Nome:
Dawn's Early Light: Tacking Back Washington to Save America
Autor:
Kevin D. Roberts
Analisar escritos do conservadorismo americano tem sido um dos capítulos mais apreciáveis intelectualmente de toda a minha vida. Isto pelo fato de que temos, no Brasil, um fechamento intelectual gigantesco. As escolas predominantes, em esfera nacional ou até mesmo em toda a América Latina, são majoritariamente de esquerda ou de centro. Usualmente não sabemos o que a direita americana pensa e temos uma visão deturpada acerca do seu pensamento. A escola conservadora americana é tão intensa e interessante quanto uma escola de pensamento deve ser. Ela possui muitas variações, características e contrastes. Algo infinitamente mais complexo do que é geralmente apresentado.
Creio que os leitores conhecem Kevin D. Roberts, mas se não o conhecem, apresentar-lhes-ei o contexto. Kevin D. Roberts é um homem que apareceu envolto numa polêmica bem recente. Essa polêmica é o "Project 2025" – muito comentado midiaticamente, mas quase todas as fontes desse debate midiático são de esquerda e possuem um caráter muito mais unilateral do que multilateral. Muitas pessoas aguardam uma análise minha sobre o "Project 2025". E de fato, o "Project 2025" é uma obra que pretendo um dia analisar, todavia estou me preparando em uma jornada para "chegar até lá". Voltando mais propriamente a apresentação, Kevin D. Roberts é o presidente da Heritage Foundation. Um homem cuja a posição já leva a um aguçamento da curiosidade, visto que a Heritage Foundation é uma das maiores organizações políticas do mundo. Sobretudo uma organização conservadora de extrema relevância ao debate intelectual.
Vale um pequeno adendo: JD Vance, atual vicepresidente dos Estados Unidos da América, escreveu um pequeno trecho do livro. O que demonstra a importância desse livro para a formação do projeto político da atual gestão dos Estados Unidos. Uma pequena curiosidade é que JD Vance esteve na Europa e criticou a forma com que os políticos europeus vem atuado. Mais especificamente certas elites políticas, culturais e econômicas, visto que essas elites vem promovido um fechamento da Europa para determinadas visões de suas populações. A argumentação européia é de que esses "políticos populistas" não são adequados a normalidade democrática.
O problema é que essas elites creem que são por si mesmas a normalidade democrática. A chamada "democracia liberal" em que diferentes visões, ideologias e doutrinas competem entre si está sendo trocada por uma "democracia" – bem entre aspas – em que uma elite arroga para si o termo "democrata" e define por si mesma o que é a "vontade democrática", muitas vezes indo contra os anseios do próprio povo. Em outras palavras, não é mais o povo que determina o que é a vontade democrática, mas sim a "elite democrática" que define conforme as suas metas o que é a "vontade democrática" e molda os rumos do país conforme as suas vontades e anseios políticos. Tudo que for um "impedimento" a essa "vontade democrática" da "elite democrática" é, por si mesmo, algo "antidemocrático" – generalizado pelo termo "fascista" e "extrema direita" que é repetido e generalizado a exaustão, sem qualquer comprometimento e/ou rigorosidade de aplicação epistêmica séria – e deve ser banido do debate público e da possibilidade de realização de projeto político.
Voltando a centralidade da análise do livro. Vemos que Kevin D. Roberts é mais um daqueles homens que se voltam contra a tradição neoconservadora e pretendem alterar "um pouco" do funcionamento do movimento conservador. Para tal, ele propõe a criação de um novo movimento, esse seria o "New Conservative Moviment", que não é o mesmo que o "movimento neoconservador". Esse "New Conservative Moviment" teria uma espécie de fogo controlado. Esse fogo controlado "queimaria" as instituições que não podem ser reformadas, visto que estão demasiadamente subvertidas ou já nasceram com propósitos subversivos. Essas instituições subversivas tem como caráter um grande network político, corporativo e cultural em que as elites compartilham os seus interesses, interesses esses que muitas vezes vão contra os interesses do americano comum.
Essa diferença tática – que é bem central – permeia uma velha questão do conservadorismo enquanto movimento: conservadores mais antigos tendem a crer que instituições devem ser mantidas ou reformadas, mas nunca "queimadas" (destruídas). A razão disso é o fato de que conservadores são reformistas. O "New Conservative Moviment" é um movimento que quebra essa tática e/ou linha de pensamento conservador. Se é necessário que algumas instituições sejam "destruídas" para preservar e reformar instituições mais nobres e úteis ao país. Em outras palavras, instituições que apresentam propósitos subversivos ou foram demasiadamente corrompidas por agendas ideológicas esdrúxulas devem ser "queimadas" por um fogo controlado e purificador.
Quando Kevin D. Roberts fala sobre as instituições subversivas, ele fala sobre um projeto categoricamente de esquerda que visa um cerceamento do discurso, a adoção de um sistema de imigração em massa para a substituição da mentalidade americana – pouco importando os critérios de eficiência, mas sim um critério de criar um Estado multiculturalista – e também de uma elite que é cosmopolita e ligada a uma agenda internacionalista. Inclusive é preciso notar que muito da elite dos Estados Unidos não é ligada a uma sensação de pertencimento aos Estados Unidos, mas sim a uma sensação de "pertencimento mundial" e "sem fronteiras". Essa elite muitas vezes se contrasta com o americano médio, muitas vezes apresenta um "elitismo do bem" ou um "elitismo de esquerda", que olha o cidadão que não pertence a essa "esfera cosmopolitana" como um incapaz, um estulto e/ou um ignorante. A mídia cosmopolita muitas vezes menospreza e trata esses cidadãos como meros idiotas.
A própria questão da elite cosmopolita e um povo enraizado é uma questão de constante debate. Seja nos Estados Unidos, seja na Europa. Há, além disso, a questão da separação cada vez maior entre a cosmovisão e o modus pensandi das pessoas que possuem ensino superior e das pessoas que não possuem ensino superior. Além disso, esse mesmo quadro se repete entre pessoas que estão na "cidade grande" (regiões mais urbanizadas) e aquelas que estão na cidade do "interior" (regiões menos urbanizadas). O fato da esquerda promover um "bullying do bem" contra esses cidadãos leva a um aumento do tensionamento político e esse tensionamento político aumenta a polarização do país e o sentimento e/ou crença – muitas vezes bem fundamentada – de que existem dois povos americanos e os dois estão entrando num conflito existencial. Para entender melhor essa ideia, sugiro que veja o vídeo "America's Cold Civil War", ele pode ser encontrado no canal da "The Heritage Foundation" no YouTube – ele é bastante elucidativo a respeito do que é uma "guerra fria civil" em que distintas visões de mundo entram em choque por diferentes parcelas da população.
Em relação as elites, vale notar que existe a questão da "elite orgânica" e a "elite artificial". A "elite artificial" – vou utilizar aqui um termo gramsciano – utiliza aparatos de perpetuação de hegemonia para permanecer no poder, desfavorecer adversários e impedir a possibilidade de mudança ou de ascensão dos seus adversários. O que o livro de Kevin D. Roberts critica é uma elite que se utiliza dos instrumentos do poder para realizar a perpetuação e continuidade do seu projeto sem a possibilidade de crítica, de reforma ou até mesmo de um consenso mais ponderado. O fato da imposição da agenda dessa elite, seja pelo domínio político ou pelo ativismo judicial – quando juízes começam a interferir nos rumos políticos tais como se fossem políticos eleitos –, leva a uma necessidade de uma estratégia alternativa.
Vale lembrar que a direita com caráter populista não surge por um acaso, mas num momento em que a esquerda abandonou amplas margens da população – inclusive até mesmo trabalhadores – em favor de valores cosmopolitanos que muitas vezes contrastam com os valores típicos da população de seus países. A conexão e o aumento de proximidade da direita com o povo se deu quando a direita se viu marginalizada na academia (no sentido universitário) – sendo até mesmo perseguida ou com professores fazendo esquemas para promoverem só alunos de esquerda –, na mídia mainstream e nas instituições. Esses dois fatores levaram ao surgimento de uma direita que se conectou com o povo, adquiriu um caráter mais populista – o que era em si mesmo uma necessidade em virtude da agenda cosmopolita – e que questiona as instituições mainstream.
Uma das principais críticas feitas a agenda da esquerda ocidental moderna é o projeto multiculturalista e as políticas de imigração em massa. O antigo processo de imigração envolvia um processo de integração que implicava num assimilacionismo daqueles que entravam no país. Entrar num país não significava, em absoluto, uma preservação ostensiva de um modo de vida e de um modo de pensamento. Ele implicava em uma adaptação aos valores, hábitos e cultura local – mesmo que não de forma absoluta – e um respeito as instituições do país em que se entrou. O projeto multiculturalista envolve imigrantes que não são assimilados, mas sim mantidos em sua forma cultural primária. Esse projeto vai em detrimento da comunidade que estava primariamente em determinado país. Os Estados que aderem o projeto multiculturalista – a imigração em si mesma não é um problema, mas a forma em que a imigração é proposta ou se dá – é que essa agenda leva a uma acentuação dos problemas, muitas vezes gerando questões identitárias e conflitos étnicos. E não, isso não é a mesma coisa que "Great Replacement". É preciso pensar num modelo de imigração que não cause tantos conflitos e seja pensado a partir das necessidades econômicas do país e da capacidade de assimilação das pessoas que adentram no país.
Antes de continuar a linha central da análise, preciso de um breve adendo. A crítica que Kevin D. Roberts faz ao neoconservadorismo – aliás, é bem semelhante a crítica dos "MAGA conservatives" – é a de que os neoconservadores se preocuparam mais em uma "expansão" e/ou um "projeto de Império Global" pros Estados Unidos do que a resolução de problemas internos. A violenta agenda externa neoconservadora custou aos Estados Unidos um grande endividamento e um esquecimento das questões nacionais. Muito dinheiro foi gasto, muitos recursos foram usados e o próprio povo americano foi esquecido no processo. Grandes problemas nacionais, como a infraestrutura, a indústria, a família e o próprio bem-estar do trabalhador americano foram simplesmente deixados de lado em prol do sonho neoconservador. Esses profundos problemas sociais, econômicos e de infraestrutura – além de uma visão bastante pejorativa que a agenda neoconservadora causou – gerou uma revisão intelectual do movimento conservador, o que levou a uma agenda mais voltada as questões domésticas ("America First").
Outra questão apresentada é o renascimento das instituições cristãs e da "alma americana". É a preocupação com o "espírito da fronteira". A questão de "conquistar novos mundos" por um espírito aventureiro e empreendedor. As instituições cristãs que renasceriam seriam as instituições ligadas as atividades educacionais, mais propriamente aquelas que apresentam o caráter da educação clássica. Para compreender melhor o que seria isso, recomendo que busque informações acerca da Hillsdale College. Já o renascimento do "espírito da fronteira" seria a busca pela atividade da realização tecnológica e empresarial – o que só é possível com uma grande reforma educacional e econômica –, fazendo frente a China.
Sem dúvidas, o livro de Kevin D. Roberts é um livro muito impressionante e importante. Ele traz um colossal revisão tática, metodológica e até mesmo na estrutura do pensamento conservador. Creio que ele merece ser lido. É um dos livros mais importantes dessa década e com certeza impactará o debate público e as estratégias políticas dos próximos tempos. Kevin D. Roberts demonstra ser um importante líder e ao mesmo tempo estabelece a possibilidade de uma cópia tática em outros países do mundo.