segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Acabo de ler "What Is Hegemonic Masculinity?" de Mike Donaldson (lido em inglês/Parte 4 Final)

 


O que constrói a masculinidade?  Será a soma de privilégios ou a de encargos? Existe algo de "natural" e algo de social nessa construção? É possível uma abordagem 100% biológica ou 100% sociológica? Creio que ainda falta muito tempo – e estudo – para chegarmos a conclusões mais precisas. Todavia abordagens extremamente especializadas e que ignoram outros ramos, e outras teses, do conhecimento, deveriam ser descartadas logo de cara pelos seus particularismos.


O fato é que masculinidade hegemônica é prejudicial e restritiva para os próprios homens heterossexuais e possui enormes custos sociais que, se não reparados, levam a um oneroso custo social que muito dificilmente poderá ser corrigido sem uma correção só próprio entendimento da masculinidade.


Nesse trecho, poderia ser mais incisivo e detalhista. Todavia creio que eu choveria no molhado e apresentaria uma argumentação muito semelhante ao que apresentei em outras análises. De tal maneira, resolvi encurtar a análise e deixá-los com um texto breve.

Acabo de ler "What Is Hegemonic Masculinity?" de Mike Donaldson (lido em inglês/Parte 3)

 


Em relação ao hétero-patriarcado se pode afirmar que a hegemonia é marcada por uma superioridade, essa superioridade recompensa quem é (heteronormativos) ou quem se assemelha (homonormativos) ao padrão de masculinidade hegemônica. A homossexualidade é condenada em três vias: o homem heterossexual vê como fundamental odiar o homem homossexual; a homossexualidade está ligada a efeminização e vivemos numa sociedade machista; o desejo homossexual é considerado subversivo por si mesmo.


O comportamento homofóbico, bifóbico, lesbofóbico e transfóbico provindo de homens heterossexuais é comum e, até mesmo, recompensado. Desde criança, o homem heterossexual é ensinado que será recompensado por ser hétero e atacado se desviar desse padrão. Ser hétero é uma forma de autojustificação e esse comportamento deve ser ressaltado o tempo todo. Não por acaso, uma das principais brincadeiras é acusar outro homem de não ser "homem suficientemente", acusação do qual o homem acusado deve imperiosamente se livrar. Esse mecanismo, feito a exaustão e todos os dias, leva a um condicionamento mental em que o homem deve ter uma vigilância constante em relação a própria masculinidade – e não uma masculinidade qualquer, mas sim a hegemônica.


O comportamento homossexual é considerado um desvio duplo. Um desvio se encontra no gênero (homossexuais são considerados efeminados) e outro na sexualidade (homossexuais possuem relação com o mesmo sexo). O antagonismo entre heterossexuais e homossexuais é claro: se o poder heterossexual advém do hétero-patriarcado, advém por sua vez da masculinidade e heterossexualidade. O homem homossexual é a antítese do homem heterossexual, ele representa a negação sistêmica dos seus valores e modo de vida. Tal radicalidade, sobretudo em nosso meio cultural, leva a um choque óbvio.


A cultura do homem heterossexual é uma cultura da exaltação da força e do domínio. Essa cultura, nociva e tóxica por si mesma, requer uma constante descarga energética entre si e em outros grupos. A "descarga interna" é um meio de regulamentação comportamental entre os próprios heterossexuais, para reforçar o comportamento hétero-patriarcal. Já a "descarga externa" é correlacionada a demonstração de superioridade do homem heterossexual em relação aos outros grupos, sobretudo mulheres e LGBTs.

domingo, 1 de setembro de 2024

Acabo de ler "What Is Hegemonic Masculinity?" de Mike Donaldson (lido em inglês/Parte 2)

 


A natureza da hegemonia é cruel. É a partir dela que a maioria das opressões sociais se estrutura e se aplica. É o grupo hegemônico que pode, com sua força, definir até o que é normalidade. É ele que pautas as relações sociais, culturais e, até mesmo, econômicas. E é a partir dele que vemos o surgimento de vários papéis que devem ser desempenhados por nós performaticamente. A normalidade, em grande parte do tempo, é criada por uma estrutura de poder. Ela é produzida por uma narrativa, por um discurso. O reforço a normalidade em conjunto com a patologização são ferramentas coercitivas para preservar.


A hegemonia é criada pela intelectualidade, criada pela cultura. Ela é mantida pelos padrões culturais. No fundo, são as organizações intelectuais que mantêm ou destroem um determinado padrão. É evidente que isso depende da capacidade de dadas organizações intelectuais. Meios undergrounds não conseguem facilmente penetrar a massa e redefinir conceitos. Quem tem tal domínio, tem para si os chamados "meios de produção cultural". Para detê-los, se faz necessário grande poder financeiro ou o suporte do grande poder financeiro.


Em relação a hegemonia na esfera da masculinidade e do gênero, há uma correlação entre "poder masculino" e "heterossexualidade". Existem aqueles modelos de masculinidade que visam preservar as estruturas de dominação hétero-patriarcais e aqueles outros modelos de masculinidade que atuam contra essa estrutura. A grande maioria desses modelos de masculinidade são violentos, dominadores e agressivos. Visam, antes de tudo, a superação pela conquista, pela imposição e uma perpétua luta dos homens pela hierarquia. É absolutamente infeliz que a maioria dos modelos de masculinidade reinantes sejam sobre dominação e subordinação, isto leva a conflitos sociais perpétuos e rodas tautológicas de tortura sociopsicológica.


A estrutura hegemônica da masculinidade é tecida dia após dia. Regulada e gerida para articular: as experiências, as fantasias e as perspectivas. É a partir dela que as relações de gênero e sexualidade são refletidas e interpretadas. Ou seja, é a partir da matrix (homem, hétero, macho e ativo) que se inicia a reflexão do gênero e da sexualidade. Todos os outros pontos são ignorados ou violentamente censurados, seja pela força da lei jurídica, seja pela força da lei social – que, convenhamos, muitas vezes não são o mesmo. É dessa forma que vemos a natureza do movimento queer e do movimento heterossexual. Sendo o que o queer parte do estranho – contra-hegemônico – e o heterossexual parte daquilo que foi naturalizado – polo hegemônico.


São os ideias culturais os reguladores e gerentes, são os ideias culturais que criam e perpetuam. Para encontrar o modelo de homem reinante, basta ler a maioria dos livros, ver a maioria dos filmes, ouvir a maioria das músicas, assistir a maioria dos programas. O mesmo modelo – homem, hétero, macho e ativo – se repete exaustivamente, como num mantra imagético, adentrando imaginários e servindo como base inspiracional. É assim que se mantém, que se preserva, pela moldagem do imaginário, a hegemonia heterossexual. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Acabo de ler "What Is Hegemonic Masculinity?" de Mike Donaldson (lido em inglês/Parte 1)

 


A formação social é diferente da formação biológica. Muitas das formas sociais se confundem com realidades naturais, quando na verdade muito do mundo que temos ao redor foi construído pela sociedade em que vivemos ou que existia anteriormente a nossa existência concreta. A percepção que as pessoas têm, sobretudo quando estudam pouco sobre o assunto ou possuem pouca ou baixa possibilidade de encontrar outras realidades, é a de que o universo existente e o universo natural são o mesmo. Desse modo, realiza-se uma naturalização do universo existente, vendo como essência imutável o que é uma realidade mutável e móvel. Tal movimento cria aquilo que chamamos de "pacto silencioso".


Existe hoje um crescente debate entre a relação de masculinidade, sistema de gênero e formação social. Em tempos anteriores, muitos trabalhos exigiam força física e homens possuíam mais dela. Como resultado, criou-se uma mentalidade de que o homem tinha mais capacidade que a mulher. Essa crença de maior capacidade foi permeando muitas outras crenças, até que se delimitou cada vez mais a autonomia feminina. Com o processo industrial e relativa capacidade cada vez maior de exercer funções sem a necessidade de poder físico, a mulher foi sendo inserida, pouco a pouco, nos universos anteriormente dominados por homens. A autonomia crescente levou a reflexões cada vez maiores e o poder masculino se torna cada vez mais questionável.


Hoje não questionamos só o poder masculino, questionamos também a própria masculinidade hegemônica ("macho, hétero e ativo"). Sabe-se que o sistema de determinações de gênero e sexualidade estabelece uma série de papéis que devem ser cumpridos para a aceitação social. Todavia essas determinações estão sofrendo dia após dia com uma onda contra-hegemônica que questiona os papéis atribuídos pela sociedade. O que queremos não é cumprir papéis pré-determinados na sociedade, queremos descobrir quem somos e agir conforme a autenticidade de nossos espíritos. Se não, estaremos vivendo uma vida falsa, em que atuamos conforme um roteiro, de forma performática.


Vários intelectuais – e pessoas menos profissionalmente intelectualizadas – buscam a construção de uma outra masculinidade e uma outra feminilidade. Não uma hegemônica que sirva como parâmetro ou que seja paradigmática. E sim uma masculinidade e feminilidade que tenham autonomia frente aos sistemas de gênero e sexualidade. Ou seja, a ordem que queremos é uma ordem em que cada pessoa tenha a possibilidade de determinar o tipo de masculinidade e feminilidade que quer expressar e que seja correlacionada ao próprio gosto e subjetividade sem a imposição de um modelo sobre outro.



terça-feira, 27 de agosto de 2024

Acabo de ler "Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia" de Mozer e Helder (Parte 4 Final)

 


NOME:

Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia


AUTORES:

Mozer de Miranda Ramos;

Elder Cerqueira-Santos.


Olhando bem, qual seria o problema de um homem ser "feminino"? Não é a mulher, junto a construção social da feminilidade, algo bom? Por qual razão a feminilidade seria algo ruim e deveria ser atacada ou inferiorizada? Quando a mulher se espelha em um homem ou nos modelos de masculinidade socialmente estabelecidos, ela não está demonstrando uma reverência a algo que admira em algum ponto? Quando um homem faz o mesmo, ele não está demonstrando a mesma reverência? Se não é algo admirável ou respeitável, ao menos faz parte de um ato de liberdade ou característica inata a uma subjetividade. Logo a repressão social quanto a isso não é uma repressão necessária, tampouco é desejável.


Feminilidade em um homem quer dizer uma negação a suposta superioridade do gênero masculino sobre o feminino. A sociedade estruturalmente hétero-patriarcal anseia: a superioridade do gênero masculino e a superioridade da heterossexualidade. O homem feminino tem uma negação: a da masculinidade. Mesmo que inconscientemente, mesmo que por uma "característica incorrigível", ele está negando os pontos que criam a estrutura do poder. A sociedade pode encarar isso por várias vias, mas mais particularmente duas: se é por escolha, o homem efeminado é subversivo; se é por natureza própria, é um desvio da natureza e deve ser patologizado.


Nos ambientes frequentados por homens bissexuais ou homossexuais, existe a prevalência de uma apreciação estética pelo modelo essencialista do homem heterossexual ultramasculino. Isso demonstra um ódio internalizado, seja para com a própria figura da mulher, seja com a própria sexualidade. Essa postura talvez seja fruto de um temor: o de ser martirizado por uma sociedade dominada pela hétero-matrix ou de ser confundido com a pessoa que tem relações ou até mesmo de ser tornada pública a imagem de homem efeminado. Até porquê as consequências sociais disso são enormes e incalculáveis, visto que há uma negação e marginalização sistêmica de todos aqueles que escapem daquilo que se considera como "normalidade".


Como diria o clássico conservador: "as ideias têm consequências". Quando um homem bissexual ou homossexual toma postura abertamente correlacionadas à hegemonia hétero-patriarcal, ele reforça as mesmas estruturas que sistematicamente o condenam, sendo artífice da própria destruição e estigmatização. Relegando-se a uma inferioridade que lhe foi imposta por homens heterossexuais. O que o torna socialmente mais fraco e mais vulnerável aos ataques diários de uma sociedade sexista e LGBTfóbica.

domingo, 25 de agosto de 2024

Acabo de ler "Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia" de Mozer e Helder (Parte 3)

 


NOME:

Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia

AUTORES:

Mozer de Miranda Ramos;

Elder Cerqueira-Santos.


O homem homossexual e bissexual para consumo é discreto para ser tolerável. Ele se aproxima repetidamente da heteronormatividade e se afasta da feminilidade. Se afasta de comportamentos que podem ser vistos como femininos e se aproxima da diluição completa de qualquer coisa que torne visível a sua homossexualidade ou bissexualidade. Em outras palavras, a homossexualidade e a bissexualidade masculina só são toleráveis quando são imperceptíveis. A cultura homonormativa, no âmbito masculino, é a negação contínua de aparecer ou se manifestar no espaço público. Ela também é uma afirmação do domínio da masculinidade e um ataque velado a feminilidade e a mulher. O que é bastante interessante, visto que é no espaço público em que o poder hegemônico se faz mais visceralmente presente e onde os grupos marginais mais são negados e estigmatizados por não estarem na hegemonia.

A conversão à hétero-norma é uma tentativa de adaptabilidade subordinada. Ela é uma postura que aceita uma realidade de domesticação. Uma postura que se demonstra dócil a um mundo dominado por heterossexuais e pela inebriante idolatria da masculinidade. Ela leva a uma autocrítica alienante e um ódio do ser por si mesmo – homofobia internalizada, bifobia internalizada, misoginia internalizada. Ela é uma amputação ontológica na medida em que homens bissexuais e homossexuais negam muitas características próprias, se autolimitando expressivamente, para se adequarem a um sistema corrupto que os marginaliza recorrentemente. Em outras palavras, ela é o compromisso com a derrota. Lembrando o velho ditado: "quando você aceita os termos do seu inimigo, você já perdeu faz tempo".

Como sempre, a densidade de camadas é tão sutil quanto o mais complexo esoterismo. Quando homens bissexuais ou homossexuais masculinos se ocultam numa cultura que sempre os invalidará, quem sofre é outro tipo de homem. Ao adentrarem no jogo da hétero-matrix, deixaram homossexuais e bissexuais efeminados caírem perante o martírio social e reforçaram os estereótipos de gênero. Nesse sentido, houve um rito sacrificial e um bode expiatório (o homem homossexual ou bissexual efeminado). Essa complexidade demonstra a própria perversidade da sociedade e os custos da idolatria da masculinidade.

A legitimização e deslegitimização nos jogos sociais apresenta uma tragédia: ela é feita com base num jogo interminável, sociológica e psicologicamente esgotante, em que a masculinidade deve ser provada o tempo todo e em todo momento. Quando um homem lhe acusa de não ser hétero ou macho o suficiente, você deve provar a sua masculinidade e heterossexualidade. O problema é que essa masculinidade o justifica existencialmente, anulando-o caso você não consiga cumprir os critérios das hétero-normas. Esse jogo social cria a cultura homonormativa em que a expressão cultural de homossexuais e bissexuais são uma paródia ou simulacro da cultura heterossexual. 

Acabo de ler "Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia" de Mozer e Helder (Parte 2)

 



NOME:

Afeminação, hipermasculinidade e hierarquia

AUTORES:

Mozer de Miranda Ramos;

Elder Cerqueira-Santos.

No Brasil, existe uma hierarquização de performática de gênero. Essa hierarquização tem algumas camadas. Se em primeiro lugar se encontra o homem heterossexual e másculo, em lugares inferiores se encontrariam o homem heterossexual de índole mais tímida e o homem heterossexual menos encaixado nas definições de masculinidade exuberante. Logo viriam os bissexuais que esconderiam a bissexualidade e tomariam uma vida dupla, marcada pela contradição e ocultamento. Também haveria o binarismo do macho/bicha, onde os ativos estariam acima dos passivos, os efeminados estariam abaixo dos machos. Ser macho e ativo seria tudo.


A questão problemática que vemos aí não se revela logo de cara. Ser efeminado não é o mesmo que ser passivo. Ser passivo não é o mesmo que ser efeminado. Aliás, hoje em dia existem muitos heterossexuais que curtem inversão de papéis. Essa ligação entre passividade-feminilidade revela uma inconsciente construção social acerca dos papéis de gênero e, até mesmo, a ideia de que mulheres são inferiores aos homens, visto que são, quase em totalidade, "passivas". A ideia de passividade-feminilidade também traduz um importante conflito de gênero: quanto mais longe um homem estiver duma mulher, mais hierarquicamente bem posicionado ele está. Essa é uma misoginia oculta muito bem estudado pela militância feminista. O que vemos é a valorização de uma figura bem clássica em nosso imaginário social: heterossexual, ativo, masculino e macho.


Como podemos vislumbrar, muitas das vezes o imaginário do homem homossexual ou bissexual se confunde com o imaginário do homem heterossexual. A ideia de superioridade do homem másculo e ativo contraposta à inferioridade do homem efeminado e passivo representa uma reprodução, mesmo que inconsciente, do machismo hétero-patriarcal. Esse inconsciente é fundamentalmente misógino e é um ponto que serve para alienação e incapacitação não só dos homens bissexuais e homossexuais, como da comunidade LGBT como um todo. Ela é uma misoginia internalizada que servirá sempre para se curvar à heteronormatividade. Representa também uma estratificação social em que o macho bi/gay se encontra acima do efeminado, levando a choques internos – além de comportamentos tóxicos – no seio da comunidade.