"No entanto, Ele restringiu algo. Digo isso com reverência: havia naquela personalidade perturbadora um fio que deve ser chamado de timidez. Havia algo que Ele escondia de todos os homens quando subia ao monte para orar. Havia algo que Ele cobria constantemente por um silêncio abrupto ou por um isolamento impetuoso. Havia uma coisa que era grande demais para Deus nos mostrar quando andou sobre a Terra, e, por vezes, tenho imaginado que era a Sua alegria". (Ortodoxia, Chesterton).
Eu tenho há muito tempo negado a me confessar. Chesterton diz que: "Um dos paradoxos da história é que cada geração é convertida pelo santo que se encontra mais em contradição com ela" (Santo Tomás de Aquino, Chesterton). No tempo pós-moderno, ideologicamente moldado no extremo-mundanismo, confessar-se é o oposto de nosso tempo. Tudo é volátil, sem essência e com pouca direção. É por essa razão que o religioso é visto com tamanho desdém. O problema é que eu vi que eu era um hipócrita. O problema é que eu vi que eu era uma pessoa de péssimo caráter. E o pior de tudo: eu vi que era profundamente infeliz. Não confessar é negar-se a ser sincero, é negar-se a ser filósofo, pois não há filosofia sem sinceridade. E quanto mais eu tentei ser sincero, mais vi que desejava ardorosamente a Deus. No livro "Filosofia da Crise", Mario Ferreira dos Santos conta-nos que há um "saber que sabe que sabe". Esse saber é a profunda consciência. É, talvez, a reminiscência do mundo das ideias. Ou, melhor, a recordação do amor divino - que é a transcendência por si mesma:
"Tomamos consciência da nossa individualidade através do eu. Mas acaso o eu não tome consciência de si mesmo quando toma consciência da individualidade? Não há aqui uma consciência da consciência? Um saber que sabe que sabe? E não há em nós algo que sempre se coloca além de todo o nosso conhecimento, algo que conhecemos, sempre distante, sempre cada vez mais distante, que marca uma presença que sempre se separa de tudo quanto delimitamos, pois conhecer é sempre delimitar? E esse saber de um saber que se distancia, logo que traçamos um limite, não é um grande ilimitado, que constantemente evita prender-se dentro dos limites?"
"E dessa forma, entre os limites de todo o nosso conhecer, não há sempre em nós, algo que conhece, que os vence, porque deles não se deixa apreender? E que sempre se separa, distante, sempre o mesmo?"
"Ainda é crisis. Mas é também já um apontar de uma vitória que vivemos em nós."
"O leitor, ao ler estas páginas, pode tomar consciência de que lê estas páginas. Não se desdobrou agora? E não pode tomar consciência de que se desdobrou nesse momento em que toma consciência que lê estas páginas? E que sente em tudo isso? Que algo nele é rebelde a prender-se em limites."
"Algo que os capta, mas que não quer limitar-se, e que sempre escapa a toda limitação, algo que em nós é ilimitado, algo que em nós afirma uma vitória sobre tudo quanto estabelece uma fronteira, porque vence e ultrapassa as fronteiras."
Eu estava em crise. A minha crise durou anos. Mas nesses últimos dias eu chorei de felicidade. A negação de ser foi superada pelo amor de ser. Eu não estava vivo. Vivia num cadáver. Eu fugia do grito profundo de minha alma. Tal como Gustavo Corção disse no livro "A Descoberta do Outro": "foi preciso que coisas graves acontecessem para que eu me desse conta de estar amarrado ao meu próprio cadáver". Foi preciso um longo período de crises recorrentes para que buscasse uma transcendência que até então negava. Foi preciso que eu me encharcasse no lodaçal para ver que eu era um perfeito idiota. E quanto mais eu estudava, mas percebia o quão longe do Belo, Bom e Verdadeiro estava.
É engraçado, certas coisas marcam mais a mente do que outras. E, apesar de parecerem desconexas, dão uma iluminação de ordem crescente na razão - e ultrapassam-na gerando aquilo que chamamos de fé. Eu estava num "encontro a dois" com o meu melhor amigo, a ex-namorada dele e uma mulher que acabara de conhecer. E eu fazia uma série de piadas acerca de tudo, visto o perfeito imbecil niilista, liberal e pessimista que era. E, de certa forma, as pessoas curtiam minhas piadas indecorosas, asquerosas, desordenadas e baixas. Só que depois eu disse que lia um livro islâmico e isso, para minha surpresa, causou um tremendo mal estar. Isso lhes soou insuportável. Era-lhes intolerável a religião.
Não me entendam mal, não sou islâmico e no momento em que contava as piadas também não era cristão. Só que sentia solene respeito, um respeito mais amável para com o Islã, para com o cristianismo e para com o judaísmo com o respeito que devotava a qualquer outra coisa. O Islã para eles era mais insuportável que qualquer outra coisa, ao menos eu senti essa atmosfera. E eu já haveria de supor o resto: a religião haveria de ser mais odiável que qualquer outra coisa, a Igreja Católica haveria de ser mais odiável que os mortos pelos sistemas ideológicos que a substituíram. Perdi a conta de quantas vezes neguei-me a dizer o meu amor cristandade, amor que me era quase inconsciente, mas persistente.
Achava-me numa contradição. Numa contradição brutal. Num mundo líquido, irresponsável por inconsistência lógica, nesse extremo-mundanismo da vaidade e vento que passa, eu sentia respeito venerável por aqueles que tinha na vida uma hierarquia e uma meta. Eu respeitava os muçulmanos, pois sua vida tinha "dirigibilidade". Eu admirava Dugin, por romper com a pós-modernidade ultraliberal. Eu admirava a China por ser ter a sua própria identidade política. E cada vez mais eu via que todos aqueles que estavam ao meu redor nada tinha a ver comigo em minhas crenças e respeitos. Era-me melhor um católico rezando para Virgem Maria do que um liberal hedonista cultuando o Super Mario e autointitulando-se "gamer" - como se jogar videogame fosse o suficiente para se construir uma sólida personalidade. Só que, para a maioria de meus contemporâneos academicizados o suficiente para pensar descompromissadamente, idolatrar um entretenimento deveria ser menos ofensivo do que venerar uma mulher digna, a maior mulher que já andou por esse vale de lágrimas.
Descobri que minha vida era uma grande caminhada inconsciente. Em um momento, uma mulher que conhecia pouquíssimo tempo perguntou algo mais ou menos assim: "se você tivesse um gênio (leia-se gênio mágico) perante você, o que você pediria?". Essa pergunta infantil, que norteia para o real entendimento da consciência me despertou. Mas, momentaneamente, eu disse que queria pegá-la. E de fato a pegaria. Mas hoje, com sinceridade suficiente, eu diria algo mais que isso. O pensamento daquele momento era desordenado, mas a pergunta era tão real como uma faca no coração. A resposta que eu daria hoje seria: "que eu prefiro o cristianismo a tudo isso". Eu diria que: "um ano de cristianismo é mais louvável que toda a história pós-cristã". Eu diria que: "os dogmas são mais louváveis e livres que todo pensamento supostamente livre". Que "minha vida não faz sentido algum". E que "aderir a essa era me tornou um enfado para mim mesmo e para todos os outros que eu amei". E que Eclesiastes, ao lado de Ortodoxia, encontram-se nas leituras mais prazerosas que já tive em toda minha vida. Diria que amo mais a patrística, que amo mais a escolástica. Que minha disciplina favorita, nesses três anos que estudei filosofia, era a teodiceia. Mas se eu pudesse dar uma resposta cabal, uma resposta como que definitiva, essa resposta perfeitíssima, essa resposta seria a oração do credo:
"Creio em Deus pai todo poderoso, criador do céu e da terra, e em Jesus cristo seu único filho, nosso senhor que foi concebido, pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, desceu a mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia subiu aos céus e está sentado a direita de Deus pai todo poderoso donde há de vir e julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito santo, na Santa igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém."
Eu não suportava mais acessar mais à internet. Um mundo cheio de pornografistas e palpiterios, vulgarizadores até da vulgarização e o que mais era insuportável era que eu era um desses pornografistas, palpiteiros e vulgarizadores. Meus amigos afastavam-se de mim na medida em que me aproximava da teologia e por devotar-lhe respeito. Percebi que um grande contingente de pessoas me desgostavam por gostar do cristianismo e desgostavam-me por não ser cristão. Desse duplo desgosto, que era encontrado na vísceras do discurso, me revelou um triplo desgosto: "desgostam-me por gostar do cristianismo, desgostam-me por não ser cristão e desgostam do cristianismo!". O que lhes seria mais odiável:
A- achar admirável as respostas cristãs mesmo sendo agnóstico?;
B- achar admirável as respostas cristãs mesmo não as seguindo?;
C- achar admirável o cristianismo?
Não sou referencial moral para coisa alguma. Na verdade, eu sou o pior dos pecadores. Não sirvo para base de nada. Todos aqueles que se basearem em mim cairão em pecado. Confesso que não levei uma boa vida até o presente momento. Confesso que sou pouco provido de inteligência. Confesso que me falta o dom da escrita. Mas o que sobretudo agora confesso é que se desgostavam de mim por gostar do cristianismo, desgostem de mim agora por ser cristão. E a única afirmação que lhes darei se encontra em 1 Timóteo 1:15: "Esta afirmação é fiel e digna de toda aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o pior.". A única afirmação real, a única afirmação possível é que sou o pior pecador que vocês conhecem. E a minha única salvação está presente nesse fato agora consciente: a consciência de minha própria ignominia, de toda minha iniquidade, de todo meu mau senso.
A pergunta sobre qual era o fim último do homem e qual vida vale a pena ser vivida. Esse tipo de dúvida me pegou e refleti. Eu levei o "liberalismo" a sério - entenda-se liberal por "mente aberta". Deveria ler de tudo, ser mente aberta. Eu fui um agnóstico metodológico lendo livros judaicos, cristãos, islâmicos e até budistas. Eu busquei a verdade em diversas doutrinas que mantive recorrente contato. Eu era um ateu prático e um agnóstico imbuído de um amor à literatura religiosa. Eu fui liberal o suficiente para ser superficial o suficiente de não dar rumo a minha vida. E eu admirava aqueles que, a contramão do gosto pós-moderno, deixaram o "mundo líquido" de lado e responderam o que precisava ser respondido. Pois responder é ser responsável e aquele que não responde é quase sempre um depressivo preso na sua própria inconsistência. E eu era um depressivo preso na minha própria inconsistência. Eu vejo mais felicidade num monge "preso" na sua clausura monástica do que no homem preso na liberdade pornográfica. Eu vejo mais realidade no "velho testamento" do que em toda indústria pornográfica. Se um pobre homem disser que está viciado em pornografia, um gentil defensor da liberdade sexual o sondará a acreditar mais fortemente na fé da revolução sexual e da grandeza da indústria pornográfica - essa, claramente, ligada ao tráfico de pessoas - do que com a própria razoabilidade e o bom senso - ou o senso comum: pare de ver pornografia.
Pensava com meus botões desmiolados e tipicamente desordenados: "quem eu sou?". Toda resposta era subjetiva demais. Era "individualista" demais. Era fraca demais. No fundo, no fundo mesmo: admirava-me com o descomprometimento. Só que eu era vítima e ideólogo de minha própria morte. Todo esse descomprometimento revelava uma patologia deliberativa que só me levava a uma procrastinação vivencial. Essa procrastinação tornava-me débil. Eu me tornei um fracassado na medida em que me tornei um homem conformante ao meu próprio tempo. "Se o mundo é líquido, cabe-me ser volátil". A volatilidade era um de meus principais problemas. Eu me tornei um inútil, um amante de vanidades. Minha vida esbarrava-se em coisas menores, as coisas menores pareciam-me grandes por falta de proporção e hierarquia de valores adequada. Até a vida intelectual tornou-se quase impossível devido a ausência de ordem e disciplina daí decorrentes.
Fui um desses vulgarizadores da vontade - e usualmente quem vulgariza algo é quem mais pretende defender esse algo como doutrina -, tornei-a uma ideologia. Agora o que me importava era "cumprir". A execução deixou de ser quase que inexistente para se tornar um fetiche. E, de fato, eu cumpria uma série de coisas. Cumpria livros. Cumpria listas. Cumpria jogos. Só que isso era apenas uma forma de viver debilmente, não aparentava direção alguma. Só que havia uma direção inconsciente: era a velha crença liberal, subjetivista, mente aberta e descomprometida. No fundo, no fundo mesmo, eu só falava de uma série de coisas aleatórias e contraditórias para não ter vinculação alguma e, por conseguinte, eximir-me de uma responsabilidade vivencial que desse sentido real a minha vida. O cumprimento de uma vontade era mais uma desordenada forma de ser um idiota, mais uma forma de fugir da verdade. A vontade pela vontade é a negação da própria vontade: uma vontade desordenada é só uma forma bestialógica de um desejo travestido de vontade. É animalesco.
Eu estive num grande exílio. Um grande exílio em que tudo me era equidistante. Todo passo afastava-me da onde eu queria chegar. Não havia leveza. Não havia amor. Só havia um desespero que fingia ser coragem. E meus únicos momentos de felicidade real encontravam-se na leitura prazerosa de Chesterton, que me fez rir de verdade. Suas eternas palavras gravaram-se em minha mente: "o homem sensato tem a tragédia em seu coração e a comédia em sua cabeça". Eu era um fanático. E toda fanatismo que tinha foi gerado por minha mentalidade antirreligiosa, anticristã e anticatólica. O "credo acadêmico" diz que a "liberdade do pensamento" gerará pessoas críticas, mas o que as escolas formam todos os dias não são socialistas, anarquistas ou liberais, ela gera gamers, quiçá "potterheads" ou algum vulgar amante de futebol. E isso não é estranho, até estranhamente me lembra outra frase de Chesterton: : “Tire o sobrenatural, e o que resta é o antinatural”. Quando eu comecei a orar e pedir a Deus o aumento de minha inteligência, quando eu comecei a amar a ordem, tudo isso propiciou um aumento qualitativo nos estudos - não só qualitativo, quantitativo também. Tornei-me mais inteligente, mais estudioso. Eu estudava agora com confessionalidade, meu estudo era voltado à salvação de minha alma e não ao velho liberalismo descomprometido. Custou-me muito entender que toda linha de estudo segue, consciente ou inconsciente, uma doutrina. Eu estudava de tudo, aleatoriamente, para seguir fielmente a ideia liberal. Como resultado: criei um saber pouco sistemático, desordenado e causador de toda uma série de crises mentais. Agora todo estudo que faço tem como fim a verdade.
Tudo que antes eu virava contradizia-se vivencialmente, embora houvesse lógica no meu discurso e ele fosse "lindo, democrático e popular": ao virar socialista, odiei a burrice das classes mais baixas; ao virar nacionalista, odiei o Brasil; ao virar anarquista, odiei a forma como os homens gastavam a sua liberdade; ao virar progressista, odeie fortemente as minorias em sua condição alienante; ao virar liberal, matei minha liberdade; ao virar individualista, só via abstrações e não humanos; ao aderir o amor livre, parei de amar. Todo discurso era belo, mas a consciência sempre me alertava que era o contrário. No fundo, bem no fundo, eu sabia que eu era um mentiroso. Essa criticidade que rodeia os meios acadêmicos nunca acaba em autocriticidade e toda ausência de autocrítica leva a consumação de uma vida hipócrita.
Pensando novamente na frase do Chesterton: "Tire o sobrenatural, e o que resta é o antinatural", parece-me que o mundo moderno segue essa regra a risca. Toda intenção termina num redundante fracasso. Quando os antigos defensores da liberdade sexual pensavam que, com sua doutrina nova e libertária, levariam a um florescimento erótico em que todos conseguissem liberar ao máximo a sua sexualidade, eles não sabiam que posteriormente essa mesma liberdade sexual mataria até mesmo o erotismo - lembre-se: pornografia não é erotismo. Quando os progressos defensores do livre-pensamento acreditavam que iriam gerar a mais fantástica abertura epistemológica da história, eles não sabiam que, num futuro nem tão distante, viveríamos na ditadura da doxa ou "volitiva", em que cada um enclausurar-se-ia em seu castelo opinativo e odiaria qualquer pessoa discordante. A defesa original do livre-exame, em que cada um olharia uma obra e entraria num debate coletivo para entendê-la precisamente, foi destruída: o livre-exame logo se tornou livre-interpretação e a livre-interpretação tornou-se a ditadura da doxa, a unidade perdeu-se.
Há algo que eu demorei a entender. E essa foi a transdescendência que leva à transcendência. Só que teve um dia que eu compreendi tudo. Foi quando busquei a Deus. Foi no momento que percebi que a autonomia e dependência não são opostas, mas um paradoxo amável que faz com que cada uma seja o que é. E essa transdescendência já estava prevista, filosoficamente, em Sócrates na douta ignorância: "só sei que nada sei". E essa douta ignorância que em humildade busca o conhecimento, sempre sabendo-se ignorante e incompleta, torna-se mais conhecedora na medida em que sabe que não sabe. E isso me remete a Chesterton: "Ele não apenas se sentia mais livre quando se curvava; ele de fato se sentia mais alto quando se curvava; ele de fato se sentia mais alto quando se curvava. Dali em diante qualquer coisa que retirasse esse gesto de adoração acabaria atrofiando-o ou mutilando-o para sempre. Dali em diante ser meramente secular seria servidão e inibição. Se não pode orar, o homem se sente amordaçado; se não pode ajoelhar-se, ele se sente posto a ferros" (O Homem Eterno). Eu aderi a maior tarefa intelectual já concebida: estudar e amar a um Deus onisciente, onipresente e onipotente - perto disso, tudo parece coisa pouca, pois o grau de abstração da teologia está para além do máximo e do possível, a teologia é a ciência do impossível. Ao orar e ao chorar eu compreendia algo: eu sou maior quando me ajoelho a algo que me transborda. O paradoxo é a chave do real, o paradoxo é a condição mesma do real e Jesus mesmo disse: “Eu vim a este mundo para julgamento, a fim de que os cegos vejam e os que vêem se tornem cegos.” (Jo, 9:39). O paradoxo é a condição do real e o cristianismo é a religião do paradoxo. Viro cristão por amor ao real e por amor a verdade.
Após esse relato, segue-se a oração "Tarde Te amei" de Santo Agostinho, Confissões 10, 27-29:
1. Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova… Tarde Te amei! Trinta anos estive longe de Deus. Mas, durante esse tempo, algo se movia dentro do meu coração… Eu era inquieto, alguém que buscava a felicidade, buscava algo que não achava… Mas Tu Te compadeceste de mim e tudo mudou, porque Tu me deixaste conhecer-Te. Entrei no meu íntimo sob a Tua Guia e consegui, porque Tu Te fizeste meu auxílio.
2. Tu estavas dentro de mim e eu fora… “Os homens saem para fazer passeios, a fim de admirar o alto dos montes, o ruído incessante dos mares, o belo e ininterrupto curso dos rios, os majestosos movimentos dos astros. E, no entanto, passam ao largo de si mesmos. Não se arriscam na aventura de um passeio interior”. Durante os anos de minha juventude, pus meu coração em coisas exteriores que só faziam me afastar cada vez mais d’Aquele a Quem meu coração, sem saber, desejava… Eis que estavas dentro e eu fora! Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Estavas comigo e não eu Contigo…
3. Mas Tu me chamaste, clamaste por mim e Teu grito rompeu a minha surdez… “Fizeste-me entrar em mim mesmo… Para não olhar para dentro de mim, eu tinha me escondido. Mas Tu me arrancaste do meu esconderijo e me puseste diante de mim mesmo, a fim de que eu enxergasse o indigno que era, o quão deformado, manchado e sujo eu estava”. Em meio à luta, recorri a meu grande amigo Alípio e lhe disse: “Os ignorantes nos arrebatam o céu e nós, com toda a nossa ciência, nos debatemos em nossa carne”. Assim me encontrava, chorando desconsolado, enquanto perguntava a mim mesmo quando deixaria de dizer “Amanhã, amanhã”… Foi então que escutei uma voz que vinha da casa vizinha… Uma voz que dizia: “Pega e lê. Pega e lê!”.
4. Brilhaste, resplandeceste sobre mim e afugentaste a minha cegueira. Então corri à Bíblia, abri-a e li o primeiro capítulo sobre o qual caiu o meu olhar. Pertencia à carta de São Paulo aos Romanos e dizia assim: “Não em orgias e bebedeiras, nem na devassidão e libertinagem, nem nas rixas e ciúmes. Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo” (Rm 13,13s). Aquelas Palavras ressoaram dentro de mim. Pareciam escritas por uma pessoa que me conhecia, que sabia da minha vida.
5. Exalaste Teu Perfume e respirei. Agora suspiro por Ti, anseio por Ti! Deus… de Quem separar-se é morrer, de Quem aproximar-se é ressuscitar, com Quem habitar é viver. Deus… de Quem fugir é cair, a Quem voltar é levantar-se, em Quem apoiar-se é estar seguro. Deus… a Quem esquecer é perecer, a Quem buscar é renascer, a Quem conhecer é possuir. Foi assim que descobri a Deus e me dei conta de que, no fundo, era a Ele, mesmo sem saber, a Quem buscava ardentemente o meu coração.
6. Provei-Te, e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me, e agora ardo por Tua Paz. “Deus começa a habitar em ti quando tu começas a amá-Lo”. Vi dentro de mim a Luz Imutável, Forte e Brilhante! Quem conhece a Verdade conhece esta Luz. Ó Eterna Verdade! Verdadeira Caridade! Tu és o meu Deus! Por Ti suspiro dia e noite desde que Te conheci. E mostraste-me então Quem eras. E irradiaste sobre mim a Tua Força dando-me o Teu Amor!
7. E agora, Senhor, só amo a Ti! Só sigo a Ti! Só busco a Ti! Só ardo por Ti!…
8. Tarde te amei! Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu Te amei! Eis que estavas dentro, e eu, fora – e fora Te buscava, e me lançava, disforme e nada belo, perante a beleza de tudo e de todos que criaste. Estavas comigo, e eu não estava Contigo… Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Chamaste, clamaste por mim e rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandeceste, e a Tua Luz afugentou minha cegueira. Exalaste o Teu Perfume e, respirando-o, suspirei por Ti, Te desejei. Eu Te provei, Te saboreei e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora ardo em desejos por Tua Paz!
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