segunda-feira, 12 de maio de 2025

Acabo de ler "My Gender Is Bisexual" de Gadea Méndez Grueso (lido em inglês)

 


Nome:

My Gender Is Bisexual: Bisexuality, Trans Politics, and the Disruption of the Western Gender/Sexuality System


Autora:

Gadea Méndez Grueso


Faz um tempo que estudo a teoria queer. Tenho um foco especial pela teoria queer bissexual. Essa predileção se dá pelo fato de eu mesmo ser bissexual. Sempre vejo que posso aprender algo de extremamente interessante nessa investigação. Por exemplo, eu nunca estudaria tanto as teorias do marxista italiano, Antônio Gramsci, se não fosse pela leitura salutar da teoria queer. O mesmo pode ser dito em relação ao feminismo, quase tudo que aprendi a respeito do feminismo vem de uma fonte indireta — a teoria queer é, em parte, baseada nela.


A teoria queer é muito especial para a compreensão dos jogos sociais e de como as relações entre gênero e sexualidade perpassam por uma série de hierarquizações e repressões. Também é a teoria queer que nos faz pensar e repensar todos os papéis de gêneros que são passados e repassados. Muito do que temos por natural, foi na verdade uma construção social que foi naturalizada. E aprendemos por meio da teoria queer a não respeitar aquilo que é um papel social que é imposto para nós como um destino social. A teoria queer é, por assim dizer, uma teoria bastante libertária no sentido que nos leva a repensar o papel social que desempenhamos na sociedade.


A questão da teoria queer é que ela é sempre multidisciplinar. Podemos ver vários setores que perpassamos. Os estudos de gênero, os estudos de sexualidade, as questões históricas, as análises sociológicas, as questões psicológicas, as questões filosóficas, muitas vezes passamos pelo estudo biológico, por outras nos enveredamos no estudo do Direito e por aí vai. Esse ecletismo é extremamente interessante e fascinante. Creio que hoje eu posso afirmar que sem a teoria queer, não seria a mesma pessoa que sou hoje.


Achei esse documento quando estava no Google Scholar procurando algo para ler — sim, estudar arquivos acadêmicos é um hábito meu. Quando eu li o título, achei interessantíssimo. A teoria por traz dele é que a bissexualidade também tem algo a ver com o gênero. Não só isso, a pessoa em questão deixa claro que o gênero dela é bissexual.


Você já percebeu que muitas vezes homens homossexuais performam de maneira efeminada e mulheres lésbicas performam de maneira masculinizada? A questão é, segundo Judith Butler: sexo, gênero e sexualidade são processos co-constituintes. É por esse mesmo motivo que muitos bissexuais adentram a formas andróginas de expressão. Parece estranho, mas esse é um padrão largamente observável.


A conexão com a bissexualidade envolve a entrada e ruptura de mundos. Adentrar diferentes mundos e aderir traços desses múltiplos mundos. Quanto mais uma pessoa se conecta com a sua bissexualidade, mais ela se habitua a quebrar os padrões estabelecidos pelos múltiplos agrupamentos que participa. A personalidade bissexual encontra-se na passagem de múltiplos mundos, na absorção desses múltiplos mundos e na expressão desses múltiplos mundos. Então evidentemente a própria postura em relação ao gênero muda.


Creio que, para todos que se identifiquem como bissexuais e que estudem a teoria queer há um bom tempo, mais linhas são cruzadas conforme o tempo passa. A entrada ao estudo e a aceitação da própria sexualidade leva a um desenvolvimento de uma nova percepção de ser e estar no mundo. E bissexuais mais epistemologicamente consistente são mais bissexuais na sua forma de expressão.

domingo, 11 de maio de 2025

Acabo de ler "The Politically Incorrect Guide to The Presidents" de Steven (lido em Inglês)

 


Nome:

The Policatilly Incorrect Guide to The Presidents: from Wilson to Obama


Autor:

Steven F. Hayward


Mais um texto analisando um livro que fala sobre a história americana. Isso é algo que vem me mobilizado bastante nos últimos tempos. E espero que quem acompanha o blog esteja curtindo. Adentrar em uma cultura, uma história, em um país, estudar para compreender parcimoniosamente uma língua e um povo, tudo isso expande o horizonte de consciência e o torna mais capaz de analisar os fatos do mundo. Mesmo que não possamos, evidentemente, nunca chegar a uma interpretação da realidade objetiva dos fatos, podemos aumentar a nossa capacidade analítica pela expansão contínua do nosso horizonte de consciência.


A razão que me mobiliza aqui é um estudo do debate, olhando os múltiplos pontos e tentando absorvê-lo. Como escrito anteriormente em uma análise, escolhi introduzir o meu estudo com base no conservadorismo americano pois as fontes primárias do Project 2025 estavam nessa parte do debate. Depois disso, fui galgando para uma compreensão da crítica do próprio movimento conservador as iniciativas conservadoras ou supostamente conservadoras — ou aquelas que estavam no quadro da direita política sem, contudo, pertencerem ao cânon do conservadorismo americano em sentido puro. Após isso, tive meu primeiro contato com um autor progressista para entender a história do Partido Republicano e a sua transformação.


Adentrar ao espírito americano envolverá outras cruzadas intelectuais que ainda me escapam, como a visão histórica dos diferentes movimentos de esquerda que disputaram, através dos tempos e dos espaços, o poder político, cultural e social dos Estados Unidos. Também preciso compreender mais e melhor a forma com que esses movimentos que acolhem ideias pós-liberais encontrariam conformância numa sociedade que surgiu pela sua criação nesses valores liberais. Creio que aí está uma agonia da esquerda americana: apresentar como palatáveis valores pós-liberais ou desdobramentos da própria mentalidade liberal para o cidadão americano que vê como sagrada a sociedade que surge com o rompimento do Antigo Regime/Mundo.


Mesmo que eu ainda não tenha adentrado profundamente nos escritos da esquerda americana, foi-me salutar assistir vídeos do First Thought, Second Thought, Red Pen e Contrapoints. Eles me deram um balanceamento interessante do debate. E continuam me dando. Ler um e outro escrito do proudhoniano Kevin Carson também me deixou vislumbrar um problema contínuo do moderno Estados Unidos, marcado por corporações que sobrepujam o poder civil. Ver essa suspicácia pelas grandes empresas poderiam adentrar, igualmente, na visão cética de Christopher Lasch também é um conexão interessante para a compreensão global do debate americano.


A visão do autor desse livro se estabelece na longa e contínua tradição do conservadorismo americano, essa tradição possui um respeito intelectual enorme pela Constituição Americana e a sua forma de ver o mundo é inegavelmente constitucionalista. Ela vê, com bastante preocupação, o aumento do tamanho do Estado como suspeito, visto que isso pode levar a recriação do Antigo Regime por outros meios. Grande parte da análise conservadora americana surge da crítica liberal ao Antigo Regime e é nesse sentido que o conservadorismo americano se contrapõe aos diferentes conservadorismos que existem no mundo. E é por essa razão que o autor prende muito das suas críticas ao grau de constitucionalismo que os presidentes americanos apresentaram durante o seu ofício.

domingo, 4 de maio de 2025

Acabo de ler "American Psychosis" de David Corn (lido em inglês)


 

Nome:

American Psychosis: a historical investigation of how the Republican Party went crazy


Autor:

David Corn


O estudo da queda da hegemonia americana levanta questões profundas sobre o que podemos aprender acerca do florescimento, desenvolvimento e queda das nações. Estudar tudo isso vem sido uma tarefa graciosa e de crescimento intelectual contínuo para mim. Espero que os leitores desse blog também possam sentir o mesmo. Se não pela leitura dos livros, talvez pela leitura das análises que venho feito.


A metodologia empregada para essa série de análises foi uma contínua exposição e abertura ao debate público americano. Não li só livros, também vi vários vídeos e, inclusive, assisti a documentários para empreender essa tarefa de modo mais razoável. O método analítico empregado é o agnosticismo metodológico em que concordo com o que é expressado em cada livro, tendendo a ser de direita quando ele é de direita e de esquerda quando ele é de esquerda — mesmo que eu recorrentemente saia dessa tendência em múltiplas análises. Evidentemente dei uma predileção especial aos livros conservadores no início dessa empreitada, mais pelo fato de eles estarem no poder e por toda a história envolvendo o Project 2025 do que por alguma outra razão específica.


Em primeiro lugar, qual é um dos fundamentos da mentalidade americana? Qual fundamento é recorrentemente lembrado e que está sempre marcado no debate público? Os Estados Unidos tem uma aliança histórica com uma dada concepção de liberdade. Essa concepção de liberdade aparece historicamente sendo interpretada e reinterpretada de várias formas por diferentes por figuras que se deslocam pelo tempo-espaço dessa nação. Muitas vezes, são amadas. Outras vezes, são rejeitadas. Apesar disso ocorrer em diferentes períodos e a análise dessas figuras e feitos serem passiveis também de reinterpretação de múltiplos grupos ao sabor de cada momento.


A liberdade, tal como se pode pensar erroneamente, não é algo tão simples de se conceituar, a liberdade é passível de discussão. Por exemplo, a liberdade é algo que é dado ou é algo que temos naturalmente? Se ela é dada, quem garante que essa figura que dá a liberdade não possa outorgá-la posteriormente? O Estado deve garantir um direito a algo para que essa pessoa tenha liberdade (exemplo: saúde, educação e segurança) ou o fato de ser o Estado o garantidor dessa liberdade que essa liberdade não é confiável? Várias questões poderiam ser levantadas.


O que deixou, por exemplo, que o Partido Republicano empregasse vários métodos corrosivos dentro dos Estados Unidos sem uma punição clara? Aliás, o que garantiria essa punição? Será que todas as ações historicamente feitas pelo Partido Republicano não se enquadrariam como a propagação estratégica de tribalização, seitização e utilização massiva de fake news e teorias da conspiração como ferramentas de controle e poder social e político? As consequências disso não são atualmente nefastas e colocam em risco a própria experiência americana? Como se lidar com a necessidade de se manter uma sociedade aberta e temente do crescente poder do Estado ao mesmo tempo que se lida com a necessidade de frear uma série de grupos que se utilizam dessa liberdade provinda dessa mesma sociedade liberal para promover o ódio e a divisão?


No Brasil, vivemos aumentando o poder regulador do Estado sobre o discurso na esperança de que possamos dar um basta nessa onda de utilização de desinformação como metodologia política. O Brasil, digamos a verdade, é bastante acostumado com uma ideia burocrática na regência da sociedade civil. Só que isso também leva uma dúvida: o poder do Estado sobre o discurso não cria uma necessidade de uma burocracia especializada na análise do discurso para ver qual é correto e qual é falso? Se sim, isso não implicaria na criação de uma tecnocracia que decide qual discurso é verdadeiro e qual é falso? Se a primeira hipótese é verdadeira, então a própria tecnocracia diria o que o povo pode crer e o que o povo não pode crer. Isso levaria ao fim da própria democracia. Embora hoje já se possa falar dum regime híbrido entre a tecnocracia e a democracia (democracia vertical).


Numa democracia — em que há a necessidade de um autogoverno — há a necessidade de que os discursos sejam livres para que as propostas possam ser lidas, ouvidas e/ou assistidas para serem publicamente analisadas. Uma tecnocracia cria camada, essa camada separa o tecnocrata do restante da população civil e caberia a esse tecnocrata, que está acima do povo, o de agir paternalmente. A necessidade constante de controlar o aspecto discursivo da população para impedir que a desinformação se espalhe abre margem para a criação de uma nova população que se distinguiria da população primária e seria não uma igual perante a lei, mas acima da lei ou sujeita a leis especiais. O que leva a própria corrosão da liberdade — visto que sujeita a uma decisão superior — e a democracia — visto que cabe a um tecnocrata decidir e sua decisão está acima da maioria constituída.


A mentalidade americana surge duma suspicácia do poder constituído e da capacidade desse poder de se sobrepor aos interesses orgânicos dos indivíduos. Em outras palavras, a ideia de uma hierarquização social traz o retorno de uma aristocracia — algo que remete ao Antigo Regime, o mesmo regime que o americano surgiu para ser contra. A identidade americana é uma identidade que nega o Antigo Regime e surgiu para afirmar um mundo que vem após esse regime. É por essa razão que mesmo com tantos feitos na sociedade, muitos deles absolutamente negativos, o americano teme ainda mais a possibilidade de ser controlado. Se assim não fosse, ele estaria, de certo modo, contrário a própria identidade americana.


O livro American Psychosis, em sua compilação histórica, levanta esse dilema mesmo que não diretamente: como viver num momento histórico em que os Estados Unidos acumulou múltiplos grupos que possuem uma mentalidade autoritária/totalitária e que visam substituir a própria sociedade liberal por uma mais fechada ao mesmo tempo em que não se pode acabar com a própria sociedade liberal? Muitos americanos têm uma noção muito forte de liberdade e preferem tolerar grupos indigestos do que tolerar uma ação direta do Estado (mesmo que dentro do Paradoxo da Tolerância de Karl Popper). Como os americanos resolverão tudo isso? É algo que só os capítulos da história poderão mostrar.

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Acabo de ler "The Conspiracy to End America" de Stuart Stevens (lido em inglês)

 


Nome:

The Conspiracy to End America - Five Ways my old party is driving our democracy to autocracy


Autor:

Stuart Stevens


O que ocorre nos Estados Unidos? O debate americano tem sido bastante arriscado. No começo, tínhamos uma certa noção sobre o autoritarismo crescente e o nacional-populismo de direita em alta. Hoje temos o Project 2025, um projeto que, se posto, terminaria os dias da democracia americana e a colocaria na misteriosa estrada da autocracia. Surgiu, também, um novo modelo de conservadorismo, o conservadorismo populista que abandona o reformismo e adentra na ideia de "fogo purificador controlado". Esse fogo destruiria certas instituições, radicalizando o processo autoritário e indo em direção a uma construção de um governo totalitário. O que é, em si mesmo, uma afronta a continuidade mesma da própria normalidade democrática e o fim desse mesmo regime.


Quando Stuart Stevens escreveu seu outro grande clássico "It Was All a Lie", a situação era outra — e já era ruim. Anos depois, a situação piorou. Agora, ela piorou ainda mais. Temos um padrão, um padrão de uma direção autoritária crescente que põe um dos países mais poderosos do mundo num caminho sórdido. Mas quem diria isso? Os Estados Unidos da América sempre se marcou por uma permanência interna num regime democrático, numa experiência plural de normalidade da ordem democrática e diversidade dentro do autogoverno — mesmo que essa não se efetivasse para todos os grupos de forma congruente, podemos ainda verificar progressos e retrocessos históricos. A ruptura desse padrão que determinou por muito tempo a própria identidade americana não pode ser encarada como o sinal de força e vigorosidade, mas por um sinal de franca decadência. Os Estados Unidos pode se tornar "antiamericano" para a própria visão que possui de si mesmo e para a sua própria experiência histórica.


O experimento americano, querendo ou não, levou a criação da moderna noção de Estado. O chauvinismo de Trump, pelo contrário, retrata o abandono dessa experiência e adentra num aspecto terceiro-mundista — aqui, evidentemente, no mal sentido do termo. Os Estados Unidos surge da negação ao Antigo Regime, ele surge da ideia de que todos os homens nascem iguais perante a Deus, rejeitando a ideia de uma sociedade em que a hierarquia é determinada ao nascer ou até mesmo antes — o rei e a nobreza estavam num patamar acima da população ordinária. A sua razão é extremamente democrática no âmbito jurídico, todos devem ser iguais perante a lei. Essa normalidade democrática é o que tornou os Estados Unidos o que ele é, uma república que, querendo ou não, tem o mérito da continuidade — o que é uma condição da estabilidade, algo que historicamente carecemos por aqui.


Não estou dizendo aqui que os Estados Unidos está longe de contradições históricas. Há uma ampla bagagem documental sobre casos de racismo e demora em integração de dados grupos sociais dentro da sociedade americana. É particularmente sobressaltante a questão negra e indígena nos Estados Unidos. Mesmo nos períodos em que poderíamos dizer que foram mais pacíficos e em que o americano esteve mais estável dentro da institucionalidade, casos de violência e discriminação para com grupos desfavorecidos eram notórios. Além disso, o fato dos Estados Unidos ter se comprometido internamente com a defesa da democracia, mas externamente ter favorecido golpes de Estado, grupos extremistas e ditaduras ao redor do mundo também é um ponto. Pode-se argumentar que o cidadão americano é um pouco mais alheio ao que acontece no exterior e as ações do seu próprio país fora dele. Isso deve ser mensurado.


Os Estados Unidos também é marcado por uma longa tradição de uso de desinformação e teorias conspiratórias como arma política. Algo tão amplamente usado hoje leva a um entrave ao próprio desenvolvimento do país, sobretudo quando o ensino superior se torna inacessível e grande parte se torna incapaz de distinguir boas fontes de informação de más fontes de informação. Além disso, junte-se a seitização e polarização social que fazem com que cada grupo acredite no que quer — e que seja favorável ao grupo — sem um questionamento real do que é passado (toda essa questão de ser de direita e de esquerda só eleva o problema e cria uma forte miopia intelectual). As pessoas que lerem "American Psychosis" poderão vislumbrar muito bem isso.


O Brasil, como país, não se vê livre da decadência americana — as mesmas raizes já encontram a sua versão nacional ou foram devidamente importadas por objetivos políticos claros. Em relação aos Estados Unidos, tivemos capítulos semelhantes. Vivemos, há pouco tempo, uma tentativa de golpe de Estado. Teorias da conspiração também são usadas como armas políticas por aqui. Em relação a isso, nossa constituição se apresenta como mais favorável para impedir a propagação de desinformação, mas a aplicação da lei nesses casos não se demonstra tão efetiva assim — basta olhar o estado das nossas redes sociais, elas já são uma mistura de nacional-populismo sabor Steve Bannon e guerra memética sabor 4chan e 8chan. Em relação ao que virá depois disso, já podemos entrever o uso de táticas do conservadorismo populista e uma rede de mídias alternativas para a sustentação de um Networking de Propaganda. Há também outra questão: o império das regulações e reguladores remonta a um império burocrático — bem lusitano — que está longe de ser isento de parcialidade e pode muito bem levar a um crescimento de práticas autoritárias para fins políticos.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Acabo de ler "The Myth of Left and Right" de Hyrum e Verlan (lido em inglês)

 


Nome:

The Myth of Left and Right: how the political spectrum misleads and harms america


Autores:

Hyrum Lewis;

Verlan Lewis.


Grande parte do conflito contemporâneo — e que é uma efetiva ameaça a democracia — é o fenômeno da seitização, da polarização e da tribalização da política. O fato é: se a democracia se dá pela convivência harmoniosa entre diferentes ideias, como estabelecer uma democracia em que o diálogo se torna cada vez mais raro e as pessoas se encontram presas em suas tribos políticas?


O livro trata sobre a questão da visão essencialista dos espectros políticos. Usualmente tomamos esquerda e direita como aspectos essenciais e invariáveis. Tomamos a ideia de que as pessoas escolhem as suas ideias e depois assumem um grupo político para si. Só que essa teoria essencialista foge da realidade: as ideias de esquerda e direita variam tanto historicamente que podem até ser autocontraditórias se colocadas em quadros históricos diferentes. Uma ideia de esquerda pode se tornar de direita e uma ideia de direita pode se tornar de esquerda.


Um exemplo disso é a contradição histórica entre determinadas políticas. Stalin, por exemplo, ressuscitou o nacionalismo na Rússia — o socialismo marxista era internacionalista. Ronald Reagan era pró-migração, pró-acordos multilaterais, pró-comércio global e Donald Trump é o exato oposto disso tudo. Como algo pode ser uma coisa e depois se tornar o absoluto oposto disso? As políticas econômicas de Lenin levaram a abertura do mercado (Nova Política Econômica) e as políticas de Stalin (planos quinquenais) levaram ao fechamento dele. Atualmente, os conservadores falam de uma nova doutrina econômica com um mercado mais fechado à concorrência externa e um Estado mais participativo na esfera econômica.


Outra questão que o livro aborda é a ausência de sistematização real das ideias quando postas lado a lado. Por exemplo, o que ser a favor das fronteiras abertas tem a ver com ser a favor de um Estado mais atuante na esfera econômica? O que ser contra o aborto tem a ver com a redução dos impostos? Em verdade, essas opções que usualmente adquirem o rigor de uma sistemática nada tem a ver uma com a outra e poderiam ser muito bem pensadas separadamente. Mas usualmente pensamos numa adesão em bloco, de forma muito mais religiosa do que filosófica. O pensamento em bloco indica a unidade da fé, o pensamento que vai pouco a pouco, direcionando e analisando cada aspecto, é o pensamento filosófico. Atualmente temos muito mais a adesão em bloco do que uma análise minuciosa de cada parte.


Temos que admitir hoje em dia que muito do que pensamos, não pensamos de fato. Isto é, grande parte de nossas visões vieram de "compra casada". Ou seja, adquirimos essas visões mais por um processo de socialização e adesão grupal do que um processo reflexivo, duradouro e consistente. Devemos voltar a pensar com desprendimento, mas com rigor. Pouco importando as decisões da tribo política. É preciso analisar várias formas sem se prender a uma ritualidade tribalizante, buscando um livre pensamento, desprendido de vieses de confirmação.


Atualmente não temos muito da seriedade democrática. Muito pelo contrário, o que temos são diferentes grupos brigando pelo poder e distorcendo o poder de todas as formas para dar continuidade ao projeto de poder. Ou seja, a própria noção de convivência democrática e a possibilidade de aprender com o adversário ou pessoa de ideia diferente é completamente ignorada. A democracia existe mais institucionalmente do que internamente. Ela é uma instituição que caminha morta pela força dos ventos, visto que não mais habita os corações e mentes. Nessa condição, quem garantirá a continuidade da democracia? Se a democracia já está morta a nível social de forma inconsciente, basta que as pessoas se deem conta disso para que ela acabe a nível institucional.

domingo, 13 de abril de 2025

Acabo de ler "Scott Pilgrim contra o Mundo vol 3"

 


Peço perdão pela ausência de tempo e dedicação para esse blog. Tenho tido pouco tempo para escrever. Mas tenho feito de tudo para trazer novos conteúdos. Para não dizer que não estou fazendo nada, resolvi ler uma revista em quadrinhos que faltava.


A história do Scott Pilgrim é sobre crescer, lidar com os traumas e adquirir maturidade. Foi a partir dela que tivemos uma migração da cultura nerd para a cultura geek. Toda a sua história contém uma série de referências que a consolidaram como um produto razoavelmente cult dentro da cultura nerd/geek.


Scott Pilgrim é uma obra deliciosa de se ler. É uma obra que nos faz retornar com carinho para o passado e também para o presente. O humor é a desconcentração são pontos excelentes dessa obra.

sexta-feira, 28 de março de 2025

Acabo de ler "(((They))) Rule" de Marc Tuters (lido em Inglês/Parte 1)

 


Quem nunca abriu o 4chan para dar uma olhada no que se passava? O fórum onde surgem os maiores fenômenos digitais. Os memes dos gatinhos, o sapo Pepe e tantas outros fenômenos que abarcam e moldam a vida do cidadão virtual. O 4chan é responsável por comunidades maravilhosas, como o /mu/ e como o /lit/, mas ao mesmo tempo responsável por comunidades estranhas e de comportamento tóxico como o /pol/. O 4chan, bom e/ou mau, é o berço do underground virtual. Sempre com a sua subcultura que se inova e renova.


No /pol/, temos uma espécie de criação memética orgânica criada pelos usuários que estão localizados no mundo inteiro. E um dos comportamentos mais curiosos dessa comunidade é a memética: a arte de gerar uma imagem facilmente assimilável e reproduzível. Essa memética entra num campo político, abrindo o terreno da memepolítica – algo que, quando empregado, reduz complexidades sólidas e dá margens para interpretações reducionistas. Também criando uma forma ritualizada de antagonismo, aquela chamada de "nós" contra "eles" – o outro corre o risco de ser memetizado e reduzido a uma série de piadas. Essa é a linguagem adversária.


O /pol/, como organização underground, tem um jeito diferente de ver a política. Os seus habitantes – que podem ir desde um neonazista a um socialista – tem um ponto de vista antagônico. De lá que surge a chamada alt-right (direita alternativa). A sua forma de se referir a direita mais tradicional era "cuckservative" (cornoservador). O /pol/ é contra o consenso, ele é contra a política dominante. O /pol/ é uma nova forma de ver e pensar o mundo.


Mesmo o /pol/ não sendo em si unânime, ele tem alguns usuários com comportamento característico. O 4chan se trata, sobretudo, duma liberdade de expressão absoluta. Nessa condição, vemos várias pessoas com diversos pontos de vista se manifestando. Todavia o comportamento da alt-right é extremamente característico e salta aos olhos, seja do jornalista, seja do acadêmico, seja do mero olhar curioso de um desavisado. As falas meméticas, as piadas que se generalizam, a forma continuamente opositora, o papel crucial que desempenhou na eleição de Donald Trump em 2016, o fato de que seu discurso se normaliza no espaço público.