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sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Acabo de ler "Anatomy of the State" de Murray N. Rothbard (lido em inglês/Parte 7 – Final)

 


Nome:

Anatomy of the State


Autor:

Murray N. Rothbard


Para Murray, existem dois paralelos. A história da ação não-estatal, marcada por uma cooperação e competição. A história estatal, marcada pelo domínio e uso da força. Essas duas histórias sempre se cruzam, ora tendendo para um lado, ora tendendo para outro.


Os argumentos que o Murray utiliza contra o Estado são, é claro, bastante interessantes. Há uma verve libertária inegável. Embora se possa afirmar que exista uma simplificação dos fenômenos sociais e psicológicos. Além do Estado, existem opressões sociais. O Estado pesa muito no exercício dessas opressões, todavia elas não necessariamente precisam do Estado para existirem. De qualquer forma, pensar num mundo sem Estado e estabelecer uma crítica ao Estado é de suma importância para o debate e Murray não pode ser simplesmente ignorado ao fazer isso.

Acabo de ler "Anatomy of the State" de Murray N. Rothbard (lido em inglês/Parte 4)

 


Nome:

Anatomy of the State


Autor:

Murray N. Rothbard


A relação do Estado com intelectuais é bastante complexa. Duma série de conceitos ou políticas criados, inclusive para reduzir o tamanho ou o poder do próprio Estado, todas sempre se demonstraram falhas em frear o Estado em sua expansão. Quando conceberam a democracia moderna, pautando o poder pelos "anseios do povo", acreditaram que a tirania seria freada. Todavia esse mecanismo se tornou um mecanismo dentro do poder de repressão do próprio Estado. De modo semelhante, a ideia de direitos naturais se tornou algo que o Estado mesmo deveria promover. O utilitarismo se tornou uma justificação para as ações do Estado.


O propósito inicial da constituição americana era, por exemplo, limitar a possibilidade de tirania que o Estado poderia causar caso fosse deixado livre. Todo cidadão americano identificava, na constituição, os limites que asseguravam a sua vida da tirania. Só que havia um porém: ao identificar na constituição do Estado a própria segurança contra o poder do Estado, ele legitimou a existência do Estado. O Estado, por sua vez, aproveitou-se disso para sorrateiramente justificar a sua existência e ação através do tempo. O Estado conseguiu isso através da chamada "revisão judicial". Essa "revisão judicial" ampliava a ação do Estado conforme o tempo passava com base em revisões que seriam supostamente feitas para que o Estado cumprisse a sua própria função.


As raízes da expansão do Estado americano estavam contidas na própria crença de que a constituição era legítima. Crer na constituição do Estado americano era acreditar, por pressuposto, na legitimidade do Estado americano. Só que há um problema nessa legitimidade: o Estado só pode fornecer essencialmente algo que ele proibiu ou limitou os outros de fornecerem por si mesmos. Se o Estado é de fato bom nisso, por que as suas funções não são voluntariamente aceitas? Ao acreditar na arbitrariedade e na contingência do Estado americano, o americano passivamente autorizou a existência do Estado.


Se a existência do Estado americano era justificável pela as suas decisões serem ínfimas, não atacando liberdades essenciais concernentes aos indivíduos, o rumo americano foi logo mudado. O Estado americano foi fundado com a premissa de que ele seria diferente de todos os outros, essa diferença estava em seu tamanho enxuto. O seu tamanho era enxuto pois os outros Estados tinham feito enormes tiranias e ações arbitrárias em nome seus cidadãos. O caminho pro Estado americano se refundar e expandir o seu tamanho se encontrava dentro da própria legitimidade que os americanos davam e dão a constituição.


Quem poderia, dentro dos Estados Unidos, decidir k quão pequeno o Estado pode ser com base na constituição? Em última instância, esse papel depende da Suprema Corte. Só a Suprema Corte pode vetar uma decisão e só dependeria dela interpretar se algo é um aumento nocivo do Estado ou se algo é uma função natural do Estado. Nenhum outro cidadão deteria tal função, nenhum outro grupo, apenas os próprios burocratas que estavam mais interessados em seus próprios interesses enquanto grupo burocrático do que nos interesses de cidadãos particulares.


Quando pensamos no Estado, geralmente pensamos nas condições mais ilustres acerca da dignidade que ele supostamente tem. O problema é que o Estado não é e nem pode ser confiável. O Estado tem poderes que nenhum cidadão privado, por assim dizer, poderia exercer. Esse poder está nas mãos de pessoas que são movidas pelos mesmos interesses do cidadão comum, isto é, a maximização do seu próprio bem-estar. Quando alguém adquire poderes acima dos normais, essa pessoa sempre se corromperá por se habituar ao uso de um poder que, para começo de conversa, deveria ser proibida de obter. O aumento da tirania do Estado não é um acaso ou uma deturpação, ele é a própria natureza do Estado. Já que o Estado é, em si mesmo, corrupto. E a tendência do uso do seu poder corrupto é a corrupção e o aumento das justificativas dessa corrupção.

Acabo de ler "Anatomy of the State" de Murray N. Rothbard (lido em inglês/Parte 3)

 


Nome:

Anatomy of the State



Autor:

Murray N. Rothbard

Quando um grupo de indivíduos se apodera do poder de dado território, ele precisa conseguir o aval da maioria da população. Esse aval não é conseguido só em processos de governos democráticos, esse processo é necessário em qualquer governo. A busca por legitimidade e legitimização é inerente a perpetuação de qualquer Estado, seja qual for o seu modelo organizacional.

Essa legitimidade é conquistada usualmente pelo fato de que o Estado busca importantes grupos sociais, extraindo apoio dos líderes desses grupos sociais. É pegando para si as lideranças dos grupos que compõem o território que o Estado é legitimado. Esse processo, mais uma vez, não é só dentro do regime democrático, mas dentro de qualquer regime.

Conquistar o apoio das "lideranças", dando-as um título de nobreza ou algum cargo estratégico, o Estado não poderia deixar de pensar nas grandes maiorias. As grandes maiores não se convencem unicamente com a participação dos seus representantes. A aprovação social de um indivíduo pode mudar. Para conseguir o apoio da maioria, o Estado apela para os meios ideológicos. Ele convence a maioria das pessoas que a existência do Estado é inevitável, que ela é boa ou prudente.

Para a tarefa de convencer a população do território acerca da importância do Estado, o Estado busca auxílio de intelectuais que convençam o homem médio a confiar nele. A aliança dos intelectuais e do Estado é bastante antiga, o intelectual precisa de um anteparo financeiro e o Estado precisa convencer a população da necessidade da existência do próprio Estado. Os intelectuais servem ao Estado convencendo as pessoas, moldando a assim chamada "opinião pública".

É evidente que o intelectual não necessariamente precisa do Estado para sobreviver e para desempenhar as suas atividades. Só que há um porém: a vida do intelectual, o seu sustento, é incerto. A maioria da população não considera a importância intelectual e isso faz com que a sobrevivência, dentro de uma sociedade de mercado, seja incerta e sempre volátil. Por outro lado, o Estado não só está convencido da importância dos intelectuais, como quer eles do seu lado e oferece aos intelectuais a comodidade necessária.

Os intelectuais, não sendo bobos, se ancoram no Estado para poderem darem continuidade as suas existências. Para tal, criam vários argumentos através da história. A ideia de que o imperador/rei tinha sido eleito por Deus; a ideia de que os nobres eram uma elite de pessoas notáveis; a ideia de que o Estado reuniu ao seu redor os melhores especialistas para tratar dos problemas públicos. Tudo isso consta. Acima de tudo, o Estado seria inevitável, em último caso, visto que o mundo tem muitos males.

O maior alicerce do Estado, como apontado por Rothbard, é o de transformar o roubo não sistemático e privado em algo mínimo. O Estado seria, então, um mecanismo avançado de roubo que não permite que existam outros mecanismos que pratiquem a sua função primordial (roubar).

Existe outro mecanismo que o Estado utiliza para manter a sua legitimidade. As pessoas têm uma predisposição natural para amarem os seus locais de nascença. Esse sentimento natural se confunde com o apoio ao Estado. Muitas guerras, movidas por interesses escusos entre diferentes Estados, são manipuladas para que o povo acredite que é uma luta entre dois povos e não uma luta entre dois grupos com interesses distintos. Essa manipulação é toma forma de nacionalismo.

É claro que, após tantos e tantos anos de estatismo, isso gera um hábito. Muitas vezes, não questionamos a realidade ao nosso redor pelo simples fato de que ela nos aparece como sendo natural e não forjada por construções sociais. A forma com que nos assimilamos hoje ao Estado se dá de semelhante maneira: nossos pais eram governados pelo Estado, os pais dos nossos pais eram governados pelo Estado, assim foi sucessivamente. Nossa mente simplesmente concebe que: se o Estado apresenta continuidade no espaço-tempo, ele não pode ser uma produção artificial. O Estado, para nós, aparece como uma figura tão natural quanto qualquer outra coisa que esteja a nossa volta.

O pensamento que o Estado utiliza para se legitimar ante aqueles que condenam a sua existência é, muitas vezes, um apelo ao passado e a sua própria longevidade histórica. Se a maioria das pessoas se habituou as práticas dos diferentes Estados, como é que poderíamos considerar a sua existência estranha ou indesejável? Os intelectuais que possuem visões antiestatais são considerados como estranhos, estando longe dos anseios da maioria e o Estado usa essa maioria, que raramente pensa acerca da natureza do processo que levou a formação do próprio Estado, contra essa minoria. Desse modo, o antiestatista é classificado como uma pessoa com visões demasiadamente românticas, um insano, um perverso, dentre outras classificações pejorativas ou idealistas.

A justificação da existência e perpetuidade do Estado pode variar de época em época a depender do contexto, tempo e local que se situe. Ele pode advir da vontade divina, do absoluto ou das necessidades materiais das forças produtivas. De qualquer modo, não importa o argumento utilizado: o Estado sempre encontrará uma justificativa para existir e perpetuar a sua existência, não importa por qual meio retórico. Só que esse vaivém demonstra algo: que o Estado é, propriamente, uma construção social e depende de uma sociedade que justifique essa construção para existir.

A principal razão do Estado moderno é a justificação por meio das suas nobres causas. O Estado estaria acima das preocupações mesquinhas que motivam as ações de indivíduos particulares. É ele que promove tudo o que é bom para o bem-estar coletivo enquanto os outros só pensam em si mesmos. Não há, além do Estado e dos seus nobres burocratas, qualquer pessoa que tenha os anseios filantrópicos, por mais mínimos que sejam. Uma narrativa completamente falsa, mas que não deixa de ser convincente.

Outra razão do Estado existir, agora que não somos mais dominados por uma razão teológica, é a ciência. O Estado é a mais científica das organizações. Além disso, a ciência só existe por causa da organização do Estado. O Estado tem as melhores pessoas, as pessoas mais bem-intencionadas, em promover a melhor administração possível para a resolução de tudo. A ciência não existe sem o Estado. Ora, isso é outra alegação falsa. Completamente parcial e viciosamente narrativista.

domingo, 20 de outubro de 2024

Acabo de ler "Campus Battlefield" de Charlie Kirk (lido em inglês/Parte 2)

 


Nome:

CAMPUS BATTLEFIELD

HOW CONSERVATIVES CAN WIN THE BATTLE ON CAMPUS AND WHY IT MATTERS


Autor:

Charlie Kirk


A exclusão sistemática de vozes divergentes nas universidades americanas se tornou uma prática comum, quando não aplaudida, por setores progressistas da academia. Não raro, conservadores são expulsos, calados, cancelados e agredidos. Uma realidade de profunda intolerância em um país conhecido amplamente por sua cultura liberal e liberdade de expressão.


Uma das principais argumentações que "justificariam" tal comportamento é a acusação de neofascismo. Hoje em dia, o chamado "neofascismo" é algo ambíguo. A relatividade conceitual na aplicação desse termo leva a uma perda da própria noção do que foi o fascismo enquanto movimento histórico e em suas principais crenças enquanto movimento. Usualmente a militância antifascista cai em ações flagrantemente fascistas para combater o fascismo. O que se pode dizer sobre o fascismo é que ele tinha determinadas características peculiares: um governo centralizado, autocrático, um forte controle social e econômico e, por fim, a supressão da oposição.


Atualmente existe uma deturpação contínua dos termos para uma justificação de determinadas ações e ideologias. Junto com o fechamento do debate e o cerceamento do discurso. Essa correlação leva a um desenvolvimento mononarrativo que leva ao apagamento contínuo da liberdade intelectual dentro das academias. Essa ação consequentemente leva a um prejuízo da riqueza discursiva. Temos o risco de cair em um consenso e não chegar nunca a uma possibilidade de debate razoável.


O automatismo mental que vem se desenvolvido nas faculdades não permite graus de conhecimento maiores. A própria capacidade dialética se perde conforme a unanimidade cresce. As perseguições não são o único problema, existe também a exclusão social e também a agressão física. Em um ambiente assim, a faculdade é monopolizada para fins cada vez mais questionáveis.

domingo, 25 de agosto de 2024

Acabo de ler "Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia" de Mozer e Helder (Parte 3)

 


NOME:

Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia

AUTORES:

Mozer de Miranda Ramos;

Elder Cerqueira-Santos.


O homem homossexual e bissexual para consumo é discreto para ser tolerável. Ele se aproxima repetidamente da heteronormatividade e se afasta da feminilidade. Se afasta de comportamentos que podem ser vistos como femininos e se aproxima da diluição completa de qualquer coisa que torne visível a sua homossexualidade ou bissexualidade. Em outras palavras, a homossexualidade e a bissexualidade masculina só são toleráveis quando são imperceptíveis. A cultura homonormativa, no âmbito masculino, é a negação contínua de aparecer ou se manifestar no espaço público. Ela também é uma afirmação do domínio da masculinidade e um ataque velado a feminilidade e a mulher. O que é bastante interessante, visto que é no espaço público em que o poder hegemônico se faz mais visceralmente presente e onde os grupos marginais mais são negados e estigmatizados por não estarem na hegemonia.

A conversão à hétero-norma é uma tentativa de adaptabilidade subordinada. Ela é uma postura que aceita uma realidade de domesticação. Uma postura que se demonstra dócil a um mundo dominado por heterossexuais e pela inebriante idolatria da masculinidade. Ela leva a uma autocrítica alienante e um ódio do ser por si mesmo – homofobia internalizada, bifobia internalizada, misoginia internalizada. Ela é uma amputação ontológica na medida em que homens bissexuais e homossexuais negam muitas características próprias, se autolimitando expressivamente, para se adequarem a um sistema corrupto que os marginaliza recorrentemente. Em outras palavras, ela é o compromisso com a derrota. Lembrando o velho ditado: "quando você aceita os termos do seu inimigo, você já perdeu faz tempo".

Como sempre, a densidade de camadas é tão sutil quanto o mais complexo esoterismo. Quando homens bissexuais ou homossexuais masculinos se ocultam numa cultura que sempre os invalidará, quem sofre é outro tipo de homem. Ao adentrarem no jogo da hétero-matrix, deixaram homossexuais e bissexuais efeminados caírem perante o martírio social e reforçaram os estereótipos de gênero. Nesse sentido, houve um rito sacrificial e um bode expiatório (o homem homossexual ou bissexual efeminado). Essa complexidade demonstra a própria perversidade da sociedade e os custos da idolatria da masculinidade.

A legitimização e deslegitimização nos jogos sociais apresenta uma tragédia: ela é feita com base num jogo interminável, sociológica e psicologicamente esgotante, em que a masculinidade deve ser provada o tempo todo e em todo momento. Quando um homem lhe acusa de não ser hétero ou macho o suficiente, você deve provar a sua masculinidade e heterossexualidade. O problema é que essa masculinidade o justifica existencialmente, anulando-o caso você não consiga cumprir os critérios das hétero-normas. Esse jogo social cria a cultura homonormativa em que a expressão cultural de homossexuais e bissexuais são uma paródia ou simulacro da cultura heterossexual. 

domingo, 18 de agosto de 2024

Acabo de ler "Hegemonic Monosexuality" de Angelos Bollas (lido em inglês/Parte 4)

 


A hegemonia é intrinsecamente uma tática de estratificação social. Isto é, ela serve para que o grupo dominante e/ou majoritário mantenha o seu poder e o seu posicionamento. Muitos dos pontos defendidos pelo grupo dominante foram socialmente construídos e não são naturais, mas o próprio domínio do grupo dominante se confunde com a naturalidade. Essa confusão, forjada ou inconsciente, traduza-se em efeitos materiais que beneficiam o próprio grupo dominante.


É o grupo dominante que cria até mesmo o discurso do outro. O outro é obrigado a ser inorgânico. Incapacitado de expressar o que ontologicamente é. A forma expressiva – seja sexual, de gênero, religiosa, racial, cultural – é subjugada e regulamentada pelo grupo dominante. A ausência de poder simetricamente oposto faz com que as normas do grupo dominante regulem sobretudo aquilo que chamamos de espaço público. Em outras palavras, fora dos poucos polos normativos, há o script social que deve ser seguido.


Um grupo que ganhou força ao se adaptar ao script da sociedade foi o grupo "LG" (lésbicas e gays). Que criaram a cultura homossexual de consumo. A mulher e o homem homossexual normal. Essa figura ilustre – o gay e a lésbica normal –, era monogâmica, tinha uma vida estável, uma reverência aos papéis de gênero instituídos por heterossexuais e uma certa docilidade perante os valores reinantes.


O movimento bissexual, pipocando nos anos 90, começa a questionar os valores instituídos e o simulacro desses valores. O que o movimento bissexual queria era basicamente duas pautas: respeito pelas diferenças e aversão a assimilação. O respeito pelas diferenças surge pela própria questão da invisibilidade bissexual, que é até hoje apagada pela cultura monossexista. Já a questão da aversão a assimilação surge pelo esvaziamento do potencial de real oposição política a heterossexuais por causa da assimilação à hétero-matrix por grupos homossexuais.


Para o movimento bissexual, a discussão acerca do desejo sexual ou romântica não era produtiva e, ainda por cima, era ditada por um binarismo antagônico que jogava as pessoas em padrões heteronormativos ou homonormativos. A discussão naquele período era: você pode se relacionar com um homem ou uma mulher. Com alguém do mesmo sexo ou do sexo oposto. Essa binariedade antagônica era marcada por uma autoexclusão das possibilidades de afeto (ou "x" ou "y"). 

domingo, 16 de junho de 2024

Acabo de ler "A Tirania dos Especialistas" de Martim Vasques da Cunha (Parte 4)

 



Existe uma tendência propriamente humana de querer uma imanentização escatológica. Ou seja, o ímpeto de realizar na Terra o juízo final. O que supostamente aconteceria a esse evento seria o fim da história e provavelmente o paraíso terrestre. Nele, teríamos, por fim, todo o gozo que o mundo atual nos rejeita. Tal acontecimento seria possível pelo retorno ao passado glorioso (reacionarismo) ou ao futuro grandioso (revolucionarismo). Isto é, a ficção delirante a ser construída pela extrema-direita (via reacionária) ou pela extrema-esquerda (via revolucionária).


A complexidade da nossa experiência no mundo não pode – e nem deve – ser suprimida por uma panacéia criada por um intelectual. O intelectual, contudo, acredita na potencialidade irrestrita de sua capacidade. O que lhe dá um ar de onipotência divina. Para realizar seus planos, precisa do poder. Esse estranho hábito é chamado de pleonexia (desejo pelo poder). E se existe alguém contrário aos seus anseios grandiosos, o intelectual prontamente se converte sua pleonexia em filotirania (amor à tirania). É graças aos intelectuais que ditaduras pomposas e leis que usurpam o poder dos indivíduos surgem todos os dias.


O intelectual, crente em seu próprio poder, chega ao delírio de se propor como acima de todos os demais indivíduos de seu meio e, até mesmo, fora dele. Tal condição o predispõe amargamente ao gosto por uma tirania que, posta em prática, traz o Inferno para a Terra. É por isso que "o Inferno está recheado de boas intenções", visto que é o próprio anseio de trazer o Paraíso para Terra que faz com que o intelectual traga o Inferno em vez do paraíso. Lembrando analogicamente o Demiurgo que, ao criar o mundo material, trouxe toda a imperfeição junto a sua criação.


Quando descobrimos que "Os Demônios" nada mais são que os intelectuais e que os desejos intelectuais podem causar a ruína ou o desaparecimento trágico duma sociedade inteira, temos uma conscientização da responsabilidade da vida intelectual e das suas consequências. Lembrando o clássico livro conservador "As Ideias têm Consequências" de Richard M. Weaver.

domingo, 26 de maio de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 18)

 


Voltamos a análise do Instituto Marx Engels Lenin sobre a vida de Stalin (páginas 249 à 256). Essa parte é bastante interessante: a luta revolucionária na Rússia tem dimensões que usualmente não aparecem na análise da maioria das pessoas: as múltiplas intenções das alas bolchevistas, a intervenção externa, as alas revolucionárias que estavam em choque, dentre tantos outros fatores que dão ares muito mais complexos do que usualmente se supõe.


Stalin é aqui mencionado como organizador do Exército Vermelho, auxiliando fortemente em todos os locais em que se formava uma crise ao poder revolucionário. Ou seja, ele era o responsável por apagar a crise e impor a ordem. Com tamanha atuação, é impossível pensar em sua figura como a de alguém de menor importância para a Revolução Russa. Mesmo que, com o tempo, tenham tentado diminuir a dimensão de Stalin.


Deve-se a Stalin a formação geográfica dos países da União Soviética. Foi ele o "criador de povos". Ele trouxe uma política oficial, a partir do marxismo, para construir os diferentes povos soviéticos. Embora muito seja falado sobre a predominância russa e, até mesmo, daquele "imperialismo social" que os chineses acusavam a União Soviética de usar – tema pouco debatido nas academias nacionais.


De qualquer forma, é quase impossível não assumir posturas autoritárias num país fragmentado e em que o novo Estado deve reinvindicar para si uma nova forma de agir. Na luta pelo poder, sobretudo em períodos de grandes choques e com grandes problemas sociais a serem enfrentados, pode-se observar quase o mesmo em diferentes proporções. Ou seja, quase todas as posturas soviéticas não se dariam de diferentes modos em distintos regimes ou países, são quase como consequências naturais – embora existam alguns acidentes e particularidades próprias.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

Acabo de ler "Em Defesa de Stalin" de Vários Autores (Parte 15)

 


Voltamos a análise do Instituto Marx Engels Lenin sobre a vida de Stalin (páginas 229 à 232). Com a derrota da primeira revolução russa, algumas conclusões foram tomadas:

1- Era necessário uma expansão do conhecimento doutrinal da doutrina bolchevique por parte dos trabalhadores;

2- Dominar o processo revolucionário era de suma importância para garantir a permanência e vitória plena da própria revolução;

3- O partido que liderasse a revolução também seria o partido que dominaria o Estado revolucionário que surgiria dessa mesma revolução.


Ora, a política não é uma arte fácil. Ela é bruta e ao mesmo tempo sutil. O "sutil" empregado aqui está no sentido "esotérico" de "mundos sutis", isto é, mundos que precisam de alto conhecimento para se compreender a sua dinâmica processual na totalidade ou quase totalidade de sua inerente complexidade. Os bolcheviques, sobretudo os seus líderes, habituados na leitura dum pensador tão complexo quanto Marx, não seriam incapazes de compreender tamanha necessidade. Além disso, a política é bruta pois se dá em paralelo a dinâmica dos desejos que se conflitam e dos poderes que se anulam. O acúmulo do poder também é, por sua vez, a possibilidade de efetivação do próprio desejo.


Todos aqueles que batalhavam naquele período turbulento queriam o poder para efetivar o próprio desejo. As múltiplas versões revolucionárias, as versões reformistas e até mesmo as reacionárias. Todas queriam o poder para realizar o próprio desejo. Seja o desejo de sua classe, de seu grupo, de sua religião, de seu povo ou um desejo de natureza pessoal. Essa é, em si mesma, a natureza do poder e do seu conflito que é sempre intrínseco e, quiçá, necessário.