quinta-feira, 21 de julho de 2022

Prelúdios do Cadáver #6 - Olá, meus queridos companheiros

Texto publicado em 23/07/2018

Desculpem-me atordoá-los nesse dia inebrio, mas uma ideia nauseabunda floresce em meu peito amargurado.


Essa sensação começou aos quatorze anos e foi progredindo paulatinamente. Conforme eu adentrava no mundo literário, a minha relação para com a socialidade afogou no deslocamento. Contar-lhes-ei tudo ou quase isso.


Muitos dizem que a literatura é uma forma de fugir da realidade. E, para mim, ela é exatamente isso: uma forma de salvação redentora que tira o indivíduo da realidade na qual o mesmo está sujeito. Sempre achei a maioria das pessoas desinteressantes ou vulgarmente simples -- embora que, evidentemente, alguns afirmem que há uma complexidade inabalável em cada sujeito vivo ou morto.


Tornei-me um misantropo. Há uma progressividade misantrópica na qual eu me afundo mais e mais. Já me recomendaram sair de meu abstracionismo, mas toda vez que saio acabo por me decepcionar. Como odeio a realidade, acabo por me isolar em universos ficcionais de meu agrado. Parece que continuarei assim até eu findar minha existencialidade.


O mundo é fútil. As opiniões gerais me enojam. Os jornais são um câncer. A televisão é o inferno sendo transmitido ao vivo e a cores. Meus conterrâneos são entediantes. A sociedade despreza-me e eu a desprezo igualmente. Eles, as pessoas que constituem o corpo social, odeiam meu modo de ser e eu odeio o modo de ser deles.


Ainda mantenho certas coisas que me permitem uma certa normalidade e contato com o mundo ao redor. Tenho um perfil no cancrolivro, mas enojo-o devido a sua capacidade de inserir todo tipo de porcaria. Sei sobre o que se passa em meu país, porém muito parcamente, desinteressadamente e como um objeto que me é de estranheza -- tal como se eu não fizesse parte do mesmo.


Quanto mais leio, mais me afasto. Quanto mais adentro na profundidade, mais estou longe da superfície. Atualmente tenho vinte e um anos. Minhas leituras tornaram-se mais densas e meus gostos mais dotados de especificidades.


Quanto mais vejo meu futuro profissional, mais me vejo um solitário. Mesmo trabalhando, frequentando faculdade e tendo que me relacionar obrigatoriamente com outras pessoas: mais me vejo só. Não me sinto infeliz com isso, muito pelo contrário: fico felicíssimo.


Pois bem, meus senhores, essa é a minha história. Gostaria de saber se essa pequena história também faz parte da vida dos senhores e, se possível, adquirir relatos semelhantes.

 

Desculpem-me atordoá-los nesse dia inebrio, mas uma ideia nauseabunda floresce em meu peito amargurado.

Prelúdios do Cadáver #5 - Eu já não leio Karl Marx

 Texto publicado em 23/06/2018


Há quem veja a história como um eterno círculo a repetir-se. Há quem veja a história como uma continuidade progressa. Outros veem como uma continuidade regressa. Particularmente, creio nas três visões. Todavia não sou um historiador, sou apenas um jovem adulto tentando entender o mundo.


Fumei um cigarro agora há pouco. Fumei na oitava série. Fumei no ensino médio. Fumei na faculdade. Parei de fumar várias vezes. O cigarro, quando entrou em minha vida, era um ineditismo. Agora é um recomeço e uma continuidade. É também um regresso para minha saúde. É o chamado eterno retorno. Voltar a fumar é meio ruim. Odeio o cheiro, mas logo deixarei de senti-lo. O cigarro é-me uma figura intermitente.


Tudo volta. Tudo volta sobre novas formas. E sei que sempre voltarei ao que outrora eu era. Tudo isso sobre um misto de nova forma e velha forma. Pois tudo volta e há de voltar.


Eu já não leio Marx. Fui irradiado com uma alienação burguesa e agora só me importo com a beleza das flores. Como eu poderia ler Karl Marx? Se o amargo café anima meu ânimo. Se a beleza das cores embeleza o mundo. Se os filmes de drama fazem meu ser chorar. Como eu poderia ler Karl Marx? Sou um alienado, um sentimental, um eterno romântico condenado. Eu já não tenho razão! Eu só tenho a chama da paixão!


Despolitizei-me: tornei-me o que eu era antes: um alienado político, um amante da vida, um apreciador dos sabores, um pequeno-burguês. Sou aquilo que meu antigo eu desprezaria, logo serei aquilo que meu novo eu desprezará. E assim vou: como um renegado que sempre reconstrói-se negando-se e aceitando-se.


Por que é tudo assim tão confuso? Não sei. Só sei que é sempre assim e assim sigo meu rumo: numa metaformoseação sem fim.


Prelúdios do Cadáver #4 - Sinto Raiva

Texto publicado em 16/06/2018


O tempo passa e eu não sei o que estou a fazer de minha vida. A única que venho ficado a sentir, nos últimos tempos, é uma cólera abismal misturada com frustração colossal e com um punhado de letargia zumbificante.


Não sinto vontade de nada. Só sinto a letargia. A letargia devora-me por inteiro. Tenho vontade de ficar parado, deitado ou sentado e sentir a agonia consumir-me por inteiro. O tempo escaparia dolorosa e lentamente. Perguntar-me-ia novamente: “Quantas vezes já me senti assim?” ou “Quantas vezes esse ciclo repetir-se-á causando-me dor e sofrimento?”. Então eu teria as memórias invadindo-me, recordando-me amargamente de toda a minha vivencialidade obtusa.


Tento ler e tento escrever contra a minha própria vontade de nada fazer: acabo por escrever essa porcaria de texto mal inspirado. Tudo que crio é vazio. Tudo que crio é sem sentido. Tudo que crio é destituído de sabor. São criações mortas, criações sem vitalidade. Um produto acinzentado e nojentamente preparado. Tudo isso vem de minha interioridade, tudo isso é o próprio estado de minha interioridade.


Ouço só música cristã e harmônica. A mesma não me traz felicidade, a mesma não me traz alívio nenhum, é uma forma de busca de salvação desesperada. Talvez eu busque um escape mágico. Talvez eu busque fugir de meus pensamentos. Talvez eu busque fugir de mim mesmo. Talvez eu busque simplesmente não aceitar a mim mesmo, esse é sempre meu dilema!


Matar-me-ia se eu pudesse. Estrangular-me-ia mil e uma vezes se necessário. Violentar-me-ia se eu pudesse. Toda a angústia cessaria assim que eu cessasse de existir. Não haveria mais letargia. Não haveria mais ódio. Não haveria mais frustração. Violência autocentrada contra a existencialidade nauseabunda. Morte e desistência da futuridade. Só o adiantamento do fim!


Prelúdios do Cadáver #3 - Síndrome de Underground

Texto publicado em 27/05/2018

Sou um otaku no sentido japonês do termo. Isso significa que sou uma pessoa aficionada em certos assuntos e trato-os de forma inusual. Também significa que sou uma típica pessoa ultra singularizada e que causa certa estranheza. Não me envergonho disso, na verdade: orgulho-me disso, o fato é que ainda não estou tão habituado ao deslocamento. Posso optar por uma vida mais normalizada com assuntos que são de meu puro desinteresse e perder gradualmente minha própria personalidade para viver socialmente ou habituar-me com uma certa dose de solidão e solitude que se confundem e entrechocam.

Na vida social, existem uma série de assuntos comuns que dão a chave para a preservação da sociabilidade. O “problema” é que muitas pessoas fogem desse delimitado número de assuntos comuns. Há um fator duplo: sou solitário quando eu quero e quando eu não quero. Ainda não encontrei a solução para a preservação da singularidade e da vida social.

Em certo sentido, sofro com a chamada síndrome de underground. Não sabem o que é isso? É uma síndrome que faz com que eu desgoste de tudo que é majoritário. Há pouco tempo atrás, eu gostava de política. Gostei de política até a maioria das pessoas interessarem-se por política. Quando vi que a maioria das pessoas começaram a se interessar... Entrei em crise, meu mundo underground entrou em colapso e tive de procurar uma nova identidade. Isso prova que caminho para um dado tipo de singularização voluntária e constituinte de minha personalidade.

Acho que meu destino é ficar saindo do caminho da maioria. É meio solitário, mas não vou negar que gosto dessa solitude. Escreverei sobre isso novamente mais tarde. Sinto que preciso de mais experiência para descobrir no que isso dará. Até lá, nada poderá ser afirmado.

Prelúdio do Cadáver #2 - Cultura e Antipolítica

Publicado em 20/04/2018

Os senhores já perceberem que ao consumir muita cultura o interesse por política arrefece? Mário Ferreira dos Santos dizia que toda grande época cultural era período de decadência política.

Atualmente venho percebido que o meu desinteresse em política aumenta proporcionalmente a cultura que consumo.

Lembro-me que, em carga comparativa, consumia assiduamente muito conteúdo político há dois ou três anos atrás. Atualmente tenho lido GK Chesterton, Dostoiévski, (Coletânea de Poesia Grega e Romana que não lembro o nome), Paulo Leminski (li Castro Alves, Machado de Assis, Cruz e Sousa, Vinicius de Morais e Olavo Bilac) e leio dois mangás (um pelo celular e o outro em mídia física).

Há, ao todo, um movimento em busca de boa cultura e um desinteresse proporcional em política. E a cada dia mais eu me desinteresso em utilizar meu vigor intelectual em jornais ou artigos. Não leio quase nenhuma novidade e sofro duma alienação terrível (mas consentida) em relação a contemporaneidade e os chamados assuntos obrigatórios. Não sofro, todavia, com falta de assunto no quesito social e garanto-lhes que consigo até falar mais e melhor.

Tenho também o novo hábito de fazer atividades físicas e de escrever contos de forma gradual. Tudo isso se reflete numa construção duma vida particular e inacessível a maioria das pessoas. Se os meus conterrâneos vão em direções de assuntos comuns e conhecimentos comuns, eu vou em direção a particularidade e acabo numa forma de isolação.

Quanto mais me interesso por cultura mais percebo que a política é, no geral, desinteressante e que os produtores da chamada "cultura política" são rasos e sem densidade vivencial. E quanto mais vou em direção a cultura: mais a minha subjetividade (vida interior) aumenta enquanto a subjetividade de outrem se coletiviza.

Prelúdio do Cadáver #1 - Garota X



Texto de 08/04/2018


Olho pro Rio Tietê, estou sentado e com uma corda no pescoço. Um piano solenemente toca em minha mente, é "Clair de Lune". Meus olhos lacrimosos olham para um abismo imaginário, um abismo que reside em meu coração. Um abismo que macula e destrói. Um abismo que pesa na minha alma e desestrutura todo meu ser. Penso em pular, pôr meu ser para se acabar.


Percebo que aquele abismo, o abismo imaginativamente vejo, esteve a meu lado há muito tempo. É como se fosse um fiel amigo que partilhou de meus momentos mais íntimos, um familiar que comigo morou e cresceu. O abismo é a escuridão que bateu consubstancialmente ao meu coração em todos esses anos agônicos. Minha fiel penumbra! Enganei-me, tu não me acompanhas, querido abismo, és inteiramente parte de mim! Nego-te, mas é todo meu! E quando meu coração parar com esse maldito bater contínuo, serei igualmente todo seu, querido abismo.


De repente, sinto alguém me abraçar forte e suavemente, e essa pessoa diz com voz meiga, chorosa e sofrida:

- Não se mate! Por favor, não se mate, você não pode morrer.


(Ela fala, eu a ouço e, mesmo assim, sua auditiva voz não pode me alcançar. Estamos lado a lado e, incompreensivelmente, equidistantes.)


Sei quem és, Garota X. És tu a primavera que jamais poderei ser. Eu serei sempre outono e você será sempre primavera. Estaremos sempre distantes, embora teu viver me alegra. Somos a incompatibilidade.


Continuo a olhar pro abismo imaginário, sem virar o rosto para trás. Não preciso vê-la, só preciso senti-la. Se nossos corações se conectam, isso basta. Não só basta, é-me perfeito. É uma conexão forte, a mais forte que posso sentir. É como se nossas almas se unissem. Naquele momento, naquele breve momento, fomos um. Eu em minha dor suicida, ela em sua dor consoladora.


Não a ouço. Estou num estado de surdez introspectiva. Ela sentia a minha ausência e eu estava vivo e ao lado dela. É como se meu corpo estivesse já morto. Aperta-me mais fortemente, puxa-me para trás. Minha consciência está em meu corpo e também fora dele. Tudo me é obtuso.


Garota X, vi-te demorar-se a ir. O que buscavas na penumbra da noite, com os falsos amigos que prendem para dividir? Desejar-te-ei, mesmo sem querer. Lembrar-me-ei de ti a beijar outro homem. Sentir-me-ei triste. Recordar-me-ei que o desejo é triste, amargo e ressentido.


Tu foste, enquanto livre, o clarão da primavera a iluminar minha personalidade de outono. Prenderam-te e eu que merecia ser preso. Sou pior que ti, embora não tenha cometido ataques à constituição. Mas a vida é essa imensa contradição, figura obsessiva de meu coração. Tu não és digna do sofrimento que padece. Eu mereço todo sofrimento que sofro e o sofrimento que está por vir.


Imagino-te sempre a voltar, como a esperança que vem após a desolação. Traz-me profunda paz. E prometi a mim mesmo que seria verdadeiro quando (e se voltasse): não sorriria mais falsamente, diria tudo o que penso, tudo que está no porão de minha alma. Beijar-te-ia ao pôr do Sol e a mansidão faria morada em meu conturbado peito, neutralizando e purificando a treva.


Nunca mais verei a sua personalidade primaveril. Só tu poderias entender minha complexada personalidade de outono (quente e fria, feliz e triste, efêmera e eterna). E toda vez que eu lembrar da beleza de teu sorriso doce e puro, entristecer-me-ei. O que era feliz, agora é triste. A memória alegre repete-se em pranto.


Adeus, 

Garota X.

Acabo de ler "O Dobro de Cinco" de Lourenço Mutarelli

 



"Enigmo... Ele nos fazia crer a mentira como sendo verdade... Ele me fez ver coisas que não existem... A verdade é um labirinto de ilusões... De tanto brincar com a realidade, ele se perdeu. Sabe por que as pessoas riem de mim? As pessoas riem, não por esta minha maquiagem, nem de minha estranha vestimenta... Elas riem, porque sabem... Que por trás destas vestes existe um miserável que precisa humilhar-se a tal grau, para poder ganhar a vida... Para pôr o pão na mesa"

Essa HQ, brasileira por sinal, parece representar pessoas com passados incríveis e presente decadente. É como se tudo tivesse perdido e cada um ressentidamente se deplora ao comparar seu eu atual com o seu eu passado. Já os desenhos - a arte de nosso quadrinista - parecem bem mórbidos e sempre se traduzem em uma espécie de decadentismo.

O que eu posso dizer dessa HQ? O fato é que eu achei bem interessante a história, a ponto de pensar que seria melhor se ela fosse mais extensa. Quanto mais o livro passa, mais ao seu auge ele chega. Quando estamos a esperar sempre mais, a HQ simplesmente se acaba. É como estar numa estranha e divertida viagem que, por infelicidade do destino, acaba antes do previsto estragando parte da experiência maravilhosa que se esperava. No final, eu só pude pensar: parece um trabalho inconcluso.

De qualquer forma, sempre fico com a máxima chestertoniana de que devemos analisar as obras e os homens com um: "poderia não ter sido". Ter oportunidade de ter tido essa louca experiência de ler essa HQ é melhor do que não a ter lido. Nisso, agradeço a obra que me proporcionou grande entretenimento.