quarta-feira, 17 de julho de 2024

Acabo de ler "Queering Queer Theory" de Laura e Jennifer (lido em inglês/Parte 3)

 




Nome completo do artigo: Queering Queer Theory, or Why Bisexuality Matters

Autoras: Laura Erickson-Schroth e Jennifer Mitchell


A primeira utilização do termo bissexual era no sentido morfológico e não a uma prática sexual. Naquele período, em 1866, o termo "bissexual" era o que hoje seria chamado de hermafrodita. Só posteriormente o termo bissexual se referiria a uma prática.

O desenvolvimento da "bissexualidade moderna", conceitualmente falando, passa por alguns entraves. Anteriormente se especulava que o desenvolvimento do homem era superior ao da mulher e que homens passavam por uma fase feminizada antes de adentrarem na fase masculina. O desenvolvimento insuficiente causaria um aspecto feminizado, isto é, causaria uma vida sexual com pessoas do mesmo sexo (homossexualidade). Um feto imaturo produziria um adulto bissexual.

Avançando mais pelo tempo, chegou-se a conclusão de que homens e mulheres são gêneros opostos e que bissexuais não saberiam vislumbrar a diferença – o antagonismo – entre esses dois gêneros. O que levaria a percepção de que bissexuais estão internamente em conflito, emocional ou psicologicamente imaturos, além de qualquer outra forma de instabilidade. O desenvolvimento teórico diria aos bissexuais que eles deveriam "se decidir". Alcançar a "maturidade", seja pela via heterossexual, seja pelo via homossexual, mas preferencialmente pela vida heterossexual. Bissexuais deveriam receber suporte para "compreender" as distinções entre os "dois sexos" e "seus antagonismos".

A ideia era levar bissexuais a compreenderem as distinções entre "os dois sexos" para que eles se tornassem adultos saudáveis. A ideia de que a preferência pelos dois sexos era contraditória, levando a cisão interna, era o norte da antibissexualidade: o bissexual está eternamente dividido, incapaz de ter relacionamentos e estabilidade mental, até que se cure da bissexualidade. Um pouco dessa mensagem ainda ressoa em tempos modernos.

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Acabo de ler "Sacred Chaos" de Françoise O'Kane (lido em inglês/Parte 3)

 


Como o lado sombrio pode ser confrontado? O Self é a experiência mais imediata do divino. Todavia esse divino não é uma divino tomado de forma "absolutamente boa", o "divino" abriga uma espécie de substância caótica que é tão psicologicamente importante quanto a parte "sagrada". A má relação entre os dois polos (trevas e luzes) leva a um deslocamento psíquico. Se a má relação causa deslocamento, então a confrontação não é psicologicamente adequada. É preciso que exista uma estabilidade e uma integração.


Vivemos numa sociedade ainda cristianizada e faz parte da nossa cultura a repressão da parte considerada ruim. Essa repressão alimenta a nossa sombra, fortalecendo-a inconscientemente. Não estamos nos afastando do "mal", mas colocando-nos impotentemente ante a sua secreta influência. Dentro do psiquismo, bem e mal fazem paradoxalmente uma unidade. Dentro da cultura cristã, aparecem como irreconciliáveis. A ideia de apagamento do mal pode levar paradoxalmente a um desequilíbrio mental e na ausência da percepção do mal que causa. O mal pode ser, então, racionalizado numa estrutura argumentativa (atacar homossexuais por eles não se adaptarem a estrutura reprodutiva da sociedade, por exemplo) que torne palatável ao ego – tornando a prática do mal como inconsciente a própria pessoa.


Só que falar de "integração da sombra" é algo simples, embora socialmente inadequado – defender que existe um mal dentro de nós e que ele deve ser usado e até mesmo aceito chega a soar absurdo para os "ouvidos mais leigos". Quando pensamos nos mecanismos sociais, eles até agora não demonstraram uma solução satisfatória para a utilização da energia sombria que existe em cada um de nós de uma forma que não seja socialmente tóxica. A utilização da energia sombria pode ser perigosa, mas o seu acúmulo também leva a disrupções sociais. Como já escrito anteriormente, a ideia de que temos que ser bons o tempo todo leva a um acúmulo energético negativo que consequentemente nos leva a ser inevitavelmente maus – e, ressalto mais uma vez, muitas vezes de forma inconsciente.


A imagem do divino (Imagino Dei) e a imagem do Self estão intimamente correlacionadas. A inexistência do mal na doutrina cristã – principal influência teológica da sociedade ocidental – na imagem de Deus leva a uma percepção deturpada da própria estruturação do psiquismo. Essa falha tem um efeito colateral na nossa sociedade. Ainda mais quando temos em mente que a ideia acerca do caos é atrelada ao feminino e o feminino não aparece na trindade. A ideia de "ordem" e "positivo" aparecem de forma inconscientemente maniqueísta na estrutura de pensamento teológico de muitas igrejas cristãs. O cristianismo ao dizer que o mal não está em Deus, cria uma visão em que o mal só pode ser banido para se aproximar de Deus.


A verdadeira natureza do Self está na completude da integração dos elementos, não podendo ser confundida com a negação dos elementos em prol de outros. A capacidade de compreender os diferentes polos do Self e de aceitá-los é de natureza essencial para a maturação do psiquismo. A negação só fortalece inconscientemente o lado que se reprime.

terça-feira, 9 de julho de 2024

Acabo de ler "Epic Win for Anonymous" de Cole Stryker (lido em inglês/Parte 5)

 



O que fez o 4chan se tornar aquilo que ele é? Vivemos num mundo em que a visibilidade se tornou uma constante. O fato de tudo poder ser visto, cada dia mais, numa amplitude cada vez maior, em dimensões cada vez mais absurdas, isso não é assustador? Vivemos numa época em que até mesmo as barreiras coletivas foram ultrapassadas e estamos vivendo num mundo onde quase tudo se torna público.

Quanto mais pública a sociedade se torna, maiores são as fiscalizações sociais na sociedade. Esse aumento de fiscalização leva a uma maior regulamentação social. Hoje em dia é muito mais fácil cobrar alguém por uma frase ou um pensamento, anteriormente não era. E essa cobrança excessiva leva a um aumento da imagem pública, o que corresponde a um aumento da utilização do "ego" e uma carga de várias sensações, sentimentos e ressentimentos sendo jogados na sombra.

Quando as pessoas são sondadas várias vezes ao dia para não caírem em ruínas numa sociedade "extremo-publicizada" elas devem encontrar um subterfúgio para poderem dizer coisas que não podem dizer, pensarem coisas que não podem pensar e verem e ouvirem coisas que não podem ver ou ouvir. É por isso que fóruns anônimos se tornaram os locais prediletos para tal prática.

Com essa pequena análise quero dizer o seguinte: é a própria estrutura da sociedade que vai tornando possível a existência de chans e a mentalidade channer. É o chan o local em que as pessoas podem soltar as suas sombras. Ele é o "local de descarrego".

Acabo de ler "Queering Queer Theory" de Laura e Jennifer (lido em inglês/Parte 2)


Nome completo do artigo: Queering Queer Theory, or Why Bisexuality Matters

Autoras: Laura Erickson-Schroth e Jennifer Mitchell


Uma orientação sexual invisível e estranha, presa e atacada por pessoas heterossexuais ou homossexuais, que insistem em encaixar bissexuais em sua ordem binária. A questão é: quando uma pessoa é forçada a ser ou se identificar como algo que não é acaba por sofrer. O sofrimento bissexual se dá ante a negação da sua própria existência, tal como se fosse "proibido de existir". E quando identificam alguém que é bissexual, mesmo no âmbito do debate público, logo insistem que essa pessoa é heterossexual ou homossexual.


Outra questão que surge na bissexualidade é a questão do privilégio. Para alguns homossexuais, as pessoas bissexuais gozam do privilégio de terem relações heterossexuais, elas podem esconder a sua própria bissexualidade. Em outros termos, bissexuais podem ser classificados, para algumas pessoas, como "traidores da causa LGBT". Para alguns heterossexuais, bissexuais escondem a sua homossexualidade ou estão num período de confusão. Existem aqueles que, aceitando a existência da bissexualidade, acusam bissexuais de serem promíscuos ou "levarem as doenças sexualmente transmissíveis de um campo para outro".


Com toda literatura científica do mundo contemporânea acerca da sexualidade, além das comprovações continúas da própria existência da bissexualidade, ainda há quem queira negar a nossa existência. A bissexualidade pode existir, pode até mesmo ser comprovada a cada segundo ou milésimo, mas não pode ser socialmente aceita por causa do discurso dominante. A razão da bissexualidade não ser socialmente aceita foi descrita na parte anterior a essa, mas torno a repeti-la: num mundo estruturalmente projetado para privilegiar heterossexuais, muitos não heterossexuais não querem se ver privados desse privilégio e preferem que a bissexualidade não exista, visto que uma vida pública – e até mesmo privada – heterossexual não seria comprovação autossuficiente de heterossexualidade.


Há uma chave dupla dos problemas bissexuais. O maior problema é a sua invisibilidade – por não ser socialmente aceito como existente – e o segundo maior problema são acusações de alto teor moralista e normativista. A acusação de que bissexuais são "incapazes de serem monogâmicos", imaturos e promíscuos. O fato é bissexuais existem num número igual ou superior ao número de homossexuais. Homossexuais e heterossexuais veem o mundo de forma binária pois isso é inerente a própria sexualidade deles, em outros termos, eles veem o mundo a partir de sua experiência pessoal – de forma empírica –, mas a experiência pessoal não é comprovação das suas teses. É impossível ver o que há dentro do outro, sobretudo a alguns aspectos que não são de natureza reproduzível.


Quando cobram uma estabilidade de bissexuais, cobram uma estabilidade pautada na visão monossexista. Isto é, no binarismo maniqueísta da sexualidade.  Estabilidade seria ser "hétero ou homo", mas isso não faz sequer sentido. Estabilidade é continuidade de algo através do espaço-tempo e quem é bissexual é bissexual a vida inteira, logo a bissexualidade é uma sexualidade tão estável quanto a homossexualidade e heterossexualidade. A negação da bissexualidade é algo muito mais ditado de forma narrativa ou ideológica. E os argumentos não surgem pautados por uma pesquisa séria, mas através de uma linha se raciocínio turva que existe para defender um grupo de outro.


A questão apresentada pela bissexualidade é bem variada. Ela apresenta múltiplos caminhos que escapam ao controle, seja de heterossexuais, seja de homossexuais. É um tabu falar que bissexuais são vistos como inimigos de homossexuais e heterossexuais, mesmo que isso não seja conscientemente admito por nenhum desses grupos – além de certas pessoas que prezam pela sinceridade. Homossexuais precisam de uma visão de estabilidade da sua sexualidade para lutar contra o heterossexismo, mas isso leva a eles a atacarem bissexuais, visto que a bissexualidade pode ou poderia apresentar a hipótese de que a sexualidade é uma escolha e não algo essencial, isso favorecia a narrativa heterossexista e a sua normatização forçada. Fora isso, a visão poliamorista que muitos bissexuais apresentam feriu – e ainda fere – a imagem monogâmica que muitos homossexuais quem passar para tornar a homossexualidade mais socialmente aceita. Há também o fato de que homossexuais veem bissexuais como potenciais traidores pelo fato de que bissexuais podem entrar em relacionamentos heterossexuais.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Acabo de ler "DICTADURAS MILITARES Y LAS VISIONES DE FUTURO" de Gabriela Gomes (lido em espanhol/Parte 4 Final)

 


Um Estado é uma visão de um projeto e a realização de um espírito. A ausência de um projeto dificilmente levará a unidade nacional. Logo se faz necessário que a nação tenha um identificação coletiva baseada no cumprimento duma missão civilizada.


Quando os militares assumiram o poder do Chile, quiseram refundar a sociedade e até mesmo a sua mentalidade. A sociedade chilena era vista pelos militares como extremamente estatista, o que a deixa suscetível a mentalidade socialista. Os militares trataram logo de implementar medidas de descentralização, diminuição do gasto público e diminuição do Estado, deixando a iniciativa privada ser o principal motor econômico. Na Argentina, o projeto refundacional deixaria a cargo da iniciativa privada tudo que não ferisse a assim chamada segurança nacional.


Essas iniciativas demonstram o desprezo dos tecnocratas ante ao povo. Isto é, eles creem que o povo não pode governar por si mesmo. Antes disso, o povo deve se elevar a tal ponto que chegue ao desenvolvimento cultural compatível com o nível de um tecnocrata. Essa inferiorização separa o restante da sociedade dos tecnocratas, supostamente portadores de uma visão superior e responsáveis pelos rumos do país. O que não é outra coisa que escravidão política.


Na futurologia argentina, se planejou um desenvolvimento agroindustrial, em que haveria uma implementação de uma modernização industrial. Assim acreditavam que teriam um valor agregado. Além disso, acreditavam que só com o desenvolvimento de uma mentalidade científica-tecnológica seria possível que a Argentina se tornasse uma nação moderna. Graças a isso, investiram também na cibernética, seja no campo da educação (preparando as pessoas para o ano 2000), seja na própria indústria. Computação e informática também foram preocupações do regime chileno, visto que elas se tornariam os motores do desenvolvimento em tempos posteriores.


Olhando hoje, não vemos nem o Chile e nem a Argentina como nações desenvolvidas e capazes de fazer frente aos EUA e Europa – além de, é claro, a China. Apesar de várias boas intenções dos tecnocratas, creio que não foram completamente exitosos em suas intenções. Será que o custo política, social e cultural foi adequado? Promoveu-se a escravização política de sociedades inteiras na promessa de um "futuro melhor" em que essas duas nações seriam equiparáveis a Europa e Estados Unidos, mas se entregou duas nações dependentes e que não tiveram suas prometidas elevações.

domingo, 7 de julho de 2024

Acabo de ler "Queering Queer Theory" de Laura e Jennifer (lido em inglês/Parte 1)

 


Nome completo do artigo: Queering Queer Theory, or Why Bisexuality Matters
Autoras: Laura Erickson-Schroth e Jennifer Mitchell

Quando falamos sobre identidade bissexual falamos de uma identidade apagada. Não só apagada, mas também marginalizada e estruturalmente excluída. A esse sistema que tenta apagar a existência bissexual chamamos de "monossexismo". O "monossexismo" prevê uma binariedade sexual (hétero-homo), como uma espécie de maniqueísmo sexual. O monossexismo é praticado por heterossexuais e homossexuais, deslegitimando a existência das pessoas bissexuais.

A narrativa monossexista traz uma vantagem para heterossexuais e homossexuais. Se uma pessoa heterossexual quiser fugir do martírio social da homofobia, basta ela ter uma demonstração de afeto pública com uma pessoa do gênero oposto. Esse "argumento triunfal" é, para essa pessoa, comprovação suprema de sua heterossexualidade. Já nos casos de homossexuais, a bissexualidade é um problema pois pode servir como uma "carta coringa". Isto é, heterossexuais poderiam "comprovar" que a sexualidade é uma questão de escolha ou de boa criação. É também mais prático para heterossexuais fingirem ou acreditarem que a bissexualidade não existe, assim fugindo da fiscalização de normalidade.

A bissexualidade é uma ameaça a heteronormatividade, tal como a homossexualidade também o é. No entanto, quando começou a se levantar a questão de uma identidade não-heterossexual, apostou-se na existência duma identidade contraposta a heterossexualidade (a homossexualidade). A oposição binária (heterossexualidade vs homossexualidade) é um reducionismo e a radicalização maniqueísta dessa tendência teorética dualista sustenta uma visão monossexista que leva ao apagamento e exclusão das pessoas bissexuais.

A teoria queer bissexual vai contra a teoria binária pois a teoria binária nega a existência da bissexualidade. A teoria queer bissexual defende a possibilidade de uma existência que rompa estruturalmente com a estrutura binária (monossexismo). Isto é, ela ataca fundamentalmente a estrutura classificatória e engessada que é imposta para restringir a liberdade romântica e sexual.

Acabo de ler "8chan, a Twitter-Fossil" de Susana Gómez Larrañaga (lido em inglês/Parte 4 Final)

Nome completo do artigo: 8chan, a Twitter-Fossil: A post-digital genealogy of digital toxicity


É preciso que tenhamos uma capacidade de investigar a propagação da informação sobretudo em locais altamente descentralizados e desregulados da internet. Apesar da autora estar falando sobre o 8chan e a ausência de mecanismos de regulação para frear a propagação de mensagens tóxicas, a mesma realidade também é observável no Brasil – o movimento channer nacional não é tão fraco como se usualmente pensa. Se não há um mecanismo que identifique a linguagem de determinados grupos sociais, sobretudo grupos particularmente nocivos e criadores de movimentos antissociais, a própria sociedade acaba correndo riscos e sendo vítima da movimentação dessas pessoas.


É evidente que precisamos considerar os aspectos predecessores que os levaram a se tornar o que são e a própria humanidade dessas pessoas, mas elas devem ser presas ou tratadas. Ignorar esse fato é deixar que acumulem mais poderes e mais táticas, garantindo que criem metodologias sócio-colaterais cada vez mais sólidas e perniciosas ao funcionamento da própria sociedade. Assim sendo, temos que compreender que há uma codependência entre o online e o offline.