatomy of the State



Autor:

Murray N. Rothbard


Nós nascemos sem nada no mundo. O estado natural do homem é a pobreza. A única forma de conseguir recursos é se mobilizando na produção, transformando a realidade e fazendo trocas por outros produtos. Só assim podemos transformar o espaço e aumentar o padrão de nossas vidas. Em certo sentido, o único meio de sobreviver é se envolvendo na dinâmica produção-troca de nossa sociedade.

Antes da sociedade de mercado, existiam outros meios de conseguir algo dentro de um espaço. Um dos meios era a chamada "lei da selva", onde homens disputavam entre si os recursos do espaço. A ausência do duplo mecanismo produção-troca fazia com que a disputa não fosse algo bom, mas sim uma batalha pela sobrevivência. Se pensarmos na anterioridade, a competição de mercado será vista como um mecanismo infinitamente mais civilizado do que a luta de todos contra todos.

Existem dois meios de se conseguir algo. Existe o já mencionado "meio econômico": baseado na produção e troca. O outro meio não é o econômico, mas se manifesta a partir da força. Isto é, você pode usar a força e violência para forçar os outros a darem os recursos, produções e serviços deles para você. Esse último meio é chamado de "meio político".

O "meio econômico" seria ditado pela lei natural. Você produz ou oferece algo, recebe algo por meio dessa troca voluntária. O outro meio, o "meio político", seria essencialmente autoritário. Seria um meio parasitário. Para conseguir fazer isso por um longo tempo, seria necessário colocar um monopólio. Esse monopólio apresentaria algo que só um grupo de indivíduos poderia suprir.

Se nos perguntarmos o que é o Estado, o Estado seria exatamente isso: a sistematização dos meios de parasitagem ou a organização do "meio político". O Estado é, por natureza, predatório. Só que um predador não pode ser tolerado facilmente, para ser tolerado ele precisa fazer com que a vítima não tenha uma defesa natural contra ele. Para tal, ele fornece uma "segurança" – ele ataca ladrões menores para poder ser o único ladrão – a sua vítima.

O nascimento do Estado não estaria muito ligado ao contrato social, mas sim a um grupo de conquistadores e dominadores. Esses conquistadores e dominadores fariam uma guerra, venceriam e tomariam conta do território, resolvendo seus "problemas de segurança". Ou seja, ele atacaria os "vilões menores" e estabeleceria uma coerção mais aceitável, uma violência menos brutal e mais sistemática. A natureza do Estado é de oferecer de forma sistematicamente mais organizada uma espécie de "repressão civilizada" e mascarar essa "repressão civilizada" com manipulações que façam que a vítima esqueça a sua real natureza.

Acabo de ler "Anatomy of the State" de Murray N. Rothbard (lido em inglês/Parte 1)


Nome:

Anatomy of the State


Autor:

Murray N. Rothbard


O questionamento de Rothbard começa com uma simples, mas complexa, questão: o que é o Estado? A natureza do Estado é apresentada por diversos prismas: ele é descrito como a apoteose da sociedade; é descrito como amável, todavia ineficiente para cumprir os fins sociais; descrito como necessário para cumprir os fins sociais. A identificação da sociedade com o Estado cresceu junto a noção de democracia, na qual se chegou a conclusão de que nós somos o governo.


Quando falamos a palavra "nós", camuflamos certo aspecto da linguagem e encobrimos a natureza do Estado. Adentramos num reino de diluição em que nós mesmos nos tornamos "parte" do Estado. Assim adentramos, sem perceber, que aquilo que o Estado faz ou pode fazer tem nossa concessão. O que significa que as ações do Estado são nossas ou possuem, em automático, a nossa aprovação.


Para Rothbard, adentraríamos em águas amargas. Quando, por exemplo, o Estado nazista matava seus próprios cidadãos judeus, os judeus estavam concedendo a própria morte? Então não seria um projeto genocida imposto arbitrariamente por uma sociedade tirânica, mas um processo em que os judeus tiravam a própria vida em massa. É a partir disso que podemos ver que essa identificação automática do Estado e sociedade pode ser não só potencialmente nociva, como escandalosamente perigosa.


Não podemos ser "o governo", nem "o Estado". Se 70% da população decide matar 30% da população, isso não é de forma alguma um processo voluntário em que aqueles 30% de pessoas estão cometendo suicídio em massa. Genocídio ainda é genocídio, não importa se justificado pela via democrática ou pela maioria da população concentrada numa figura autocrática.


Se o Estado não é uma organização em que nós somos integralmente participantes, o que é o Estado? Basicamente o Estado é, de forma breve, uma organização que detém o monopólio de força e violência em determinado território. O Estado é a única organização social dentro de uma sociedade que não obtém as suas receitas através de uma troca voluntária de produtos ou serviços, mas através do uso da coerção. É o Estado que prende todos aqueles que estão contra ele, seja por uma série de motivos que são considerados pela própria preservação do Estado.

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Acabo de ler "The Agony of the American Left" de Christopher Lasch (lido em inglês/Parte 3)

 


Naquela altura do campeonato, vendo o triste fim da União Soviética que estava embebida no totalitarismo, a ideia de uma construção social lógica e perfeita era impossível. Logo a possibilidade mesma de um mentalidade revolucionária era impossível. Era preciso ir além dos limites de "esquerda", "direita" e "centro". Se fazia necessário uma visão de mundo mais modesta, menos baseada em abstrações e mais pragmática em seus meios e fins.


A ideia de liberdade total ao indivíduo ou segurança total ao indivíduo eram duas totalidades opostas, uma defendida pelo liberalismo e outra defendida pelo socialismo. Essas duas abstrações marcavam a ferro e fogo o mundo. Era uma pauta muito "tolerante" para a animosidade polarista que tomava o mundo na Guerra Fria. O mundo estava dividido entre "dois grupos" e os grupos opostos tomavam todo e qualquer discurso do lado oposto como uma espécie de propaganda. A neutralidade, advogada por muitos intelectuais, parecia uma espécie de reforço a um dos lados – mesmo que essa não fosse, muitas vezes, a intenção.


O anticomunismo tinha algumas vias. Uma dessas vias era o anticomunismo reacionário, um anticomunismo mais à direita. Só que esse anticomunismo não era a única via anticomunista. Havia – e há – um anticomunista humanitário e mais ao centro ou à esquerda do espectro político. Esse anticomunismo é, muitas vezes, objeto de escárnio ou descrença. Muitos ex-comunistas eram anticomunistas e muitos deles não eram propriamente defensores do "capitalismo", mas sim de uma visão mais equilibrada de mundo, onde o dualismo ficava de fora.


A responsabilidade intelectual, em nome da busca sincera pela verdade, deveria ser maior que o otimismo e o grupalismo. O intelectual deveria estar acima dos interesses mais viscerais e dos grupos mais autolisonjeiros. Em vez disso, muitos buscavam soluções fáceis e tribalizadoras. É por isso que os intelectuais americanos queriam uma vigilância constante para não cair no atavismo. Prescrição essa muitas vezes ignoradas por tribalistas de direita ou de esquerda.


Tal situação de extremismo se tornou ainda pior quando o macarthismo se tornou a palavra de ordem dos Estados Unidos. O comportamento de Joseph McCarthy se tornou algo visceralmente doentio e a mentalidade conspiratória acusou sumariamente várias pessoas. Em nome da liberdade que era atacada pelos países comunistas, criou-se uma censura – muito semelhante a comunista – para acabar com... A conspiração comunista. Os Estados Unidos acabou cerceando a liberdade para acabar com aqueles que supostamente atacavam a liberdade.


A defesa da cultura livre, isto é, a livre discussão, a livre investigação, o livre-exame e o livre debate, eram mais do que nunca atacados numa era de extremos. Além disso, a consciência dos estados em relação aos intelectuais aumentava dia após dia. Os intelectuais são parte fundamental da sociedade, são eles que moldam a forma com que vemos o mundo e profissionalizam uma série de pessoas para várias tarefas. Os Estados queriam que os intelectuais fossem subservientes aos seus propósitos propagandísticos, deixando o "povo" mais dócil aos seus interesses. Só que há diferença entre o "intelectual puro" e o "intelectual propagandista". Um intelectual pode chegar a muitas conclusões, teses, ideias... Mas se seu dinheiro depende se algum grupo, as suas investigações são menos livres e mais condicionadas a interesses que escapam ao livre curso de seus exames.


A questão que aparece é: como que um intelectual mantém a sua vida intelectual? O exercício da sua intelectualidade requer um amparo financeiro. Esse amparo financeiro usualmente vem da burocracia e a burocracia geralmente se correlaciona ao governo – ou é o próprio governo. A ligação cada vez maior de intelectuais com o governo se demonstra mais alta. Essa correlação cria uma dependência e, quiçá, engrandece na medida em que corrompe a própria inteligência.


Vivemos no mais espetacular e grandiloquente processo de fusão entre o "intelectuariado" e a burocracia. Essa fusão está criando um elitismo acadêmico cada vez maior. Alçando o voo de uma classe que toma consciência corporativa cada vez maior. Os frutos dessa relação – além da ausência de uma cultura livre – é o engrandecimento de um poder estranho e invasivo.

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Acabo de ler "DICTADURAS MILITARES Y LAS VISIONES DE FUTURO" de Gabriela Gomes (lido em espanhol/Parte 1)

 


Chile e Argentina passaram por períodos turbulentos. Esses períodos foram propiciados pelo ambiente inóspito e radicalizado da "Guerra Fria". Para combater a possibilidade duma "revolução comunista", muitos países latino-americanos sofreram golpes militares que propunham uma visão oposta ao regime socialista em vigor na União Soviética. Esse também é o caso do Chile e da Argentina.


No Chile e na Argentina houve a criação da "Doutrina da Segurança Nacional", essa doutrina com tinha uma tentativa de criação de uma "futurologia". Essa "arte" criaria um ambiente propício para uma nação estável e não sujeita a instabilidades em períodos posteriores. Isto é, criaria um ambiente de uma nação que tem estabilidade contínua e não é ameaçada pelas forças do tempo. Essa ideia da criação de um "futuro melhor" norteou as políticas tomadas pelos regimes que então se instalaram e forneceram bases para a sua autolegitimidade.


A ideia de criar uma "nova legalidade" em que os regimes instalados conduziriam pedagogicamente o povo para que esse amadurecesse e pudesse tomar decisões por conta própria não é um capítulo recente da história. Projetos refundacionistas onde o poder é concentrado nas mãos de poucos e esse poucos conduzem o desenvolvimento nacional são capítulos recorrentes na história da humanidade. A questão está na "legitimidade" conquistada através dessa narrativa: a ideia central de que o poder pararia temporariamente nas mãos de tecnocratas iluminados que desenvolveriam o Estado, o povo e a própria infraestrutura em prol dum futuro em que o próprio povo fosse capaz de tomar essas decisões por conta própria.


É evidente que mesmo com isso em mente não havia uma precisão completa nesse arranjo. Os autores desses movimentos não tinham uma unidade doutrinal precisa. Alguns eram mais ligados a ideia de um Estado mais centralizado e dirigente, outros defendiam a iniciativa privada como principal motor da atividade econômica. É evidente que, sobre esse aspecto, existiram lutas internas antes do "programa" ser instalado nesses dois países.

domingo, 5 de maio de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 7)

 



Continuando, mais uma vez, a parte de Emil Ludwig, estamos nas páginas 109 à 122. Nessa parte temos a acentuação do conflito de Stalin e Trotsky, indo até a expulsão de Trotsky do país e, posteriormente, adentrando no conflito da União Soviética com a Alemanha nazista. É evidente que, nesse conflito, temos mais o aspecto da luta pelo domínio do poder interno na União Soviética do que a luta da União Soviética contra a Alemanha Hitlerista.


É interessante: o poder tem uma natureza que é paradoxal. Ao mesmo tempo que apresenta uma sutileza que é regida pelas múltiplas contrariedades que carrega, existe uma outra colocação, esta é o de sua brutalidade. Algo que só alguém de olhos bem treinados poderia entender, num esforço de grau simetricamente parecido ao do exercício esotérico. Trotsky e Stalin tinham o mesmo objetivo: o de trazer luz a um mundo socialista. E, mesmo assim, caíram um contra o outro como dois predadores de objetivos opostos. Como poderíamos explicar tamanha contradição? Talvez pelo próprio impulso de governar, de mandar, de estar na liderança. Mesmo num regime de comunidade, de governança coletiva, de cooperativismo, a natureza humana ainda pesa e ainda se faz escutar por meio da sua influência incontornável.


Outro ponto salutar: a capacidade de manter o socialismo no país requisitava uma harmonia de interesses. Sem essa harmonia, manter o socialismo no país seria algo absurdamente difícil. Uma tarefa quase impossível, para não dizer ingrata. É dessa dualidade – manter o desejo político dum projeto de poder comum ao mesmo tempo em que se lida com as múltiplas versões desse mesmo projeto por diferentes pessoas que se antagonizam – que surge a anatomia do poder soviético e a sua carga de repressão. Olhando minuciosamente, o aumento do poder repressivo do Estado soviético para manter o próprio Estado soviético não é um mero acidente em sua substância, mas a própria substância do mesmo Estado soviético. Tal como é a substância de qualquer modelo de Estado, isto é, a mesmíssima substância de autoconservação. Uma das naturezas do Estado é a de manter a própria natureza do Estado.

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Acabo de ler "O ensino de arte na educação brasileira" de Rosa Iavelberg

 


O Brasil sofre de enormes debilidades na questão do ensino da arte em suas instituições de ensino. Mesmo após tantos anos e tantos avanços, temos uma generalizada crise e insuficiência no quesito do ensino da arte em nosso país.


Em primeiro lugar, é preciso compreender que "arte" se divide em quatro linguagens:

1- Artes Visuais;

2- Música;

3- Teatro;

4- Dança.


Se existem quatro linguagens, como é que um único professor pode ser capaz de passar essas quatro linguagens de forma igual e com rendimento simétrico com uma formação debilitada e, muitas vezes, não atualizada? Não só a formação do professor é deficiente, a sua atualização como professor também é. Como resultado, o contato dos alunos com as linguagens e expressões da arte é irregular e deficitário.


Corre também outro fato: o professor é muitas vezes obrigado a dar aula em mais de uma escola para sobreviver. Essa característica torna ele incapaz de ensinar, pois o intelectual é um atleta do pensamento. E o atletismo requer um treino constante. A ausência de amparo financeiro - salário adequado - cria uma característica bastante insalubre: professores que não estudam dão aulas sem refletir e sem se aprimorarem enquanto intelectuais.


Questionar sobre o ensino da arte em sua singularidade leva a um questionamento sobre o quadro geral da educação no Brasil. E esse quadro geral também revela as deficiências do Brasil enquanto nação e a linha estratégica de seus projetos de Estado. Falta-nos, como sempre, uma consistência e uma visão. Nosso caminhar é tímido e montado por acasos e tropeços.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Acabo de ler "Santiago não é Chile" de Egon Montecinos (lido em espanhol)

 



O livro se trata duma crítica ao modelo de Estado chileno. O nome é uma piada ao modelo centralizador que concentra o poder na capital (Santiago), reduzindo as outras regiões do país à menoridade política. 


O autor quer que as regiões subnacionais tenham maior poder político. A razão é que as pautas endógenas destas partes territoriais - daí o nome "subnacionais" - são mais bem compreendidas por elas mesmas e nada melhor do que elas próprias para gerirem seus rumos.


Há um conflito gestionário entre o modelo unitarista - que concentra o poder para si - e o modelo, por assim dizer, federalista - em que as partes subnacionais tem maior autonomia para decisão de seus destinos. O autor, aderindo a descentralização, advoga que grande parte da mazela da desigualdade territorial vem da centralização política.


Um livro que, poderíamos dizer, é bastante interessante para quem quer compreender o drama político chileno mais a fundo. Já que o Estado chileno passou por uma redução de tamanho intencionada por Pinochet, impossibilitando regiões de fornecerem serviços de seguridade social no âmbito educacional e de saúde.


É interessante que tal mudança só seria possível com uma mudança da constituição e isto é um problema enorme, sobretudo no Chile onde não há bastante consenso em torno desta questão.

sexta-feira, 7 de abril de 2023

Acabo de ler "O Sistema Social no Islam" de Sayyed Hashem Al-Musaui

 



O Islã é uma religião diferente do cristianismo. Enquanto o cristianismo deixa a regulação social, ou a forma de configuração do Estado, ao âmbito das decisões da sociedade, o islã procurará uma união íntima entre o Estado e a Religião. No caso do cristianismo, a união figuraria como uma deificação do Estado - tomada sempre como ruim; já no caso do Islã essa é uma necessidade lógica.


Partindo-se da ligação intrínseca entre o pensamento religioso e o Estado, a própria religião, em seu livro sagrado, terá dispositivos em seus textos para que o Estado funcione de forma submetida a realidade do Islã. Ou seja, o Islã não é só uma fé professada num âmbito privado e não tocado pelas práticas mundanas, constituí também uma comunidade jurídica. É por isso que o estudo do Islã não é só teológico, há uma série de estudos em que se divide o Islã.


O Estado Islâmico é, propriamente, a forma com que a religião moldará o Estado ao seu serviço. O que soará, para muitos ocidentais, como algo estranho ou danoso as atividades das duas partes. Cristãos não querem que o Estado torne-se regulador da religião e nem a subverta naquilo que há de mais próprio. Já o Estado não quer o poder eclesiástico, de natureza espiritual, em seus meandros. Se os dois processos ocorrem, os dois perdem a sua distinção - em nossa mentalidade ocidental.


Aqui temos que reconhecer que: a análise é dificultada por causa das mais diversas questões a serem pontuados. A sociedade islâmica, em seu início, logrou um aumento quantitativo e qualitativo de vários direitos que eram inovações bastante atentas as necessidades correntes das sociedades em que se circunscrevia. Porém os muçulmanos se dividem em muito em como deve ser a organização nos tempos de hoje. Vejam exemplos do Estado da Turquia e da Arábia Saudita. Um adota um parâmetro semelhante ao ocidental e outro adota um parâmetro que poderíamos considerar mais tradicional ao Islã.


De qualquer modo, o que fica do livro é o entendimento de que, ao seu modo, o Islã traçou uma sociedade que ainda é uma surpresa constante aos estudiosos do caso. E seria difícil uma análise completa.

segunda-feira, 27 de março de 2023

Acabo de ler "Primer Tiempo" de Mauricio Macri (lido em espanhol)

 



A Argentina é um país pouco previsível institucionalmente, atributo que lhe outorga pouca credibilidade mundial. Para piorar, a maioria dos governos se perdeu numa retórica chauvinista e, infelizmente, numa condução política isolacionista que, pouco a pouco, minou suas capacidades de realização enquanto nação. Esse tipo encadeamento atitudinal não é só frequente na história da Argentina, mas de grande parte dos países latino-americanos.


A tarefa de modernizar esse país coube a Macri, porém se notou muito a incapacidade de promover reformas estruturais graças ao legado burocrático peronista que de tudo fez para levar ao estancamento de ações gestionárias mais modernas e condizentes com o século XXI. Por todos os lados, setores gigantescos da sociedade estavam habituados com um modelo de economia politizada, onde pesa mais a camaradagem política do que uma gestão eficiente e ligada as necessidades mais prementes.


A economia politizada criava uma série de empecilhos a concorrência e tornava os empresários pouco atentos ao desenvolvimento exteriores e ao aumento da produtividade. Com empresas pouco competitivas, exigiam mais e mais proteção estatal em vez de melhorarem suas práticas. Esse tipo de comportamento paralítico também foi encontrado em todos os tipos de setores.


Mauricio Macri queria ir contra isso e tornar a gestão estatal, e sua relação com a sociedade, mais dinâmica, moderna e eficiente. Aqui não farei apontamentos de sua família com o Estado, visto que sei pouco sobre ela e, igualmente, as alegações de Macri são pouco credíveis pois vêm dum homem que teria como intuito óbvio de proteger a família.


O Estado como principal suporte ao desenvolvimento, não é um mal em si se esse processo não incorre numa retroalimentação simbiótica de debilidades Estado-sociedade. A necessidade de contrapartidas e priorização de eficiência, cumprimento de metas e "abordagem tecnocrata" pesam em muito nesse contexto.


O entendimento que o Macri passa após toda a sua experiência como chefe de Estado contribuem em muito para se compreender a Argentina enquanto nação e a leitura do livro não é recusável.

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Acabo de ler "Governo Lula e Dilma: O Ciclo Golpeado" de Vários Autores

 



O debate nacional é sempre, para mim, instigante e necessário. A vida intelectual serve para um "acúmulo assombrativo" que traz uma maior percepção das nuances que estamos dentro, sobretudo de forma inconsciente. Com o acúmulo eruditivo, adentramos num reino de sutilezas que nos dão maior afinidade com a realidade que estamos imersos.

Eu nunca poderia ter compreendido com maior maestria o governo Lula e Dilma sem esse livro. E é interessante observar que as informações dos mais diversos pontos, opostos ou amigáveis entre si, locupleta a nossa capacidade de assimilar a densidade do real. O projeto de conscientização intelectual, além de aumentar a capacidade assimilativa dos movimentos do mundo, também proporciona uma maior palatividade da realidade conforme nos deixa encantados com os processos dinâmicos do universo.

É importante frisar que o projeto de Lula e Dilma se situava numa localidade de maior amplitude das ações do Estado no desenvolvimento nacional. Para tal, o Estado era visto como estratégico na posição do Brasil como nação mais desenvolvida. Graças a isso, o protagonismo do investimento estatal foi colocado como uma das prioridades norteantes dos dois governos.

Também é preciso colocar que: o governo de Temer e de Bolsonaro se pautaram pela menoridade da ação do Estado brasileiro no âmbito do desenvolvimento nacional. Se os dois governos predecessores, de Lula e Dilma, pautaram-se pelo acréscimo da intervenção do Estado: os governos sucessores, Temer e Bolsonaro, fincaram raízes num movimento propriamente oposto em que a atuação estatal era de natureza diminuta.

Outro ponto de importante natureza: os governos petistas se colocaram fortemente na integração regional e numa espécie de bloco contra-hegemônico. A ideia era diminuir o poder dos países dominantes e criar uma ordem de caráter multipolar em que houvesse maior autonomia dos países em desenvolvimento em sua autodeterminação. Disso surge, é claro, uma maior unidade do BRICS como bloco, a integração da América Latina e o contato crescente com países africanos.