A pergunta sobre todas as séries de fatores que levam a funcionalidade ou disfuncionalidade de um organismo são essenciais para compreender como fazê-lo funcionar de modo razoável. A questão que o autor dirige em seu estudo é: como o aspecto da sombra dentro do "self" pode nos ajudar a entender como curar uma pessoa ou atenuar o seu sofrimento? Outra questão: como algumas pessoas são mais "determinadas" em aspectos negativos do que outras? Existe uma correlação entre criação familiar e genética, mas é necessário uma análise mais múltipla para ser menos reducionista e mais completa.
Teoricamente falando, não há suficiência teórica. Por mais que tenhamos uma capacidade maior de análise devido ao ampliamento dos estudos, ainda se é impossível determinar todos os fatores que contribuem na formação de uma insalubridade psíquica de modo perfeito e, assim, gerar uma "sanidade universal". Aliás, a própria existência de uma sanidade universal é questionável, visto que podemos nos enganar diante das nossas próprias inconsistências teóricas inconscientes. A ideia de universalidade já é perigosa, a ideia de a possuir completamente é espinhosa e apresenta períodos de alta crise humanitária (a eugenia nazista é um concreto exemplo disso). A hipótese de total controle sobre as informações que nos faltam levam, de tempos em tempos, a autoenganos trágicos e a paraísos teóricos que se tornam infernos práticos.
Em outras palavras, o que é curar o psiquismo de alguém? Descobrir a falta original? Reestruturar a personalidade com um modelo ideal? Acrescentar o que faltou no desenvolvimento do(a) paciente? Colocar as pessoas nas normas que a sociedade considera majoritariamente como adequadas? Não há um modelo de um herói que tenha superado todos os aspectos sombrios da vida. Se olharmos para todas as pessoas que conhecemos, elas não são um exemplo universal de virtude. Se o começo da argumentação parte de uma abstração que não é verificável dentro da própria estrutura da realidade, como poderíamos pô-lo em prática se sequer temos um modelo palpável? Se estamos no reino da contingencialidade e da impefectude, como poderíamos exigir um padrão altamente idealista se a própria realidade se furta a nossa pretensiosidade? Não há modelo de virtude universal na realidade cotidiana, exigi-lo é sobrecarregar nós mesmos e as pessoas da nossa volta com uma abstração.
Atualmente vivemos numa sociedade baseada no crescimento, no desenvolvimento técnico e tecnológico – além do avanço científico para impulsionar esses dois. Nos tempos modernos, somos avaliados de acordo com a possibilidade de enquadramento na escala produtiva da sociedade e também no aumento dessa mesma produtividade. O parâmetro de normalidade se dá pela funcionalidade atrelada a essa mesma produtividade – "valor" e "agregação de valor" são duas noções que regem a contemporaneidade. É evidente que, se olharmos para outras sociedades e outros períodos históricos, temos outros quadros de normalidade – não há e nem nunca existiu um parâmetro universal de normalidade. Outro ponto central nessa análise: o que é "curar" alguém no sentido psíquico? A psiquê está sujeita a uma dialética que vai se alterando de tempos em tempos. Não se pode assegurar uma "estabilidade contínua", isto é, uma "estabilidade" que se dê até o fim da vida ou do momento da "cura" até o final da vida. Ou seja, a ideia de "cura definitiva" é um pouco deslocada da natureza humana. Ademais, a ideia de "cura" carrega valores humanos de forma latente, onde há uma "normalização" focada em normas humanas contextuais – circunscritas em nosso próprio contexto cultural e histórico. Sendo assim, a noção de melhora é relativa e não poderia ser justificada de todos os modos. Se não, teríamos que dizer absurdos como: "você está curado por estar adequado(a) à conjuntura dos valores sociais vigentes".
Quanto a cura se deve ter em conta de que o "Dark Self" é altamente irracional e emocional. Ele não pode ser excluído e é inerente a nossa própria humanidade. Além disso, o "Self" em si mesmo não contém juízos de valor sobre o que reside em sua interioridade. No Self, não há uma distinção entre "bem" e "mal" como há entre o "consciente" e "inconsciente". Pode-se teorizar-se que a sombra é dividida entre a "sombra pessoal" e a "sombra coletiva", logo ela está no "inconsciente pessoal" e no "inconsciente coletivo". Temos lados ruins particularmente nossos e outros que são comuns a humanidade em si mesma – embora esse lado ruim seja considerado ruim pela moralidade social vigente. Para a "cura" há a necessidade de que o ser reconheça a completude de si mesmo, levando a um processo de integração. A possibilidade de repressão não é funcional, visto que se a sombra continuar sendo reprimida, existe a possibilidade de que a sua "energia" se acumule até que se torne uma espécie de grito da alma. Visto que o lado negativo acumulado pode ser "engatilhado" pelas situações existenciais do mundo e a sombra se manifestar sem a que a gente consiga reprimi-la – e quanto mais energia negativa for acumulada, pior será a explosão que será desencadeada. A questão é: como integrar a sombra a nossa personalidade se não podemos manifestá-la? A sombra é a sombra, em primeiro lugar e antes de tudo, pelo fato de ser socialmente inadequada.
A sociedade contemporânea apresenta um problema radical para com a sombra e o aspecto sombrio do Self. A própria noção de que as redes sociais ampliam demasiadamente a nossa imagem social – tornando-a mais conhecida – e isso faz com que nos tornemos mais sensibilizados ante ao julgamento social, além de uma postura mais energética a adaptabilidade normativa, nos dá um delineamento dessa questão que se torna cada vez mais problemática. A exposição excessiva leva a uma postura mais rígida e mais autorepressiva, aumentando o "condicionamento social" e aumentando o acúmulo energético sombrio. Ao deixar públicos os nossos pensamentos, sentimentos e momentos vitais, tornamo-nos figuras públicas que são julgadas conforme os padrões que regem a sociedade. Como não podemos nos manifestar de modo incongruente aos anseios sociais sem sofrer represálias, acabamos por criar um reforço da normatização e postagens que refletem uma postura social adequada. Se a vida social fosse menos pública, isto é, se fosse mais privada, não teríamos todo esse impacto sobrecarregando nosso psiquismo.
Uma das possíveis soluções é a do equilíbrio enérgico. Em cada ação negativa, colocar uma regra que delimite o peso dessa ação, tornando-a não tão negativa quanto usualmente poderia ser. Uma energia positiva deve ser inserida na energia negativa quando essa é utilizada, assim os efeitos tóxicos – para si mesmo e para o outro – são controlados. Deixar a energia negativa acumulando é fortalecer o polo sombrio do Self e esse fator cumulativo pode levar a uma explosão que obscurece a própria capacidade de funcionamento usual. O fenômeno da regressão pode ser mais ou menos impactante a depender de todo contexto precedente e da boa capacidade de autorregulação psíquica. É preciso utilizar a energia negativa de forma controlada, isso é melhor do que esperar que ela "exploda". Todavia isso requer uma aceitação de que o "mal" está dentro de nós o tempo todo e que precisamos de um bom convívio – além de um convívio cético – com esse mesmo mal.
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