Mostrando postagens com marcador hétero-matrix. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador hétero-matrix. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Acabo de ler "What Is Hegemonic Masculinity?" de Mike Donaldson (lido em inglês/Parte 4 Final)

 


O que constrói a masculinidade?  Será a soma de privilégios ou a de encargos? Existe algo de "natural" e algo de social nessa construção? É possível uma abordagem 100% biológica ou 100% sociológica? Creio que ainda falta muito tempo – e estudo – para chegarmos a conclusões mais precisas. Todavia abordagens extremamente especializadas e que ignoram outros ramos, e outras teses, do conhecimento, deveriam ser descartadas logo de cara pelos seus particularismos.


O fato é que masculinidade hegemônica é prejudicial e restritiva para os próprios homens heterossexuais e possui enormes custos sociais que, se não reparados, levam a um oneroso custo social que muito dificilmente poderá ser corrigido sem uma correção só próprio entendimento da masculinidade.


Nesse trecho, poderia ser mais incisivo e detalhista. Todavia creio que eu choveria no molhado e apresentaria uma argumentação muito semelhante ao que apresentei em outras análises. De tal maneira, resolvi encurtar a análise e deixá-los com um texto breve.

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Acabo de ler "What Is Hegemonic Masculinity?" de Mike Donaldson (lido em inglês/Parte 1)

 


A formação social é diferente da formação biológica. Muitas das formas sociais se confundem com realidades naturais, quando na verdade muito do mundo que temos ao redor foi construído pela sociedade em que vivemos ou que existia anteriormente a nossa existência concreta. A percepção que as pessoas têm, sobretudo quando estudam pouco sobre o assunto ou possuem pouca ou baixa possibilidade de encontrar outras realidades, é a de que o universo existente e o universo natural são o mesmo. Desse modo, realiza-se uma naturalização do universo existente, vendo como essência imutável o que é uma realidade mutável e móvel. Tal movimento cria aquilo que chamamos de "pacto silencioso".


Existe hoje um crescente debate entre a relação de masculinidade, sistema de gênero e formação social. Em tempos anteriores, muitos trabalhos exigiam força física e homens possuíam mais dela. Como resultado, criou-se uma mentalidade de que o homem tinha mais capacidade que a mulher. Essa crença de maior capacidade foi permeando muitas outras crenças, até que se delimitou cada vez mais a autonomia feminina. Com o processo industrial e relativa capacidade cada vez maior de exercer funções sem a necessidade de poder físico, a mulher foi sendo inserida, pouco a pouco, nos universos anteriormente dominados por homens. A autonomia crescente levou a reflexões cada vez maiores e o poder masculino se torna cada vez mais questionável.


Hoje não questionamos só o poder masculino, questionamos também a própria masculinidade hegemônica ("macho, hétero e ativo"). Sabe-se que o sistema de determinações de gênero e sexualidade estabelece uma série de papéis que devem ser cumpridos para a aceitação social. Todavia essas determinações estão sofrendo dia após dia com uma onda contra-hegemônica que questiona os papéis atribuídos pela sociedade. O que queremos não é cumprir papéis pré-determinados na sociedade, queremos descobrir quem somos e agir conforme a autenticidade de nossos espíritos. Se não, estaremos vivendo uma vida falsa, em que atuamos conforme um roteiro, de forma performática.


Vários intelectuais – e pessoas menos profissionalmente intelectualizadas – buscam a construção de uma outra masculinidade e uma outra feminilidade. Não uma hegemônica que sirva como parâmetro ou que seja paradigmática. E sim uma masculinidade e feminilidade que tenham autonomia frente aos sistemas de gênero e sexualidade. Ou seja, a ordem que queremos é uma ordem em que cada pessoa tenha a possibilidade de determinar o tipo de masculinidade e feminilidade que quer expressar e que seja correlacionada ao próprio gosto e subjetividade sem a imposição de um modelo sobre outro.



terça-feira, 27 de agosto de 2024

Acabo de ler "Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia" de Mozer e Helder (Parte 4 Final)

 


NOME:

Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia


AUTORES:

Mozer de Miranda Ramos;

Elder Cerqueira-Santos.


Olhando bem, qual seria o problema de um homem ser "feminino"? Não é a mulher, junto a construção social da feminilidade, algo bom? Por qual razão a feminilidade seria algo ruim e deveria ser atacada ou inferiorizada? Quando a mulher se espelha em um homem ou nos modelos de masculinidade socialmente estabelecidos, ela não está demonstrando uma reverência a algo que admira em algum ponto? Quando um homem faz o mesmo, ele não está demonstrando a mesma reverência? Se não é algo admirável ou respeitável, ao menos faz parte de um ato de liberdade ou característica inata a uma subjetividade. Logo a repressão social quanto a isso não é uma repressão necessária, tampouco é desejável.


Feminilidade em um homem quer dizer uma negação a suposta superioridade do gênero masculino sobre o feminino. A sociedade estruturalmente hétero-patriarcal anseia: a superioridade do gênero masculino e a superioridade da heterossexualidade. O homem feminino tem uma negação: a da masculinidade. Mesmo que inconscientemente, mesmo que por uma "característica incorrigível", ele está negando os pontos que criam a estrutura do poder. A sociedade pode encarar isso por várias vias, mas mais particularmente duas: se é por escolha, o homem efeminado é subversivo; se é por natureza própria, é um desvio da natureza e deve ser patologizado.


Nos ambientes frequentados por homens bissexuais ou homossexuais, existe a prevalência de uma apreciação estética pelo modelo essencialista do homem heterossexual ultramasculino. Isso demonstra um ódio internalizado, seja para com a própria figura da mulher, seja com a própria sexualidade. Essa postura talvez seja fruto de um temor: o de ser martirizado por uma sociedade dominada pela hétero-matrix ou de ser confundido com a pessoa que tem relações ou até mesmo de ser tornada pública a imagem de homem efeminado. Até porquê as consequências sociais disso são enormes e incalculáveis, visto que há uma negação e marginalização sistêmica de todos aqueles que escapem daquilo que se considera como "normalidade".


Como diria o clássico conservador: "as ideias têm consequências". Quando um homem bissexual ou homossexual toma postura abertamente correlacionadas à hegemonia hétero-patriarcal, ele reforça as mesmas estruturas que sistematicamente o condenam, sendo artífice da própria destruição e estigmatização. Relegando-se a uma inferioridade que lhe foi imposta por homens heterossexuais. O que o torna socialmente mais fraco e mais vulnerável aos ataques diários de uma sociedade sexista e LGBTfóbica.

domingo, 25 de agosto de 2024

Acabo de ler "Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia" de Mozer e Helder (Parte 3)

 


NOME:

Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia

AUTORES:

Mozer de Miranda Ramos;

Elder Cerqueira-Santos.


O homem homossexual e bissexual para consumo é discreto para ser tolerável. Ele se aproxima repetidamente da heteronormatividade e se afasta da feminilidade. Se afasta de comportamentos que podem ser vistos como femininos e se aproxima da diluição completa de qualquer coisa que torne visível a sua homossexualidade ou bissexualidade. Em outras palavras, a homossexualidade e a bissexualidade masculina só são toleráveis quando são imperceptíveis. A cultura homonormativa, no âmbito masculino, é a negação contínua de aparecer ou se manifestar no espaço público. Ela também é uma afirmação do domínio da masculinidade e um ataque velado a feminilidade e a mulher. O que é bastante interessante, visto que é no espaço público em que o poder hegemônico se faz mais visceralmente presente e onde os grupos marginais mais são negados e estigmatizados por não estarem na hegemonia.

A conversão à hétero-norma é uma tentativa de adaptabilidade subordinada. Ela é uma postura que aceita uma realidade de domesticação. Uma postura que se demonstra dócil a um mundo dominado por heterossexuais e pela inebriante idolatria da masculinidade. Ela leva a uma autocrítica alienante e um ódio do ser por si mesmo – homofobia internalizada, bifobia internalizada, misoginia internalizada. Ela é uma amputação ontológica na medida em que homens bissexuais e homossexuais negam muitas características próprias, se autolimitando expressivamente, para se adequarem a um sistema corrupto que os marginaliza recorrentemente. Em outras palavras, ela é o compromisso com a derrota. Lembrando o velho ditado: "quando você aceita os termos do seu inimigo, você já perdeu faz tempo".

Como sempre, a densidade de camadas é tão sutil quanto o mais complexo esoterismo. Quando homens bissexuais ou homossexuais masculinos se ocultam numa cultura que sempre os invalidará, quem sofre é outro tipo de homem. Ao adentrarem no jogo da hétero-matrix, deixaram homossexuais e bissexuais efeminados caírem perante o martírio social e reforçaram os estereótipos de gênero. Nesse sentido, houve um rito sacrificial e um bode expiatório (o homem homossexual ou bissexual efeminado). Essa complexidade demonstra a própria perversidade da sociedade e os custos da idolatria da masculinidade.

A legitimização e deslegitimização nos jogos sociais apresenta uma tragédia: ela é feita com base num jogo interminável, sociológica e psicologicamente esgotante, em que a masculinidade deve ser provada o tempo todo e em todo momento. Quando um homem lhe acusa de não ser hétero ou macho o suficiente, você deve provar a sua masculinidade e heterossexualidade. O problema é que essa masculinidade o justifica existencialmente, anulando-o caso você não consiga cumprir os critérios das hétero-normas. Esse jogo social cria a cultura homonormativa em que a expressão cultural de homossexuais e bissexuais são uma paródia ou simulacro da cultura heterossexual. 

Acabo de ler "Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia" de Mozer e Helder (Parte 2)

 



NOME:

Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia

AUTORES:

Mozer de Miranda Ramos;

Elder Cerqueira-Santos.

No Brasil, existe uma hierarquização de performática de gênero. Essa hierarquização tem algumas camadas. Se em primeiro lugar se encontra o homem heterossexual e másculo, em lugares inferiores se encontrariam o homem heterossexual de índole mais tímida e o homem heterossexual menos encaixado nas definições de masculinidade exuberante. Logo viriam os bissexuais que esconderiam a bissexualidade e tomariam uma vida dupla, marcada pela contradição e ocultamento. Também haveria o binarismo do macho/bicha, onde os ativos estariam acima dos passivos, os efeminados estariam abaixo dos machos. Ser macho e ativo seria tudo.


A questão problemática que vemos aí não se revela logo de cara. Ser efeminado não é o mesmo que ser passivo. Ser passivo não é o mesmo que ser efeminado. Aliás, hoje em dia existem muitos heterossexuais que curtem inversão de papéis. Essa ligação entre passividade-feminilidade revela uma inconsciente construção social acerca dos papéis de gênero e, até mesmo, a ideia de que mulheres são inferiores aos homens, visto que são, quase em totalidade, "passivas". A ideia de passividade-feminilidade também traduz um importante conflito de gênero: quanto mais longe um homem estiver duma mulher, mais hierarquicamente bem posicionado ele está. Essa é uma misoginia oculta muito bem estudado pela militância feminista. O que vemos é a valorização de uma figura bem clássica em nosso imaginário social: heterossexual, ativo, masculino e macho.


Como podemos vislumbrar, muitas das vezes o imaginário do homem homossexual ou bissexual se confunde com o imaginário do homem heterossexual. A ideia de superioridade do homem másculo e ativo contraposta à inferioridade do homem efeminado e passivo representa uma reprodução, mesmo que inconsciente, do machismo hétero-patriarcal. Esse inconsciente é fundamentalmente misógino e é um ponto que serve para alienação e incapacitação não só dos homens bissexuais e homossexuais, como da comunidade LGBT como um todo. Ela é uma misoginia internalizada que servirá sempre para se curvar à heteronormatividade. Representa também uma estratificação social em que o macho bi/gay se encontra acima do efeminado, levando a choques internos – além de comportamentos tóxicos – no seio da comunidade.

Acabo de ler "Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia" de Mozer e Helder (Parte 1)

 


NOME:

Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia

AUTORES:

Mozer de Miranda Ramos;

Elder Cerqueira-Santos.


A cultura é determinada por certos valores que a parametrizam. A parametrização revela uma hierarquia que regulamenta o que é socialmente valorizado e o que é socialmente desvalorizado ou até mesmo rejeitado. A exaltação da masculinidade é um ponto que afeta a todos os homens em nossa sociedade, sejam eles heterossexuais, homossexuais ou bissexuais. Homens masculinos são vistos socialmente como elevados, homens efeminados são rebaixados, desvalorizados e até mesmo discriminados.


Em escritos anteriores eu escrevi bastante sobre gênero e sexualidade. Torno a escrever isso aqui: a sociedade possui um sistema que pode ser determinado como hétero-matrix. Essa "hétero-matrix" valoriza a masculinidade e a heterossexualidade de várias formas: a primeira é como ideal supremo de masculinidade, cabe ao homem ser hétero e másculo. Se não isso, que seja bissexual/homossexual e másculo. Todavia esse segundo posicionamento – ser homossexual/bissexual e másculo – tem menor impacto que o segundo. Homossexuais e bissexuais nunca serão enquadrados no sistema hegemônico e sempre serão tidos como "menos homens". Lembrando até um dito de um amigo meu: "a partir do momento que me vi como homem bissexual, percebi que nunca me enquadraria no modelo vigente de masculinidade".


No sistema hegemônico (hétero-patriarcal), existe uma hierarquia que concede privilégios e punições. No topo, encontra-se o homem másculo e heterossexual. Além dele se encontram várias masculinidades alternativas que são subjugadas e marginalizadas. Sabe-se que um homossexual ou bissexual normativo possui o privilégio ao qual se determina sociologicamente como homonormativo, isto é, homens homossexuais ou bissexuais que se adaptaram a algumas normas – menos a de ser hétero – da heteronormatividade, simulando a sua cultura. Além disso, valoriza-se o homossexual ou bissexual ativo, já que não é tolerado o sexo anal passivo vindo de um homem. Esse quadro de valorização e desvalorização, privilégio e punição, representam uma estrutura de poder que beneficia sobretudo homens heterossexuais másculos. Há o encargo de martírio: aqueles que se distanciam daquilo que é socialmente valorizado são vistos como uma eterna piada e possuem a sua existência negada e sistematicamente atacada.


A masculinidade hegemônica é contraproducente e precisa ser provada ininterruptamente. Visto que o comportamento másculo é uma prova contínua. Essa provação é apresentada de forma multifacetada, aparecendo de forma inquietante, reforçando um condicionamento performático e transformando todos os homens em escravos dessa perpétua tortura sociopsicológica. Aqueles que se negam a jogar o jogo da hétero-matrix são considerados como efeminados e logo martizados socialmente, seja pela agressão física ou verbal direta, seja pela própria exclusão das portas da sociedade na maioria dos locais. Homossexuais e bissexuais jogam esse jogo o tempo todo, internalizando a homofobia e a bifobia, além de uma autocrítica alienante em que aderem a sistemática que lhes odeia. A questão que os autores jogam para os homens homossexuais e bissexuais que participam desse jogo social é: "Se a masculinidade ideal é heterossexual, como ser macho sem ser heterossexual?".

Acabo de ler "Reflexiones sobre el feminismo y la diversidad de género" de Villón e Cedeño (lido em espanhol/Parte 3 Final)




Nome do Artigo: "REFLEXIONES SOBRE EL FEMINISMO Y LA DIVERSIDAD DE GÉNERO: EL PODER DEL DISCURSO EN LA POLÍTICA PÚBLICA"
Escritores:

Villón Rodríguez Nadia Wendoline

Cedeño Astudillo Luis Fernando

Falar sobre gênero e sexualidade é bastante complexo. Ainda mais na América Latina, onde o atraso impera em conjunto a ignorância generalizada. Tivemos e temos uma série de conflitos sociais e teorizações que nos levaram até o momento presente. Apesar disso tudo, vivemos na angústia de um processo histórico que ainda não terminou. O que quero dizer é que: o resultado de tantas lutas ainda se revela incompleto. Assim o é em toda instância o que se determina como "histórica", história (existência) e determinação (essência) estão sempre contrapostas e confusas.

O poder depende da legitimidade e a legitimidade é assegurada através de uma conformância social. Essa conformância social depende da aceitação da maioria. As práticas institucionais estão correlacionadas a uma construção hétero-patriarcal – também chamada de hétero-matrix  –, desconstruí-lo depende de um desenvolvimento das forças sociais em direção a outro sentido. Essas forças sociais, de impulsos transformadores, precisam construir uma nova hegemonia para a consolidação de um novo rumo político. Todavia não é possível pensar nisso sem conquistar a maioria social. Essa mesma maioria está extremamente correlacionada a um processo de endoculturação hétero-patriarcal que estabelece o gênero masculino e a sexualidade heterossexual como dominantes – e veem ambos como corretos.

Na prática, o ambiente em que vivemos é tomado como normal, sendo naturalizado como única realidade possível. Essa naturalização se torna uma espécie de "imperativo oikocrático". As pessoas não compreendem que, muitas vezes, a sociedade em que vivemos são construções históricas e não construções essenciais. O meio serve como mecanismo de validação da hegemonia existente e forças antagônicas devem lutar para a validação das suas teses contra as práticas sociais existentes.

A conclusão que podemos chegar é que os movimentos sociais (sejam feministas ou LGBTs) se encontram em estado incipiente e ainda não conseguem fazer um desenvolvimento social que contraponha a hegemonia hétero-patriarcal e a hétero-matrix. As mulheres e as comunidades LGBTs ainda não conseguiram criar um sistema novo que possa fazer frente, suas tentativas ainda são "marginais" e não adentram ao espaço público com toda potência necessária para se tornar "o novo sistema".

domingo, 18 de agosto de 2024

Acabo de ler "Hegemonic Monosexuality" de Angelos Bollas (lido em inglês/Parte 4)

 


A hegemonia é intrinsecamente uma tática de estratificação social. Isto é, ela serve para que o grupo dominante e/ou majoritário mantenha o seu poder e o seu posicionamento. Muitos dos pontos defendidos pelo grupo dominante foram socialmente construídos e não são naturais, mas o próprio domínio do grupo dominante se confunde com a naturalidade. Essa confusão, forjada ou inconsciente, traduza-se em efeitos materiais que beneficiam o próprio grupo dominante.


É o grupo dominante que cria até mesmo o discurso do outro. O outro é obrigado a ser inorgânico. Incapacitado de expressar o que ontologicamente é. A forma expressiva – seja sexual, de gênero, religiosa, racial, cultural – é subjugada e regulamentada pelo grupo dominante. A ausência de poder simetricamente oposto faz com que as normas do grupo dominante regulem sobretudo aquilo que chamamos de espaço público. Em outras palavras, fora dos poucos polos normativos, há o script social que deve ser seguido.


Um grupo que ganhou força ao se adaptar ao script da sociedade foi o grupo "LG" (lésbicas e gays). Que criaram a cultura homossexual de consumo. A mulher e o homem homossexual normal. Essa figura ilustre – o gay e a lésbica normal –, era monogâmica, tinha uma vida estável, uma reverência aos papéis de gênero instituídos por heterossexuais e uma certa docilidade perante os valores reinantes.


O movimento bissexual, pipocando nos anos 90, começa a questionar os valores instituídos e o simulacro desses valores. O que o movimento bissexual queria era basicamente duas pautas: respeito pelas diferenças e aversão a assimilação. O respeito pelas diferenças surge pela própria questão da invisibilidade bissexual, que é até hoje apagada pela cultura monossexista. Já a questão da aversão a assimilação surge pelo esvaziamento do potencial de real oposição política a heterossexuais por causa da assimilação à hétero-matrix por grupos homossexuais.


Para o movimento bissexual, a discussão acerca do desejo sexual ou romântica não era produtiva e, ainda por cima, era ditada por um binarismo antagônico que jogava as pessoas em padrões heteronormativos ou homonormativos. A discussão naquele período era: você pode se relacionar com um homem ou uma mulher. Com alguém do mesmo sexo ou do sexo oposto. Essa binariedade antagônica era marcada por uma autoexclusão das possibilidades de afeto (ou "x" ou "y"). 

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Acabo de ler "Hegemonic Monosexuality" de Angelos Bollas (lido em inglês/Parte 2)

 



A compreensão da produção científica e acadêmica sobre a bissexualidade ajuda a ampliar o conhecimento geral acerca da sexualidade humana. O problema é que a produção generalizada acerca da homossexualidade e heterossexualidade apaga, em muito, a produção sobre a bissexualidade. Ademais, reforça estereótipos binários, reforçando uma percepção monossexista e excludente, na qual as próprias identidades plurissexuais se perdem. A teoria bissexual – produção epistemológica bissexual – corre o risco de se ancorar muito na teoria queer e na teoria feminista, sendo um grupo sem vida e sem representação teórica própria.


Ao mesmo tempo que se reconhece a bissexualidade como uma expressão legítima de desejo, se reconhece a ausência de protagonismo e autonomia do movimento bissexual. A luta bissexual se dá em várias frentes, mas a principal é contra o monossexismo dominante. Essa luta não coloca bissexuais apenas contra heterossexuais, como muitas vezes coloca o movimento bissexual contra homossexuais – embora essa luta se dê numa escala menor. Essa segunda luta, contra monossexistas homossexuais, é uma que se dá não só argumentativamente, mas "identitariamente". O movimento bissexual não pode se diluir inteiramente no movimento LGBT sem se alienar, visto que a identidade homossexual não é e nem pode ser a identidade bissexual.


A bissexualidade, e os bissexuais – nos quais estou incluído –, vem compreender que a bissexualidade não é só um acessório. É a natureza mesma de suas vidas. O ponto de partida de suas visões e construções teóricas em quase todos os temas de suas vidas. Quando a bissexualidade for encarada, dentro de cada bissexual, como um modus vivendi e um modus pensandi, aí que teremos a verdadeira dimensionalidade da bissexualidade. É a construção de uma identidade bissexual pulsante que se situa a luta bissexual. Ou seja, a bissexualidade só poderá ser reconhecida e lutar contra seus inimigos socio-historicamente determinados através duma postura combatente, militante e ativa, construindo a sua própria cultura e desvendando as suas próprias pautas.


Hoje em dia se fala muito da noção de que a monossexualidade (heterossexualidade e homossexualidade) são socialmente forjadas em ampla parte dos casos. Isto é, dependem mais de condicionamentos sociais do que aspirações orgânicas ou naturais – sua natureza normativa é fundamentalmente ancorada na submissão ao jugo social e as suas implicações. Bissexuais são forçados a serem heterossexuais ou homossexuais, este é o lado totalitário da cultura monossexista. A cultura monossexista força o condicionamento do desejo a uma binariedade antagônica em que cada um escolhe um ou outro. Quando bissexuais se voltam contra a cultura monossexista lutam uma luta libertacional em prol da liberdade humana, atacando a idolatria social – valores dominantes – em voga. Idolatria social que aparece reconstruída nas políticas homonormativas, que nada mais que são adaptações inconscientes da cultura hétero-patriarcal. Querendo ou não, a homonormatividade é uma adaptação da hétero-matrix. E a hétero-matrix apresenta ordenamentos de gênero (homem/mulher) e de desejo (hétero/homo), regulando atividades não só de heterossexuais, mas como de homossexuais e de bissexuais – que adequativamente devem se curvar a um ou outro grupo. É preciso abrir um "ponto rupturístico". Esse ponto escaparia da regulação binária de gênero (homem/mulher) e de desejo (hétero/homo).


Os bissexuais, em sua militância, são convidados a quebrar a hétero-matrix e as normas homossexuais. Em primeiro lugar, demonstrando a própria existência por meio de uma vida pública. Em segundo lugar, assumindo uma autonomia identitária frente o próprio movimento LGBT. A fixação por um maniqueísmo binário no âmbito do desejo (o maniqueísmo sexual hétero-bi) reduz o desejo num aspecto matematizável, onde um exclui necessariamente o outro. Essa é a marcação social – a hegemonia hierárquica monossexista – na qual plurissexuais estão sujeitos. A hétero-matrix, onde heterossexuais se impõem como modelo existencial. A homonormatividade, onde homossexuais criam regras, espelhados na hétero-matrix, para reger o comportamento da comunidade LGBT como um todo.


São dois elementos que se reforçam estruturalmente: a monossexualidade hegemônica e a monossexualidade forçada. É graças a monossexualidade compulsória que bissexuais se ausentam em se autodeclarar. Visto que a autodeclaração implica cair no jugo – usualmente heterossexual, mas também homossexual – da monossexualidade. Para uma pessoa homossexual, sair do armário é adentrar no terreno da própria existência. Para uma pessoa bissexual, sair do armário é... Adentrar na inexistência, no apagamento, no ataque monossexista. A impossibilitada de existir é o que dita a vida de milhões de bissexuais no mundo todo.