A compreensão da produção científica e acadêmica sobre a bissexualidade ajuda a ampliar o conhecimento geral acerca da sexualidade humana. O problema é que a produção generalizada acerca da homossexualidade e heterossexualidade apaga, em muito, a produção sobre a bissexualidade. Ademais, reforça estereótipos binários, reforçando uma percepção monossexista e excludente, na qual as próprias identidades plurissexuais se perdem. A teoria bissexual – produção epistemológica bissexual – corre o risco de se ancorar muito na teoria queer e na teoria feminista, sendo um grupo sem vida e sem representação teórica própria.
Ao mesmo tempo que se reconhece a bissexualidade como uma expressão legítima de desejo, se reconhece a ausência de protagonismo e autonomia do movimento bissexual. A luta bissexual se dá em várias frentes, mas a principal é contra o monossexismo dominante. Essa luta não coloca bissexuais apenas contra heterossexuais, como muitas vezes coloca o movimento bissexual contra homossexuais – embora essa luta se dê numa escala menor. Essa segunda luta, contra monossexistas homossexuais, é uma que se dá não só argumentativamente, mas "identitariamente". O movimento bissexual não pode se diluir inteiramente no movimento LGBT sem se alienar, visto que a identidade homossexual não é e nem pode ser a identidade bissexual.
A bissexualidade, e os bissexuais – nos quais estou incluído –, vem compreender que a bissexualidade não é só um acessório. É a natureza mesma de suas vidas. O ponto de partida de suas visões e construções teóricas em quase todos os temas de suas vidas. Quando a bissexualidade for encarada, dentro de cada bissexual, como um modus vivendi e um modus pensandi, aí que teremos a verdadeira dimensionalidade da bissexualidade. É a construção de uma identidade bissexual pulsante que se situa a luta bissexual. Ou seja, a bissexualidade só poderá ser reconhecida e lutar contra seus inimigos socio-historicamente determinados através duma postura combatente, militante e ativa, construindo a sua própria cultura e desvendando as suas próprias pautas.
Hoje em dia se fala muito da noção de que a monossexualidade (heterossexualidade e homossexualidade) são socialmente forjadas em ampla parte dos casos. Isto é, dependem mais de condicionamentos sociais do que aspirações orgânicas ou naturais – sua natureza normativa é fundamentalmente ancorada na submissão ao jugo social e as suas implicações. Bissexuais são forçados a serem heterossexuais ou homossexuais, este é o lado totalitário da cultura monossexista. A cultura monossexista força o condicionamento do desejo a uma binariedade antagônica em que cada um escolhe um ou outro. Quando bissexuais se voltam contra a cultura monossexista lutam uma luta libertacional em prol da liberdade humana, atacando a idolatria social – valores dominantes – em voga. Idolatria social que aparece reconstruída nas políticas homonormativas, que nada mais que são adaptações inconscientes da cultura hétero-patriarcal. Querendo ou não, a homonormatividade é uma adaptação da hétero-matrix. E a hétero-matrix apresenta ordenamentos de gênero (homem/mulher) e de desejo (hétero/homo), regulando atividades não só de heterossexuais, mas como de homossexuais e de bissexuais – que adequativamente devem se curvar a um ou outro grupo. É preciso abrir um "ponto rupturístico". Esse ponto escaparia da regulação binária de gênero (homem/mulher) e de desejo (hétero/homo).
Os bissexuais, em sua militância, são convidados a quebrar a hétero-matrix e as normas homossexuais. Em primeiro lugar, demonstrando a própria existência por meio de uma vida pública. Em segundo lugar, assumindo uma autonomia identitária frente o próprio movimento LGBT. A fixação por um maniqueísmo binário no âmbito do desejo (o maniqueísmo sexual hétero-bi) reduz o desejo num aspecto matematizável, onde um exclui necessariamente o outro. Essa é a marcação social – a hegemonia hierárquica monossexista – na qual plurissexuais estão sujeitos. A hétero-matrix, onde heterossexuais se impõem como modelo existencial. A homonormatividade, onde homossexuais criam regras, espelhados na hétero-matrix, para reger o comportamento da comunidade LGBT como um todo.
São dois elementos que se reforçam estruturalmente: a monossexualidade hegemônica e a monossexualidade forçada. É graças a monossexualidade compulsória que bissexuais se ausentam em se autodeclarar. Visto que a autodeclaração implica cair no jugo – usualmente heterossexual, mas também homossexual – da monossexualidade. Para uma pessoa homossexual, sair do armário é adentrar no terreno da própria existência. Para uma pessoa bissexual, sair do armário é... Adentrar na inexistência, no apagamento, no ataque monossexista. A impossibilitada de existir é o que dita a vida de milhões de bissexuais no mundo todo.
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