sábado, 31 de julho de 2021

A fantástica banana invisível! #1 - Como se lidar com o vício em pornografia?

 


    Uma vez tive uma hipótese. Essa hipótese era a de uma banana invisível. Uma banana metafísica. Particularmente, não era em si uma banana. Era, na verdade, uma casca de banana. De alguma forma, um indivíduo que não sabemos quem é, comeu uma banana invisível e a jogou no meio da rua. De lá para cá, a banana invisível saiu por aí, derrubando pessoas sem que ninguém a detivesse. Cada pessoa pisava nela, tropeçava e caía. E o pior de tudo: ninguém sabia da razão. E "mais pior ainda": haviam indivíduos que nem sabiam que caiam quando caiam.

    Pensando na hipótese da banana invisível, resolvi tornar isso uma forma de responsabilidade. Sou uma pessoa responsável e mesmo sabendo que a banana, ou melhor, a casca de banana é invisível, vou tentar capturar essa casca e tirá-la do caminho. Claro que não sou uma pessoa confiável e a estatura dessa missão. Só que sendo uma das únicas pessoas que sabem dessa fantástica banana invisível que derruba pessoas por aí, tenho que tirá-la do caminho. E não chamo essa responsabilidade para mim como alguém inteligente ou preparado o suficiente, mas como alguém que tem empatia e mesmo com debilidade quer tentar ajudar ao próximo com o pouco que pode.



    Há várias formas de se lidar com a vida e com o vício. O vício usualmente decorre da vida que se leva e a vida que se leva decorre de uma filosofia de vida. Mesmo que a pessoa não saiba que está em uma filosofia de vida e que tem uma filosofia de vida. E, quando não sabe, cai nos erros e acertos daquela filosofia inconscientemente. De alguma forma, guia-se sem saber que se guia. E anda numa direção sem saber que anda. É como se ela fosse tão irracional quanto um zumbi que busca morder pessoas por aí devido a um "acidente" de guerra biológica. 

1- Por quanto tempo iremos apenas sobreviver e viver de fato?

    Por qual razão se sobrevive? Teríamos, em nosso mundo, uma gritante escassez de recursos? Não, não creio que seja o caso do questionador em questão. Estou quase certo de que seu problema é um problema que se encontra a nível psíquico. O que quero dizer é: qual é o sentido da vida para você? Isso é uma pergunta de nível intelectual. É uma pergunta que não só diz: "qual é o sentido da vida?", mas também pergunta: "qual vida vale a pena ser vivida?". Creio que um grande problema do mundo pós-moderno é a falta de uma boa formação da personalidade. O sentido que a vida toma também está na personalidade. Visto que a personalidade não é só algo que diz o que o sujeito é agora, mas também o destino que ele se colocou.

    Muitas vezes sofremos moralmente. Por vezes, temos várias coisas ao nosso redor. E nenhuma deles está em íntima relação conosco. Ter um videogame em casa não quer dizer em automático que se jogue ele. Ter um livro de matemática não quer dizer que se estude ele. O problema está em que nível um indivíduo se conecta com o mundo que o circunda. E essa pergunta só pode ser resolvida por ele mesmo. É preciso que ele mesmo perceba o ambiente a sua volta e que ele mesmo decida o que fará com esse ambiente. No exemplo do videogame, a pessoa que tem, mas não o joga pode simplesmente achar que o videogame é inútil. No exemplo do livro da matemática, talvez o livro só acumule poeira. De alguma forma, não há conexão entre o sujeito e o objetivo. O mesmo poderia ser dito da relação sujeito com sujeito. Muitas vezes se tem pessoas, até mesmo na própria casa, em que não se tem nenhuma relação.

"Sendo assim, o SENHOR modelou, do solo, todos os animais selvagens e todas as aves do céu e, em seguida, os trouxe à presença do homem para ver como este os chamaria; e o nome que o homem desse a cada ser vivo, esse precisamente seria seu nome" (Genesis 2:19)

    Não querendo ser teológico, mas já o sendo: há uma razão para Deus "não dar nome" aos animais que ele mesmo criou. O objetivo não era que o homem desse simplesmente um "nome qualquer" para as criaturas criadas, mas que ele desse sentido. Aí que está a sacada: cada pessoa é convidada a dar sentido a todas as coisas. Dar um nome é precisamente isso: dar um sentido. Se as coisas que estão no seu quarto não possuem sentido, se as pessoas que estão em sua vida não possuem sentido, você sofre. Você precisa ter uma conexão com elas, você precisa ter uma conexão com as coisas de seu quarto, com as coisas do seu mundo. E é assim que se vive: percebendo e dando sentido as coisas.

    O problema da vida está no objetivo que o indivíduo toma para si. E "não tomar objetivo algum" já é uma forma de se viver, mas que nos torna reativos. Muitas vezes se sobrevive por causa da ausência de conexão com as coisas. Tudo na vida precisa ter sentido para que as coisas tomem significado. Isso é ter uma vida de propósito. Isso é, propriamente, ser racional.  

2- Mesmo que alguns respondam "é só não fazer isso por três meses", será mesmo que é só pura abstinência, ou a verdade nos espera até agora e nem reparamos?

    Creio que o homem pode encontrar sentido em sua vida. Claro que isso é algo pessoal, mas também é algo comum. Nós, como humanos, somos seres interagentes. O fato de darmos sentido a algo ou a alguém faz com que tenhamos uma relação. Se duas pessoas atribuem afeto uma a outra, essas duas tornam-se amigas. Quem sabe, tornem-se namorados. Quem sabe, adotem ou tenham um filho para se edificarem mutuamente. De qualquer modo, as coisas ficam mais ricas conforme atribuímos significado a elas.

"E chamou o Senhor Deus a Adão, e disse-lhe: Onde estás?" (Genesis 3:9)

    A pergunta: "onde está?" não é uma pergunta de localização no espaço-tempo. É uma pergunta que diz: "quem é você?", "o que você fez?", "o que você pensa que está fazendo?". Do ponto de vista de Deus, Deus sabe precisamente onde você está. Do ponto de vista humano, você não sabe onde está. O humano difere-se "daquele é". Visto que a condição humana é equívoca: o homem está num processo de fazer. Esse processo a que chamamos "devir" é a condição do homem: ele está num processo de construção. Diferentemente de outros animais encontrados na natureza, há no homem aquilo que chamamos de inteligência e liberdade, que o torna absolutamente variável - mesmo que só a nível psíquico.  

"E ele disse: Ouvi a tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me." (Genesis 3:10)

    Nessa parte o homem percebe que está nu. Seria simplório pensar que Adão se refere a vestimentas corporais. Adão se refere a vestimenta moral. E através da moral começa a se justificar perante Deus. Agora Adão não pode sempre se dirigir a plenitude, mas esquiva-se de privação em privação. Segundo a tradição teológica judaica e a tradição teológica cristã: o mal entrou no mundo depois do "pecado". Só que é válido lembrar: o mal "não existe" no cristianismo e nem no judaísmo de forma cabal, pois não há poder que se oponha ao poder de Deus. Logo está aí o enigma da serpente: o "conhecimento do bem e do mal" era na verdade a diferenciação da privação e da plenitude. Num exemplo hodierno, poder-se-ia dizer o seguinte:

1- Pense, por exemplo, no Nintendinho;

2- Pense agora no Xbox Series X;

3- Agora pense em qual é mais privado e menos pleno no hardware e software; 

4- Você notará que o Xbox Series X é objetivamente mais poderoso que o Nintendinho; 

5- Antes do "pecado" seria possível ter uma aprendizagem linear em que o ponto culminante era mais facilmente alcançável;

6- O homem não teria que passar do "Nintendinho" em progressiva evolução até o "Xbox Series X", ele poderia simplesmente chegar no "Xbox Series X" intuitivamente.

    A possibilidade de sentido é, quase precisamente, essa: devemos buscar uma plenitude que nos conecte com o mundo. E quanto mais coerentemente conectados ao mundo, maior a nossa felicidade. Visto que o fim do homem é a felicidade. Quando uma pessoa busca outras pessoas, seja para qual fim, ela busca uma relação que maximize o seu bem-estar e, se ela tiver boa índole, de todas as pessoas envolvidas no processo. Quando uma pessoa busca objetivos, objetos e outras coisas: o fim dele é plenitudizar a sua vida. O objetivo de tudo seria uma acolhida em amor. A vida tem sentido quando ela se dirige ao bem. A vida tem sentido quando a pessoa busca ter relações que o façam crescer.

    O problema do vício é que ele começa com uma expansão e se trava nessa expansão, essa expansão se torna unicamente a vida dessa pessoa e impede que ela consiga progredir na vida. O vício é uma atrofia de algo. E quando uma região é atrofiada, as outras param de crescer. O problema do vício não é, por exemplo, ele mesmo. O problema do vício é que ele costuma ser só ele mesmo. A pessoa vai gradativamente deixando de se conectar com qualquer outra coisa e acaba sendo reduzida ao vício. A abertura torna-se impossível e o indivíduo fica parado nessa conexão monótona. Uma conexão que se torna uma espécie de monomania que o priva de qualquer outra coisa que seja.

    Como o vício do questionador em questão é a pornografia, eu já lhe respondo: a possibilidade de namorar com uma outra pessoa (ou outras pessoas) sempre foi possível. A possibilidade de viver uma boa vida sexual sempre foi possível. O problema é que o vício pornográfico lhe privou de viver uma vida sexual saudável com outras pessoas. Aí reside propriamente o problema: a pornografia impede o próprio sexo. O problema do vício em pornografia é que é só isso mesmo: pornografia. A possibilidade de ser, de se tornar maior, de se conectar, de viver um amor, de crescer como pessoa entre pessoas é travada pelo vício na pornografia. 

3- O que viria depois do vício em pornografia?

    Sei que você não perguntou isso, mas eu pergunto por você. Você não precisa se perguntar o que fará depois que parar de ver pornografia em definitivo. Basta se conectar com pessoas. Basta se conectar com coisas. Basta se conectar com livros. Basta se conectar com ambientes. Não fique parado só deliberando o que você fará depois que parar de ver pornografia, decida e execute. O presente é o verbo do dever.

    Existem três estados da vontade: deliberação, decisão e execução. Na deliberação ficamos num estado pré-decisório em que posteriormente escolheremos algo ou alguém. Na decisão, esse algo ou alguém é decidido. Na execução, aquilo que foi deliberado e decidido é transformado em ato. Por exemplo:

I- (Deliberação) Posso decidir entre jogar videogame, ler um livro ou sair para passear;

II- (Decisão) Decido que irei passear; 

III- (Execução) Pego um ônibus, vou até o Parque Ibirapuera e fico andando por lá.

    A pergunta: "como viver o presente" é regida por esses três momentos: deliberação, decisão e execução. Você precisa fazer os três. Se você não quer ver pornografia, você simplesmente deve fazer outra coisa. Mas deve fazer continuadamente. O presente é o verbo do dever. Simone Weil, mística religiosa e anarquista, dizia que devemos buscar a eternidade. Buscar a eternidade poderia ser dito como: "viva cada dia seu como se fosse o último". Uma coisa que me ajudou muito é passar por esses três estados sem alterações. Muitas vezes tentamos fazer qualquer outra coisa, mas acabamos em duas patologias da vontade.

I- Patologia da Deliberação: nesse estado, mesmo que a gente se decida, acabamos sempre por retornar a deliberação. Se, para algo ser feito, é necessário passar pelos três estados (deliberação, decisão e execução), logo nessa patologia nada é feito. Um pintor que começa a pintar infinitos quadros simultaneamente nunca terminará nenhum. E esse é problema da patologia da deliberação: incapacidade de conclusão.

II- Patologia da Decisão: nesse estado, a pessoa cumpre demais. Ela segue continuadamente sem deliberar. E o problema disso é que ela não ouve mais nada e nem a ninguém. Ela toma ações o tempo todo. Se tentarem intervir, ela reage agressivamente. Se ela for parada, volta a fazer o mesmo depois que estiver livre. E como alguém que delibera poderia pensar? Simplesmente vive em modo automático, incapaz de mudar a direção da própria vida.

    Aqui faço uma "evolução" ou hipótese: o grande problema de muitas pessoas que querem se livrar da pornografia envolve também essas duas patologias da vontade. Na primeira, a pessoa é incapaz de tomar uma ação construtiva para fugir da pornografia. Na segunda, ela vê pornografia sem pensar em qualquer outra opção em seu leque existencial.

    Bem, meu caro, essa é a minha resposta a sua pergunta. Espero que eu tenha lhe sido útil. Para você e para quem mais se atrever a "perder tempo" lendo esse texto. E, é claro, mantenha-me sempre "conectado". Assim podemos sempre filosofar e teologar ou, no mínimo, prosear sobre nossos problemas e tirar essas fantásticas bananas invisíveis de nossas vidas!

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